Rev Panam Infectol 2007;9(3):32-38 ARTÍCULO ORIGINAL/ARTIGO ORIGINAL Incidência da infecção e de fatores de risco para os vírus das hepatites B e C em diferentes populações e a associação com diagnóstico sorológico, bioquímico e molecular Infection incidence and risk factors to hepatitis B and C virus in different populations and the association with serological, biochemical and molecular diagnosis Andréia Pelegrini1 Érica Evangelista Barbanera2 Flávio Buratti Gonçalves3 Biomédica Formada pela Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil. 3 Mestre em Saúde Pública pela FSPUSP. Professor da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil. 1,2 Rev Panam Infectol 2007;9(3):32-38 Conflicto de intereses: ninguno Recibido en 4/5/2007. Aceptado para publicación en 2/7/2007. 32 Resumo Objetivo: Verificar a incidência da infecção e de fatores de risco para os vírus das hepatites B e C em diferentes populações e a associação com diagnóstico sorológico, bioquímico e molecular. Métodos: A população de estudo foi a pertencente ao setor de Infectologia de uma Clínica Municipal, e os dados laboratoriais e epidemiológicos obtidos em prontuários médicos de casos notificados entre 1994 e 2006. Resultados: Do total de 615 pacientes, a prevalência de infecção pelo VHB, VHC e de co-infecção foi de 19,6%, 64,8% e 15,6%, com predomínio na faixa etária compreendida entre 21 e 40 anos (48,5%), e de co-infecção no sexo masculino. Segundo a presença de marcadores para hepatite B, o perfil crônico foi prevalente (21,8%). Na fase aguda de infecção prevaleceram as aminotransferases aumentadas (62,5%), enquanto na fase crônica prevaleceram as aminotransferases normais (63,6%). A imunização apresentou variação de 0,3% a 3,1% em relação às faixas etárias, e em gestantes e profissionais da saúde, a prevalência foi de 5,5% e 11,2%. Os genótipos 1a, 1b e 3a do VHC foram predominantes, havendo relação entre maior carga viral e o genótipo 1a e menor carga viral e o genótipo 3a. Os fatores de risco predominantes foram o uso de drogas injetáveis e não-injetáveis, gestação, hepatite A, HIV, DST e prostituição. Conclusão: Diante da freqüência de infecções, torna-se importante o seguimento de estudos de prevalência e caracterização das populações acometidas no município, para que, assim, se possa traçar estratégias de controle e prevenção mais eficazes no seu combate. Palavras-chave: Hepatite B, hepatite C, prevalência, fatores de risco. Abstract Objective: Verifying the infection incidence and risk factors to Pelegrini A, et al • Incidência da infecção e de fatores de risco para o vírus das hepatites B e C... hepatitis B and C virus in different population and the association with serological, biochemical and molecular diagnosis. Methods: The population that was object of this study belonged to the Infectology sector of a Municipal Clinic and the laboratorial and epidemiological data, obtained through medical handbooks review regarding the notified cases between 1994 and 2006. Results: In a total of 615 patients, the infection prevalence by HBV, HCV and co-infection were 19.6%, 64.8% and 15.6%, with predominance in the ages between 21 and 40 years old (48.5%) and of co-infection in males. According to presence of markers to hepatitis B, the chronic profile prevailed (21.8%). In the acute phase prevailed the elevated aminotransferases (62.5%), whereas in the chronic phase prevailed the normal aminotransferases (63.6%). The immunization presented variation between 0.3 and 3.1% with reference to ages, and among pregnant women and health professionals the prevalence was 5.5% and 11.2%. The HCV’s 1a, 1b and 3a genotypes were predominant, with relation between bigger viral load and the 1a genotype and smaller viral load and the 3a genotype. Finally, the predominant risk factors were the injected and no injected drugs use, pregnancy, hepatitis A, HIV, sexually transmitted diseases and prostitution. Conclusion: Before the frequency of infections and the outcomes that can result in, it’s highly important to continue the studies and the characterization of the attacked population, in order to set out control and more effective prevention strategies in this fight against these infections. Key words: Hepatitis B, hepatitis C, prevalence, risk factors. Introdução A hepatite B é uma das doenças infecciosas mais freqüentes em todo o mundo. Estima-se que mais de um terço da população mundial já foi infectada pelo vírus (VHB) e que há cerca de um milhão de mortes por ano por doença hepática aguda ou crônica associada a ele, sendo a causa mais comum de cirrose e carcinoma hepatocelular.(1) Quanto à hepatite C, estima-se que aproximadamente 170 milhões de pessoas estão infectadas com o vírus (VHC) em todo o mundo. A alta cronicidade é uma característica óbvia da infecção, ocorrendo em cerca de 85% dos pacientes infectados. A cirrose hepática se desenvolve em 10%-50% dos casos, o carcinoma hepatocelular em 1%-23% e a mortalidade relacionada à doença hepática é de 4%15%.(2) Sendo assim, apesar dos avanços diagnósticos e terapêuticos, as infecções pelos vírus das hepatites B e C se mantêm como importante problema de saúde pública e particularmente relevante é o estudo de sua distribuição nas populações, já que existem variações acentuadas na presença de marcadores segundo áreas e grupamentos distintos. Além disso, o conhecimento da circulação viral representa uma atividade fundamental em vigilância epidemiológica, pois permite definir comportamentos de risco e orientar as estratégias de controle.(3) À vista do exposto, foi objetivo deste trabalho verificar a incidência da infecção e de fatores de risco para os vírus das hepatites B e C em diferentes populações e a associação com diagnóstico sorológico, bioquímico e molecular no município de São Bernardo do Campo. Pacientes e métodos A população de estudo foi a pertencente ao setor de Infectologia da Clínica Municipal de Especialidades Médicas, que se trata do Centro de Referência para o diagnóstico e tratamento das hepatites virais no município. Foram incluídos no estudo os casos notificados, entre 1994 e 2006, de pacientes com sorologia positiva para as hepatites B e C. Os dados laboratoriais (resultados bioquímicos, sorológicos e de biologia molecular) e epidemiológicos foram coletados entre os meses de março e agosto de 2006. Os dados obtidos foram codificados e digitados em planilha, utilizando-se o programa EXCEL e, posteriormente, submetidos à análise utilizando-se o programa Epi Info versão 3.3.2. Para determinar a significância do trabalho, foi utilizado o valor de “p” com correção de Yates. Aspectos éticos Este trabalho, baseado na revisão de prontuários médicos de registro, foi realizado após o consentimento da Direção e Coordenadoria do Programa DST/Aids da Clínica Municipal de Especialidades Médicas de São Bernardo do Campo e a aprovação da Comissão de Estágio do curso de Biomedicina da Universidade Metodista de São Paulo. Resultados Em um total de 615 prontuários revisados, dois pacientes (0,3%) apresentaram-se apenas imunizados contra o VHB e, por isso, foram excluídos de todas as análises em que a presença de infecção esteve associada, já que não se tratava de indivíduos portadores do VHB, mas posteriormente analisados em conjunto com os demais indivíduos imunizados. Assim, de um total de 613 pacientes em que a infecção foi constatada, 120 (19,6%) apresentaram infecção pelo VHB, 397 (64,8%) apresentaram infecção pelo VHC e 96 (15,6%) apresentaram co-infecção pelo VHB e VHC. A distribuição das infecções na amostra estudada segundo o sexo demonstrou prevalências no sexo masculino de 9,3%, 33,3% e 10,9% e no sexo feminino 33 Rev Panam Infectol 2007;9(3):32-38 Tabela 1. Prevalência da infecção pelos vírus da hepatite B e C e de co-infecção segundo o sexo Infecção Hepatite B Hepatite C Co-infecção Total Masculino n (%) 57 (9,3) 204 (33,3) 67 (10,9) 328 (53,5) Feminino n (%) 63 (10,3) 193 (31,5) 29 (4,7) 285 (46,5) Total n (%) 120 (19,6) 397 (64,8) 96 (15,6) 613 (100,0) p* 0,1709409 0,1791863 0,0007465* - * Estatisticamente significante quando p < 0,05. Tabela 2. Prevalência da infecção pelos vírus da hepatite B e C e de co-infecção segundo a faixa etária Faixa Etária < 21 21 - 40 41 - 60 > 60 Total Hepatite B n (%) 2 (0,4) 69 (11,2) 41 (6,7) 8 (1,3) 120 (19,6) Hepatite C Co-infecção n (%) n (%) 9 (1,5) 185 (30,1) 44 (7,2) 175 (28,5) 42 (6,8) 28 (4,6) 10 (1,6) 397 (64,8) 96 (15,6) Total n (%) 11 (1,9) 298 (48,5) 258 (42,0) 46 (7,6) 613 (100,0) de 10,3%, 31,5% e 4,7%, para a infecção pelo VHB, VHC e co-infecção, respectivamente, sendo estatisticamente significante a presença de co-infecção no sexo masculino, como demonstra a tabela 1, enquanto, em relação à prevalência de infecções segundo a faixa etária, estas foram predominantes nas faixas compreendidas entre 21 e 40 anos (48,5%) e entre 41 e 60 anos (42,0%), conforme mostra a tabela 2, sendo a análise estatisticamente significante na faixa compreendida entre 21 e 40 anos em indivíduos infectados pelo VHB. De acordo com a presença de marcadores para a infecção pelo VHB na população de estudo, os perfis sorológicos prevalentes foram: crônico (21,8%), infecção passada (18,6%) e janela imunológica (16,3%), havendo diferença significativa em homens em janela imunológica e em mulheres imunizadas, pontuados na tabela 3. Ao se analisar as dosagens enzimáticas de AST e ALT em indivíduos em fase aguda de infecção pelo VHB, verificamos predomínio de aminotransferases em níveis aumentados em ambos os sexos, dados apresentados na tabela 4. Já em indivíduos em fase crônica, verificamos predomínio de aminotransferases em níveis normais em ambos os sexos, dados apresentados na tabela 5. Quanto à prevalência de indivíduos imunizados contra o VHB nas diferentes faixas etárias, verificamos valores percentuais variando de 0,3 a 3,1%, predominando as faixas compreendidas entre 21 e 40 anos e entre 41 e 60 anos, sendo, porém, estatisticamente significante em menores de 21 anos. Já a prevalência de imunizações em gestantes e profissionais da área da 34 saúde foi, respectivamente, de 5,5% e 11,2%, sendo esta última estatisticamente significante. Ao verificarmos a distribuição dos genótipos virais nos indivíduos que apresentaram infecção pelo VHC e co-infecção, foram predominantes em ambas as situações os genótipos 1a, 1b e 3a, como demonstra a figura 1. Nos 23 pacientes que apresentaram resultados de contagem de carga viral e genotipagem, observamos associação entre maior carga viral (média de 3.066.924 UI/mL) e infecção pelo genótipo 1a e menor carga viral (média de 394.859 UI/mL) e infecção pelo genótipo 3a. Finalmente, ao se considerar a associação entre os diversos fatores de risco e a prevalência de infecção pelo VHB, foram estatisticamente significantes o uso de drogas não-injetáveis, o uso de drogas injetáveis e a gestação. Quanto à infecção pelo VHC, foram estatisticamente significantes a hepatite A, o HIV, a gestação e a DST. Já na co-infecção, foram estatisticamente significantes o HIV, o uso de drogas não-injetáveis, o uso de drogas injetáveis, a prostituição e a DST. Discussão No presente estudo, foram analisados 615 prontuários médicos. Considerando o longo período em Tabela 3. Prevalência dos perfis sorológicos da hepatite B de acordo com a presença dos marcadores para a infecção Perfil sorológico Agudo Crônico Imunizado** Infecção passada Janela imunológica Prodrômico Recuperação Indeterminado Total Masculino n (%) 19 (7,4) 28 (10,9) 15 (5,8) 24 (9,3) 33 (12,8) 2 (0,8) 2 (0,8) 16 (6,2) 139 (54,0) Feminino Total p* n (%) n (%) 13 (5,1) 32 (12,5) 0,6511610 28 (10,9) 56 (21,8) 0,5877219 26 (10,2) 41 (16,0) 0,0224973* 24 (9,3) 48 (18,6) 0,6388677 9 (3,5) 42 (16,3) 0,0009254* 1 (0,4) 3 (1,2) 0,8864162 2 (0,8) 4 (1,6) 0,7335822 15 (5,8) 31 (12,0) 0,9184067 118 (46,0) 257 (100,0) - * Estatisticamente significante quando p < 0,05; ** Neste perfil, dois indivíduos apresentaram como único marcador o anti-HBs enquanto os demais apresentaram concomitantemente sorologia positiva para a infecção pelo VHC. Tabela 4. Prevalência das alterações enzimáticas de AST e ALT nos indivíduos em fase aguda de infecção pelo vírus da hepatite B Dosagens enzimáticas* Ambas normais Ambas aumentadas AST aumentada e ALT normal ALT aumentada e AST normal Total Masculino n (%) 8 (25,0) 7 (21,8) 2 (6,3) 2 (6,3) 19 (59,4) Feminino n (%) 4 (12,5) 5 (15,6) 4 (12,5) 13 (40,6) * Valores de referência: Homens – 11-39 U/L; Mulheres – 10-37 U/L. Total n (%) 12 (37,5) 12 (37,4) 2 (6,3) 6 (18,8) 32 (100,0) Pelegrini A, et al • Incidência da infecção e de fatores de risco para o vírus das hepatites B e C... Tabela 5. Prevalência das alterações enzimáticas de AST e ALT nos indivíduos em fase crônica de infecção pelo vírus da hepatite B Dosagens enzimáticas* Ambas normais Ambas aumentadas Masculino Feminino Total n (%) n (%) n (%) 16 (29,1) 19 (34,5) 35 63,6 8 (14,6) 3 (5,5) 11 (20,1) AST aumentada e ALT normal 2 (3,6) 3 (5,5) 5 (9,1) ALT aumentada e AST normal 2 (3,6) 2 (3,6) 4 (7,2) 28 (50,9) 27 (49,1) 55 (100,0) Total * Valores de referência: Homens – 11-39 U/L; Mulheres – 10-37 U/L. que esses dados estão compreendidos, o total de casos notificados é provavelmente inferior ao realmente existente. A esse respeito, devemos levar em consideração que muitos pacientes podem ter sido atendidos por outros serviços de saúde do município. Outro aspecto importante, apontado por Martelli e cols.,(4) é que, mesmo nos países onde a doença é de notificação compulsória, estima-se um grande volume de subnotificações de casos, explicado, em parte, pela associação entre a infecção e grupos socialmente marginalizados, como usuários de drogas e homossexuais. Além disso, as hepatites virais, por produzirem apreciável contingente de infecções assintomáticas, acabam por se disseminar na coletividade de uma maneira mais intensa que a evidenciada pelo aparecimento de casos clínicos,(3) e por isso deixam de ser diagnosticadas. Quanto à distribuição das hepatites na população, Chávez e cols.(5) traçaram um panorama da infecção no Brasil para o período de 1996 e 2000 e encontraram prevalência de 25% para o VHB e 12% para o VHC. Por outro lado, Souto e cols.(6) constataram presença de infecção pelo VHB em 31% da amostra de um município do Estado de Mato Grosso. Quanto à presença simultânea de marcadores para as hepatites B e C, Souza e cols.(7) encontraram um valor percentual de 20,4%, enquanto Mendes-Corrêa e cols.(8) encontraram 1,8%. Diante desses resultados, é possível percebermos a discrepância entre os achados de prevalência das infecções nos estudos realizados em diversas regiões do país. Tal situação pode ser justificada por diferenças geográficas, climáticas, econômicas e na origem étnica da população e estas interferem na epidemiologia das doenças.(9) Além disso, no Brasil, as hepatites virais são consideradas doenças de notificação compulsória desde 1996, mas os critérios de notificação só se tornaram definitivos em 1999, o que provavelmente levou a falhas ou subnotificações. Na situação de co-infecção, não podemos ainda desconsiderar a probabilidade de resultados falsos-positivos, já que em 39,6% dos casos a detecção da infecção pelo VHC se deu unicamente através de um teste imunoenzimático para a pesquisa de anti-VHC, que apresenta alta sensibilidade, mas em razão do elevado valor preditivo positivo da doença, necessita de confirmação diagnóstica. Ao analisarmos a prevalência das infecções segundo o sexo (tabela 1), houve diferença significativa apenas na co-infecção, com prevalência no sexo masculino. No entanto, a literatura tem apontado que esta diferença parece não estar relacionada a maior suscetibilidade desse sexo para a aquisição da infecção, mas sim a aspectos comportamentais adotados por esses indivíduos, tais como uso de drogas, promiscuidade e a não utilização de preservativo. Em relação à distribuição das infecções segundo a faixa etária (tabela 2), a elevada prevalência de acordo com a idade confirma o padrão de área de baixa circulação do VHB, onde a raridade ou inexistência de transmissão vertical ocasiona uma distribuição etária característica, com uma positividade que se revela escassa em idades precoces e tende a uma elevação lenta e gradual à medida que aumenta a faixa etária,(3) onde os mecanismos de transmissão mais importantes envolvem aspectos comportamentais adquiridos ao longo da vida, tais como atividade sexual de risco, uso de drogas ilícitas injetáveis e outras exposições a sangue e hemoderivados.(7) Ao caracterizarmos os perfis sorológicos da hepatite B (tabela 3), houve predomínio do perfil crônico, dado que se relaciona com estudos científicos atualizados, tais como os conduzidos por Brasil e cols.(10) e Letelier e cols.,(11) que têm demonstrado a associação da infecção a elevado grau de cronificação. No entanto, é importante ressaltar que esta é dependente da idade, ou seja, cerca de 5%-10% dos pacientes com hepatite B aguda se transformam em portadores crônicos, enquanto, dos recémnascidos filhos de mães infectadas, 90% se tornam crônicos,(11) sendo estes o grande reservatório do vírus na natureza,(12) daí a necessidade do diagnóstico precoce da infecção. 35 Rev Panam Infectol 2007;9(3):32-38 Ainda em relação aos perfis sorológicos, houve diferença significativa em homens em janela imunológica e em mulheres imunizadas. Os dados da literatura apontam sistematicamente para valores mais elevados do anticorpo anti-HBc, marcador de janela imunológica, em estudos abrangendo amostras populacionais.(3) Um dado relevante encontrado em nosso estudo é que dos 33 homens (12,8%) em janela imunológica, 78,8% apresentavam co-infecção. A presença de anti-HBc como único marcador de infecção pelo VHB tem sido relatada entre pacientes infectados pelo VHC. Este fenômeno pode ser explicado pelo efeito supressor da proteína do core do VHC na síntese de AgHBs.(13) Por outro lado, todas as mulheres imunizadas contra o VHB apresentavam infecção pelo VHC. Por se tratar de mulheres em idade reprodutiva e que poderiam estar sob o risco de serem também infectadas pelo VHB por via sexual, a imunização vem cumprir seu papel profilático. Na análise das dosagens enzimáticas de AST e ALT na fase aguda de infecção pelo VHB (tabela 4), verificamos a predominância de aminotransferases aumentadas. As aminotransferases são de fundamental importância para o diagnóstico das formas anictéricas e encontram-se aumentadas no início do quadro, sendo indicativas da lesão hepatocelular. A diminuição das aminotransferases inicia-se na fase ictérica, podendo permanecer com valores elevados por até seis meses, mesmo em pacientes com boa recuperação clínica.(14) Na análise das dosagens enzimáticas de AST e ALT na fase crônica de infecção pelo VHB (Tabela 5), verificamos a predominância de aminotransferases normais. Nessa fase de infecção, após a soroconversão do AgHBe para seu anticorpo, observa-se com freqüência queda progressiva das aminotransferases, acompanhada de redução da atividade inflamatória e desaparecimento do DNA-VHB. Isso, todavia, nem sempre apresenta a benignidade que o fenômeno descrito pode sugerir, pois a doença hepática pode se encontrar já em fase cirrótica.(15) Quanto à prevalência de indivíduos imunizados contra o VHB nas diferentes faixas etárias, observamos maior concentração nas faixas compreendidas entre 21 e 40 anos e entre 41 e 60 anos, muito provavelmente em virtude da maior participação de indivíduos nessa faixa etária em nosso estudo. Porém, foi estatisticamente significante a imunização em menores de 21 anos. Com base na segurança e efetividade, a Organização Mundial da Saúde recomendou que a vacina de hepatite B fosse incorporada ao programa de imunização básica de crianças a partir de 1997 e Souto e cols.(6) pontuaram que a baixa 36 cobertura vacinal gera uma grande concentração de suscetíveis na segunda década de vida. Considerando a prevalência de imunizações em gestantes e profissionais da área da saúde, apenas a última foi estatisticamente significante. Bertolini e cols.(16) avaliaram a prevalência de marcadores sorológicos da hepatite B em gestantes do Estado do Paraná e encontraram taxas de anti-HBs que oscilaram entre 3,8% e 17,3%, enquanto, em nosso estudo, de 29 gestantes analisadas, apenas duas (6,9%) apresentaram sorologia positiva para o anti-HBs isolado. É importante lembrar que a imunização funciona como um fator de proteção contra a infecção pelo VHB não apenas para a gestante, mas também para o feto, já que a transmissão vertical, apesar de pouco freqüente em áreas de baixa endemicidade, pode ocorrer. Em contrapartida, dentre os sete profissionais da área da saúde analisados, quatro (57,1%) apresentaram-se imunizados. Esse achado está de acordo com o estudo de Silva e cols.,(17) que encontrou prevalência de profissionais de saúde adequadamente imunizados de 56,0%. Alguns fatores, como a duração e fre­ qüência do contato com o sangue e derivados, bem como a positividade de pacientes para o AgHBs, são determinantes na infecção ocupacional pelo VHB, sendo a vacinação o meio mais eficiente para sua prevenção e controle.(18) Ao verificarmos a distribuição dos genótipos do VHC (figura 1), foram predominantes os genótipos 1a, 1b e 3a. Estes resultados se relacionam com dados da literatura, que mostram que na América do Sul, incluindo o Brasil, Estados Unidos e Japão, os genótipos 1, 2 e 3 são responsáveis pela maioria das infecções, sendo o subtipo 1b o mais prevalente. A determinação da genotipagem é de suma importância no que diz respeito ao tratamento da infecção, já que os diferentes genótipos influenciam as taxas de resposta. Em um estudo conduzido por Alves e cols.,(19) os pacientes com genótipo não-1 apresentaram taxa de resposta sustentada maior que os infectados com genótipo 1 (39% e 20%, respectivamente). Este achado é descrito sistematicamente na literatura, mas as razões da maior resistência do genótipo 1 ao tratamento não estão ainda esclarecidas. Quanto à relação entre a contagem de carga viral e os genótipos do VHC, houve associação entre maior carga viral e o genótipo 1a e menor carga viral e o genótipo 3a. Sabendo-se que as taxas de resposta ao tratamento são influenciadas pelos genótipos e que a contagem de carga viral pode ser utilizada no monitoramento da terapêutica, não se pode desconsiderar a relação entre os dois parâmetros e sua importância no acompanhamento da evolução clínica do paciente. Pelegrini A, et al • Incidência da infecção e de fatores de risco para o vírus das hepatites B e C... Na análise da associação entre os diversos fatores de risco e a prevalência de infecção pelo VHB, foram estatisticamente significantes o uso de drogas nãoinjetáveis, o uso de drogas injetáveis e a gestação. A prevalência de hepatite B em gestantes varia de acordo com a endemicidade da infecção na região geográfica e população estudada. Sendo a atividade sexual a maior via de transmissão do VHB,(20) a gestação pode ser vista como um possível indicativo de exposição ao vírus. Já o uso de drogas não-injetáveis, tais como cocaína inalada e crack, se relaciona a um comportamento sexual de risco,(21) enquanto a transmissão viral entre usuários de drogas injetáveis é primariamente parenteral, através do compartilhamento dos equipamentos de injeção. Na análise da associação entre os diversos fatores de risco e a prevalência de infecção pelo VHC, foram estatisticamente significantes a hepatite A, o HIV, a gestação e a DST. Considerando-se que, diferentemente da hepatite C, a transmissão da hepatite A ocorre pelas vias fecal e oral, essa doença tem alta prevalência em regiões onde é precário o saneamento ambiental, o que cria condições propícias para sua disseminação. (22) Assim, a associação entre as infecções pode estar relacionada às condições socioeconômicas da população. Já a co-infecção HIV/VHC, não rara, já que estes vírus apresentam formas de transmissão comuns, é marcada pelo impacto do HIV no curso natural da infecção pelo VHC e vice-versa. O HIV determina uma progressão mais rápida da doença hepática em indivíduos infectados pelo VHC, aumentando o risco de cirrose, assim como também a maiores taxas de viremia pelo VHC. O VHC tem importante papel no manejo da infecção pelo HIV, aumentando o risco de toxicidade hepática causada pelas drogas anti-retrovirais. Estudos recentes mostram ainda que o VHC acelera a progressão da doença pelo HIV e pode retardar a reconstituição imunológica dos indivíduos infectados pelo HIV após o uso da HAART. (21) É importante salientar também que, assim como ocorre na hepatite B, a gestação pode ser vista como um possível indicativo de exposição ao VHC por via sexual. Já a presença de doenças sexualmente transmissíveis é uma informação preditiva do comportamento sexual de risco adotado pelos indivíduos do estudo. Na análise da associação entre os diversos fatores de risco e a prevalência de co-infecção, foram estatisticamente significantes o HIV, o uso de drogas não-injetáveis, o uso de drogas injetáveis, a prostituição e a DST. A infecção de vírus hepatotrópicos em associação com o HIV é freqüentemente encontrada, estando ligada com a forma sexual de transmissão que estes vírus compartilham.(23) Da mesma forma, o uso de drogas injetáveis é responsável por altos níveis de infecção simultânea, (7) através da transmissão por via parenteral. Já o uso de drogas não-injetáveis, assim como a presença de DST, como já mencionado, se relacionam ao comportamento sexual de risco. A prostituição se mostra associada ao risco para a aquisição de hepatite B e C devido a comportamentos típicos adotados, tais como elevado número de parceiros e relações sexuais de risco, e a práticas e situações a ela relacionadas, aí incluídos o consumo de drogas ilícitas e de bebidas alcoólicas, a exposição a prisões, o baixo nível educacional e a marginalização socioeconômica.(24) Portanto, diante da freqüência de infecções e das conseqüências que podem acarretar, torna-se importante o seguimento de estudos de prevalência e caracterização das populações acometidas no município, para que, assim, se possa traçar estratégias de controle e prevenção mais eficazes no combate dessas infecções. Agradecimentos Agradecemos à Direção da Clínica Municipal de Especialidades Médicas de São Bernardo do Campo e, em especial, a Enfermeira Ana Maria Sotirios Michas, por terem nos autorizado a coletar os dados que foram de fundamental importância para a realização deste estudo. Referências 1. 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Flávio Buratti Gonçalves Universidade Metodista de São Paulo Av. Dom Jaime de Barros Câmara, 1000 CEP 09895-400 São Bernardo do Campo - SP - Brasil. e-mail: [email protected]