FILOSOFIA MEDIEVAL (3ª SÉRIE, 3º BIMESTRE). A IDADE MÉDIA. Séc. V (queda do Império Romano do Ocidente - 456 d.C.) – XV (conquista de Constantinopla - 1453). Difusão e fortalecimento do Cristianismo. A Idade Média: desorganização da vida política, econômica e social do Ocidente. Depois vieram as guerras, a fome e as grandes epidemias. A diminuição da atividade cultural: o homem comum é dominado por crenças e superstições. Os cristãos vivenciavam uma concepção comum de mundo: as formas de saber e de verdade estavam expostas no Novo Testamento, nas Escrituras Sagradas e nos ensinamentos dos Padres da Igreja. Tanto a filosofia política quanto as outras áreas da cultura e do conhecimento científico estavam sob o controle da teologia oficial e das doutrinas da Igreja Romana. PENSAMENTO MEDIEVAL. Produção cultural e intelectual regulada pela Igreja Igreja: importante papel político; Grande quantidade de bens materiais: dona de 1/3 das terras cultiváveis da Europa ocidental (terra era a principal base de riqueza). Os filósofos não precisavam se dedicar à busca da verdade (já havia sido revelada por Deus aos homens): demonstrar racionalmente as verdades da fé. A grande questão discutida é a relação entre a fé e a razão, entre filosofia e teologia. PERÍODOS DA FILOSOFIA MEDIEVAL. 2 Períodos da Filosofia Medieval: 1º Patrística: século II ao VIII (Agostinho de Hipona); 2º Escolástica: século IX ao XV (Tomás de Aquino). Agostinho de Hipona (Santo Agostinho, Bispo de Hipona): Platão (427-347 a.C.); Tomás de Aquino (São Tomás, Doutor Angélico, Aquinate): Aristóteles (384-322 a.C.). ÉTICA MEDIEVAL. Ética ligada à religião. Enquanto que para os filósofos antigos a razão seria capaz de controlar nossos desejos e vontades, para o cristianismo, nossas vontades estavam corrompidas pelo pecado. Para agir eticamente precisamos do auxílio divino, necessitamos das leis divinas. Conceitos éticos fundamentais da Filosofia Medieval: a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus); a ideia de dever. Para sermos éticos “devemos” reconhecer e cumprir a vontade e a lei de Deus. O fim, o objetivo da ética: a salvação espiritual. TEORIAS POLÍTICAS MEDIEVAIS. Epístolas de São Paulo aos Romanos: Cap. XIII: 1 Todos se submetam às autoridades que exercem o poder, pois não existe autoridade que não venha de Deus, e as autoridades que existem foram estabelecidas por Deus. 2 Portanto, quem se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e tais rebeldes atrairão sobre si a condenação. A concepção cristã de governo e de autoridade legal se baseia numa Teoria do Direito Divino de Governar: o poder constituído provém de Deus, que dá legitimidade aos governantes, competindo ao povo a obediência e a subordinação às autoridades em exercício. O cristianismo postulou um problema desconhecido no mundo antigo, o problema da Igreja e do Estado: o poder espiritual (Igreja, Papa e bispos) e o poder temporal (Estado, Imperador e reis). AGOSTINHO DE HIPONA (354 - 430): PENSAMENTO. Conciliação entre o cristianismo e o pensamento filosófico pagão. Platão (427 – 347 a.C.) e neoplatonismo: influencia o pensamento, a filosofia de Agostinho: adapta algumas ideias e teorias de Platão ao Cristianismo. Razão e Fé se complementam. Homem: Corpo e Alma. Superioridade da alma. Alma criada por Deus para controlar o corpo (dirigindo-o para o bem, que consiste no amor a Deus). Pecador inverteria essa relação. FÉ E RAZÃO EM SANTO AGOSTINHO (354-430). Fé e Razão se complementam: a razão é uma auxiliar da fé. Fé e Razão: “intellige ut credas, crede ut intelligas”, entende para crer, crê para entender . Antes de crer, a razão é necessária para dar razão ao ato de crer (creio porque entendo); Depois é necessário crer, para entender os conteúdos da fé (entendo porque creio). Fé e razão andam juntas: “sem o uso da razão não há fé… use a razão para saber em quem você está pondo a sua fé… Por isso, sem razão não há fé” (AGOSTINHO, De libero arbítrio). A razão não elimina, antes esclarece a fé: a razão deve preceder as verdades da fé para saber se convém crer nelas. TEORIA DO CONHECIMENTO: DE MAGISTRO. Agostinho reforma a Teoria das Ideias de Platão em dois pontos: 1) faz das Ideias os pensamentos de Deus 2) altera a doutrina da reminiscência, inserindo a teoria da Iluminação. Teoria da Iluminação Divina: uma adaptação cristã da teoria platônica da reminiscência. Enquanto Platão afirmava que nossa alma veio de um mundo perfeito onde conheceu todas as verdades, Agostinho afirmava que nossa alma, por ter vindo de Deus, já possuía dentro de si todas as verdades, pois era uma partícula divina. Para Platão, as almas humanas contemplaram as Ideias antes de encarnar-se nos corpos, e depois se recordam delas. Para Agostinho, ao contrário, a suprema Verdade de Deus é uma espécie de luz que ilumina a mente humana no ato do conhecimento, permitindo-lhe captar as Ideias. O PROBLEMA DO MAL: MANIQUEÍSMO. Maniqueísmo: Doutrina criada por Manes (século III). Combina elementos do zoroastrismo, de outras religiões orientais, além do cristianismo. Visão dualista: encontram-se no mundo as forças do bem e do mal, ou da luz e da escuridão. Princípios absolutos: em permanente e eterno confronto. Homem: destituído de liberdade, suas ações são o resultado de um confronto interno (Bem x Mal). O AGOSTINHO CRISTÃO E O PROBLEMA DO MAL: O LIVRE-ARBÍTRIO. Deus: eterno e imutável do qual procede toda natureza material ou espiritual. Toda natureza criada é um bem. Se Deus criou todas as coisas, ele teria criado também o mal? Homem: livre e criativo, vontade livre (livre arbítrio). Não seguir o bem por imposição, mas por livre escolha. O homem, fazendo uso errado do seu livre-arbítrio (liberdade) criou o mal. As más ações provêm das paixões humanas. Todo mal consiste na carência ou ausência do bem: bem e não bem. BOA VONTADE X VONTADE CORROMPIDA. Homem Bom: utiliza da boa vontade, da razão, para praticar suas ações. Boa Vontade: praticada com amor às coisas eternas e atemporais (Deus). O Mal: fruto de ações praticadas com uma vontade corrompida. Vontade Corrompida: o homem pratica visando uma segunda classe de amor (paixões, ou libido, o amor às coisas materiais). O SENTIDO DA HISTÓRIA: A CIDADE DE DEUS. Intento inicial: responder às acusações que os pagãos faziam ao Cristianismo. 413-427 A Cidade de Deus (Civitas Dei, Civitas Coelestis). Cidade dos Homens (Cidade Terrena, Civitas Diaboli). Agostinho define cidade como “[...] uma multidão de homens em mútua harmonia” (La Ciudad de Dios, I, 15). AS DUAS SOCIEDADES. Desde o início da história humana, aparecem duas espécies de homens, representados pelas figuras bíblicas de Abel e Caim. “[...] o primeiro, Caim, que pertence a cidade dos homens e o segundo, Abel, da cidade de Deus”. Quando o bispo Agostinho fala das duas cidades ou sociedades ele quer expressar a existência de duas comunidades motivadas por atitudes mentais e morais divergentes. A Cidade de Deus: valores espirituais, graça. Cidade dos Homens: bens materiais, pecado. Uma cidade estaria a serviço de Deus e seus anjos bons; e a outra cidade era servidora do diabo e dos seus demônios maus. AMOR A DEUS X AMOR A SI. A história faz-se no conflito entre o bem e o mal (ausência de bem), entre a graça e o pecado. “Dois amores fizeram as duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus fez a cidade terrena, o amor de Deus até ao desprezo de si fez a cidade celeste” (De Civitate Dei). Cidade de Deus: Igreja (interesses espirituais). Libertos do pecado, em peregrinação ao céu e muito próximos do ser divino. Cidade dos Homens (Cidade Terrena, Civitas Diaboli): Estado (coisas materiais). Pessoas marcadas pelo pecado, não vivem na fé. CATÁSTROFES: CIRURGIAS DIVINAS. A cidade terrena: seguem o caminho do mal e que, embora neste mundo pareçam triunfantes, estão destinados à eterna condenação. A cidade celeste: seguem o caminho do bem e que, embora neste mundo pareçam vencidos, estão destinados à eterna salvação. Para evitar que a cidade terrena leve, em definitivo, a melhor sobre a cidade celeste, Deus, na sua providência, vai dispondo, no decurso do tempo, catástrofes e calamidades, que são uma espécie de cirurgia divina para curar os corações feridos pelo pecado e os reintegrar na esfera da cidade celeste. A esta luz devem ser compreendidas as calamidades caídas sobre o Império Romano e ao seu modo pagão de vida. TRATADO POLÍTICO: CIVITAS DEI. Cidade de Deus: comunidade cristã, os membros da Igreja, os indivíduos que prezam os interesses espirituais. Libertos do pecado, em peregrinação ao céu e muito próximos do ser divino. Salvação: reinar eternamente com Deus. Cidade dos Homens: movidos por interesses materiais. Danação: sofrer eterno suplício com o diabo. Política: Estado subordinado à Igreja. Igreja cristã: jurisdição sobre a Sociedade Política. A autoridade que exerce o poder terreno só será perfeita se for um governante cristão. TOMÁS DE AQUINO (1226-1274): A RAIZ ARISTOTÉLICA DO PENSAMENTO CRISTÃO. TOMÁS DE AQUINO E OS DIFERENTES MODOS DE CONHECIMENTO. 1) O conhecimento por revelação de Deus ou pela fé: Ciência Divina (Revelação). 2) O conhecimento pela razão humana: (ciência humana) ciências matemáticas, ciências da natureza e a filosofia (que em si inclui uma teologia racional) 3) O conhecimento misto de fé e razão: ciência divino-humana: parte das verdades reveladas e delas extrai, pelo raciocínio, novas verdades (Teologia). Diferentes modos de conhecimento: fundamental relação de harmonia, porque toda a verdade tem a sua fonte no único Deus. FILOSOFIA E FÉ. Filosofia e fé: autonomia, concordância e subordinação. Filosofia: estatuto epistemológico próprio (seu próprio modo de conhecer e afirmar, que se funda na razão natural). A verdade da filosofia não pode estar contra a da fé. O conhecimento da fé é mais seguro que o da razão: em caso de conflito, a filosofia deve procurar pôr-se de acordo com a verdade da fé e não ao contrário. FILOSOFIA E TEOLOGIA. Duas ciências que se distinguem pelo diferente modo de conhecimento e afirmação da verdade. Uma apóia-se na fé ou na revelação de Deus (Teologia) , outra na razão natural. No que se refere ao objeto material, ele coincide parcialmente: Deus como única fonte da verdade. A filosofia presta valiosos serviços à teologia: Fornecendo-lhe os procedimentos racionais da sua lógica demonstrativa; Explicando e aprofundando, com a ajuda da razão filosofante, os dados da fé. Através da observação dos seres naturais: argumentos, fatos, evidências que possam provar racionalmente as revelações da fé. PRINCÍPIOS DA NATUREZA HUMANA. São Tomás, na esteira de Aristóteles: homem como unidade substancial de alma e corpo. Razão (ratio): um habitus natural capaz de captar os princípios do conhecimento. Sindérese (bom senso; faculdade de julgar corretamente): uma disposição ou habitus natural que o leva a compreender os princípios que inspiram e guiam as boas ações. Mas compreender não significa agir: o homem, porque é livre, pode escolher se afastar e infringir estas leis universais. Fim último do homem: salvação espiritual. Bem supremo: Deus A ALMA HUMANA. A alma humana é imortal e nela está a sede de toda razão e conhecimento do homem. Imortalidade da alma humana: o homem deseja a imortalidade, não quer a morte, existe em cada ser humano o desejo de uma existência perpétua. Isso é prova de que existe algo no homem que não morre, que é exatamente eterno e que passa esse desejo da imortalidade para toda natureza humana, e esse elemento imortal é a alma, ou a substância intelectual. É na alma racional e inteligente que se encontra a Imagem de Deus no homem - a alma humana é a Imagem de Deus (é intelectual como Ele é, e é eterna como Ele é). OBS. O CONTEÚDO DE FILOSOFIA MEDIEVAL DAQUI EM DIANTE (“AS 5 VIAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS” E A “TEORIA POLÍTICA DE TOMÁS DE AQUINO”) NÃO SERÁ COBRADO NA 1ª PROVA ESPECÍFICA DE FILOSOFIA DO 3º BIMESTRE. TOMÁS DE AQUINO E AS 5 VIAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS: 1ª VIA DO MOVIMENTO. Percebemos no mundo um fato: o movimento (mudança; ato e potência). Nada pode mover-se a si mesmo. Os seres não controlam sua mudança. Todo o movimento depende de um motor. O que é movido está sempre em potência em relação aquilo que o move, e o que move, ao contrário, está sempre em ato em relação aquilo que é movido: O ATO PRECEDE A POTÊNCIA. Se nada move a si mesmo, nada passa da potência ao ato senão por um ente em ato, precisamos admitir um primeiro motor e um ato primeiro: ESSE PRIMEIRO MOTOR É IMÓVEL. 2ª VIA DA CAUSA EFICIENTE. Se considerarmos a existência das coisas, também veremos uma dependência essencial entre elas. Causa Eficiente: consiste em um ente (ser) produzir outro ente. Nada pode ser causa eficiente de si próprio, ser o criador de si próprio. Aristóteles: seres naturais não tem causa eficiente. A causa da mudança (potência-ato) seria uma disposição natural. Tomás: causa eficiente também para os seres naturais. Pois eles não passam (naturalmente) da potência ao ato, eles são levados a isso pela causa eficiente. Cada coisa tem uma causa eficiente. Remontando de causa em causa, acabaremos por encontrar uma causa que seja a original. A razão induz-nos a crer que existe uma causa primeira e que essa causa é Deus. 3ª VIA DA CONTINGÊNCIA. Seres contingentes: têm possibilidade de existir e não existir. É impossível que as coisas dessa natureza tenham existido sempre, pois o que pode não ser, em algum tempo não existia. O que não existe só começa a existir por meio de alguma coisa que já existe. Nem todos os entes são contingentes, mas é preciso que na realidade haja alguma coisa necessária. Admitir a existência de um ser que seja em si mesmo necessário. 4ª: VIA DOS GRAUS DE PERFEIÇÃO. A quarta via: graus de perfeição que se pode encontrar nas coisas. É um fato que nas coisas se encontra o bem, o verdadeiro, o nobre e outras perfeições em grau maior ou menor. Mas o grau maior ou menor se atribui as diversas coisas conforme elas se aproximam mais ou menos a algo de sumo e absoluto; assim, mais quente é aquilo que mais se aproxima do sumamente quente. Dessa forma, existe algo que é verdadeiro, nobre e bom em grau máximo e, consequentemente, algo que, em grau máximo, é ser. O que é máximo em cada gênero é a causa de todos os que pertencem àquele gênero: por exemplo, o fogo, que é máximo no calor, é causa de todas as coisas quentes. Por isso, deve haver algo que para todos os entes é a causa de seu ser, de sua bondade e de toda outra perfeição. E a isso chamamos Deus. 5ª: PROVA DO ORDENAMENTO OU DA FINALIDADE (FIM SUPREMO). A quinta via se depreende do governo das coisas. Nós podemos ver que algumas coisas, que carecem de conhecimento, como os corpos naturais, agem em função de um fim. Eles não alcançam seu fim por acaso, mas por uma predisposição. Tudo o que não tem inteligência não tende ao fim, a menos que seja dirigido por algum ente dotado de conhecimento e inteligência, como a flecha lançada pelo arqueiro. Por isso, existe algum ser inteligente que dirige todas as coisas naturais para seu fim. E esse ser nós chamamos Deus”. Assim, constatamos a existência de uma ordem no Universo. Essa ordem deve depender de uma Inteligência Suprema. As coisas privadas de inteligência têm uma finalidade, uma ordem, pressupondo um Ser inteligente que as governa. Esse ser é Deus. TEORIA POLÍTICA DE TOMÁS DE AQUINO: SEPARAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA. Igreja católica: todo poder pertence a Deus: os governantes seriam representantes de Deus na Terra (DIREITO DIVINO DE GOVERNAR). Desobedecer ou desrespeitar o soberano seria uma ofensa a Deus (Tomás de Aquino é contrário a esta ideia). Não se deve seguir um príncipe que abandone a busca do bem comum. Abuso do poder: dá direito ao povo sublevar-se e de nomear outro governante mais moderado e justo. Dominação intolerável: não é lícito matar o tirano cruel, mas cabe ao povo reduzir os poderes ou destituir o monarca.