Jornal A Tarde, quinta-feira, 20/04/1972 Assunto: PALAVRAS ESTRANHAS E NOMES GROSSEIROS... A pesquisa de arquivos está constantemente a revelar documentos e sobretudo fatos que são da maior importância para compreender o passado e para orientar o presente em direção ao futuro. Em investigação, que agora procedo no Arquivo Público do Estado, uma das verificações interessantes é a do interesse pela educação e a instrução públicas que se verificou no Brasil, logo após a Independência. Como é largamente sabido, tivéramos, a princípio, a educação a cargo dos Jesuítas, nos melhores moldes da época, inclusive em nível universitário, no Colégio das Artes que aqueles religiosos fundaram em nossa cidade. Com a expulsão dos inacianos pelo Marquês de Pombal, o ensino, para não desorganizar-se, teve de passar às mãos do Estado, com resultados muito medíocres. A Independência encontrou a educação debilitada e sem apropriada estrutura, seja pedagógica, seja administrativa, os documentos da época atestam quantas cadeiras de ensino das primeiras letras houve que criar para atender aos reclamos da população. E dos interessados em serem nomeados professores, também. Num livro de correspondência do Governo da nossa Província, encontrei um ofício de 1825, dirigido ao Desembargo do Paço, que, além de revelar problemas que se repetem ainda hoje, é certamente um modelo de prudência administrativa. Dizia o Presidente da Província, João Severiano Maciel da Costa: “Senhor. À Augusta Presença de Vossa Majde. Imperial levou Joaquim de Souza Ribeiro um requerimento no qual pede que seja criada, nesta Cidade, uma Cadeira de Gramática da Língua Portuguesa, e ele nomeado o Professor dela, em atenção aos Serviços prestados à Causa da Independência e à instrução de que se supõe enriquecido pela prática que tem tido, ajudando a seu Pai no ensino de Primeiras Letras. Nenhuma dúvida há Senhor, que o estudo da Gramática da Língua Nacional deve merecer uma muito particular atenção de Vossa Majde. Imperial, por ser na verdade vergonhosa a ignorância quase universal, e mesmo em homens dados a outros estudos que se observa até nos escritos impressos. A recomendação feita aos Mestres da Gramática Latina de darem Lições da Pátria a seus discípulos, não tem sido executada, nem essa ligeira instrução era bastante. A necessidade deste estudo cada vez se vai fazendo mais sensível, porque, por uma parte tendo as mudanças políticas excitado os Cidadãos à lição dos livros estranhos, quase geralmente franceses, ao mesmo passo que ignoram a linguagem pátria, vão-se introduzindo indiscretamente nesta muitas palavras estranhas quase sempre desnecessárias e sem o cunho verdadeiro; e, por outra parte, a mistura com africanos, que universalmente acompanham a mocidade e com ela familiarizam, tens introduzido nomes grosseiros e erros de concordância que vejo difundidos e como correntes nos escritos, e até nas Leis. A vista disto, é manifesto que sou pela criação das Cadeiras única e exclusivamente da Língua Portuguesa; quero, porém, até o ensino da eloqüência dela, que é encantadora e, na minha opinião, deve ser a primeira entre as vivas atualmente, assim pela pompa e doçura de sua harmonia, como pela facilidade de alusitanar e fazer próprio o tezoiro da latina e das vivas. Mas, em vez de fazer instituições de retalhos, criando sem plano, hoje uma; amanhã, outra Cadeira nas diversas cidades ou vilas do Império, quisera eu que Vossa Majestade se dignasse de mandar organizar um plano geral com instruções adequadas ao fim importante do ensino a falar a Língua Nacional correta e eloqüentemente. Quando, porém, entenda Vossa Majestade Imperial que convém criar-se já uma resta cidade, como requer o Suplicante, ela deverá ser posta a Concurso, nomeando-se Mestres para o exame, com instruções para que se dirijam nele, não sendo tão pública e reconhecida a instrução do Suplicante que mereça uma cega preferência. Este meu parecer?”. O Presidente da Província que, por outros documentos, confirma-se um atilado governante, opinando várias vezes inspirado “em princípios de Justiça Universal” que são hoje os postergados Direitos Humanos, não deixava de ser vítima dos males que queria corrigir, no uso de termos da gíria como naquele papel em que opinava contra a concessão, “de pancada”, de condecorações a três filhos de um só requerente que alegava seus abnegados serviços no “tempo da efervescência contra os lusitanos’, em 1823.