Escolas Budistas na China O Budismo chinês é tipicamente descrito em termos de escolas, uma palavra amplamente usada para se referir a linhagens de interpretação exegética, estilos de prática de devoção ou cultivo ou ambos. As primeiras escolas a surgir, a partir do século V, eram linhagens exegéticas devotadas à interpretação de escrituras individualmente ou agrupadas. Exemplos iniciais incluem tradições baseadas nas traduções chinesas de tratados Mādhyamika ou Yogācāra, assim como em escrituras singularmente como do Nirvāṇa Sūtra, por exemplo. Uma tendência de alargar a inclusividade conceitual culminou no desenvolvimento de escolas sistemáticas, frequentemente referidas como escolas Sui-Tang, devido à época de seu surgimento, durante tais dinastias (do século VI ao VIII); exemplos basilares são as tradições Tiantai e Huayan (Guirlanda de Flores). Mais ou menos ao mesmo tempo, ou talvez um pouco depois, também se desenvolvem modos identificáveis de prática ou tradições formais, assim chamados devido à centralização de diferentes formas de práxis religiosa em suas identidades; isso se refere ao devocionalismo baseado nos sutras da Terra Pura, à meditação e prática de diálogos do Chan e a diligência ritual do Budismo esotérico. TERMINOLOGIA O termo escola evoca as tradições filosóficas da Grécia antiga, onde mestres individualmente guiavam pequenas assembleias (predominantemente masculinas) de estudantes em diferentes estilos de discurso intelectual. Seu emprego privilegia fundadores individualmente e conteúdo doutrinal acima das características sociais e da práxis religiosa e implica num modelo histórico de limitada aplicação às escolas exegéticas e comunidades monásticas individuais do Budismo chinês e é, na melhor das hipóteses, grosseiro quando usado para outros tipos de escolas budistas. Os estudos japoneses e o modelo denominacional japonês teve uma significante - e frequentemente não reconhecida - influência nas interpretações em línguas ocidentais do Budismo chinês desde o fim do século XIX. Estudiosos japoneses como Nanjō Bun'yū (1849– 1927) e Takakusu Junjirō (1866–1945) trabalharam como estudantes e assistentes de pesquisa com grandes estudiosos como Max Müller (1823-1900) e Sylvain Lévi (1863–1935), respectivamente, durante os anos de formação dos estudos budistas e religiosos na Europa. Adotando a perspectiva de seus mentores sobre a importância do Buda como fundador de uma doutrina e sua contribuição fundamental, esses autores japoneses e seus colegas tardios descreveram o Budismo chinês em termos também de fundadores, doutrinas e práticas características das separadas entidades denominacionais que se cristalizaram no Japão durante o período Tokugawa (1600-1868), quando o governo japonês impôs uma rígida estrutura administrativa sobre as religiões existentes no país. Embora tenha sido uma projeção compreensível da budologia japonesa inicial, é importante se lembrar de que nada como o modelo de "escola" japonesa, semelhante a uma organização denominacional integrada com doutrinas e práticas prescritas e ativos institucionais claramente definidos, especialistas sacerdotais e associação de membros leigos jamais existiram no Budismo chinês. Há também profundas diferenças entre as "escolas" de Budismo Chinês e aquelas das principais tradições Indianas, onde os vários nikāyas (por exemplo, Dharmaguptaka, Sarvāstivāda) serviam-se apenas como linhagem de ordenação e apenas secundariamente como exponentes de posições doutrinais particulares. Seria um pouco mais apropriado usar os identificadores filosóficos Mādhyamika, Yogācāra, e assim por diante para identificar os estilos interpretativos pan-asiáticos, embora não haja ligações institucionais entre os aderentes chineses e indianos de tais "escolas" filosóficas e participantes nessas tradições filosóficas nas duas culturas trabalharam a partir de conjuntos de textos muito diferentes. Em contraste, a linhagem de ordenação era raramente - se acaso nunca - usada como identificador sectário na China. Apenas uns poucos diferentes conjuntos de regras do Vinaya estavam em uso e pelo menos do século VII em diante, todos os monges e monjas do Budismo chinês eram ordenados sob o mesmo conjunto de regras monásticas traduzidas por aqueles da linhagem de ordenação indiana Dharmaguptaka. Além disso, até onde sabemos, virtualmente todos os budistas chineses, até aqueles especializados no estudo de tratados considerados Hīnayānistas na tradição oriental (assim como o largamente lido Abhidharmakośa da autoridade em Sautrāntika-Sarvāstivāda, Vasubandhu, por exemplo), identificavam-se com o Mahāyāna. Ainda, o número de missionários estrangeiros que fortemente se identificavam com o não-Mahāyāna era extremamente pequeno. Assim, usar a terminologia comumente aplicada ao Budismo indiano, de que todos os budistas chineses pertencem a uma única "escola" - não é particularmente de nenhuma ajuda. Finalmente, a retórica da seita, que é usado na literatura de estudos sociológicos e religiosos para se referir àqueles movimentos fora do mainstream que desafiam o status quo ou a entidades altamente organizadas que prescrevem programas totalitários de envolvimento religioso a seus membros, é completamente inapropriada para descrever o Budismo chinês antes do crescimento do Sutra do Lótus e outros movimentos populares do século XIV e adiante. LINHAGENS EXEGÉTICAS Durante os primeiros quatro séculos da era comum, houve um gradual aumento no número de seguidores e comunidades budistas na China, mas nada que tenha atingido a continuidade ou impacto de ser reconhecido como uma escola distinta. Isso é tão verdade que mesmo o altamente estimado Huiyuan (334-416), cuja comunidade no Monte Lu representou o ideal inicial de vida monástica, não continuou a funcionar como um grupo coerente após a morte do mestre. Então, embora Huiyuan seja famoso por ter deixado um grupo de 123 clérigos e seguidores leigos em devoções meditativas ao Buda Amitābha da Terra Pura, isso era apenas um dentre uma larga abrangência de variados eventos. Embora importante como precedente histórico das tradições tardias da Terra Pura, que dogmaticamente o afirmam como "patriarca" fundador, isso não pode ser considerado como o início da "escola" Terra Pura chinesa. Após os primeiros quatro séculos, o início do século V trouxe à tona o grande tradutor e exegeta Kumārajīva (m. 409) ofereceu aos budistas chineses fontes textuais para a compreensão sofisticada de suas tradições escolhidas. Além disso, Kumārajīva atraiu um número de monges talentosos, que estudaram com ele e o auxiliaram com a edição e explicação de seus recém-traduzidos textos. Muitos de seus textos se tornaram focos de significante atividade exegética, com seus próprios estudantes escrevendo largamente ensaios interpretativos e comentários. Tais linhagens de estudo constituem as primeiras sugestões de diferenciação sectária no Budismo chinês. Como Stanley Weinstein (1987) observou, dos dez textos mais frequentemente estudados no sul da China durante o século V, sete foram traduzidos por Kumārajīva. Quatro deles eram sūtras: o Sutra Lótus do Dharma Maravilhoso (Miaofa lianhua jing, Saddharmapuṇḍarīkasūtra); o Ensinamento de Vimalakīrti (Weimojie jing, Vimalakīrtinirdeśa-sūtra); o Perfeição da Sabedoria (em duas versões: Bore jing, Prajñāpā-ramitā-sūtra); e o Dez Estágios [do Bodhisattva] (Shizhu jing, Daśabhūmika-sūtra). Além disso, Kumārajīva escreveu uma revisão do Vinaya conhecido em chinês como Vinaya das Dez Recitações (Shisong lü), que derivava daquele usado em sua própria ordenação de linhagem Sarvāstivāda. Ele também traduziu discursos de estudiosos, incluindo uma exposição de filosofia analítica budista chamada Tratado sobre a Perfeição da Verdade (Chengshi lun, Satyasiddhi-śāstra), que mais tarde veio a ser tomado como anômalo, pela explicação simplista de śūnyatā ou "vacuidade" e três textos Mādhyamika que se tornaram conhecidos como San lun ou Três Tratados. A tradução de Kumārajīva do Comentário sobre a Grande Perfeição da Sabedoria (Da zhidu lun, popularmente chamado de Da lun, *Mahāprajñāpāramitopadeśa), embora tenha sido terminado em 405, foi amplamente ignorado até a segunda metade do século VI, quando foi tomado como objeto de estudo pelos eruditos da tradição San lun. Os outros três principais textos estudados no século V no sul da China eram o Nirvāṇa Sūtra (Niepan jing), traduzido por Dharmakṣema em 421 e levemente revisado por estudiosos do sul pouco tempo após sua tradução; o Tratado sobre a Essência do Abhidharma (Za apitan xin lun, popularmente referido como Pitan, *Saṃyuktābhidharmahṛdaya-[śāstra]), traduzido por Saṃghavarman por volta de 435; e o Sūtra do Rugido do Leão da Rainha Śrīmālā (Shengman jing, Śrīmālādevīsiṃ-hanādasūtra), traduzido por Guṇabhadra em 436. No norte, as guerras dinásticas nas décadas de 420 e 430 e a perseguição ao Budismo na década de 440 tornaram dificultosa a atividade de estudos. Quando ensinamentos sobre as escrituras e comentários escritos fizeram parte das ultimas décadas do século V, os monges de lá se focavam inicialmente nos textos que haviam sido ignorados no sul ou que haviam sido recentemente traduzidos. A mais proeminente exceção era o Sūtra do Nirvāṇa, que foi assunto de massiva atenção e comentários em ambos norte e na corte de Imperador Wu de Liang (r. 501-549) no sul da China. Textos estudados no norte, mas largamente ignorados no sul incluem o Sūtra Guirlanda de Flores (Huayan jing, Avataṃsaka) traduzido por Buddhabhadra em 420; o Sūtra sobre os Estágios do Bodhisattva (Pusadichi jing, Bodhisattvabhūmi Sūtra), traduzido por Dharmakṣema em 418; e o Código Disciplinar em Quatro Partes (Sifen lü), a revisão do Vinaya baseada na linhagem de ordenação do Dharmaguptaka e traduzido por Buddhayaśas e Zhu Fonian em 405 ou 408. Dos textos que aparecem pela primeira vez traduzidos na primeira metade do século VI, o que mais atraiu a atenção no norte da China foi o Comentário sobre o Sūtra dos Dez Estágios (Shidi jing lun, popularmente chamado de Di lun), traduzido por Bodhiruci e outros em 511. Monges instruídos no sul da China na segunda metade do século VI forma da mesma forma atraídos pelo Compêndio do Mahāyāna (She dasheng lun, Mahāyānasaṃgraha, conhecido como She lun) e o Tesouro do Abhidharma (Apidamo jushe shi lun, Abhidharmakośa), ambos traduzidos por Paramārtha em 563. As linhagens exegéticas devotadas a cada um de tais textos (ou conjuntos de textos, no caso do San lun) constituíam "escolas" apenas num sentido mínimo. Em primeiro lugar, embora monges individualmente fossem conhecidos como especialistas em escrituras específicas, a maioria parece ter trabalhado em múltiplos textos de vários tipos. Segundo, embora a linhagem de estudo de qualquer texto possa ser traçada de uma geração até a seguinte, mesmo quando a interpretação de um estudante era fortemente influenciada pelos seus professores, tais conexões eram suprimidas pelas flutuações de popularidade de diferentes escrituras ao longo das décadas. Terceiro, monges frequentemente estudavam com vários mestres, então as linhagens exegéticas, frequentemente sofriam uma "polinização cruzada" umas das outras. Quarto, longe de tentar manter as tradições escriturais distintas e independentes, as interpretações de escrituras individualmente eram colocadas umas contra as outras, com o entendimento de que uma escritura usada para análise de textos totalmente diferentes e a compreensão do Budismo como um todo aplicada à interpretação minuciosa de escrituras específicas. Weinstein conclui que para a China do século V e VI, havia cinco tradições exegéticas baseadas na literatura indiana: Chengshi lun, Di lun, San lun (incluindo o estudo do Comentário sobre a Grande Perfeição da Sabedoria), Pitan (Abhidharma) e She lun. A isso podemos adicionar as tradições exegéticas baseados nos sutras e literatura Vinaya - Lü (Vinaya), Nirvāṇa e Huayan - o resultado sendo a combinação mais costumeiramente referida como "escolas" nos textos modernos. O termo às vezes usado pelos textos chineses contemporâneos para descrever tais tradições de aprendizado monástico, zong (que em chinês, originalmente se refere ao templo de um clã, ao principal ancestral ou deidade ancestral do clã e por extensão ao clã como um todo), não se refere de forma alguma a nenhum tipo de identidade sectária, mas ao "tema contido" ou "doutrina essencial" do texto em questão. Claro, bem no fim do século VI vários "líderes de grupos [de estudo]" (zhongzhu) especializados em textos particulares receberam reconhecimento formal do governo da dinastia Sui (589-618), com o Imperador Wen (r. 581605), nomeando a residência de monges eminentes em diferentes grandes templos de Changan, como centros do Di lun, Vinaya, Da lun (ou seja, Da zhidu lun) e de grupos de estudos de Niepan, respectivamente. Foi baseado parcialmente neste precedente, que os ensinos de todas as tradições exegéticas foram transmitidos para o Japão antes ou durante o período Nara (710-784), onde seu uso como rótulos sectários foi institucionalizado dentro do Budismo japonês. Contudo, como Abe Ryūichi tem mostrado, mesmo os grupos de estudo do Budismo Nara eram comunidades muito pequenas com participação compartilhada de membros e completamente desprovidas de autoridade administrativa ou identidade institucional, então a retórica da "escola" é da mesma forma problemática nesse caso. ESCOLAS SISTEMÁTICAS Uma mudança qualitativa na natureza das escolas chinesas de Budismo ocorre através dos esforços de Tiantai Zhiyi (538-597). Zhiyi proporcionou uma larga e abrangente discussão sobre os mais importantes textos chineses, integrando a interpretação do Budismo da perspectiva do popular Sutra do Lótus e demonstrando conexões com os fundadores da dinastia Sui, guiando ao estabelecimento de uma das mais influentes e duradouras escolas de Budismo do leste da Ásia. A tradição que ele estabelece tornou-se conhecida como escola Tiantai, baseada no nome da montanha no sudeste da China (província de Zhejiang) escolhida como seu centro principal; também cresceu na Coréia (como escola Ch'ŏnt'ae) e no Japão (como escola Tendai). Embora a escola Tiantai tenha perdido favor durante os primeiros anos da dinastia Tang (618906), ela foi revivida pelo quinto sucessor de Zhiyi, Zhanran, que foi de fato o primeiro a se referir a essa tradição como "Escola Tiantai". Mais tarde, Tiantai cresceu ao ponto de se tornar efetivamente sinônimo de todos os monastérios voltados ao ensino da dinastia Song (9601279) em diante. A inovação de Zhiyi foi combinar 1) um sistema interpretativo que atravessa toda a doutrina budista (disponível no subcontinente leste asiático naquele momento); 2) um similarmente compreensível sistema de prática meditativa; e 3) um específico centro institucional e de linhagem de ensino. Um dos elementos centrais de seus ensinos foi a filosofia do vazio (śūnyatā) derivada dos escritos de Nāgārjuna, particularmente o Mūla-madhyamaka-kārikā, conhecido em chinês como Zhong lun (Tratado sobre o Meio), um dos San lun ou "três tratados" e o Comentário sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, também atribuído a Nāgārjuna, mas parece maior a probabilidade de ser uma compilação do tradutor Kumārajīva. Tudo isso combinado com um uso multifacetado do Sutra do Lótus, tanto pela sua implicação doutrinal quanto como inspiração para o ritual de arrependimento e prática meditativa. Dessa escritura, Zhiyi adota a posição de que os vários ensinamentos do Buda eram direcionados aos seres sencientes de acordo com seus diferentes níveis de capacidade espiritual, usando seus "meios hábeis" (upāya, fangbian) de forma a adaptar sua mensagem ao ouvinte. Dada a base teórica e demonstrando extensivamente sua relação nos trabalhos de comentadores chineses anteriores, Zhiyi traça os "cinco tempos" - cinco períodos diversos do desenvolvimento do ensino do Buda - assim como diferentes tipos de doutrina e métodos de ensino usados pelo Buda em diferentes contextos. Embora os detalhes dessa formulação não estejam incluídos aqui, suas implicações são imensas: Zhiyi proveu uma explicação compreensível para as eventuais dissonâncias entre as escrituras Budistas, afirmando que cada diferente mensagem doutrinal era voltada a guiar diferentes tipos de congregações de seguidores rumo à meta singular do estado de Buda. Desenvolvendo esse método, Zhiyi baseia-se em interpretações anteriores de forma a assinalar a importância de textos largamente usados como os sutras Guirlanda de Flores, Perfeição da Sabedoria, Vimalakīrti e Nirvāṇa, mesmo dando lugar de honra Sutra do Lótus como o grande pináculo dos ensinos de Buda. Zhiyi era da mesma forma inclusivo e sistemático no campo das práticas meditativas, definindo quatro categorias de samādhi que virtualmente cobrem toda aproximação possível: constantemente sentado, constamentente andando, ambos sentado e andando e nem sentado e nem andando. E é claro, sua concreta prescrição para tantos diferentes tipos de práticas meditativas tornou-se um tipo de forma base para o conjunto de orientações de todos os budistas chineses pelos vários séculos que se seguiram. Em termos de identidade de linhagem, Zhiyi considerou a si próprio como representando não de uma de múltiplas unidades sectárias dentro do Budismo, mas sim uma abordagem mais aprofundada dos ensinamentos do próprio Budismo em si, como transmitido de Śākyamuni através do filósofo Mādhyamika indiano Nāgārjuna (século II) a seus mestres e por fim a ele mesmo. O quinto sucessor de Zhiyi, Zhanran, foi o primeiro a usar o termo "Escola Tiantai" (Tiantai zong), defendendo sua superioridade sobre as outras emergentes de seu tempo e aqui a palavra zong toma uma nova conotação de ensinamento budista fundamental, tal como transmitido através de uma linhagem específica desde o Buda (histórico) Śākyamuni. O sentido de transmissão de um mestre da "Boca Dourada" a outro nesse sistema é notavelmente abstrato e é apenas com o surgimento da escola Chan (veja abaixo) que uma ideia sucessão de patriarcas linear e rígida emerge. Desenvolvimentos tardios na Tiantai chinesa incluem o surgimento de facções na dinastia Song de "dentro da montanha" e de "fora da montanha", com monges que viviam tanto no Monte Tiantai quanto em qualquer outro lugar, fazendo surgir diferentes interpretações dos ensinos de Zhiyi. Monges eruditos coreanos nos séculos XI e XII combinaram as várias formulações de Zhiyi dentro de um organizado sistema doutrinal e seu sistema veio a ser largamente aceito no Budismo japonês medieval e no chinês tardio. Inspirados no exemplo de Zhiyi, representantes chineses das tradições Yogācāra e Huayan (Guirlanda de Flores) buscaram atrair o apoio imperial através de similarmente compreensíveis interpretações das doutrinas budistas. O grande peregrino e tradutor Xuanzang (600?-664) e seu discípulo Ci'en (Dasheng Ji), frequentemente se referiam, provavelmente erroneamente, a Kuiji (632-682) como introdutor de um corpo substancial de novos textos como fundamentos da assim chamada escola Faxiang, enquanto Fazang (643-712) desenvolveu-se sobre uma tradição de escritos eruditos e inspiracionais baseados no Huayan ou Sutra Guirlanda de Flores, para atrair o suporte da Imperatriz Wu (r. 690-705). As escolas Faxian (termo amplamente usado nos tempos modernos, embora na verdade derive do nome japonês Hossō) e Huayan (jp. Kegon) foram extremamente importantes no período Nara, no Japão e permaneceram importantes em diferentes aspectos por todo o continente. Yogācāra foi reconhecida por suas inovações doutrinais, considerando a natureza da consciência humana e a realidade fenomênica, mesmo que suas posições específicas nunca atingiram popularidade ampla (em parte por sua complexidade filosófica e em parte por seu contrates com as preferências chinesas por doutrinas mais inclusivas e universalistas). A escola Huayan foi similarmente reorganizada em sua elaboração da mútua interpenetração de todos os fenômenos (mesmo listando tediosas e confusas distinções), mas diferente do Yogācāra chinês, houve um legado contínuo de visionária prática meditativa e ritual que era acessível tanto a estudiosos e eruditos quando para as pessoas comuns. Escolas sistemáticas que surgiram entre o século VI e VIII tiveram presenças duradouras através da história do Budismo chinês. O que separa essas escolas de suas linhas exegéticas iniciais, assim como de outros movimentos contemporâneos a elas, eram suas particulares combinações de suporte imperial, sua abrangência religiosa e posição dentro da tradição textual. Em primeiro lugar, os fundadores de tais escolas todos receberam níveis particulares de atenção dos regentes imperiais de seus dias. Zhiyi, por exemplo, recebeu atenção especial dos membros da dinastia Sui como parte de sua campanha para conquistar o sul da China, enquanto Xuanzang foi extremamente considerado por causa de seu conhecimento das "regiões ocidentais" e por sua grande produção como tradutor. Fazang, por sua vez, foi reconhecido como um prodigioso jovem monge e ativamente promovido pela Imperatriz Wu. Em segundo lugar, embora os sistemas Tiantai, Faxiang e Huayan todos tivessem suas diferentes ênfases, cada um possuía uma certa abarcabilidade que permitia a participação de diferentes caminhos. O exemplo primário disso é Zhiyi, cujas atenções enciclopédicas à grande variedade de doutrinas budistas e práticas meditativas parece fazer parte de toda e qualquer abordagem. Com seu total domínio das recentes tendências indianas do Yogācāra, Xuanzang (e Ci'en), foi capaz de gerar uma interpretação compreensiva da doutrina budista, que especifica diferentes alternativas disponíveis para aqueles de diferentes estágios no caminho da espiritualidade. De sua parte, Fazang e suas apresentações de princípios abstratos demonstram-se altamente atrativos aos budistas chineses daquele tempo e gerações subsequentes, permitindo ambos, um responsório altamente filosófico e intelectual e uma abordagem fortemente visionária à prática da meditação. Em terceiro lugar, a abarcabilidade descrita acima só foi possível em cada caso através do magistral controle de um determinado corpo de escrituras budistas. O Sutra do Lótus e o Guirlanda de Flores foram indiscutivelmente as mais largamente populares escrituras na China durante vários séculos precedentes e os vários textos da filosofia Yogācāra a fizeram um dos mais importantes modos de interpretação intelectual. Embora Zhiyi não esteja diretamente envolvido em traduções e Fazang apenas a um limitado nível, a conexão entre todos esses três homens com o patrocínio imperial da produção escriturística budista não pode ser negligenciada. Assim, cada uma das escolas sistemáticas Sui-Tang representou um sistema doutrinal compreensível, completo, com uma justificativa de linhagem de transmissão direta do Buda e com um conjunto característico de posições a considerar para o cultivo espiritual. Devemos nos lembrar, contudo, que a elite monástica que se identificava com essas escolas sistemáticas era uma pequena fração da comunidade monástica chinesa. TRADIÇÕES MODAIS Nos séculos VII e VIII, três modos de prática religiosa emergiram do que se tornaria característica que perduraria no Budismo chinês: o devocionalismo Terra Pura, a meditação Chan (mais conhecido pela pronúncia japonesa "Zen") e a visualização ritual do Budismo esotérico (mijiao). Enquanto muito diferentes uns dos outros em termos de meta soteriológica, procedimentos devocionais e estilos ritualísticos, as três tradições modais todas: 1) Enfatizavam determinada abordagem religiosa prática mais do que a compreensão teórica; 2) Permitiam uma grande abrangência de praticantes, dos leigos comuns a monges eruditos; 3) Possuíam relações extremamente limitadas, ou às vezes mesmo antagônicas com as escrituras budistas. A tradição chinesa da Terra Pura é baseada no grupo de escrituras traduzidas descrevendo o Buda Amitābha ("Luz Infinita", também chamado de Amitāyus, "Vida Infinita") e seu paraíso, a "terra pura" (jingtu) ou "terra da bem aventurança" (refletindo a palavra sânscrita sukhāvatī). Após eras de cultivo religioso como Bodhisattva Dharmākara, Amitābha criou um reino totalmente diverso dos sistemas de mundos comuns na cosmologia budista, que inclui seus paraísos, tornando mais fácil para tais renascer lá para atingir a iluminação. Amitābha promete que aqueles que permanecerem "atentos" (nian, "lembrar-se, pensar em", do sânscrito anusmṛti) a ele por meramente dez instantes de pensamento garantiriam seu renascimento na Terra Pura. Isso foi inicialmente compreendido como uma forma simples de visualização meditativa, na qual a pessoa se fixava na concretude gráfica da imagem do Buda. Como mencionado acima, esse tipo de visualização foi praticava um dia na comunidade de Huiyuan no Monte Lu. Durante o século VI e VII em Xuanzhongsi no norte da China (província de Shanxi), surgiu uma sucessão de monges que transformaram o entendimento da prática da Terra Pura, expandindo da visualização meditativa original descrita para uma ênfase maior na recitação oral do nome do Buda Amitābha. Tanluan (c.488-c.554) enfatizou que a prática da Terra Pura era um caminho simples e possível a todas as pessoas vivendo num mundo corrompido, enquando Daochuo (562-645) afirmou que essa prática era particularmente apropriada para o período final do ensino budista (mofa; jp. mappō), já que resultaria no encontro face a face com Amitābha na hora da morte. Já que, segundo ele, seria impossível saber quando alguém atingiu os tais dez momentos de pura sinceridade durante o nianfo (literalmente, "atenção ao Buda", quase sempre indicando Amitābha), Daochuo também sugere a seus seguidores que recitem tantas repetições orais quanto possível. Embora Shandao (613-682) recomende as práticas combinadas de recitação de sutras, visualização de Amitābha e veneração de imagens dos Budas, ele enfatiza que a prática da Terra Pura era mais voltada precisamente para o ignorante e faltoso, do que para o espiritualmente desenvolvido e que consistia primariamente de recitação oral. Ele também proveu detalhadas instruções de como retiros de nianfo deveria ser tomados, tanto como prática religiosa diária focada na liberação como também no leito de morte de forma a atingir imediato renascimento. Embora esses e outros mestres chineses da Terra Pura fossem eruditos, seus comentários e tratados sobre a devoção a Amitābha poderiam substituir, e não apenas incorporar-se a outras formas de religiosidade budista. Shandao em particular, também promoveu seu estilo de devocionalismo pela distribuição ampla de imagens de cenas da Terra Pura e o patrocínio de esculturas de Amitābha e seus bodhisattvas auxiliares. Não foram apenas essas as propostas do Budismo Terra Pura na dinastia Tang. A meditação em Amitābha estava incluída no samādhi "constantemente andando" de Zhiyi, que se tornou então o mais largamente praticado dentre as quatro categorias de seu sistema e a crescente popularização da recitação do nome de Amitābha guiou ao desenvolvimento de estilos musicais de recitação. Isso aconteceu mais notavelmente no Monte Wutai em Shanxi, cuja recitação melódica do nome de Amitābha foi transmitida para o Japão pelo famoso peregrino Ennin (794-864) e outros. Como a Terra Pura representava o paraíso que poderia ser alcançado após a morte, essa prática se tornou ingrediente chave de rituais de leito de morte e logo surgiram histórias sobre devotos que atingiram o renascimento na terra da bem aventurança de Amitābha. Como não havia distinção clara entre o nianfo meditativo e recitativo, budistas leigos ou ordenados monges de diferentes níveis sociais e educacionais poderiam todos tomar parte na prática. A palavra Chan é a transcrição do sânscrito dhyāna, significando algo como "concentração meditativa". Chan tem suas raízes nas tradições meditativas da Caxemira do século V, mas primeiro emergiu como diferenciado religioso movimento nos séculos VI e VII como um grupo de praticantes ascetas no norte da China que reconheciam o monge sul indiano Bodhidharma (m. cerca de 530) como progenitor. Então, depois de três quartos de século de incubação em várias localidades na China central, em 701 o movimento emerge no cenário nacional na corte da Imperatriz Wu. Muitas das doutrinas básicas agora associadas com o Chan foram formuladas nos anos iniciais do século VIII e os mais famosos mestres da escola eram ativos na China central e sul no fim do século VIII e IX. Não foi assim até a queda da dinastia Tang, contudo no regime Min no distante sudeste (onde hoje é a província Fujian), que as mais distintivas características da escola - principalmente sua dedicação ao espontâneo repartée entre mestres e estudantes, conhecido como "diálogo confronto" - tornou-se público. Então, com a fundação da dinastia Song em 960, o Chan se tornou uma das vozes dominantes do Budismo chinês, seus mestres monopolizando a posição de abades em nove a cada dez dos maiores monastérios pelo país e seu estilo genealogicamente baseado de compreensão tornou-se o modo padrão do discurso religioso. A chave para compreender o Chan chinês é seu esquema de linhagem, que demonstrou ser muito mais atraente do que na escola Tiantai com sua abstrata e descontinuada lista de sábios introduzida acima. Baseado em parte na noção indiana de sucessão mestre-discípulo, o Chan sustenta que o verdadeiro ensino do Budismo foi passado do Buda Śākyamuni através de uma sucessão de patriarcas indianos até Bodhidharma e então por uma sucessão de patriarcas chineses até os mestres dos dias atuais. Já que as elaborações doutrinais das escrituras eram inaptas a captar a verdadeira essência do seu ensino, o Chan rejeita a tradição textual que foi tão importante no Budismo chinês para todas as escolas anteriores definindo-se como uma "transmissão separada à parte das escrituras" (jiaowai bie zhuan; jp. kyōge betsuden). Esse modelo genealógico é também a chave para compreender a práxis religiosa do Chan, que foi empreendida largamente em duas diferentes formas. Na tradição Caodong (jp. Sōtō), o indivíduo deve nutrir a mente-búdica dentro de si (ou seja, sua natureza búdica, ou a qualidade de iluminação originária ou fundamental de todos os seres sencientes) de forma a se iluminar com o próprio potencial dessa natureza, desimpedido das ilusões da existência ordinária, um processo chamado às vezes de "iluminação silenciosa" (mozhao; jp. mokushō). Na tradição Linji (jp. Rinzai), o indivíduo deveria demonstrar o ativo funcionamento da mente búdica em espontânea interação entre o mestre iluminado e o estudante que aspira à iluminação ou, anos mais tarde, interrogar os famosos exemplos de tal interação na prática de meditação. O tipo de interação espontânea e também não verbal descrita nos textos Chan é conhecido como "observando a frase fundamental" (kanhua; jp. kanna) Chan (também referido como, usando a pronúncia japonesa, kōan Zen), onde a "frase fundamental" é a frase que marca o clímax de uma anedota que somente pode ser compreendida através de transcender o conhecimento comum. Como uma ideologia de autocultivo por pessoas dedicadas à religião, o Chan (diferente da Terra Pura) sempre permaneceu concentrado dentro das instituições monásticas. No entando, atraiu substancial interesse dos estudiosos e seu singular estilo de repartée foi celebrado em diversos contextos de arte e poesia, assim introduzindo a imagem do iconoclasta mestre Chan no repertório da cultura chinesa. Seu modelo genealógico e alegorias iconoclastas tomaram lugar em contraste com as formas tradicionais de Budismo e o Chan estava apto a se desenvolver em parte devido a ter preenchido um vazio deixado pelo colapso do suporte estatal para os trabalhos de tradução depois do fim do século VIII. O Budismo esotérico (mijiao) foi introduzido na China por três missionários estrangeiros no século VIII: Śubhākarasiṃha (635-735), que chegou em Chang'an em 716; Vajrabodhi (671741), que chegou em Guanzhou (Canton) em 720; e Amoghavajra (705-774), que tornou-se discípulo de Vajrabodhi com a idade de quinze anos na China, viajou até a Índia após a morte de seu mestre e voltou para a China em 746. Considerando que as técnicas de recitação, visualização e rituais semelhantes a algum tipo de magia, já eram há muito conhecidos nas fontes indianas, foi apenas desse período em diante que se introduziu um compreensivo sistema de tais técnicas organizadas pela forma espacial da maṇḍala (literalmente "círculo", aqui se referindo às concêntricas configurações de budas, bodhisattvas e outros personagens). Afirmando ambos, uma via rápida ao alcance da iluminação e o empoderamento pela ação ritual, através das mais profundas e grandiosas forças do universo, o Budismo esotérico cresceu grandemente na imaginação dos chineses do século VIII e recebeu irrestrito suporte da corte imperial. Embora os textos e procedimentos rituais introduzidos por esses três mestres, com assistência de seu pródigo discípulo Yixing (683-727), realizou-se uma massiva contribuição ao vocabulário ritual do Budismo chinês que permeou a completa tradição, o Budismo esotérico teve apenas uma limitada consideração na China como uma escola distinta ou separada. Afirma-se que o Budismo esotérico nunca produziu estatutos doutrinais intelectualmente substanciais, nem indianos ou nativos chineses (embora tenha havido uma breve agitação de novos textos introduzidos nas últimas duas décadas do século X) e mesmo suas duas separadas linhagens de iniciação parecem não terem sido transmitidos depois do século IX. Quando o Chan efetivamente se beneficiou do colapso dos trabalhos de tradução, o Budismo esotérico, como uma escola sistemática incipiente (a exemplo do que se tornou no Japão, através dos esforços criativos de Kūkai) declinou na China. DESENVOLVIMENTOS TARDIOS Desde a dinastia Song (960-1279) em diante, novas ramificações emergiram no Budismo chinês e algumas das maiores escolas assumiram características mútuas. Primeiro, várias "casas" e outras sublinhagens se desenvolveram com o Chan, que manteve o domínio nas instituições monásticas pelo país. Segundo, o Budismo Terra Pura começa a descrever-se em termos de sucessão de linhagem, um estilo de representação adotado pelo Chan. Terceiro, a competição da escola Tiantai entre facções "estabelecidas na montanha" (shanjia) e "fora da montanha" (shanwai), identificada através da residência no Monte Tiantai ou em qualquer outro lugar e caracterizada por compreensões divergentes do ensinamento de Zhiyi. Quarto, o Budismo Tibetano crescia por um tempo durante a dinastia Yuan (1206-1368) e novamente durante a Qing (1644-1911), especialmente na corte, ainda que sentimentos anti-Mongóis limitassem sua maior disseminação. Quinto, havia numerosos vetores de atividade religiosa no Budismo chinês não tão considerados como discretas entidades sectárias, mas que podem ser consideradas inseridas no contexto; um exemplo importante é o difuso e extremamente popular culto devotado ao Bodhisattva salvífico Avalokiteśvara (conhecido como Guanyin, Gyanshiyin, Guanzizai dentre outros nomes chineses). Mesmo tendo tais características, contudo, os rótulos sectários que emergiram durante a dinastia Tang acabaram sendo largamente usados durante todo o resto da história da China. Buddhism, Schools of: Chinese Buddhism Encyclopedia of Religion Ed. Lindsay Jones. Vol.2. 2ª ed. Detroit: Macmillian Referece USA, 2005. p1235-1241. Gale, Cengage Learning, 2005. John R. McRae Tradução: Upasaka Pundarikakarna (Marcelo Prati)