Fibrose Cística

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Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública e da Saúde do Consumidor - GAESP
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Procedimento Gaesp nº 055/2001
Inquérito Civil nº 006/2001
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA
8ª
VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
“É preferível antecipar a esperança da vida
do que abreviar o caminho da morte”
(Rel. Des. Gaspar Rubik Agravo de Instrumento 9872,
Tribunal de Justiça de Santa Catarina)
Processo nº 053.01.021742-0
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por
seus Promotores de Justiça do GAESP - Grupo de Atuação Especial da Saúde
Pública e da Saúde do Consumidor que esta subscrevem, legitimados e com
fundamento na Constituição Federal (arts. 1º, incisos II e III; 3º, incisos I, III e IV; 5º
caput e § 1º; 6º; 23, inciso II; 37 caput e § 6º; 127 caput; 129, incisos II e III; 196/198 e 227
caput e §§ 1º e 7º);
no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal 8.069/90 - arts.
3º; 4º; 5º; 7º; 11 caput e § 2º; 201, incisos V e VIII);
no Código de Defesa do Consumidor
(Lei Federal 8.078/90 - arts. 22 e 81/100); na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal
7.347/85 - arts. 1º, inciso IV, 5º caput, 11, 12 caput e § 1º; 19 e 21);
na Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público (Lei Federal 8.625/93 - arts. 1º caput; 25, inciso IV, alínea
“a” e 27, incisos I e II);
na Lei do SUS ( Lei Federal 8.080/90 - arts. 2º, § 1º; 4º; 5º, inciso
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III; 6º, inciso I, letra “d”; 7º, incisos I, II, IV e XII; 8º e 17, incisos II, III, IV e IX );
na
Constituição do Estado de São Paulo (arts. 217; 219, parágrafo único, nºs 1/4; 220
caput; 222 caput e incisos I, III, IV e V; 223, inciso I e 277 caput);
na Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 734/93 - arts. 1º caput
e 103, incisos I, VII, alínea “a” e VIII );
e no Código de Saúde do Estado de São Paulo
(Lei Complementar Estadual nº 791/95 -arts. 2º, §§ 1º e 2º; 3º, incisos III e IV, alíneas “a” e
“c”; 7º; 8º, inciso I; 12, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”; 15, inciso VI e parágrafo único e
17, incisos I, alínea “a” e II, alínea “a”)
vem ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
observando-se o procedimento comum ordinário, em face do
ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO), que
deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo Sr. Procurador Geral do Estado, em
seu Gabinete, situado à av. São Luiz, nº 99, 4º andar, nesta Capital, pelos motivos de
fato e de direito a seguir descritos.
I - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição Federal, em seu artigo 129, II, determina ao
Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal,
promovendo as medidas necessárias à sua garantia.
A Carta Magna conceituou em seu artigo 197 que “são de
relevância pública as ações e serviços de saúde”. Essa conceituação teve como
móvel possibilitar a atuação do Ministério Público frente aos Poderes Públicos, em
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prol da sociedade.
A Constituição do Estado de São Paulo, igualmente, em seu artigo
91; a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, em seu art. 25, inciso IV, alínea
“a”; e a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo, em seu art. 103,
incisos VII, “a” e VIII, cometem ao Ministério Público legitimação para o ajuizamento
da ação civil pública para a defesa, em juízo, dos interesses difusos e coletivos
indisponíveis.
Ressalte-se que a conclusão da Organização Pan-americana da
Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde, enumerada na
Série Direito e Saúde nº 1 - Brasília, 1994, afirmou que “O conceito de ações e
serviços de relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional,
norma preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de
1988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa
humana. Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de
controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação e
por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de relevância
pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por “relevância
pública” deve-se entender que o interesse primário do Estado, nas ações e serviços
de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância
social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de
saúde devem ser por ele privilegiados. A correta interpretação do Artigo 196 do texto
constitucional implica o entendimento de ações e serviços de saúde como conjunto
de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas seqüelas, através da
atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e
condicionantes de ordem econômica e social. Tem o Ministério Público a função
institucional de zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais as
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ações e serviços de saúde, adotando as medidas necessárias para sua efetiva
prestação, inclusive em face de omissão do Poder Público”.
O Ministério Público tem o dever irrenunciável e impostergável de
defesa da cidadania, cabendo-lhe exigir dos Poderes Públicos e dos que agem em
atividades essenciais o efetivo respeito aos direitos constitucional e legalmente
assegurados na prestação dos serviços relevantes e essenciais.
Dessa forma, está o Ministério Público legitimado para a
propositura da presente ação civil pública.
II – DOS FATOS
Em abril deste ano o Ministério Público foi procurado pela ABRAM
- Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose (Fibrose Cística), noticiando a
falta de atendimento aos portadores dessa terrível doença, usuários do Sistema
Único de Saúde - SUS, neste Estado de São Paulo, o que se demonstrou
absolutamente verdadeiro, como adiante se verá.
Primeiramente, vale esclarecer de que doença estamos tratando.
Vejamos algumas definições constantes do procedimento em anexo, formuladas por
profissionais capacitados.
II.a: FIBROSE CÍSTICA - DEFINIÇÃO E SINTOMAS
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“A Fibrose Cística (Mucoviscidose) é uma doença genética letal...
A doença é grave em razão de ser generalizada, o curso clínico é crônico e o óbito
ocorre mais cedo ou mais tarde, na dependência da gravidade do quadro e do
tratamento oferecido...” (fls. 28 - Prof. Nélson Rosário, do setor de ciências da
saúde da Universidade Federal do Paraná).
“A Fibrose Cística é uma doença crônica, sistêmica, conseqüência
de um defeito da síntese de uma proteína denominada CFTR, cuja função é controlar o
transporte de íons ao nível da membrana celular. É uma doença genética e até o
momento não tem cura...” (fls. 31 - Carlos Antonio Riedi, Pediatra).
“Mucoviscidose (ou Fibrose Cística) é uma doença de origem
genética que acomete o aparelho respiratório, digestivo e glandular (glândulas
sudoríparas e glândulas de órgãos reprodutores) levando a pneumonias de repetição,
diarréia crônica e desnutrição..., levando a complicações sérias onde o resultado final
é a morte...” (fls. 33 - Dr. Paulo C. Kussek, Pneumologia Pediátrica).
“A Fibrose Cística é um distúrbio congênito do metabolismo que
ocasiona um (sic) desnutrição proteico-calórica severa e afeta seriamente as glândulas
exócrinas. Os órgãos que costumam ser mais afetados são: (1) pulmões, apresentando
pneumonias recidivantes, fibrose e insuficiência pulmonar progressiva; (2) pâncreas,
cujas enzimas costumam estar diminuídas ou completamente ausentes, resultando em
má absorção de proteínas e gorduras; (3) glândulas sudoríparas, cujas secreções
contém cloreto de sódio em excesso.
A Fibrose Cística afeta principalmente os pulmões e o tubo
digestivo... A maioria dos pacientes portadores de FC, compreendidos os que não
sofrem de insuficiência pancreática, desenvolvem carência de ácidos graxos essenciais
(AGE)... A deficiência de ácidos graxos essenciais (AGE) pode fazer parte da causa da
esteatorréia (gordura nas fezes) e da má absorção, distúrbios freqüentes apresentados
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por pacientes que sofrem de deficiência de AGE...
Os pacientes com FC perdem quantidades excessivas de sódio e
cloreto no suor e podem apresentar intermação (aumento da temperatura corporal pela
incapacidade do organismo em manter a temperatura corporal normal) ou baixa de
sódio...
Na Fibrose Cística a produção de enzimas pelo pâncreas é
insuficiente para promover uma adequada digestão dos alimentos, ocorrendo má
digestão de carboidratos, proteínas e gorduras. Essa má digestão provoca dores
abdominais com distensão abdominal, flatulência, fezes gordurosas e muito mal
cheirosas...” (fls. 37/38 - Celiane Gonçalves, Nutricionista Especialista em
Nutrição Clínica e Imunologia pela UFPR).
“A fibrose cística é uma doença hereditária autossômica recessiva,
identificada por pneumopatia crônica, insuficiência pancreática exócrina e elevada
concentração de eletrólitos no suor, em decorrência da hiperviscosidade dos líquidos
produzidos pelas glândulas mucosas. Trata-se de uma doença irreversível cuja
evolução não permitia, até alguns anos atrás, que os pacientes sobrevivessem
até a adolescência. Nas últimas 2 décadas a pesquisa nesta doença progrediu de
maneira
muito
importante,
levando
à
instituição
de
melhores
regimes
terapêuticos e aumentando a sobrevida média destes pacientes até 31 anos.
Fisiopatologicamente, esta doença se caracteriza por um envolvimento generalizado
das glândulas exócrinas, cujos dutos são obstruídos por secreções viscosas, levando a
doença pulmonar crônica, insuficiência pancreática e cirrose biliar focal. No trato
respiratório, o muco viscoso leva inicialmente a uma bronquiolite, predispondo a
infecções, inicialmente por Hemophilus influenza e Staphylococcus aureus e, após, por
Pseudomonas aeruginosa. A inflamação crônica causa remodelamento das vias
aéreas e bronquiectasias, surgindo a colonização bacteriana crônica, especialmente
por P. aeruginosa (colônias mucóides e não-mucóides), levando a um ciclo vicioso de
inflamação -» infecção -» perda funcional progressiva” (fls. 40 - Dr. Paulo de
Tarso Roth Dalcin, Médico pneumologista da Pneumologia Sanitária, SSMA do
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RS, responsável pelo Grupo de Adolescentes e Adultos com Fibrose Cística do
Hospital das Clínicas de Porto Alegre; Professor adjunto do Departamento de
Medicina Interna da Universidade Federal do RS).
“Fibrose Cística (FC) também conhecida como fibrose cística do
pâncreas ou mucoviscidose, devido ao aspecto espesso e viscoso das secreções.
Doença genética que ocorre em indivíduos que são homozigotos
ou duplo heterozigotos para mutações do gene que codifica a proteína responsável
pelo transporte de cloro através dos epitélios celulares, conhecida como CFRT.
Manifesta-se
nos
primeiros
meses,
através
de
infecções
recorrentes e perda de peso, mas geralmente só é diagnosticada clinicamente após o
primeiro ano de vida.
A FC compromete múltiplos órgãos,
é caracterizada por
apresentar diversos transtornos clínicos, tais como doença pulmonar obstrutiva crônica
e má absorção intestinal, devido à insuficiência pancreática exócrina. A sintomatologia
da fibrose cística decorre principalmente da excessiva viscosidade das secreções. A
FC afeta principalmente os pulmões e o pâncreas. O alojamento de secreções
espessas no pulmão obstrui a passagem de ar e retém bactérias, facilitando, assim,
a ocorrência de infecções respiratórias. Em relação ao pâncreas, essas secreções
obstruem a liberação das enzimas pancreáticas e prejudicam o processo digestivo. A
ausência de ductos finos, como os vasos deferentes, é responsável pela infertilidade,
que ocorre em 95% dos homens afetados pela doença. Ocasionalmente, as mulheres
se tornam inférteis devido a um denso tampão de muco, capaz de obstruir a entrada do
espermatozóide no útero.
A expectativa de vida dos pacientes com FC tem melhorado
devido a um diagnóstico mais precoce e à imediata instituição do tratamento.” (fls.
202/203).
Sobre o que é a doença e quais seus sintomas, vide ainda fls.
107, 117/120, 140/141, 148, 191, 235/237, 241/242, 246, 257, 275 e 655.
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II.b - FIBROSE CÍSTICA - TRATAMENTO
Veremos, a seguir, como é feito o tratamento da doença,
atualmente.
“Apesar de ainda não haver cura para a Fibrose Cística, um
tratamento
multi-profissional
em
centros
especializados
tem
permitido
aos
portadores, uma sobrevida média de mais de 30 anos, com qualidade de vida e
produtividade, uma vez que não há lesão cerebral. Para isso, no entanto, é
imprescindível que todas etapas do tratamento sejam adequadamente cumpridas:
a) terapia de reposição enzimática com enzimas pancreáticas diárias; b) vitaminas
lipossolúveis - reposição diária; c) suporte nutricional com suplementos nutricionais de
acordo com o estado nutricional do paciente; d) antibióticos para uso via oral
endovenosa e inalatória em ciclos de 4 semanas; e) vacinas especiais anti-influenza e
pneumocócica; f) medicação de uso sintomático e broncodilatadores para crises
intercorrentes”. (fls. 10 - Dr. A. Fernando Ribeiro, Coordenador do Grupo de
Assistência à Fibrose Cística do Ambulatório de Pediatria da FCM/UNICAMP).
“...A doença é grave em razão de ser generalizada, o curso clínico
é crônico e o óbito ocorre mais cedo ou mais tarde, na dependência da gravidade do
quadro e do tratamento oferecido. Por isso, há necessidade de disponibilizar os
medicamentos solicitados, cuja lista está em anexo. LISTA DE MEDICAMENTOS SOLICITADOS:
Ultrase Mt 4
Ultrase Mt 12
Ultrase Mt 18
Ultrase Mt 20
Ciprofloxacina 500 mg
Gentamicina 40 mg
Gentamicina 80 mg
Amicacina 100 mg solução injetável
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Amicacina 500 mg - solução injetável
Sulfametoxazol 200 mg + trimetoprima 40 mg susp.
Sulfametoxazol 400 mg + trimetoprima 80 mg comp.
Eritromicina 500 mg comprimido
Eritromicina 250 mg comprimido
Clavulin
Amoxacilina
N-acetil Cisteína
Colistin
Fortaz
Vancomicina
Tobi
Azitromicina 500 mg
Cefalexina
Cloranfenicol
Ursacol
Omeprazol
Prepulsid
Dornase Alfa 1,0 mg/ml
Soro fisiológico 10 ml
Broncodilatador
Adeks (líquido)
Adeks (drágeas)
Vitamina K (injetável)
Vitaminas do complexo B drágeas
Protovit
Trigliceril
Caseical
Ensure Plus (líquido)
Ensure Pó
Pediasure (líquido)
Pediasure Pó
Pulmocare
Sustain
Nutri Drink
Scandi Shake
Hiper Diet”
( fls. 28/30 - Prof. Nélson Rosário - Setor de Ciências da Saúde da
Universidade Federal do Paraná).
“...Para o tratamento de pacientes com Fibrose Cística é
necessário
uma
equipe
multidisciplinar
envolvendo
médicos,
psicólogos,
fisioterapeutas, nutricionistas entre outros. O tratamento medicamentoso envolve:
• Uso de antibióticos como (aminoglicosídeos, cefalosporinas antipseudomonas,
quinolonas, sulfas, amoxicilina-clavulanato, eritromicina, azitromicina, claritromicina,
cloranfenicol, vancomicina, etc); • Antibióticos inalatórios (Colistin, tobramicina-TOBI,
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amicacina e gentamicina); • Uso de enzimas pancreáticas (lipase, tripsina,
quimotripsina) - Ultrase Mt 12 - 18 e 20; • Suporte nutricional adequado (ingestão
calórica de 120 a 150% do RDA); • Complementos alimentares (TCM e fórmulas
alimentares: Caseical, Pediasure, Ensure, Scandi Shake, Hyper diet, Nutri Drink, etc.); •
Complementos vitamínicos, principalmente vitaminas A, D, E, K (Adeks), vitaminas
hidrossolúvel (B, C) e oligoelementos (Ferro, Zinco, etc); • Nutrição enteral e parenteral
(que se efetua por uma via diferente da via digestiva); • Corticóides inalatórios
(Pulmicort 200, Beclosol 250); • Broncodilatadores inalatórios de ação rápida (Aerolin);
• Mucolíticos (DNAase) - Pulmozyne; • Uso de vacinas para Influenza e Pneumococcos;
• oxigênio domiciliar; • Drogas específicas, de acordo com as complicações decorrentes
da doença como: refluxo gastroesofágico (Prepulsid, Antak, Omeprazol), hipertensão
pulmonar (vasodilatadores), doença hepatobiliar (Ursacol), etc.
O dito popular do folclore europeu citado por Welsh e Smith “Infeliz
da criança que quando beijada na testa apresenta gosto salgado. Ela está fadada a
morrer logo” não é mais realidade nos dias de hoje, desde que esses pacientes
possam beneficiar-se dos recursos que a Medicina e outras especialidades lhes
oferecem.” (fls. 31/32 - Dr. Carlos Antônio Riedi - Pediatra).
“...O paciente necessita de vários medicamentos como antibióticos
de amplo espectro, enzimas pancreáticas, suplementos nutricionais, e multivitamínicos,
antibióticos inalatórios específicos como a tobramicina, colistin, enzimas recombinantes
humanas (Pulmozyme®), além do que necessita de oxigênio domiciliar. Todo esse
tratamento é muito caro sendo impossível aos pais conseguirem tratar adequadamente
seus filhos” (fls. 33 - Dr. Paulo C. Kussek -Pneumologia Pediátrica).
“...O tratamento varia de acordo com os sintomas. Para as
infecções respiratórias, são dados antibióticos constantemente. Além disso, é
importante fazer bastante inalação para ajudar a remover as secreções espessas e
prevenir as infecções. Também podem ser dados mucolíticos, que são drogas que
ajudam a remover o catarro. Outra técnica bastante importante é a tapotagem, que
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consiste em “batidas” nas costas das crianças, bem como a drenagem postural para
promover a eliminação das secreções. Em relação ao intestino, é importante dar as
vitaminas A, D, E e K para evitar conseqüências no corpo, bem como cálcio. Também
são dadas enzimas pancreáticas antes das refeições para que o intestino absorva ao
máximo os nutrientes, diminuindo a diarréia.” (fls. 108).
“...O tratamento atual é dirigido à doença pulmonar, com
administração de antibióticos, segundo princípios já expostos, à doença pancreática e
às deficiências nutricionais. Dietas: É fundamental desmistificar a restrição de
gorduras. A dieta deve ser hipercalórica, hiperprotéica e com teor normal de gordura,
considerando as necessidades da faixa etária para um crescimento e desenvolvimento
normais... Os pacientes com FC têm necessidades calóricas elevadas, pelo próprio
metabolismo, trabalho respiratório, infecção bacteriana e má absorção. Em geral, devese ofertar 20% a 50% de calorias além das necessidades para a faixa etária,
observando-se o ganho ponderal e crescimento do paciente... Nos pacientes FC é
recomendável o dobro do normal de ingestão protéica e 35% da energia ingerida deve
ser derivada de gorduras. A má nutrição tem repercussões objetivas no
agravamento da doença pulmonar e, por isso, muitas vezes há indicações de
terapêutica de suporte mais agressiva, como sondas gástricas ou enterais e mesmo
gastrotomia. Terapia de Insuficiência Pancreática: É baseada na reposição oral de
preparados enzimáticos pancreáticos. Atualmente, são disponíveis preparados com
alta potência enzimática, protegidos da desnaturação ácida no estômago pelo
revestimento entérico das microesferas... É importante que as enzimas sejam
totalmente administradas imediatamente antes ou divididas antes e durante as
refeições, para que haja contato físico com o alimento.... Deficiências Vitamínicas e
Minerais: Os pacientes devem receber complementos vitamínicos com o dobro do
correntemente recomendado, isto é, vitamina A (8000 UI), vitamina D (800 UI) e
vitamina E (100 UI a 200 UI) diários.
Vitamina K é administrada durante
antibioticoterapia prolongada e na doença hepática com cirrose e hipertensão portal,
geralmente na dose de 5 mg duas vezes na semana. O sódio também deve ser
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acrescentado durante períodos de calor, febre e exercícios físicos, em cerca de 1 g ao
dia nos lactentes, 2 a 3 g nos pré-escolares e 4 g acima destas faixas etárias... Devese pesquisar atentamente a presença de anemia e repor zinco nas crianças com má
nutrição protéica, na forma de acetato (45 mg) ou sulfato (75 mg) de zinco, o que
proporciona
15
mg
de
zinco
elementar
ao
dia.
Terapêutica
Inalatória
BRONCODILATADORES: b2 adrenérgicos....Brometo de ipratropium. Mucolíticos...
Drogas Moduladoras do Transporte Iônico: ... indicado na prevenção do declínio da
função pulmonar...
DNAse Humana Recombinante: ...DNAse é uma enzima que
cinde a cadeia de DNA, diminuindo a viscosidade do muco e facilitando a
expectoração. A administração de 2,5 mg de DNAse, via inalatória, uma vez ao dia
promove melhora estatisticamente significativa no VEF1 e CVF, diminuição da
sensação de dispnéia (dificuldade para respirar) e maior disposição física. A
necessidade de antibióticos e hospitalizações também foram reduzidas, nos estudos
clínicos conduzidos com esta droga...” (fls. 257/271 - Dra. Neiva Damaceno e Dr.
Bernardo Kiertsman - Profs. do Departamento de Pediatria/Pneumologia
Infantil da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo)
“Medicamentos / Produtos para os pacientes com Fibrose
Cística:
Grupo
Medicamento / Produto
Essenciais
Dornase Alfa 1mg/ml ampola 2,5 ml
Enzimas Pancreáticas
Antibióticos
Amicacina 100 mg sol. inj.
Amicacina 500 mg sol. inj.
Amoxacilina 50 mg/ml frasco 80 ml
Amoxacilina + Clavulanato de Potássio 200mg/frasco
Cefaclor 250 mg frasco 80 ml
Cefalexina 2,5% frasco 60 ml
Ceftazidima 1g frasco ampola
Ciprofloxacina 500 mg comp.
Cloranfenicol 250 mg comp.
Colimicina 100 mg sol. inj.
Eritromicina 250 mg comp.
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Eritromicina sol. Oral 2,5% frasco
Gentamicina 40 mg sol. inj.
Gentamicina 80 mg sol. inj.
Sulfametoxazol + trimetoprima comp.
Sulfametoxazol + trimetoprima sol. oral
Tobramicina inalatório
Vancomicina 500 mg frasco amp.
Suplementos Vitamínicos
ADEKs drágeas
ADEKs líquido
Polivitamina sol. oral
Fitomenadiona 10 mg amp. (vitamina K)
Vitaminas do complexo B drágeas
Vitaminas e sais
Inalação
Cloreto de sódio 0,9% frasco 10 ml
Fenoterol 0,5% frasco 20 ml
Suplementos Nutricionais
Módulos de proteínas
Módulos de TCM
Dietas - pó
Dietas - líquidas
Outros
Ácido ursodesoxicólico 150 mg comp.
Cisaprida sol.
Bromoprida sol. oral
Omeprazol 10 mg comp.
Ranitidina sol.
(fls. 238 - Dra. Maria Inez M. Fernandes - Profa. Doutora do
Serviço de Gastroenterologia Infantil do Hospital das Clínicas de Ribeirão
Preto/SP).
“...Como sugerido anteriormente, os pacientes devem ser
acompanhados e tratados de forma persistente em centros especializados para
que tenham uma qualidade de vida adequada, além da sobrevida.” (fls. 241/244 Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade
Estadual Paulista - UNESP).
II.c - POLÍTICA DE ATENDIMENTO À FC EM OUTROS ESTADOS
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Rio Grande do Sul: Conforme ofício de fls. 397, a Secretaria de
Estado da Saúde fornece, aos pacientes portadores de mucoviscidose, Enzima
Pancreática, Dornaseol, Adex (ADEKs), Ultrase MT-R, Ursacol, Oligosac, Nutridrink,
Divivox, etc. Observe-se que, naquele Estado, o atendimento integral ocorreu graças
ao ajuizamento, pelo Ministério Público Estadual, de ação civil pública visando a
condenação do Estado do Rio Grande do Sul a fornecer, permanentemente,
medicação relativa ao Programa Especial de Atendimento às Crianças Portadores da
Doença Fibrose Cística, julgada procedente em Primeira e Segunda Instâncias,
conforme V. Acórdão de fls. 639/652.
Santa Catarina: Conforme ofício de fls. 277/278, o Governo
daquele Estado celebrou Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Ministério
Público local, por meio do qual implantou no Estado o “teste do pezinho” com vistas
ao diagnóstico precoce da Fibrose Cística, sendo certo que um hospital situado na
capital do Estado possui serviço especializado para atendimento às crianças
diagnosticadas.
Paraná: Conforme ofício de fls. 398/399, subscrito pelo Secretário
Estadual da Saúde, aquela Secretaria repassa aos 140 portadores da doença
cadastrados os seguintes medicamentos:
- Antibióticos: Amicacina 500 mg, Amicacina 100 mg, Amicacina 50 mg,
Amoxicilina + Claculonato de Potássio 200 mg, Cefaclor 250 mg, Cefalexina 2,5%,
Ceftazidima 1g, Ciprofloxacina 500 mg, Cloranfenicol 250 mg, Colimicina 100 mg,
Eritromicina 250 mg, Eritromicina Sol. Oral, Gentamicina 40 mg, Gentamicina 80 mg,
Sulfametox + Trimetoprima Comp., Sulfametox + Trimetoprima Sol. Oral e Vancomicina 500
mg.
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- Para inalação: Cloreto de Sódio 0,9%, Fenoterol 0,5% e Tobramicina
específica para esta utilização.
- Dornase Alfa 1mg e Enzimas Pancreáticas
- Medicamentos de Gastroenterologia: Ácido Ursodesoxicólico 150 mg,
Cisaprida, Omeprazol 10 mg e Ranitidina.
- Suplementos Nutricionais: Módulos de Proteínas, Módulos de
Triglicerídeos de Cadeia Média, Dietas Pó, Dietas Líquidas e suplementos vitamínicos como
ADEKs drágeas, ADEKs líquido ou Fitomenadiona 10 mg, Vitaminas do Complexo B,
Polivitaminas Sol. e Vitaminas e Sais Minerais.
Tais medicamentos, segundo a SES do Paraná, são distribuídos
para
todo
o
Estado
através
das
Regionais
de
Saúde
para
pacientes
comprovadamente portadores da doença.
Convém ressaltar, também, que tal política de atendimento
integral somente foi implantada após intervenção do Ministério Público Estadual
local, que obteve acordo com o Governo Estadual em inquérito civil público
instaurado com esse objeto, consoante cópia da respectiva promoção de
arquivamento de fls. 390/394.
Ressalte-se que no Paraná, conforme ofício subscrito pela
“Associação de Assistência à Mucoviscidose do Paraná” e endereçado ao Centro de
Medicamentos daquela Secretaria Estadual de Saúde, apenas um portador de
Fibrose Cística faleceu naquele Estado após a disponibilização da medicação
completa (por força do acordo celebrado), aos 33 anos de idade, devido ao
diagnóstico tardio da doença (fls. 669).
II.d: - ATENDIMENTO DISPONIBILIZADO NO ESTADO DE SÃO PAULO
A Associação Paulista de Assistência à Mucoviscidose solicitou à
Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, em outubro de 2000, o fornecimento,
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aos cerca de 380 portadores da doença no Estado, em nível ambulatorial, sem
interrupção, dos seguintes medicamentos / produtos (fls. 11/14):
1. Enzimas Digestivas nas concentrações 4-4, 5 - 12 - 18, de uso contínuo, pois
somente se encontravam disponíveis nas unidades de atendimento as Enzimas Pancreáticas de baixa
concentração (4.000 UI Lipases);
2. Dornase Alfa;
3. Complementos Vitamínicos A, D, E, K (ADEKs), Vitaminas Hidrossolúveis (B, C) e
Oligoelementos (Ferro, Zinco, etc). Medicamento destinado a complementar as deficiências
vitamínicas causadas pela má absorção; uso contínuo;
4. Complementos Nutricionais (T.C.M. e fórmulas alimentares: Caseical, Pediasure
(pó, líquido), Ensure (pó, líquido), Scandi Shake, Hyper diet, Nutri Drink, etc).
Necessários devido à má absorção dos alimentos, mesmo com o uso das enzimas digestivas; uso
contínuo;
5. Antibióticos (Aminoglicosídeos, Amoxacilina, Amoxicilina + Clavulanato,
Cefalosporinas antipseudomonas, Quinolonas, Sulfas, Eritromicina, Azitromicina,
claritromicina, Clorafenicol, Vancomicina, etc). Utilizados no combate às infecções
bacterianas; uso alternado;
6. Antibióticos Inalatórios (Colimicina, Tobramicina - TOBI, Amicacina e
Gentamicina). Antibióticos específicos para tratamento inalatório. Tratamento ambulatorial; uso
alternado;
7. Broncodilatadores (Inalatórios de ação rápida (Aerolin)). Indicados aos pacientes com
deficiência respiratória; uso contínuo;
8. Vacinas (Influenza e Pneumococos). uso alternado; e
9. Drogas Específicas: Para utilização de acordo com as complicações decorrentes
da doença, como: refluxo gastroesofágico (Prepulsid, Antak, Omeprazol), hipertensão
pulmonar (Vasodilatadores), Doença Hepatobiliar (Ursacol), etc...
Como a Secretaria não forneceu resposta, a Associação Brasileira
de Assistência à Mucoviscidose - ABRAM procurou este GAESP, ensejando a
instauração do inquérito civil público em anexo.
Inicialmente foram ouvidos o Presidente da ABRAM, pai de
portador da doença, e alguns pais de pacientes atendidos pelo SUS.
O primeiro (fls. 17/18) disse que atualmente 08 (oito) Estados da
Federação já assistem com toda a medicação necessária seus portadores de FC,
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salientando que o mesmo não ocorre neste Estado de São Paulo.
Célia Regina Steter Linhares, mãe de portador da doença e
voluntária da Sociedade de Assistência à Fibrose Cística de Campinas - SAFC,
asseverou que os 103 pacientes atendidos no ambulatório do Hospital das Clínicas
da UNICAMP recebem do SUS apenas as enzimas digestivas e o pulmozyme. Os
demais medicamentos, tais como suplementos nutricionais; antibióticos orais,
inalatórios e venosos; medicamentos para deficiência hepática; TOBI (antibiótico
inalatório
importado,
responsável
pela
diminuição
das
internações
para
antibioticoterapia) não são disponibilizados, ficando por conta dos próprios
doentes, os quais, devido ao elevado custo do tratamento, acabam não o realizando,
agravando a doença, principalmente com a falência pulmonar, antecipando o óbito.
Asseverou ainda que, conforme fotografias trazidas e juntadas às fls. 182/188, essas
crianças e adolescentes doentes, quando tratados de maneira insuficiente, sequer
conseguem manter vida social normal, sendo discriminados pelos colegas devido ao
crescimento atrofiado que apresentam (fls. 15/16).
Sandra Torres de Melo Ungari, mãe de duas moças portadoras de
FC, disse que, com o tratamento integral é possível uma vida praticamente normal ao
paciente. Tendo em vista que a SES somente fornecia enzimas pancreáticas de
baixa concentração, suas filhas tinham de ingerir 52 cápsulas desse medicamento
diariamente, durante as refeições, o que praticamente inviabilizava a alimentação, já
que o estômago da adolescente ficava praticamente cheio apenas com a ingestão de
tantas cápsulas do medicamento. Asseverou que, embora a SES tivesse sido
provocada a fornecer toda a medicação necessária aos pacientes do SUS portadores
da FC, nenhuma resposta positiva tinha sido recebida. Disse que os Estados do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí, Ceará e o Distrito Federal já
forneciam tratamento integral aos seus doentes. Por fim, salientou que o tratamento
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integral, quando suportado pelo próprio paciente, exige gasto médio de R$ 8.000,00
(oito mil reais) por mês, insuportável para qualquer família desses doentes (fls.
19/21).
José Carlos Pedrina Moreira, pai de dois portadores da doença,
traçou um breve panorama das necessidades medicamentosas desses doentes,
ressaltando que seu filho de 15 anos tinha a necessidade de ingerir 90 cápsulas de
enzimas pancreáticas de baixa concentração, já que as de maior concentração não
são encontradas nas unidades estaduais. Disse que haviam sido realizadas
conversações com a SES para a disponibilização de cápsulas enzimáticas de maior
concentração, além das outras medicações necessárias, principalmente antibióticos,
mas não obtiveram resposta (fls. 22/23).
A falta de fornecimento integral da medicação necessária a esses
doentes foi confirmada pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. O
Departamento de Genética do Campus de Botucatu, quando indagado pelo GAESP,
asseverou que os antibióticos, necessários para erradicar Estafilococos aureus e
Pseudomonas aeruginosas não eram fornecidos pelo SUS, o mesmo ocorrendo
com as vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K).
Os cinco profissionais daquela
Universidade que subscreveram o ofício terminaram a missiva da seguinte forma:
“Tendo em vista as preocupações de Vossa Senhoria em relação à Atuação Especial de
Saúde Pública, solicitamos esforços desta Promotoria visando adequar o tratamento à
esses pacientes junto ao SUS, bem como diligências para serem criados centros
especializados em cada Divisão Regional de Saúde do Estado de São Paulo
objetivando diagnósticos e tratamentos precoces... Os nossos serviços estão à
disposição...para...juntar
esforços
para melhorar
população...”. (fls. 241/244).
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o
atendimento
à saúde da
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A Secretária Executiva da Comissão de Medicamentos Básicos da
SES foi convidada a participar de reunião realizada neste GAESP aos 24.05.2001
(fls. 06, alínea “k”), oportunidade em que não se chegou a consenso sobre o
atendimento integral a esses doentes. Inviabilizada a solução amigável da questão,
não restou outra alternativa ao Ministério Público senão o ajuizamento desta ação.
A resposta oficial da SES sobre a questão veio somente dois
meses depois da supramencionada reunião (fls. 534/535) e pode ser resumida da
seguinte forma: Considerando os medicamentos e produtos necessários ao
atendimento desses doentes no Estado, pelo SUS, a Secretaria age da seguinte
maneira:
1 - Enzimas Pancreáticas e Dornase Alfa: diz que tem enzimas nas várias
concentrações, da mais baixa à mais alta, que são dispensadas, na capital, em duas
unidades (N.G.A-53 Consolação e C.S. - I Vila Mariana). Não refere sobre o
atendimento aos doentes do interior;
2 - Sulfametoxazol + Trimetropina 400/80 mg; Sulfametoxazol + Trimetropina 200/40
mg suspensão; Eritromicina 250 mg; Cefalexina 500 mg; Cefalexina 125 mg/ml
suspensão oral e Polivitamínico gotas : diz que são encontrados em todas as
unidades ambulatoriais de saúde ou nos pólos de Alto Custo que dispensam
medicamento para Fibrose Cística, bastando a apresentação da receita médica;
3 - Amoxacilina; Cloranfenicol; Salbutamol spray ou solução para nebulização e
Vitaminas do Complexo B: diz que são dispensados nos Ambulatórios de
Especialidades e podem ser encontrados, também, no N.G.A.-53 Consolação.
4 - Acetilcisteína 10% injetável; Amicacina 100 e 500 mg injetável; Ceftazidima
injetável; Ciprofloxacina 500 mg; Fitomenadiona 10 mg/ml injetável (Vitamina K);
Gentamicina 40 e 80 mg injetável; Vancomicina 500 mg injetável : medicamentos
oferecidos apenas para pacientes internados em hospitais.
5 - Colistirenato sódico (Colistin); Tobramicina para uso inalatório (Tobi) e ADEKs
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(Composto vitamínico com formulação hidrossolúvel) : são medicamentos e produtos
importados, não padronizados pelo Ministério da Saúde e não são oferecidos aos
doentes.
Analisando a resposta da Secretaria Estadual de Saúde, a
primeira constatação segura que se chega é quanto à simples falta de
disponibilização dos medicamentos / produtos importados, não obstante sua
essencialidade para esses doentes, sob o argumento da não-padronização pelo
Ministério da Saúde.
O restante da resposta, aparentemente satisfatória aos doentes,
na verdade oscila entre a simples falta de atendimento e sua efetivação de maneira
completamente ineficaz, como adiante se verá.
Indagada a respeito da resposta fornecida pela Secretaria
Estadual da Saúde, a UNESP respondeu: “A enzima pancreática 4000 UI de Lipase
está padronizada... os pacientes retiram a enzima em local dentro do HC da FMBUnesp. As outras dosagens de lípase (12.000, 18.000 e 20.000) ainda não estão
disponíveis”.
Sobre os medicamentos do programa alto custo (enzimas
pancreáticas e Dornase Alfa) - item “1 -” do resumo da resposta da SES -, assim
se manifestou a UNESP: “Houve acordo com a Secretaria de Estado da Saúde de ...
ressarcimento mensal pelos valores apresentados. Lamentavelmente este ano a
Secretaria deixou de pagar os gastos por 4 meses, dificultando a manutenção
deste
programa.
Esperamos
que
o
reembolso...
seja
novamente
realizado...mensalmente, para que não haja prejuízo do atendimento destes
pacientes e inclusive que novos pacientes diagnosticados possam entrar no
programa.”.
Quanto aos “medicamentos do programa dose certa” - item “2 -”
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do resumo da resposta da SES - disse a UNESP: “Estes medicamentos não estão
disponíveis neste HC. Acredito que seria de grande importância que estes
medicamentos ficassem disponíveis no pólo de distribuição de medicamentos de alto
custo, pois atualmente quando são prescritas estas medicações os pacientes tentam
adquiri-las nos Postos de Saúde de sua cidade e essas nem sempre são fornecidas.
Gostaria de enfatizar que os pacientes atendidos neste Centro de Referência do HC
da Faculdade de Medicina de Botucatu, em sua maioria moram em cidades que
distam de 60 a 150 km daqui. Assim, seria de suma importância centralizar e
garantir o fornecimento destes medicamentos.”.
Sobre
os
medicamentos
ditos
como
dispensados
nos
Ambulatórios de Especialidades - item “3 -” supra - , disse a UNESP o mesmo em
relação ao item “2 -”.
Sobre os medicamentos mencionados no item “4 -”, disse a
UNESP que não estava recebendo da Secretaria de Estado o gasto feito com os
pacientes.
Finalmente, quanto aos medicamentos importados - item “5 -” - ,
a UNESP lamentou a falta de “aprovação” pelo Ministério da Saúde, enfatizando a
necessidade deles para um tratamento eficaz dos doentes (fls. 547/548).
A Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose - ABRAM
contestou de maneira veemente as afirmações da Secretaria Estadual de Saúde e o
fez com base em documentos:
A Dra. Neiva Damaceno, médica coordenadora do grupo
multidisciplinar de tratamento da Fibrose Cística da Santa Casa de São Paulo,
afirmou: 1) enzimas pancreáticas de maior concentração foram disponibilizadas aos
pacientes apenas em junho e julho deste ano, com prejuízo imediato na saúde dos
pacientes; 2) os medicamentos disponibilizados em postos de saúde, ambulatórios
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de especialidades e/ou nos pólos de alto custo, pela SES, não abrangem todas as
necessidades dos pacientes portadores da FC, sendo certo que os disponíveis
raramente são encontrados na farmácia do posto de referência. A insulina,
necessária a alguns pacientes, não é encontrada; 3) os medicamentos (antibióticos)
padronizados apenas para uso hospitalar devem ser oferecidos para uso
ambulatorial, inclusive para evitar as internações (mais caras ao Estado e perigosas
ao paciente); 4) Ursacol é necessário aos pacientes que desenvolveram doença
hepática (cirrose); 5) os medicamentos importados, inclusive os suplementos
nutricionais são regularmente usados em outros Países, em outros Estados
brasileiros e absolutamente necessários, pois melhoram a qualidade de vida dos
pacientes e prolonga sua expectativa de vida. (fls. 563).
No mesmo sentido a apreciação feita pela responsável pelo
Ambulatório de Fibrose Cística da Universidade Federal de São Paulo Departamento de Pediatria (fls. 564).
O Departamento de Pediatria da UNICAMP também asseverou a
necessidade dos medicamentos oferecidos pela SES, apenas aos internados, serem
disponibilizados também no nível ambulatorial, evitando internações.
Ressaltou
também a necessidade de um dos medicamentos não padronizados (Ursacol), além
daqueles importados, todos de efetiva utilidade, tanto que usados em outros Estados
brasileiros (fls. 565/566).
A UNICAMP, pelo Dr. Marcelo Mota Monteiro, ainda destacou o
seguinte: Os medicamentos oferecidos pela SES apenas para uso hospitalar são de
uso freqüente pelos doentes de FC e podem ser administrados em âmbito domiciliar,
com imensa economia de recursos públicos e com benefício comprovado de
sobrevida e qualidade de vida dos pacientes, que se livram dos perigos de infecção
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hospitalar.
Quanto aos medicamentos que deveriam, segundo a SES, estar
disponíveis em unidades básicas de saúde, destacou que alguns deles são
dificilmente encontrados pelos pacientes: “o salbutamol spray ou solução para
nebulização jamais esteve disponível na rede de Campinas e região...há 2 anos não
encontramos a eritromicina em comprimidos, somente em suspensão, e em
quantidade insuficiente para o tratamento de um paciente adolescente ou adulto...” .
Salientou que os Municípios também não têm muitos daqueles
medicamentos, o que importa na simples falta de tratamento dos portadores de FC.
Destacou, ainda, a necessidade dos demais medicamentos não
disponibilizados pela SES, quer por serem importados, quer por não serem
padronizados. Suas considerações, de leitura obrigatória (fls. 567/570), terminam da
seguinte forma: “gostaria de dizer que não somente o sofrimento, mas os gastos
financeiros com a fibrose Cística são sempre menores quando o tratamento é
precoce e oportuno. A disponibilidade dos medicamentos essenciais é o primeiro
passo para instituirmos o tratamento sistemático da Fibrose Cística no Brasil. A
sobrevida de nossos pacientes ainda é metade daquela obtida nos países
desenvolvidos.”.
Em idêntico sentido a manifestação das médicas pediatras do
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/SP (fls. 571/572), ou seja, salientando a falta
de enzimas pancreáticas de maior concentração; a falta dos medicamentos para
tratamento ambulatorial (alguns não são oferecidos e os que são, raramente podem
ser encontrados); a necessidade dos medicamentos oferecidos durante internação
estarem disponíveis para uso ambulatorial, evitando internações desnecessárias; a
concreta necessidade de todos os medicamentos previstos serem oferecidos aos
doentes de FC, regularmente, o que não vem ocorrendo até o presente momento.
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A
prova
cabal
________
da
falta
dos
medicamentos
ditos
como
“disponibilizados” pelo Governo Estadual está às fls. 621/623 e 626, onde vemos
anotações de “não tem” e “não tem na rede” em algumas cópias de receitas médicas
emitidas em favor de alguns doentes de Fibrose Cística, gentilmente cedidas para
juntada no inquérito civil.
Vale destacar que, segundo a ABRAM (fls. 657/659), existem no
Estado de São Paulo seis (6) centros de referência no tratamento, pelo SUS, dos
pacientes portadores de Fibrose Cística, situados nos seguintes locais:
1. Santa Casa de Misericórdia de São Paulo - Capital
2. Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina - Capital
3. Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP - Capital
4. UNICAMP - Campinas
5. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
6. Faculdade de Medicina - UNESP - Botucatu
II.d1: - RESUMO DAS DEFICIÊNCIAS DO ATENDIMENTO NESTE ESTADO
De tudo quanto foi exposto acima, assim podem ser resumidas as
deficiências de atendimento, pelo SUS, aos portadores de Fibrose Cística neste
Estado de São Paulo:
I - os medicamentos que oferece, ao nível ambulatorial, não são encontrados
regularmente;
II - não disponibiliza todos os medicamentos / produtos necessários, ou por serem
importados, ou por não serem padronizados pela SES, ou porque somente
disponibiliza a pacientes internados;
III - não centraliza os medicamentos desses doentes, espalhando-os por postos de
saúde, ambulatórios de especialidades e/ou postos de medicamentos de Alto Custo,
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obrigando esses pacientes à inútil e penosa peregrinação por unidades de saúde.
Quanto aos medicamentos / produtos importados, vale destacar
importante detalhe. Alega a SES que tais medicamentos não são oferecidos aos
doentes de FC porque “não são padronizados pelo Ministério da Saúde”. Ocorre que
o Ministério da Saúde, através da Resolução RDC nº 86, de 21/09/2000, autoriza a
importação desses medicamentos, como pode ser visto às fls. 601/602.
Assim, perfeitamente legal e autorizada a aquisição no exterior
desses medicamentos e sua utilização em pacientes residentes no Brasil.
III - DO DIREITO
Relevante a transcrição das normas jurídicas que tratam do direito
do cidadão, inclusive do portador de Fibrose Cística, à saúde, para que se tenha
exata compreensão da efetiva proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso
País, possibilitando-lhe, individual ou coletivamente, o exercício desse direito público
subjetivo em face do Estado.
Embora essa doença, em tempos não remotos, fosse um
problema típico das crianças e adolescentes (pois seus portadores quase nunca
ultrapassavam a adolescência), hoje em dia ela não pode mais assim ser tratada,
pois, com os avanços da Medicina e o acesso dos doentes ao tratamento integral,
portadores da FC vêm alcançando, aos poucos, a idade adulta, razão pela qual o
problema passou a ser de saúde pública e não exclusivamente de saúde da criança
e do adolescente. Aliás, não teria sentido garantir a sobrevivência dessas pessoas
até a adolescência, e, obtida a vitória da vida, com a entrada delas na idade adulta,
deixá-las à margem da Decisão Judicial que ora se busca.
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Note-se a manifestação do Dr. Carlos Antonio Riedi, salientando
que a sobrevida desses doentes, graças aos avanços médicos, passou de 1-2 anos,
em 1940, para cerca de 30 anos, nos últimos tempos (fls. 666/667).
É verdade, todavia, que a imensa maioria de seus portadores,
ainda vivos, está na infância ou adolescência, tornando aplicáveis todos as normas
que lhes garantem proteção prioritária, como adiante se verá.
III.a: - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Constituição Federal:
art. 1º, incisos II e III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:... II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana;”
art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária; ... III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
...
§ 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”
art. 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.”
art. 23, inciso II: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: ... II - cuidar da saúde e assistência pública...”
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art. 37 caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência ...”
art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
art. 197: “São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,
nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização,
com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; ...”
art. 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
§ 1º: “O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, ...”.
Estatuto da Criança e do Adolescente
art. 3º: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por
outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
art. 4º: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com
absoluta prioridade, e efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.”
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art. 5º: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
art. 7º: “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.”
art. 11: “É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de
Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde.
§ 2º: Incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos,
próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.”
Lei nº 8.080/90
art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas
e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação.”
art. 4º: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo
Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde - SUS.”
art. 5º “São objetivos do Sistema Único de Saúde - SUS: ... III - a assistência às pessoas por
intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das
ações assistenciais e das atividades preventivas.”
art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde - SUS: I - a execução
de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;”
art. 7º: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde - SUS, são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no
artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços
preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de
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complexidade do sistema;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência;”
art. 8º: “As ações e serviços de saúde, executados pelos Sistema Único de Saúde - SUS, seja
diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma
regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.”
art. 17: À direção estadual do Sistema Único de Saúde - SUS compete:
II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde - SUS;
III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de
saúde;
IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços: ...c) de alimentação e
nutrição;
IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta
complexidade, de referência estadual e regional;”
Código de Defesa do Consumidor
art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes,
seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo,
serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista
neste Código.”
Constituição do Estado de São Paulo
art. 219: “A saúde é direito de todos e dever do Estado.
Parágrafo único: O Poder Público Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante: 1 políticas sociais, econômicas e ambientais que visem ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo
e da coletividade e à redução do risco de doenças e outros agravos; 2 - acesso universal e igualitário às
ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis; ... 4 - atendimento integral do indivíduo, abrangendo a
promoção, preservação e recuperação de sua saúde.”
art. 220: “As ações e os serviços de saúde são de relevância pública...”
art. 222: “As ações e os serviços de saúde executados e desenvolvidos pelos órgãos e instituições
públicas estaduais e municipais, da administração direta, indireta e fundacional, constituem o sistema
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único de saúde, nos termos da Constituição Federal, que se organizará ao nível do Estado, de acordo
com as seguintes diretrizes e bases:
III - integração das ações e serviços com base na regionalização e hierarquização do atendimento
individual e coletivo, adequado às diversas realidades epidemiológicas; IV - universalização da
assistência de igual qualidade com instalações e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à
população urbana e rural; V - gratuidade dos serviços prestados,...”.
art. 223, I: “Compete ao sistema único de saúde, nos termos da lei, além de outras atribuições: a
assistência integral à saúde, respeitadas as necessidades específicas de todos os segmentos da
população;”
Código de Saúde do Estado de São Paulo (LC 791/95)
art. 2º: “A saúde é uma das condições essenciais da liberdade individual e da igualdade de todos
perante a lei.
§ 1º. O direito à saúde é inerente à pessoa humana, constituindo-se em direito público subjetivo.
§ 2º. O dever do Poder Público de prover as condições e as garantias para o exercício do direito
individual à saúde não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.”
art. 3º: “O estado de saúde, expresso em qualidade de vida, pressupõe: ... III - assistência prestada
pelo Poder Público como instrumento que possibilite à pessoa o uso e gozo de seu potencial físico e
mental; IV - reconhecimento e salvaguarda dos direitos do indivíduo, como sujeito das ações e dos
serviços de assistência em saúde, possibilitando-lhe: a) exigir, por si ou por meio de entidade que o
representa e defenda os seus direitos, serviços de qualidade prestados oportunamente e de modo
eficaz; ... c) ser tratado por meios adequados e com presteza, correção técnica, privacidade e
respeito;”
art. 7º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado participantes do SUS são
responsáveis, objetivamente, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem ao indivíduo ou
à coletividade.”
art. 8º: “Na execução das ações e dos serviços de saúde, públicos e privados, serão observados os
seguintes princípios gerais: I - os serviços de saúde manterão, nos seus vários níveis de complexidade,
os padrões de qualidade técnica, científica e administrativa universalmente reconhecidos, e aos
ditames da ética profissional;”
art. 12: “O SUS obedecerá às seguintes diretrizes e bases: I - diretrizes: a) universalidade de acesso
do indivíduo às ações e aos serviços em todos os níveis de atenção à saúde; b) igualdade de
atendimento; c) eqüidade, como forma de suprir as deficiências do tratamento igualitário de casos
e situações; d) integralidade da atenção, significando atendimento pleno ao indivíduo em vista da
proteção e do desenvolvimento do seu potencial biológico e psicossocial; e) resolutividade dos
serviços e ações de saúde em todos os níveis de assistência;”
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art. 15: “Compete à direção estadual do SUS, além da observância do disposto nos artigos 2º e 12
deste Código, fundamentalmente: VI - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir
sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual ou regional”.
art. 17: “Compete, ainda, à direção estadual do SUS: I - coordenar e, em caráter complementar,
executar ações e serviços de: a) assistência integral à saúde; II - realizar, em articulação com os
Municípios e outros setores da administração pública estadual: a) medidas de proteção especial à
criança, ao adolescente...”.
IV - CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO
Depreende-se, de tudo quanto foi dito nesta inicial, que a Fibrose
Cística é doença incurável, com incidência de um (1) caso para cada 2.500 pessoas
brancas nascidas vivas, havendo cerca de 400 portadores em nosso Estado,
principalmente crianças e adolescentes, já que a doença se manifesta desde o
nascimento do doente, matando-o antes da idade adulta se o tratamento não
obedecer à prescrição médica.
Essas pessoas têm tido grande sofrimento, pois não conseguem
ter acesso à medicação necessária e acabam morrendo prematuramente, aos
poucos, subnutridas e sufocadas, antes da idade adulta. São crianças e
adolescentes quase anãs, como se pode ver pelas fotografias de fls. 182/188, cujo
destino, pela falta do tratamento correto, é a morte lenta, sofrida e, principalmente,
prematura.
Todavia, tal destino ocorre não mais por uma fatalidade, mas pela
omissão do Governo Estadual. Omissão claramente ilegal, que desrespeita o direito
público subjetivo que esses doentes têm de receberem toda a medicação de que
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necessitam, de receberem todos os remédios e suplementos nutricionais que a
Medicina já aprovou para seu tratamento.
A legislação acima transcrita traz em suas linhas várias regras que
podem assim ser resumidas:
A primeira delas é que tais doentes, enquanto pessoas humanas,
detentoras do direito fundamental à vida e à saúde, enquanto pacientes do SUS, têm
direito ao tratamento integral. E tratamento integral, para os pacientes portadores de
Fibrose Cística, envolve uma gama diferenciada de medicamentos, além de
complementos vitamínicos e nutricionais.
As normas definidoras desse direito constitucional têm aplicação
imediata, não se tratando de meras regras programáticas. A respeito, vide Decisões
copiadas às fls. 610 e 639/652.
O Governo Estadual não está obedecendo à lei, muito menos
sendo eficaz, quando não disponibiliza o necessário a esses doentes, violando
manifestamente o disposto no artigo 37 da CF. É seu dever assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à vida digna, ao
desenvolvimento físico, moral e social, o que somente é possível, aos portadores de
FC atendidos pelo Sistema Único de Saúde, se receberem, gratuitamente, o
tratamento medicamentoso integral, o que não vem ocorrendo até o presente
momento por culpa exclusiva da Secretaria Estadual da Saúde.
Também se pode afirmar que é diretriz do SUS, neste Estado, a
eqüidade como meio para o tratamento desigual de casos desiguais. Se os
portadores de Fibrose Cística, para viverem por mais tempo, mantendo qualidade de
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vida satisfatória, exigem medicamentos e produtos específicos, tal tratamento está
plenamente garantido pela Lei, que garante o respeito às necessidades de todos os
seguimentos da população (art. 223, I, da Constituição Estadual).
Outra regra salienta a responsabilidade da direção Estadual do
SUS de identificar estabelecimentos de referência e gerir sistemas públicos de alta
complexidade, de referência regional.
Ora, conforme se pode verificar às fls.
658/659, o Governo Estadual já identificou seis (6) centros de tratamento de Fibrose
Cística, reconhecendo, assim, que se trata de especialidade médica de média ou
alta complexidade, portanto, de sua competência.
É sua obrigação, portanto, equipar esses centros de atendimento
de Fibrose Cística com toda a medicação de que esses doentes precisam, em
quantidade e qualidade que lhes garanta atendimento integral, permanente,
respeitando prioritariamente o direito à vida e à saúde dessas crianças e
adolescentes, sob pena de responsabilização objetiva do Estado de São Paulo
enquanto pessoa jurídica de direito público.
Não adianta garantir a esses doentes um tratamento limitado,
insuficiente, que abreviará sua morte, pois essa postura omissa desobedece a diretriz
da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral, pois não resolve o
problema dos portadores de Fibrose Cística e, pior, antecipa sua morte.
Outras conclusões jurídicas importantes:
a) a situação ilegal descrita no item “Dos Fatos” não pode ser
justificada sob o argumento da discricionariedade administrativa. Este princípio,
criado para garantir a agilidade exigida na administração da coisa pública, com vistas
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ao interesse público, não pode servir de justificativa para a omissão ilegal, violadora
da Lei e dos princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da CF. Não
tem a pessoa jurídica de direito público estadual o poder de decidir, em última
análise, sobre onde e como negará ao cidadão direitos públicos subjetivos
fundamentais, conforme estabelecido no Código de Saúde do Estado de São Paulo.
b) não se pode concluir, quando se sabe que alguns Estados
brasileiros fornecem o tratamento integral, enquanto outros não, que estamos
tratando de matéria sujeita à discricionariedade administrativa. Esse poder não pode
servir como fundamento para decidir sobre a vida ou morte de doentes atendidos
pelo SUS, principalmente quando são crianças ou adolescentes. É preciso atentar
para a seguinte conclusão, única possível diante da Lei: nos Estados onde se dá o
atendimento integral, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente
e a Lei do SUS estão sendo cumpridos. Onde não se presta o atendimento integral,
descumpre-se, pura e simplesmente, a Lei.
c) assim, não exorbita o Poder Judiciário quando, provocado pelo
Ministério Público, interfere na Administração Pública para defender direitos dos
cidadãos expressos na Legislação, contra omissão do Poder Público ensejadora de
situação manifestamente ilegal. Fere o ordenamento jurídico permitir-se, com
fundamento em critérios de oportunidade e conveniência, que estabelecimentos
públicos de saúde, referências para portadores de Fibrose Cística, não disponham
dos medicamentos que seus doentes necessitam, maxime quando tal omissão gera
maior número de internações hospitalares, com prejuízo aos cofres públicos (é muito
mais caro ao Poder Público tratar o doente internado, do que na própria casa) e à
saúde dessas pessoas.
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d) não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da
administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A
fixação de prioridades de governo é amplamente acobertada pela Lei, desde que, na
sua execução, não se deixe direitos fundamentais e indisponíveis ao desamparo da
atuação Estatal.
Mesmo na área dos direitos sociais, como a saúde, pode-se
estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade. Todavia, sua efetivação
não pode ensejar situações ilegais, porque a criança e o adolescente têm prioridade
prevista em Lei quanto ao atendimento de saúde e o respeito à Lei é dever
fundamental de qualquer esfera de governo.
e) não há que se falar em limites orçamentários ou em
observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpas para a manutenção
da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o cidadão têm
direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificados em normas
jurídicas auto-aplicáveis. Submetê-los ao saldo do “caixa” do Poder Público, de
qualquer esfera, significaria, na verdade, negá-los. Note-se que a legislação
supratranscrita não sujeita o direito do cidadão portador de Fibrose Cística, em
nenhuma passagem, ao “saldo bancário” da Administração. O Legislador, sábio,
percebeu que, assim não fosse, tais direitos seriam sempre negados sob a desculpa
da falta de dinheiro, o que jamais poderia ser posto em dúvida, pois a ninguém é
dado conhecer o movimento financeiro de qualquer pessoa jurídica de direito público
interno. Por outro lado, antes da “Responsabilidade Fiscal” há a “Responsabilidade
Social”, muito mais importante - quer nos direitos hierarquicamente superiores
que ampara, quer nas conseqüências legais àqueles que a desrespeitam.
E não se pode ignorar que nenhum administrador público seria
alcançado pelas penalidades previstas na “Lei de Responsabilidade Fiscal” se
demonstrar estar agindo em defesa da vida, no cumprimento da Lei e de Decisão
Judicial...
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Sobre a questão, em casos semelhantes, já se manifestaram os
Tribunais:
“O Judiciário não desconhece o rigorismo da
Constituição ao vedar a realização de despesas pelos órgãos
públicos além daquelas em que há previsão orçamentária; este
Poder, todavia, sempre consciente de sua importância como
integrante de um dos Poderes do Estado, como pacificador dos
conflitos sociais e defensor da Justiça e do bem comum, tem
agido com maior justeza optando pela defesa do bem maior,
veementemente defendido pela Constituição - A VIDA interpretando a lei de acordo com as necessidades sociais
imediatas que ela se propõe a satisfazer” (Apel. Cível nº
98.006204-7, Santa Catarina, Rel. Nilton Macedo Machado,
08/09/98).
Mais adiante, nessa mesma Decisão:
“Com relação à previsão orçamentária para o
custeio dos medicamentos específicos, basta relembrar que já há,
no orçamento do Estado, dotação apropriada; da mesma forma
não
pode
o
apelante
pretender
eximir-se
de
suas
responsabilidades sob a alegação de que enfrenta sérios
problemas financeiros, em face da escassez de recursos, o que
soa falso em face dos gastos publicitários que se vê nos meios de
comunicação, apregoando obras e realizações governamentais
(...)”. Citando o Ministro Celso de Mello em caso também relativo à
saúde: “A singularidade do caso (...), a imprescindibilidade da
medida cautelar concedida pelo Poder Judiciário do Estado de
Santa Catarina (...) e a impostergabilidade do cumprimento do
dever político constitucional que se impõe ao Poder Público, em
todas as dimensões da organização federativa, de assegurar a
todos a proteção à saúde (CF, art. 6º., c.c. art. 227, Parágrafo 1º.)
constituem fatores que, associados a um imperativo de
solidariedade humana, desautorizam o deferimento do pedido ora
formulado pelo Estado de Santa Catarina (...). Entre proteger a
inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito
subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da
República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa
prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário
do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que
razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e
possível opção: o respeito indeclinável à vida”.
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“...Sendo a saúde direito e dever do Estado
(CF, art. 196, CE, art. 153), torna-se o cidadão credor desse
benefício, ainda que não haja serviço oficial ou particular no País
para o tratamento reclamado. A existência de previsão
orçamentária própria é irrelevante, não servindo tal pretexto
como escusa, uma vez que o executivo pode socorrer-se de
créditos adicionais. A vida, dom maior, não tem preço, mesmo
para uma sociedade que perdeu o sentido da solidariedade, num
mundo marcado pelo egoísmo, hedonista e insensível. Contudo, o
reconhecimento do direito à sua manutenção (...) não tem
balizamento caritativo, posto que carrega em si mesmo, o selo da
legitimidade constitucional e está ancorado em legislação
obediente àquele comando”. (TJSP, Des. Xavier Vieira, Agravo de
Instr. nº 96.012721-6).
“A respeito, cabe ver que a Portaria nº 21, de
21.3.95, do Ministério da Saúde, já recomendava a utilização da
combinação de novos medicamentos com o então conhecido AZT,
de modo que, somente atribuível à incúria da Administração não
ter ela já licitado, - inclusive com previsão orçamentária - de
modo a permitir, de modo continuado, o fornecimento de tais
medicamentos aos dele necessitados, em quantidades adequadas.
Portanto, não socorre a agravante o argumento de necessidade de
licitação prévia ou previsão orçamentária, muito menos cabe-lhe
colocar em dúvida a eficácia dos remédios em questão, os quais,
aliás, são sempre receitados pelos médicos”. (Agravo de
Instrumento nº 82.036-5, 8ª Câm. Dir. Público do TJSP, Rel. José
Santana).
Como se percebe, mostra-se irrelevante eventual falta de prévia
dotação orçamentária prevendo o atendimento integral dos doentes de FC, ou seja, o
cumprimento da Lei. Consoante enfatiza com lucidez João Angélico (Contabilidade
Pública, Ed. Atlas, pág. 35), “durante a execução orçamentária, o Poder Executivo
pode solicitar ao Legislativo, e este conceder, novos créditos orçamentários. Eles
serão adicionados aos créditos que integram o orçamento em vigor. Por essa razão,
denominam-se créditos adicionais. Os créditos adicionais aumentam a despesa
pública do exercício, já fixada no orçamento”.
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Por fim, vale transcrever parte da obra de Germano Schwartz
(Direito à Saúde - Efetivação em uma Perspectiva Sistêmica, pág. 80/81, Ed. Livraria
do Advogado):
“... Não é por falta de aporte financeiro que o Estado poderá se
eximir de seu dever. A saúde reclama prestação sanitária tão-somente. Sarlet (1998),
a respeito da negação das prestações sanitárias com base na ausência orçamentária
estatal, refere que: ‘em relação aos habituais argumentos da ausência de
recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a
alocação e destinação de recursos públicos, não nos parece que esta solução
possa prevalecer, ainda mais nas hipóteses em que está em jogo a
preservação da vida humana’ (p. 298). Ora, a hipótese de não-existência de
previsão orçamentária não pode ser alegada pelo Estado, até porque não se pode
antever com eficácia as necessidades da população, ou ainda, de outra banda, não
se pode favorecer a omissão do ente responsável, premiando-o por sua negligência
e/ou inércia. Ao se referir ao Sistema Único de Saúde e à sistemática sanitária
brasileira instalada pela CF/88, Cláudio Barros Silva (1995) se posiciona
expressamente quanto à impossibilidade de condicionantes para o exercício do
direito à saúde: ‘Como conseqüência do sistema, o acesso à assistência, à
saúde, passou a ser universal e igualitário, não havendo, por ser direito
subjetivo do cidadão, qualquer condicionante ao exercício. O papel do Estado
é garantir a satisfação desse direito público subjetivo’ (p. 100). O Supremo
Tribunal Federal - STF, em acórdão nos autos do Agravo Regimental em Agravo de
Instrumento nº 238.328-0 (Julgado em 16/11/99), no voto do Relator Ministro Marco
Aurélio, quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de
dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que
fique comprovada a responsabilidade do Estado, pois ‘decreto visando-a não poderá
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reduzir, em si, o direito assegurado em lei’. E, esclareça-se desde já, com base no
art. 23 da CF/88, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados
na busca da proteção de saúde: ‘SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS.
CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA.
DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 e 198 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.
PRECEDENTES
PRETORIANOS.
AUSÊNCIA
DE
PREVISÃO
ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO
PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. As entidades federativas têm o dever ao
cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadores de deficiência de saúde, a teor do disposto no art. 23 da Constituição
Federal. Assim, não se pode prestar à fuga de responsabilidade a mera argüição de
violação ao princípio do orçamento e das normas de realização de despesa pública,
quando verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial
dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência devida’. (Agravo
de Instr. nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel.: Des. Marcus Tullius Alves,
Julgado em 02/05/2000)”.
V - DO PEDIDO
Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de São
Paulo requer a citação do ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA PÚBLICA
ESTADUAL DE SÃO PAULO), na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do
Estado para, querendo, contestar no prazo legal a presente ação, sob pena de
suportar os efeitos da revelia (CPC, art. 319), a qual deverá, ao final, ser julgada
inteiramente procedente, para condenar o ESTADO DE SÃO PAULO (Fazenda
Pública Estadual de São Paulo):
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V.a - à obrigação de fazer, no prazo de noventa (90) dias, consistente na
disponibilização permanente, sem interrupção, para uso em nível ambulatorial, em
cada um dos locais abaixo relacionados (sem prejuízo da disponibilização em outros
locais, além desses, se assim entender):
1) na Capital:
a) N.G.A. - 53 Consolação, situado à rua Martins Fontes, nº 208;
b) C. S. - I Vila Mariana, situado à Rua Domingos de Morais, nº 1.947
2) no Interior:
a) UNICAMP - Departamento de Pediatria - HCFCM - Cidade Universitária Campinas/SP, CEP 13.081-970;
b) Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, situada à av.
dos Bandeirantes, nº 3.900 - Campus Universitário - Ribeirão Preto/SP - CEP 14.048900;
c) Faculdade de Medicina - UNESP - Distrito de Rubião Júnior, s/nº - Botucatu/SP CEP 18.618-000,
V.b - de todos os seguintes medicamentos e produtos (sem prejuízo de outros
que a medicina reconheça e que o Ministério da Saúde autorize o registro ou o uso):
Programa Alto Custo
Dornase Alfa 1mg/ml ampola 2,5 ml
Enzimas Pancreáticas (4.000, 12.000, 18.000 e 20.000 UI de Lipase)
Antibióticos
Amicacina 100 mg sol. inj.
Amicacina 500 mg sol. inj.
Amoxacilina 50 mg/ml frasco 80 ml
Amoxacilina + Clavulanato de Potássio 200mg/frasco
Azitromicina
Cefaclor 250 mg frasco 80 ml
Cefalexina 2,5% frasco 60 ml
Ceftazidima 1g frasco ampola
Ciprofloxacina 500 mg comp.
Cloranfenicol 250 mg comp.
Colimicina 100 mg sol. inj.
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Eritromicina 250 mg comp.
Eritromicina sol. Oral 2,5% frasco
Gentamicina 40 mg sol. inj.
Gentamicina 80 mg sol. inj.
Sulfametoxazol + trimetoprima comp.
Sulfametoxazol + trimetoprima sol. oral
Tobramicina inalatório
Vancomicina 500 mg frasco amp.
Suplementos Vitamínicos
ADEKs drágeas
ADEKs líquido
Polivitamina sol. oral
Fitomenadiona 10 mg amp. (vitamina K)
Vitaminas do complexo B drágeas
Vitaminas e sais
Inalação
Cloreto de sódio 0,9% frasco 10 ml
Fenoterol 0,5% frasco 20 ml
Broncodilatadores inalatórios de ação rápida (Aerolin)
Suplementos Nutricionais
Módulos de proteínas
Módulos de TCM
Dietas - pó
Dietas - líquidas
Outros
Ácido ursodesoxicólico 150 mg comp.
Cisaprida sol.
Bromoprida sol. oral
Omeprazol 10 mg comp.
Ranitidina sol.
Vacinas Influenza e Pneumococos
Vasodilatadores
Oxigênio para uso domiciliar
Insulina
Equipos para nutrição parenteral
V.c - aos pacientes portadores de Fibrose Cística atendidos pelo Sistema Único
de Saúde - SUS, cadastrados, atual e futuramente, em qualquer dos centros de
referência no tratamento da doença relacionados no item “II.d (in fine) supra
(sem prejuízo de outros centros de referência que venham a ser constituídos e
reconhecidos), na exata conformidade com a prescrição médica de cada um
desses doentes,
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V.d - sob pena de, nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/95, pagamento de multa no
valor de R$1.000,00 (mil reais) por dia de atraso no fornecimento, para cada
paciente, de qualquer dos medicamentos / produtos supra-elencados, quantia
que deverá ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses
metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 daquela Lei.
Dois aspectos relevantes quanto ao pedido: os locais
apontados, na Capital, para a centralização da dispensação dos medicamentos, são
os mesmos apontados pela Secretaria Estadual da Saúde como sendo seus “pólos
de dispensação do programa alto custo”. Isso demonstra o respeito do autor por
aquilo que pode ser objeto de decisão discricionária da Administração Pública
Estadual, ou seja, sua intenção de não interferir em questões legalmente sujeitas à
discricionariedade administrativa.
Os locais do interior do Estado foram aqui
indicados (note-se, sem prejuízo de outros além desses) por dois motivos: a) a
Secretaria Estadual da Saúde não indicou centros de referência para tratamento
desses doentes, situados no interior (fls. 534/535), b) de modo que fomos obrigados
a nos valer das informações da Associação Brasileira de Assistência à
Mucoviscidose - ABRAM, que indicou três deles (fls. 658/659). A dispensação dos
medicamentos, apenas nesses locais, obrigará alguns doentes a deslocamentos de
centenas de quilômetros. Mesmo assim, respeita-se a estrutura já existente, no
intuito de, repita-se, não interferir na administração pública. Caso o Poder Público
Estadual vislumbre, no intuito de bem atender os doentes de Fibrose Cística, a
dispensação em outros locais, além desses, estará à vontade para fazê-lo. O que
não se pode permitir é que se valha, por exemplo, de um único local, ou de nenhum,
no interior paulista para atender os doentes de FC residentes fora da capital, porque
nessa hipótese estará caracterizada, na verdade, a falta de atendimento.
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VI- DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
O atendimento de saúde, por guardar estreita relação com a
manutenção da vida humana, é sempre relevante e urgente. Diante da urgência
reclamada pela espécie, requer-se a concessão liminar da antecipação dos efeitos
da tutela pretendida , nos termos do disposto nos artigos 273, inciso I, e 461 do
CPC e artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.
O acolhimento liminar dos efeitos da tutela urge e impera,
porquanto o provimento da pretensão, somente ao final, poderá ser inócuo para
prevenir os danos à saúde dos portadores de Fibrose Cística, ou mesmo para evitar
a morte de alguns deles. Esses doentes, na imensa maioria crianças e adolescentes,
há muito vêm piorando seu estado, ou morrendo, devido à omissão do Poder Público
Estadual, que lhes nega, sob argumentos ilegais, o atendimento integral e prioritário
a que fazem jus por força de Lei.
Relevante é o fundamento da lide, pois pretende-se, em última
análise, a manutenção da vida de 400 pessoas neste Estado e presentes estão, por
tudo quando foi demonstrado no inquérito civil público em anexo, o “fumus boni juris”
e o “periculum in mora”.
Não se cogita, por outro lado, de “perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado”, pois obtidos os medicamentos e produtos aqui mencionados
e disponibilizados aos portadores de Fibrose Cística, os mesmos indiscutivelmente
serão usados, mais cedo ou mais tarde, porque são medicamentos / produtos de uso
contínuo ou alternado, mas acima de tudo, de uso indispensável. Assim, deferida a
antecipação de sua disponibilização, não há o menor risco desses medicamentos
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não serem utilizados, já que a sobrevida desses doentes depende diretamente deles.
O prazo estabelecido no pedido, para cumprimento da obrigação
de fazer, não deve iludir o Julgador quanto ao perigo da demora. É facilmente
perceptível que as providências reclamadas nesta inicial não se resolvem da noite
para o dia. A administração pública estadual terá de quantificar a demanda desses
medicamentos, cadastrando os portadores da doença que são atendidos pelo SUS,
em todo o Estado, para a aquisição racional deles. Talvez necessite adquiri-los
emergencialmente num primeiro momento e, depois, mediante procedimentos
licitatórios rotineiros.
Todavia, é perfeitamente justificado o receio de ineficácia do
provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as
providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo estabelecido
na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão liminar dos
efeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos portadores de Fibrose
Cística deste Estado, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a
atuar desde agora, com tempo razoável para alcançar o resultado consubstanciado
no pedido desta ação civil pública.
Requer-se, por fim, que as intimações do Ministério
Público sejam realizadas pessoalmente, na forma da lei, na rua Riachuelo, nº 115, 1º
andar, sala 39, Centro, São Paulo.
Protesta-se pela produção de provas, por todos os meios
admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além
de oitiva de testemunhas e peritos, caso se faça necessário.
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Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas,
tanto para o demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao
recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa-se de
postular nesse sentido.
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Termos em que,
P. e E.
Deferimento.
São Paulo, 28 de setembro de 2001.
Cesar Pinheiro Rodrigues
João Luiz Marcondes Júnior
Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública e da
Saúde do Consumidor – GAESP – Órgão de Execução do Ministério Público do
Estado de São Paulo – Rua Riachuelo, nº 115, 1º andar, sala 39, Centro, São Paulo,
tels. 3119-9088 e 3119-9090.
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