Encontro Revista de Psicologia Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 OBSERVAÇÕES SOBRE A ESTRUTURAÇÃO DE IMPASSES NA PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA1 REMARKS ON THE STRUCTURATION OF IMPASSES IN THE PSYCHOANALYTIC PSYCHOTHERAPY Silvia Tavares Sessak Universidade de São Paulo [email protected] RESUMO Investiga a estruturação de impasses na clínica de um grupo de psicoterapeutas psicanalistas. Os Ss são 8 psicólogas com pelo menos 3 anos de prática clínica. Utiliza o relato escrito de uma sessão de psicoterapia acompanhado de um breve histórico tanto do tratamento quanto do paciente. A análise qualitativa dos dados indica que o impasse reedita uma estagnação no desenvolvimento do paciente, colocando em xeque, de um lado, a existência de um rígido sistema defensivo que protege o self do paciente da eclosão de ansiedades arcaicas, e de outro, a capacidade do terapeuta de compreender o paciente e elaborar uma resposta que dê continência às ansiedades subjacentes. O tempo de atendimento necessário para a estruturação do impasse se situa em torno de 2 anos. O impasse se resolve ou pela interrupção do tratamento e a manutenção do sistema defensivo original do paciente, ou por uma mudança psíquica, acompanhada de um salto de qualidade no trabalho psicanalítico. Intervêm na resolução do impasse fatores como: a motivação do paciente para a mudança; sua possibilidade de suportar o tempo de espera necessário para que o terapeuta encontre a resposta adequada para a situação; a habilidade do terapeuta de diagnosticar o tipo de ansiedade presente, bem como o sistema defensivo utilizado pelo paciente e a capacidade do terapeuta de elaborar a contratransferência decorrente da prolongada estagnação do tratamento. Palavras-Chave: Seleção de parceiros, Psicologia, evolução, análise estatística. ABSTRACT Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 [email protected] Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 10/05/2007 Avaliado em: 19/05/2007 Investigates impasse structuration in psychoanalytical psichotherapy through qualitative analysis of session and patient’s anamnesis written reports, provided by 8 psychotherapists with at least 3 years of clinical practice. Verifies that clinical impasse reproduces a stalemate in patient’s development, defying, on one hand, the existence of a rigid defensive system protecting patient’s self from eclosion of archaic anxieties, and on the other hand, the analyst’s ability to understand his patient and to find a suitable response that may hold underlying anxieties. Attendant time necessary for impasse structuration is about 2 years. Clinical impasse comes to an end either by a treatment interruption, leaving unchanged the patient’s original defensive system, or by a psychical change leading to substantial improvement in psychoanalytical work. Contributing for the resolution of impasse, factors arise such as patient’s motivation to change and his ability to await until his analyst finds a suitable response for the situation, and the analyst’s ability to identify the type of anxiety in the session, as well as the defensive system adopted by the patient, and to work through the countertransference induced by prolonged stagnation in treatment. Keywords: Structuration, impasses, psychoanalytic psychotherapy. 1Agradeço à Profa. Dra. Ivonise F. da Motta pelo incentivo para a publicação deste trabalho, que derivou de minha Dissetação de Mestrado, sob sua orientação. Publicação: 27 de outubro de 2008 175 176 Observações sobre a estruturação de impasses na psicoterapia psicanalítica Um dos fenômenos mais importantes na prática clínica é o surgimento de impasses. De sua compreensão e manejo depende o sucesso do tratamento. O impasse clínico representa um momento crítico, enigmático e instigante que, se por um lado coloca em risco o tratamento, também pode levar a um salto decisivo no processo. A freqüência com que ocorrem impasses e rupturas nos tratamentos psicoterápicos parece ser muito mais comum do que se imagina. Elkind (1994) relata que uma pesquisa por ela conduzida em 1987 com 330 psicoterapeutas membros do Instituto de Psicologia de Berkeley, na Califórnia, revelou que 53% dos participantes haviam sido, eles próprios, pacientes numa terapia que tinha terminado com ruptura. Destes, 72% se sentiram prejudicados pela experiência. Nem sempre, entretanto, o impasse é sentido como um fenômeno negativo. Atwood, Stolorow e Trop (1989), por exemplo, vêem o impasse como uma oportunidade privilegiada para se alcançar a compreensão psicanalítica. Ferro (1997) entende o impasse como um período de resguardo necessário para que analista e paciente consigam metabolizar os elementos terroríficos não pensáveis que surgem no campo analítico, transformando-os em emoções e pensamentos. Burnstein e Cheiftz (1999) mostram como um impasse aparente pode levar a uma renovação do trabalho analítico, possibilitando uma exploração emocional mais profunda. Do ponto de vista da teoria psicanalítica, Calife (1991) procura evidenciar como determinados impasses e fracassos ocorridos na clínica de Freud deram lugar a avanços na conceitualização dos eventos psíquicos inconscientes. Buscando compreender melhor a maneira como se estrutura o impasse nos atendimentos, seu significado e possíveis formas de superação, empreendi uma pesquisa qualitativa na Universidade de São Paulo, da qual resultou uma Dissertação de Mestrado (Sessak, 2003). Utilizei, como dados para esta pesquisa, os relatos escritos de oito sessões de psicoterapia psicanalítica onde se caracterizava um impasse, devidamente acompanhados de um breve histórico do tratamento e do paciente. Cada relato foi escrito por um terapeuta diferente. Ao todo, oito terapeutas participaram deste trabalho. Defini impasse como uma situação decisiva de difícil solução, na qual o terapeuta não consegue elaborar o interjogo da transfência-contratransferência, entrando o processo terapêutico numa situação de risco. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 Silvia Tavares Sessak Os profissionais que forneceram os relatos eram psicólogas que freqüentavam o Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica, ministrado pelo Instituto de Psicologia da USP. Tinham pelo menos 3 anos de prática clínica e estavam fazendo ou tinham concluído a análise pessoal. Os pacientes eram atendidos na freqüência de uma ou duas vezes por semana, em sessões de 50 minutos. Os dados foram analisados sob a ótica da escola inglesa de psicanálise, privilegiando-se a observação dos movimentos transferenciais e contratransferenciais. O resultado mais relevante que surgiu a partir da análise do conjunto dos relatos foi a possibilidade de se entender o impasse como a expressão, dentro do tratamento, de uma estagnação no desenvolvimento emocional do paciente. Os pacientes da pesquisa, assim como a maioria dos pacientes, procuraram terapia por perceberem um determinado sofrimento psíquico. Estavam insatisfeitos com sua vida e queriam mudar, ou queriam que as coisas mudassem. Entretanto, o material clínico relatado revelou uma reedição, tendo se reproduzido na transferência exatamente o tipo de situação da qual o paciente se queixava no início do atendimento e que motivou a busca de psicoterapia. Para ilustrar os resultados obtidos, vou expor a sessão e fragmentos do histórico de um dos casos examinados, o caso 1. Fragmento de sessão relatada pela terapeuta T1:Método • P1: “Bom dia!” • T1: “Bom dia!” (P1 deita no divã) • P1: “Quero te avisar que a partir do dia 15 de janeiro até o dia 01 de feveireiro estarei de férias, mas retorno no dia 02 de fevereiro.” • P1: “Tá. Então T1, eu ia mesmo te dizer que minha mãe acha que não há mais necessidade de continuar o tratamento. Eu também acho, porque a fase pior já superei, e também acho que problemas vão existir a todo momento. Me sinto mais fortalecida para enfrentá-los. Estou passando por uma fase estável na minha vida. Meu namoro com o A1. Vai bem. Em janeiro vamos viajar por uma semana, vamos para o nordeste.” • (Enquanto T1 falava, surgia um impasse na sessão. Passo a sentir angústia e vontade de chorar, acompanhada de uma grande tristeza e sentimento de abandono. No instante que os sentimentos me invadem minha postura diante de T1, foi de paralisação. não conseguia mais escutá-la. A capacidade de atenção e observação estavam alteradas, assim como, a percepção e entendimento do material trazido pela paciente. Meus pensamentos se vincularam a sentimentos raivosos. A confusão estava presente. Surge silêncio na sessão). Então digo: Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 178 Observações sobre a estruturação de impasses na psicoterapia psicanalítica • T1: “Vamos conversar melhor sobre isso, tá?” • P1: “Tá. Tchau”. • T1: “Tchau”. Fragmentos do histórico do paciente P1 e comentários de T1 sobre o atendimento. P1 veio encaminhada por meio de um psiquiatra, onde realizava tratamento medicamentoso com anti-depressivo numa instituição hospitalar, na qual eu trabalhava como aprimoranda de psicologia, e onde passei a atendê-la em psicoterapia, no ambulatório de psicologia desta instituição durante oito meses, uma vez semanal. Nesse período, P1 estava com vinte anos de idade. Os motivos que a levaram a buscar tratamento foram término do namoro que durou cinco anos, a separação brusca de F1, sua melhor amiga, e o sentimento de abandono que persiste em seus relacionamentos. Com o término do curso de aprimoramento em psicologia, propus à paciente a necessidade da continuidade do tratamento em meu consultório particular, com a permissão do supervisor do curso. (Nessa época, P1 recebe alta do psiquiatra, pois segundo o mesmo, não havia necessidade de prosseguir o tratamento medicamentoso). P1 aceita a proposta; refiz o contrato, propondo atendê-la duas vezes semanais, um ano após o início; porém a paciente resiste, e alega não Ter situacão financeira suficiente para prosseguir nessas condições, sendo assim, passo a atendê-la uma vez por semana, durante um ano; quando em decorrência de um acontecimento na situação analítica, o qual mencionarei adiante, P1 decide interromper o tratamento. Logo, fico impedida de realizar com maior êxito o trabalho psicoterápico. Declara não relacionar-se bem com a mãe, pois refere que a mesma é rígida e autoritária. Queixa-se do excesso de trabalho da mãe, a qual passa a se sustentar após o falecimento de seu pai, devido à necessidade de um emprego; deixando a filha aos cuidados de sua irmã. Relata Ter tido experiência sexual com seu primeiro e único ex-namorado. O namoro durou seis anos. Comenta que, a princípio, R1 (seu ex-namorado) era uma pessoa atenciosa e carinhosa. Não se “desgrudava” um minuto, segundo a paciente; só que com o passar dos anos, R1. Resolve terminar, pois alega sentir-se sufocado com as atitudes de P1, sendo assim, a paciente sente-se abandonada e passa a manifestar características de um quadro depressivo. Nessa mesma época, sua melhor amiga resolve acabar com a amizade. O motivo da separação, segundo P1, foi o autoritarismo da mesma. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 Silvia Tavares Sessak No decorrer do processo psicoterápico, a paciente começa a namorar com seu melhor amigo da faculdade, o A1. Creio ser importante enfatizar esse comentário, por ser um dos fatores desencadeantes na interrupção do tratamento. Após o acontecimento que desencadeia a interrupção do tratamento psicoterápico, P1 apesar de Ter enfatizado o comparecimento às sessões até o final do mês de dezembro; se ausenta, embora eu tenha mantido com a paciente contato por telefone durante esse período, e afirmando à mesma a importância de seu presença para o encerramento proposto por ela. Minha insistência não tem êxito. O aviso das férias foi dado à paciente com um mês de antecedência. Neste caso, a psicoterapia pôde ser aproveitada pela paciente, P1, durante a crise provocada pela falência de seus relacionamentos com o namorado e com a melhor amiga. Entretanto, assim que P1 teve oportunidade de refazer seu sistema defensivo e de restabelecer um relacionamento fusional com um novo namorado, ela optou por encerrar o trabalho. Ao atribuir a responsabilidade pelo término da relação com a melhor amiga e pelas desavenças com a mãe ao “autoritarismo” de uma e de outra, talvez P1 expresse como sente o contato com os aspectos frustrantes da realidade. O trabalho da mãe e os interesses particulares da amiga parecem ser sentidos como uma imposição arbitrária e egoísta ao relacionamento. Assim sendo, podemos levantar a hipótese de que P1 almeja manter-se fusionada com o outro, para não se defrontar com as limitações impostas por uma realidade externa a si. Com a interrupção do tratamento, P1 rejeita a existência da vida particular da terapeuta, expressa na comunicação de um período de férias determinado por esta, sem a participação da paciente. Na verdade, creio que graças a esta atuação, P1 triunfa sobre a terapeuta, que se comporta de maneira separada dela. Ao mesmo tempo, através da valorização do relacionamento com o namorado, reitera sua crença de que é possível manter-se num estado mental onde a separação não é necessária e onde os conflitos ocasionados pela alteridade deixam de existir. Possivelmente, P1 utiliza uma identificação projetiva para defender-se dos sentimentos que acompanhariam a perda do vínculo com a terapeuta. Por isso, é a te- Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 180 Observações sobre a estruturação de impasses na psicoterapia psicanalítica rapeuta, e não P1, que sente angústia e vontade de chorar, acompanhadas de uma grande tristeza e sentimento de abandono. Talvez uma perda precoce, representada na história de P1 pela morte do pai aos cinco anos de idade e pelo conseqüente afastamento da mãe, tenha gerado um sofrimento de tal ordem que P1 não teve como enfrentá-lo pela via da elaboração. Assim sendo, ela ainda estaria se opondo a separações bruscas, que são experimentadas como uma realidade que invade violentamente o self, ameaçando-o de aniquilamento. A depressão seria resultado da falência das defesas que a protegem de reviver separações traumáticas. Sob este ponto de vista, o impasse neste tratamento refletiria um impasse na própria vida mental da paciente. Ela procuraria manter a saúde permanecendo num estado ilusório de fusão com a pessoa amada. Entretanto, à medida em que a relação torna-se mais realista, a paciente ou troca de relacionamento, substituindo a relação dual por uma fusional, ou volta a correr o risco de entrar em depressão. Para evitar a repetição do trauma, ela tenta manter-se imobilizada numa relação fusional. Nos casos estudados, foram necessários em torno de dois anos de trabalho clínico para que estas complexas situações emocionais pudessem se estruturar dentro do setting. Verificou-se que as dinâmicas transferenciais em jogo eram resultado direto do tipo de ansiedade presente e dos mecanismos de defesa utilizados para evitar sua eclosão. Todos os pacientes deste estudo pareciam estar lidando com intensas ansiedades arcaicas, através de um rígido sistema de defesa, que se por um lado os protegia de um colapso, por outro impunha sérias restrições ao desenvolvimento. O impasse no atendimento decorre deste rígido equilíbrio estático, e o exprime. Betty Joseph (1992) também percebeu este fenômeno, descrevendo-o como segue: (...) Os pacientes procuram análise porque estão insatisfeitos com o jeito como vão as coisas e querem mudar, ou querem que as coisas mudem. Há um desejo de mudança e uma pressão no sentido de maior integração; sem isso a análise fracassaria. E, no entanto, há um pavor de mudar. Inconscientemente eles sabem que a mudança que pedem envolve uma movimentação interna de forças, uma perturbação no equilíbrio mental e emocional estabelecidos e que se reflete em seu comportamento no mundo externo. Esse equilíbrio é mantido por elementos fina e firmemente articulados, e uma perturbação em parte desse equilíbrio deve reverberar por toda a personalidade. Nossos pacientes captam isso e tendem, portanto, a sentir todo o processo da análise como ameaçador. (p.196) Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 Silvia Tavares Sessak O trabalho psicoterápico psicanalítico pressupõe a desestruturação do sistema defensivo original, para que outro mais benéfico ao paciente possa se constituir. A análise do material clínico mostrou que, do total de oito casos, não chegou a ocorrer desestruturação em dois deles. Em seis casos, o trabalho terapêutico provocou o surgimento da ansiedade subjacente. Destes, em apenas dois a ansiedade pôde ser contida e trabalhada no setting terapêutico. Nos demais casos, e também naqueles em que não houve eclosão da ansiedade nas sessões, a terapia foi interrompida. Assim, existem dois resultados possíveis para o impasse: ou ocorre um fechamento do campo terapêutico, caracterizado pela impossibilidade de insights e de desdobramento da questão do paciente, com subseqüente interrupção do atendimento (6 casos), ou surge uma mudança psíquica que marca o início de uma nova fase no trabalho (2 casos). É interessante manter em mente que, nos casos estudados, só aconteceu mudança psíquica após o impasse ter sido vivido intensamente pela dupla, o que requereu em torno de dois anos de trabalho. O fato de ter ocorrido interrupção em seis dos oito casos parece indicar o quanto pode ser difícil, tanto para o paciente, quanto para o terapeuta, superar os limites dados por este tipo de configuração defensiva. Dentre os aspectos do paciente que favoreceram a superação do impasse, destaca-se a motivação para a mudança e a capacidade de esperar que o terapeuta elabore uma resposta adequada para a situação estabelecida. O material clínico analisado também trouxe à baila algumas dificuldades enfrentadas pelos terapeutas para compreender seus pacientes. Uma delas é a dificuldade em perceber que, embora os pacientes não apresentassem claramente sintomas psicóticos, usavam excessivamente a identificação projetiva e procuravam manter-se num estado narcísico indiferenciado, em suas relações objetais. Como a função formadora de símbolos estava intacta, os terapeutas tendiam a acreditar que o que era dito na sessão tinha valor simbólico, deixando de perceber que a comunicação, na verdade, estava se dando via identificação projetiva, e o que estava sendo comunicado era a rigidez defensiva. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 182 Observações sobre a estruturação de impasses na psicoterapia psicanalítica Com isto, o terapeuta passava a tratar o paciente como se as ansiedades subjacentes fossem neuróticas, e não psicóticas. Tal equívoco teve dois resultados: (1) impossibilitou a superação da estagnação decorrente da formação defensiva, e (2) propiciou a emergência da ansiedade numa intensidade tal que surpreendeu o terapeuta, dificultando sua tarefa de continência. O caso 1 exemplifica o primeiro tipo de resultado. Utilizarei uma vinheta do caso 2 para ilustrar o segundo resultado possível. Quando tento fazer uma intervenção apontando sobre o meu olhar e o olhar dele sobre o que ele estava sentindo e sobre o desejo de se livrar dessa mãe ele fica extremamente agressivo (nunca isso havia acontecido) começa a andar pela sala, altera o seu tom de voz, dizendo que eu “era louca, que eu dizia absurdos... (senti medo) depois começa a rir nervosamente e imita a minha fala com ironia. (Permaneço em silêncio e assustada). Depois começa a chorar, chora muito e fala que odiava e se envergonhava muito da mãe, que ela sempre o humilhou, que não o deixava brincar como os outros meninos, que o fazia de empregada; que ela não gostava dele...e que ela o havia feito sempre de boboca mas que ele não era. Conta que ela certa ocasião o havia obrigado a procurar um homem em um bar de periferia que diziam ser um “matador” para negociar a morte do pai que lhe traia com uma outra mulher que vivia no interior. P2 conta que disse para a mãe que não encontrou o tal homem e para mim diz que o viu e que ficou distante dele mas que havia pensado em lhe pedir para que matasse a mãe. P2 chora muito. Nas sessões seguintes P2 sentia-se muito culpado e perseguido pelo que havia falado e me dizia que não deveria ter falado sobre isso e que não entendia como tinha me falado sobre “essas coisas” que ele não queria nem mais pensar. P2 não aceitava qualquer colocação minha e começou a faltar nas sessões e após 3 meses abandonou a terapia dizendo que iria trabalhar fora da cidade. Se o terapeuta não puder perceber e interpretar a ansiedade psicótica subjacente e as defesas características deste tipo de transferência, que o enreda num relacionamento narcísico e imobilizado, o impasse dificilmente será superado. Betty Joseph (1992) sugere que a mudança psíquica é obtida quando o terapeuta consegue acompanhar, passo a passo, o modo do paciente de lidar com a ansiedade e com seus relacionamentos. Ela acrescenta, ainda, que é de suma importância Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 Silvia Tavares Sessak que o analista procure a parte do ego do paciente capaz de assumir responsabilidade pelo próprio insight de seus impulsos, mesmo quando esta parte possa ser novamente perdida. De fato, nos dois casos em que ocorreu mudança psíquica e superação do impasse, havia uma parte do ego do paciente que entrava em contato com as interpretações e que se responsabilizava pelos insights decorrentes. Utilizarei para elucidar este aspecto um fragmento de sessão do caso 7. P7 chegou ao consultório e entrou na sala de atendimento em silêncio, sem dizer uma palavra. Sentou-se abriu a mochila pegou um pedaço de espelho ou vidro, uma lâmina e em seguida um pacotinho de cocaína. Fazia tudo isto como se eu não estivesse ali e eu senti-me muito impactada com a situação e por alguns instantes paralisada. Eu tinha um sentimento de negação muito forte, como se aquilo não estivesse acontecendo comigo. Estes segundos pareceram uma eternidade e aí eu falei: • O que você está pretendendo fazer? Ele respondeu: • Vou cheirar aqui... (parecia assustado e surpreso com a minha pergunta) • Eu levantei-me abri a porta dizendo: aqui você não vai cheirar, se quiser vá cheirar lá fora. • P7 respondeu: então vou cheirar na sala de espera. • Eu disse: de maneira alguma, se quiser fazer isso vá fazer fora do consultório, se quiser voltar estarei aqui até o seu horário terminar. • Ele saiu e voltou em menos de cinco minutos, chorando muito, perguntou se podia entrar, eu disse que sim, ele colocou o pacotinho com a droga em cima da escrivaninha e permaneceu chorando e disse: Ainda bem que você fez isso, pensei que você ia fingir que nada estava acontecendo, cheguei aqui achando que você não ia ligar, tinha a impressão que estava sozinho que você não estava aqui... • Eu disse: parece que você precisou chegar numa situação limite para acreditar que eu me importo com você, por mais que eu faça você se sente sempre sozinho eu estou aqui para te ajudar. • Ele disse: Eu sei.... Agora eu sei (chorava muito enquanto falava isto). Pediu que eu jogasse fora a droga e eu disse que ele mesmo fizesse isto, ao que ele respondeu sorrindo, “com você não tem colher de chá mesmo, é mas se essa porcaria é minha eu é que tenho que me livrar dela”. Foi ao banheiro e jogou o pacotinho fora. Por outro lado, quando o terapeuta não consegue compreender profundamente o que está se passando no atendimento, o impasse pode provocar uma exacerbação da contratransferência, que pode dificultar ainda mais seu entendimento do fenômeno, gerando um círculo vicioso que pode culminar na interrupção do tratamento. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 184 Observações sobre a estruturação de impasses na psicoterapia psicanalítica Money-Kyrle (1990) observou que quando o terapeuta falha em compreender o paciente e fica impossibilitado de fornecer interpretações adequadas, pode se ver tentado a participar de outra forma no processo: Tomando agora a contratransferência no sentido restrito de um excesso de sentimento positivo ou negativo, esta também é muitas vezes o resultado indireto das frustrações despertadas quando um paciente necessitado não é compreendido, e nenhuma interpretação efetiva pode ser feita. Pois o analista cujo impulso reparador é frustrado de seu escoadouro analítico normal pode ficar inconscientemente inclinado a oferecer alguma forma de amor ou a tornar-se hostil com seu paciente. Ao mesmo tempo, o paciente pode estar facilitando este processo, por meio de tentativas de provocar um ou outro destes afetos em seu analista, que mais provavelmente reage ao estado de espírito de seu paciente justamente porque perdeu sua empatia com este estado. (p.42) As tentativas observadas de motivar o paciente a continuar o tratamento, a vontade de ajudar o paciente a resolver problemas concretos de seu cotidiano, os reasseguramentos do afeto do terapeuta podem representar a exacerbação da contratransferência positiva. Este aspecto pode ser observado no relato do caso 1. E a raiva, o ressentimento e a vontade de se livrar de um paciente frustrante, a exacerbação da contratransferência negativa. Para ilustrar este aspecto da contratransferência, apresentarei um fragmento de sessão do caso 6: • T6: Pagar e não poder usufruir, como aqui na terapia onde vc. paga quatro sessões e vem em uma apenas. • P6: É, pode ser, mas é que eu não estou podendo mesmo vir. • T6: É, eu acredito que você. não está podendo vir, não está podendo se entregar, está muito amedrontada com vivências de uma possível dependência ou uma ligação com alguém que não está grudado em você., como imagina que o C6 está através do carma. Como se você. não pudesse tolerar. Por isso eu acredito que seria bom nós darmos um tempo, pra você poder pensar se quer realmente fazer terapia, senão fica uma sensação que nós duas estamos tentando manter uma falsa ligação, meio mágica, onde não estão havendo interrupções, onde as faltas são negadas e acho que isto não seria bom para você, não iria ajudar em nada. É possível que a dificuldade do terapeuta em detectar a existência do impasse, ou a demora excessiva para encontrar uma resposta adequada à situação, também tenha efeitos deletérios sobre o psiquismo do paciente. A ausência de uma resposta para o impasse pode servir como confirmação de que os conteúdos evacuados por identificação projetiva são impossíveis de elaborar e, assim, contribuir para o acirramento das defesas do paciente. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185 Silvia Tavares Sessak Bion (1959/1994) observou que quando o analista se mostra fechado ou não reage às comunicações do paciente, o resultado é a identificação projetiva maciça e a deterioração dos processos evolutivos do paciente. A observação do conjunto dos resultados obtidos revelou que o impasse é um fenômeno transferencial-contratransferencial dinâmico em que são fatores determinantes: de um lado, o paciente com seu desejo de mudança, suas ansiedades e seu sistema defensivo, e de outro, o terapeuta, com suas limitações e sua capacidade de entrar em contato com terror, dor e ansiedade, tornando-os pensáveis. A superação do impasse dependeria da interação destes fatores. Espero que estas observações a respeito do impasse, possam contribuir para ampliar as reflexões sobre a prática clínica, sempre tão necessárias ao aprofundamento da nossa capacidade de compreender e de entrar em contato com nossos pacientes. REFERÊNCIAS Atwood, G., Stolorow, R., & Trop, J. (1989). Impasses in psychoanalytic therapy: A royal road. Contemporary Psychoanalysis, 25 (4), 554-573. Bion, W. R. (1994). Ataques à ligação. In Estudos psicanalíticos revisados: Second thoughts (p. 109126). (W. M. M. Dantas, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1959). Burnstein, L. J., & Cheifetz, P. (1999). Impasse or pseudo-impasse in the psychotherapy of an inhibited writer. American Journal of Psychotherapy, 53 (1), 74 - 81. Calife, I. (1991). Fracassos terapêuticos em psicanálise: Desvendando o inconsciente. Revista Brasileira de Psicanálise, XXV (1),11 - 19. Elkind, S. (1994). The consultant's role in resolving impasses in therapeutic relationships. American Journal of Psychoanalysis, 54 (1), 3-13. Ferro, A. (1998). Na sala de análise: Emoções, relatos, transformações. (M. Justum, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. Joseph, B. (1992). Mudança psíquica e processo psicanalítico. In M. Feldman & E. B. Spillius (Org.), Equilíbrio psíquico e mudança psíquica: Artigos selecionados de Betty Joseph (pp. 195-204). (B. H. Mandelbaum, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. Money-Kyrle, R. (1990). Contratransferência normal e alguns de seus desvios. In Melanie Klein hoje: Desenvolvimento da teoria e técnica (Vol ll, p. 35-46). (B. P. Haber, Trad.). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1956). Sessak, S. (2003). Impasses na clínica de um grupo de psicoterapeutas Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo. psicanalistas. Dissertação de Silvia Tavares Sessak Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), São Paulo. Encontro: Revista de Psicologia • Vol. XI, Nº. 16, Ano 2007 • p. 175-185