Evolução: Conceitos Básicos Por: Jorge Sousa, estudante de Doutoramento no grupo de Biologia Evolutiva do Instituto Gulbenkian de Ciência. Um dos processos mais fundamentais para compreender fenómenos biológicos é a Evolução. A Evolução dá-nos um contexto onde podemos integrar diversos organismos, a sua estrutura, os seus comportamentos e interações, tanto entre eles (os organismos), como com os ambientes onde eles subsistem. A Evolução, ao contrário do que por vezes pode parecer, não é guiada por nenhum objetivo, não tem nenhum caminho definido. Por Evolução, entende-se um processo descritivo, um conjunto de regras que ajudam a explicar eventos que são possíveis de observar através de experiências e de estudos de sistemas naturais, ou inferir, através de registos fósseis. DIVERSIDADE GENÉTICA E FENOTÍPICA Numa visão clássica, a Evolução corresponde à mudança, entre gerações de organismos, na frequência de elementos que são considerados traços representativos (características/caracteres). Em termos mais biológicos, estes traços são geralmente vistos como informação genética, sequências de ácido desoxirribonucleico (ADN) que constituem os organismos. Estas sequências genéticas, os genes, são a base fundamental de traços (caracteres) que se apresentam como o fenótipo dos organismos, tal como a cor dos olhos e a aparência dos membros. Estes traços fenotípicos são geralmente complexos em termos de constituição genética, não sendo linear a sua correspondência a cada gene. No entanto, quando os organismos se reproduzem, estes traços são transmitidos aos descendentes, pois recebem uma cópia da informação genética do progenitor. É normal, durante este processo de cópia, que surjam erros. A maioria destes são corrigidos por vários mecanismos responsáveis pela supervisão dessa cópia. Há, porém, situações onde esta verificação falha e a réplica acaba por ser imperfeita. Estas mutações são, portanto, uma consequência inevitável do processo de replicação dos genomas. Esta imperfeição na herança de material genético é não só uma das principais fontes de diversidade na natureza, mas também a matéria prima sobre a qual a Seleção Natural vai atuar, dando origem a um processo de Evolução. MUTAÇÕES DELETÉRIAS, BENÉFICAS E NEUTRAS À primeira vista, uma mutação deveria ser prejudicial aos descendentes dos organismos. E a verdade é que, na maioria das vezes, é isso que acontece. Os organismos competem entre si por obtenção de recursos: a probabilidade de acontecer uma falha na cópia do genoma que venha a criar problemas a um 1 organismo, atribuindo-lhe uma desvantagem competitiva (uma mutação deletéria), é muito maior do que acontecer o contrário, ou seja, que esta falha aumente a performance do organismo para aproveitar o seu meio ambiente (uma mutação benéfica), atribuindo-lhe uma vantagem competitiva. No entanto, e dependendo do tipo de organismo, também pode acontecer que estas mutações não sejam nem benéficas nem deletérias, mas sim neutrais. Isto acontece quando a falha durante a replicação acontece numa zona do genoma que não codifica nada de essencial, ou então que a alteração possa ser compensada por outra parte do genoma que tenha uma função redundante. As mutações podem ter um efeito próprio, mas estes efeitos podem não se revelar linearmente cumulativos. Duas mutações que, de forma isolada, assumem um carácter benéfico para o organismo não têm necessariamente o mesmo efeito quando ocorrem em simultâneo (de forma consecutiva, não necessariamente ao mesmo tempo) no genoma. Isto acontece porque, dada a complexidade dos genomas, os genes têm funções interdependentes, na medida em que se regulam uns aos outros. Assim, uma mutação num gene pode influenciar o efeito de outra, fazendo com que uma mutação tenha um efeito atenuado ou exacerbado quando ocorre em conjunto com outras mutações; ou que uma mutação neutra deixe de o ser quando outra mutação estiver presente. Isto resulta em que mutações em genes diferentes podem ter um resultado imprevisível quando ocorrem em conjunto - a esta ligação funcional (e não estrutural) entre genes dá-se o nome de epistasia. A INTERDEPENDÊNCIA COM O AMBIENTE É sobre estes diferentes tipos de mutações, e os seus efeitos, que a Seleção Natural opera. Através de um processo de acumulação gradual de várias mutações, vai sendo criada diversidade no meio ambiente: organismos que são mais rápidos ou mais lentos, que vivem mais ou menos tempo, que têm mais ou menos filhos. Apesar de às vezes tal parecer evidente, não é linear olhar para todas estas variáveis e dizer qual delas vai ser a mais bem sucedida. Existe uma interdependência entre aquilo que garante uma sobrevivência mais longa de um organismo e a sua capacidade de se reproduzir, embora um não leve necessariamente ao outro. Depende de vários elementos, incluindo a interação de um determinado caracter genético com o ambiente sobre o qual atua. A Seleção Natural é, portanto, indissociável desta definição de ambiente; nunca opera num vazio, mas sim num contexto que engloba tanto aspectos geográficos, como ambientais ou de população - no fundo, tudo aquilo que é o ambiente de um organismo. A Seleção Natural vai então atuar sobre as alterações nos caracteres genéticos, a nível do fenótipo de um organismo; indiretamente, as alterações genéticas que dão origem a fenótipos mais vantajosos, num contexto específico, serão transmitidas de forma mais frequente. Em contrapartida, as alterações genéticas que estejam na 2 origem de fenótipos com uma desvantagem num certo ambiente serão gradualmente descartadas, dado que os organismos que as transportam terão menos possibilidades de se reproduzir e transmiti-las novamente. Assim sendo, graças a esta diferença na probabilidade de reprodução, os elementos genéticos que garantem traços fenotípicos vantajosos em determinado ambiente estão, gradualmente, mais representados, geração a geração. Importa aqui referir que os tipos de mutações que podem ocorrer, tanto benéficas como deletérias, são um contínuo. Ou seja, existem mutações que são deletérias a um organismo ao ponto de este não sobreviver durante o seu desenvolvimento; mas também existem mutações que, tornando o organismo menos eficaz, não o impedem de se desenvolver normalmente e até de se reproduzir, dependendo do nível de competição que existe por parte de outros organismos. A mesma coisa acontece com as mutações benéficas: estas tanto podem atribuir uma vantagem tão acentuada ao organismo que todo o ambiente é dominado por este, como podem simplesmente garantir que este tem maiores probabilidades de se reproduzir com sucesso. Assim, os efeitos das mutações vêm de um espectro que assume várias ordens de impacto, tanto positivo como negativo. SELEÇÃO NATURAL E SELEÇÃO ARTIFICIAL É possível observar o resultado deste processo evolutivo, as pequenas mudanças sucessivas e a seleção dos organismos mais adequados a um ambiente, se olharmos para os efeitos do Homem no mundo da agricultura, por exemplo. Com a criação de animais em quintas, bem como a cultura de determinadas plantas, é possível escolher certas características que são vantajosas para o produtor: vacas que produzem mais leite, ou árvores que produzem frutos com determinadas características. Um outro exemplo é através da domesticação dos cães. Certos criadores preferem cães grandes, velozes e agressivos; outros deram preferência a cães pequenos, calmos e meigos. Esta seleção para características específicas levou à criação de diversas raças, com características imensamente distintas, que são perpetuadas (e acentuadas) pelos criadores. A esta seleção intencional de características dá-se o nome de Seleção Artificial, embora o seu nome seja discutível. O processo é exatamente o mesmo que opera na Seleção Natural; a diferença, mais em questões históricas, prende-se com o facto de na Seleção Natural ser o ambiente que faz a seleção de traços, e não o Homem. No entanto, não é difícil conceber a ideia de que o Homem é, também ele, parte do ambiente dos organismos. SELEÇÃO NATURAL E DERIVA GENÉTICA Até aqui falámos de um processo, a Seleção Natural (ou Artificial), que influencia a evolução dos organismos pela sobrevivência daqueles que estão melhor adaptados ao seu ambiente. A escolha de determinados caracteres não é arbitrária, mas orientada por este contexto. Mas há, no entanto, um processo paralelo à Seleção 3 Natural que pode providenciar uma arbitrariedade à Evolução. Se considerarmos que a reprodução de um organismo (bem como a sua sobrevivência até ter a oportunidade de se reproduzir) é um evento com uma determinada probabilidade, ou seja, que não é 100% garantido que a transmissão de material genético vai acontecer, então podemos ver que há um elemento de aleatoriedade que tem também um papel no processo de Evolução. Dado que apenas alguns elementos de uma população irão concretizar as suas possibilidades de reprodução, então a criação de uma nova geração pode ser considerada quase como um processo de amostragem de material genético que existe previamente. Isto assume um papel importante especialmente quando existem mutações cujo efeito não é tão forte para serem ativamente selecionadas (contra, no caso de efeitos deletérios, ou a favor, no caso de efeitos benéficos). Ao invés, e como a Seleção Natural é um processo lento e gradual, a amostragem que existe ao passar de uma geração para a seguinte faz com que certas alterações genéticas ganhem uma maior frequência numa população, pura e simplesmente devido a efeitos aleatórios. A este fenómeno dá-se o nome de Deriva Genética, e o seu efeito é tão mais prevalente quanto menor for o número de indivíduos numa população: se houver poucos indivíduos, o processo de amostragem vai eliminar a diversidade genética, seja esta benéfica ou não. Embora geralmente as populações sejam de um número considerável, atenuando o efeito da deriva genética, esta pode tomar um papel de relevo em populações pequenas e isoladas. Portanto, enquanto que a Seleção Natural atua de forma não aleatória, escolhendo modificações fenotípicas que têm um efeito concreto na sobrevivência e reprodutibilidade dos organismos, a deriva genética tem um papel completamente aleatório sobre o material genético que é transmitido entre gerações. E é o conjunto destas duas forças que, em último caso, forma o processo evolutivo. É através do estudo e compreensão destes dois processos que se podem conceber quais são e como funcionam as regras que criam toda a diversidade e complexidade presentes no Universo. 4