casamento convencional: fraudes na partilha de bens por

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO
CASAMENTO CONVENCIONAL: FRAUDES NA PARTILHA
DE BENS POR OCASIÃO DA SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
AMANDA ELISANGELA PROVESI DE AGUIAR
Itajaí (SC), novembro de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS
CURSO DE DIREITO
CASAMENTO CONVENCIONAL: FRAUDES NA PARTILHA
DE BENS POR OCASIÃO DA SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
AMANDA ELISANGELA PROVESI DE AGUIAR
Monografia submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Direito.
Orientador: Professor MSc. Eduardo Erivelton Campos,
Itajaí (SC), novembro de 2010
3
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pois sem ele nada somos.
A minha mãe Maria Emilia Vick e minha irmã
Alessandra Maria Provesi, que me ajudaram
muito nesta caminhada, sem elas não teria
chegado até o final. Ao meu irmão Fabio Marcelo
Provesi, que muitas vezes me ajudou de alguma
forma. Ao meu esposo Aguinaldo de Aguiar que
sempre esteve ao meu lado. E a minha filha
Amábile meu anjo. Que Deus abençoe a todos.
“Posso todas as coisas naquele que me
fortalece". Filipenses 4:13 (Bíblia Sagrada)
DEDICATÓRIA
A minha mãe Maria Emilia Vick, Alessandra Maria
Provesi minha irmã, meu irmão Fabio Marcelo
Provesi, minha filha Amábile Provesi de Aguiar,
meu esposo Aguinaldo de Aguiar, pessoas mais
importantes na minha vida meu maior exemplo
de pureza. Pessoas amigas, foram sempre pais e
companheiros, que em todo tempo me ensinaram
e me fizeram compreender que somos capazes
de tudo. Compreenderam e apoiaram a minha
dedicação integral a esta pesquisa e sempre
acreditaram na minha capacidade. Ao meu
orientador e amigo Eduardo Erivelton Campos e a
professora Claudia Regina Althoff Figueiredo, por
terem participado ativamente deste projeto e
acolhido com respeito as minhas idéias do inicio
ao fim, inclusive, por ter me “adotado” na reta
final, sempre me ajudando e apoiando e também
me dando força para alcançar meus objetivos.
Agradeço a minha colega Regina e a todos os
meus amigos e amigas em geral, professores e
autoridades.
“Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu
coração, de toda a sua alma, de todo o seu
entendimento e de todas as suas forças”.
Mateus
12:30
(Bíblia
Sagrada)
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e
qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, _____ de ____________________ de __________.
___________________________________
Amanda Elisangela Provesi de Aguiar
Graduanda
6
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda, Amanda Elisangela Provesi de
Aguiar sob o título Casamento Convencional: Fraudes na Partilha de Bens por
Ocasião da Separação e Divórcio, foi submetida em 26 de novembro de 2010 à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Eduardo Erivelton
Campos, MSc (Presidente e Orientador), ______________________ (Examinadora)
e aprovada com a nota [_____] (______________________).
Itajaí, _____ de ____________________ de __________.
________________________________
Eduardo Erivelton Campos, MSc
Orientador e Presidente da Banca
________________________________
Prof. Antônio Augusto Lapa, MSc
Coordenação da Monografia
7
RESUMO
A presente Monografia tem como objeto as fraudes de bens na separação e
no divórcio. O seu objetivo é demonstrar como nos dias de hoje se faz necessário
uma abordagem concisa do próprio Direito de família e Patrimônio. No primeiro
capítulo faz-se uma abordagem do casamento como centro de Direito da Família. No
segundo capítulo abordou as propostas de separação, com os novos princípios ao
Direito da família atual. O objetivo do terceiro capítulo é demonstrar as fraudes de
bens. Para isso, faz-se necessário, iniciar uma configuração didática, para que
depois analisar-se-á através de uma visão crítica, proposta central desse trabalho
Científico.
Nas
considerações
finais
apresentou-se
os
pontos
conclusivos
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões
sobre o tema. Esta monografia é um relato dos principais desafios enfrentados por
cônjuges, conviventes, advogados, promotores de Justiça e juízes no esforço de
garantir uma partilha justa do patrimônio comum, diante da separação. O problema
tem se mostrado plural, repetindo-se em diversos casos nos quais se reiteram as
fórmulas, aqui explicadas.
Palavra Chave – Casamento convencional; separação e divórcio; fraudes de bens.
8
SUMÁRIO
RESUMO..................................................................................7
INTRODUÇÃO........................................................................10
CAPÍTULO I .......................................................................... 12
DO CASAMENTO E SUAS MODALIDADES .................... 12
1.1 FAMÍLIA, CONCEITOS E COMPREENSÃO ................................ 14
1.1.1 Delineamento histórico do casamento ................................... 18
1.2 DO CASAMENTO COMO CONTRATO ........................................ 21
1.3 DEVERES DOS CÔNJUGES ........................................................ 23
1.4 REGIME DE BENS NO CASAMENTO ......................................... 25
1.4.1 Do pacto antenupcial ............................................................... 27
1.4.2 Do regime de comunhão parcial ............................................. 27
1.4.3 Do regime de comunhão universal ......................................... 29
1.4.4 Do regime de separação de bens ............................................ 30
1.4.5 Do regime de participação final nos aquestos ....................... 31
1.4.6 Do regime dotal ......................................................................... 32
CAPÍTULO II ......................................................................... 34
SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO ............................................... 34
2.1 SEPARAÇÃO JUDICIAL .............................................................. 35
2.1.1 Separação Judicial Consensual .............................................. 36
2.1.2 Separação Judicial Litigiosa .................................................... 36
2.2 DIVORCIO ..................................................................................... 38
2.2.1 Conversão da separação judicial em divórcio ....................... 40
2.2.2 Divórcio indireto litigioso ........................................................ 40
2.2.3 Divórcio direto consensual e litigioso .................................... 41
2.2.4 PEC do divórcio ........................................................................ 43
CAPÍTULO III .........................................................................46
FRAUDE ........................................................................... . 46
3.1 TIPOS DE FRAUDE ...................................................................... 47
3.1.1 Fraude Advance Free ............................................................... 48
3.1.2 Fraude Capital Vonjiach ........................................................... 48
9
3.1.3 Fraude das informações .......................................................... 48
3.2 FERRAMENTAS DOS FRAUDADORES ...................................... 49
3.3 SITUAÇÕES JURÍDICAS DE EXISTÊNCIA DA FRAUDE ........... 50
3.3.1 Fraude antecedente ou durante a separação ......................... 50
3.3.2 Fraude no casamento do Código Civil ................................... 51
3.3.3 Fraude na união estável ........................................................... 51
3.3.4 Desvio patrimonial quando da separação do casal ............... 53
3.3.5 Fraude no regime de bens ....................................................... 54
3.3.6 Fraude pela formação de dívidas ............................................ 55
3.3.7 Fraude na partilha ..................................................................... 56
3.3.8 Fraude na partilha equânime ................................................... 57
3.3.9 Fraude na meação conjugal .................................................... 58
3.3.10 Anulação de partilha fraudulenta .......................................... 58
3.3.11 Fraude societária .................................................................... 59
3.3.12 Fraude pela mudança do tipo social ..................................... 61
3.3.13 Fraude na sucessão empresarial .......................................... 62
3.3.14 Fraude pela interposta pessoa .............................................. 63
3.3.15 Boa-fé ...................................................................................... 64
3.3.16 A outorga do convivente ........................................................ 65
3.3.17 A indenização pela inoponibilidade ...................................... 67
3.3.18 Fraude no período de revocatória falimentar ....................... 69
3.4 A PROVA DA FRAUDE E DA SIMULAÇÃO ................................ 70
4 JURISPRUDÊNCIA ......................................................... 73
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 84
REFERÊNCIAS .................................................................... 86
10
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como título “Casamento convencional: fraudes na
partilha de bens por ocasião da separação e divórcio”.
Ao enfatizar o casamento, o divórcio e as fraudes, buscar-se-á compreender
que esta organização conjugal econômica, está ante a uma legislação frágil e a uma
ânsia patológica de buscar algo ilícito resultado da conjugal partilha dos bens.
Desta forma, pretender-se-á demonstrar o quanto se faz necessário uma
abordagem concisa do Direito de Família e Patrimônio.
O primeiro capítulo apresentar-se-á o casamento convencional, inicialmente
conceituando família na histórica do casamento, bem como os direitos e deveres dos
cônjuges nubentes e os regimes de bens neles constituídos.
Mostrando o casamento como uma representação de uma entidade familiar,
que depende de uma estrutura econômica que lhes permita atingir a finalidade
essencial da união pessoal do casal.
O segundo capítulo abordar-se-á o tema separação e divórcio focando as
variáveis formas de extinção da sociedade conjugal. Mostrando que nesse momento
tão delicado, dentro de uma sociedade constituída pelo afeto, obriga-se a ruptura
dos destinos dos bens conjugais.
A boa-fé é o princípio geral de direito, como regra moral e deve reinar
soberana em todos os níveis das relações humanas, mas cria-se neste momento de
dissolução uma expectativa, que não possam ter uma partilha igualitária.
O terceiro capítulo constituir-se-á exatamente das variadas formas de fraudes
que podem ser praticadas e que frustram a justa partilha.
Para a presente monografia foi levantada a seguinte hipótese:
Existe a confirmação da Fraude no casamento, e em que momento ela pode
ser constatada sendo que o casamento nada mais é do que um contrato celebrado
entre as partes com livre escolha de regime de bens:
O grande desafio, nesses casos, é oferecido pelo fato de que as relações
patrimoniais familiares são influenciadas, cada vez mais, pelo Direito Empresarial.
Em muitos casos, essa contaminação se deve tão somente ao fato de um dos
cônjuges ou conviventes atuar como empresário ou sócio de sociedade, simples ou
empresária, sendo que a parte mais significativa do patrimônio comum é
11
representada justamente pela atividade negocial. Há também situações de
planejamento patrimonial, recurso que pode implicar a constituição de estruturação
societária para acomodar o patrimônio comum.
Os autores foram cuidadosos na definição do problema e na explicação de
como as fraudes são urdidas e de como podem ser evitadas ou combatidas.
Debruçam-se
principalmente
sobre
estruturas
e
estratégias
empresariais,
nomeadamente societárias e contábeis, reiteradamente utilizadas para como
mecanismo para o desvio de bens e valores ou sua ocultação, entre outros
procedimentos diversos cujo resultado é sempre o mesmo: lesar o ex-cônjuge ou exconvivente na partilha dos bens.
Quanto a Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação
foi utilizado o Método Indutivo.
Torna-se importante atentar em quais circunstancias iniciam estas lesivas
práticas para frustrar a justa partilha.
Por conta disso, o direito processual deve agir com presteza e efetividade,
procurando conhecer qualquer barreira oposta com os selos da fraude e da
simulação.
A fraude está sempre presente através de qualquer artifício, como manobra
intencional, no intuito de deter créditos.
A fraude um vício social e no casamento sua prática traz consigo o dano
moral, pois pode gerar privações e constrangimentos, pelos quais deverá ser
indenizado o cônjuge prejudicado.
As categorias fundamentais para a monografia, bem como os seus conceitos
operacionais serão apresentados no decorrer da monografia.
Para tanto, tendo em vista as observações realizadas e os resultados obtidos,
espera-se com essa monografia contribuir para o enriquecimento de doutrinas sobre
o tema.
12
CAPÍTULO I
DO CASAMENTO E SUAS MODALIDADES
1 CASAMENTO CONVENCIONAL
O casamento é o centro o Direito de família, dele irradiam suas normas
fundamentais. Sua importância, como negócio jurídico formal, vai desde as
formalidades que antecedem sua celebração, passando pelo ato material de
conclusão até os efeitos do negócio que deságuam nas relações entre os cônjuges,
os deveres recíprocos, a criação e assistência material, espiritual recíproca e da
prole.
Quando surgiu o casamento de Direito Civil, as opiniões sustentaram o
caráter contratualista dessa relação. Continuaram vivas as opiniões que ora
propendem pelo contrato ora afirmam que o casamento é uma instituição.
O casamento ingressa na história da humanidade como processo de
socialização.
Historicamente, tem-se tentado naturalizar o casamento, mas no fundo ele
nada mais é do que uma instituição social, tal qual a propriedade privada.
Por causa da influência judaico cristã não afastamos da citação de
Modestino1, ao caminharmos pela trilha da decodificação do sentido do casamento
para as sociedades ocidentais.
Diz Modestino (ano 13.N.2207); “[...] O casamento é a conjugação do homem
e da mulher, que se associam para toda a vida, a comunhão do direito divino e do
direito humano”. Durante muitos séculos esse foi o único modelo vislumbrável pelas
sociedades ditos civilizadas.
Clóvis Beviláqua2, (1896.p.34) define casamento na óptica de legitimação
estatal das relações carnais e implicitamente estabelece suas consequências na
órbita patrimonial:
1
2
MODESTINO,Erenio. Digesto,23. Juz Navigandi,Teresina ano 13,n. 2207.
BEVILAQUA, Clovis. Direito de Familia. Rio de Janeiro. Ed. Rio. 1976. p 34.
13
Casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma
mulher se unem, indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações
sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e
comprometendo-se a criar, educar a prole que de ambos nascer.
(BEVILAQUA,1896)
Portalis3 define o casamento como “a sociedade do homem e da mulher, que
se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a
carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino”.
Washington de Barros Monteiro4 apresenta o casamento como “a união
permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se
reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem seus filhos”.
Sendo assim, o casamento é um contrato, que obedece à vontade dos
contratantes, desde que essa vontade não seja contrária á lei, e o casamento pode
ser dissolvido pelos contratantes por mero destrato, o que afasta a intenção em
manter o matrimônio como uma instituição que gera efeitos independentemente da
vontade dos cônjuges.
Para Gabriel Junqueira5, ”o casamento sendo a união de duas vidas, movidas
pelo mesmo sentimento que é o amor, é visto sob o ângulo da plena felicidade no
decorrer da vida”.
A partir desses conceitos, entende-se que o casamento é iniciado pelo acordo
livre de vontades dos cônjuges, sendo, portanto, essa uma condição para a sua
realização, regido pelas normas cogentes ditadas pelo Estado, que dá a forma, as
normas e os efeitos que trará o que lhe confere a natureza de instituição, e é
disciplinado por regras estritas, tendo em vista que uma vez aperfeiçoado, os
nubentes não podem afastar-se de normas que lhe são imputadas, tais como o
dever de mútua assistência e o dever de fidelidade, nem tampouco lhes é dado o
direito de dissolução por vias extrajudiciais.
No que concerne á união entre homem e mulher, a Constituição da República
Federativa de 1998 estabelece que o casamento só possa ser realizado entre o
3
PORTALES,Jean Etienne Marie, Code Civil dês Français. 1807, Code Napoléon, In Discurso.
MONTEIRO,Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito de Familia. Vol. 2, 37º Ed.
São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
5
JUNQUEIRA, Gabriel J. P.- Do Casamento. Constituição.Conflito.Separação. Dissolução.Teoria
e pratica.Bauru.SP.Ed. Edipro, 2005. p13-18
4
14
homem e a mulher, sendo vedada qualquer tentativa de matrimônio entre pessoas
do mesmo sexo.
O dever de fidelidade recíproca tem caráter social, estrutural, moral e
normativa.
No aspecto material consubstancia-se na proteção aos direitos da
personalidade do consorte, dentre os quais se destacam a vida, a integridade física
e psíquica, a honra e a liberdade.
Quanto a natureza jurídica do casamento, três são as teorias que procuram
explicar: a contratualista, a institucionalista e a eclética.
A contratualista trata o casamento como um contrato, ou um pacto entre duas
pessoas de sexos diferentes, equiparável ao direito obrigacional.
A institucionalista nasce com o pleno, real, geral e irrestrito consentimento dos
nubentes para o enlace matrimonial, transcende aos limites dela própria,
constituindo as bases de todo Estadas Moderno e Soberano.
A eclética seria a formada por um polvilhar de outros conceitos pertinentes ao
mundo jurídico, onde o casamento é um pouco de tudo isso.
1.1 FAMÍLIA, CONCEITOS E COMPREENSÃO
A família tem por sujeito o ser humano dinâmico por natureza.
Segundo Giselda Hironaga (1996):
A família é uma entidade histórica, interligada com os rumos e desvios da
história, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a
arquitetura da própria historia através dos tempos. Sabe-se, enfim, que a
família é por assim dizer, a história, e que a história da família se confunde
6
com a história da humanidade (HIRONAGA) .
A conceituação de família oferece de plano, um paradoxo. O Código Civil não
o define. Por outro lado, não existe identidade de conceitos para o Direito, para a
Sociologia e para a Antropologia.
6
HIRONAGA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. In: Revista Brasileira
de Direito da Família nº1 p.7
15
Como regra geral, porem, o Direito Civil moderno apresenta uma definição
mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação
conjugal ou de parentesco (VENOSA)7.
Sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por
uma química biológica, a família é um agrupamento informal, de formação
espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. A lei
corresponde sempre ao congelamento de uma realidade dada, de modo que a
família juridicamente regulada nunca é multifacetada como família natural.
A família preexiste o Estado e está acima do direito. As modificações da
realidade acabam se refletindo na lei, cumprindo assim sua vocação conservadora
(AZEVEDO)8.
Família é uma construção social organizada através de regras culturalmente
elaboradas que conformam modelo de comportamento (MADALENO)9.
Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem
aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitam ser chancelados pelo que se
convencionou chamar-se matrimônio.
A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural,
integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo
incentivo à procriação.
Sendo entidade patrimonialisada, seus membros eram força de trabalho.
O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a
todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.
Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a
necessidade de mão de obra, principalmente nas atividades terciárias. Assim a
mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte
de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole.
Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que
migrou para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à
aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que
7
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil- Direito de Família. 9º Ed. 2009. P.1
AZEVEDO, Tupinambá Pinto. Casamento: instituição em xeque, 31. In SOUZA, Ivone M. C. Coelho de.
Casamento além do judiciário. Florianópolis: Vox legen, 2006, p.21-44.
9
MADALENO, Rolf. Direito de família em pauta, 18..Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004.
8
16
envolve seus integrantes. Existe uma nova concepção da família, formada por laços
afetivos de carinho, de amor (ROSA)10.
No Direito Brasileiro, em relação ao conceito de família, não há mais restrição
ao núcleo de pessoas vinculadas ao instituto do casamento (pai, mãe, filhos).
Família hoje pode ser formada pelo casamento, ou pela união estável entre homens
e mulheres, ou ainda que se estabeleça através da família mono parental.
Conforme Diniz11: A legislação com base nessas acepções emprega a palavra
família tendo em vista os seguintes critérios: a dos efeitos sucessórios e alimentares,
o da autoridade e os das implicações fiscais e previdenciárias.
A conceituação de família para a esfera Jurídica não se restringe a critérios
sanguíneos, esta transpõe barreiras para a formação de um conceito amplo e
irrestrito.
A noção atual de família nas civilizações ocidentais afasta-se cada vez mais
da ideia de poder e coloca em supremacia a vontade de seus membros, igualandose os direitos familiares. É fato, porém, que persiste a noção de poder e supremacia
do chefe familiar em várias civilizações atuais, mais ou menos primitivas, inclusive
naquelas nas quais as mulheres sofrem restrições de direito e de fato.
No passado, defendeu-se a ideia de que a família constituía uma pessoa
Jurídica. Como instituição deve ser compreendida como uma forma regular, formal e
definida de realizar uma atividade. Nesse sentido, família é uma união associativa de
pessoas, sendo uma instituição da qual se vale a sociedade para regular a
procriação e educação dos filhos (BELUSCO)12.
Sob a perspectiva sociológica, família é uma instituição permanente integrada
por pessoas cujos vínculos derivam da união de pessoas de sexos diversos. Desse
modo, como sociologicamente a família é uma instituição, o Direito, como ciência
social, assim reconhece e a regulamenta.
As instituições jurídicas são um universo de normas de direito organizadas
sistematicamente para regular direitos e deveres de determinado fenômeno ou
esfera social.
10
ROSA, Alexandre Morais da. A morte virtual (In) consequência do direito de família e penal.
Florianópolis: Habitus, 2001, p 162
11
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.S. Direito de Família. P11. Ed. São Paulo:
Saraiva. 1996. V.5
12
BELUSCO, Augusto César. Manual de direito de família. 5.ed. Buenos Aires: Depalma, 1987. v2,v1:10
17
Desse modo, o direito de família, por sua própria natureza, é ordenado por
grande número de normas de ordem pública, dispondo sobre as relações pessoais
dos cônjuges, relações entre pais e filhos, regimes matrimoniais, celebração,
dissolução do casamento, etc.
Não se pode conceber nada mais privado, mais profundamente humano do
que a família, em cujo seio o homem nasce, vive, ama, sofre e morre.
Os vínculos jurídicos familiares são de ordem conjugal e de parentesco, que
decorrem deveres e direitos disciplinados pelo direito de família com reflexo em
todos os campos jurídicos (processual, penal, tributário, previdenciário, etc.).
A representação da família perante a sociedade e na prática de atos e
negócios jurídicos é atualmente exercida tanto pelo homem como ela mulher.
O domicilio familiar é o local no qual a família reside, com a intenção de ali
estabelecer a sua moradia em caráter definitivo.
Como diz Teresa Wambier, a “cara” da família moderna mudou (WAMBIER)13.
O seu principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há
flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços
afetivos.
Difícil encontrar uma definição de família de forma a dimensionar o que no
contexto social dos dias de hoje, se insere nesse conceito.
É mais ou menos intuitivo identificar família com a noção de casamento, ou
seja, pessoas ligadas pelo vínculo do matrimônio.
A emancipação feminina e o ingresso da mulher no mercado de trabalho
levaram-na para fora do lar. Deixou o homem de ser o provedor exclusivo da família,
sendo exigida a sua participação nas atividades domesticas.
O afrouxamento dos laços entre Estado e Igreja acarretou profunda evolução
social e a mutação do próprio conceito de família, que se transformou em verdadeiro
caleidoscópio de relações que muda no tempo de sua constituição e se consolidou
em cada geração (GROENINGA)14.
Começaram a surgir novas estruturas de convívio sem uma terminologia
adequada que as diferencie.
13
WAMBIER, Teresa Celina Arruda Alvin, Direito de família e do menor, p59-86. 3ª Ed. Belo Horizonte.
Del Rey,1993.
14
GROENINGA, Giselle Câmara, Família: um caleidoscópio de relações. In PEREIRA, Rodrigo de Cunha
(Coords).Direito de Família e psicanálise. São Paulo: Imago, 2003, p.125-142
18
Nas famílias formadas por pessoas que saíram de outras relações, seus
componentes não têm lugares definidos
Os novos contratos da família estão desafiando a possibilidade de se
encontrar uma conceituação única para sua identificação.
Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais
diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que
permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que tem
um elo de afetividade, independente de sua conformação.
O desafio dos dias de hoje é achar o toque identificador das estruturas
interpessoais que permita nominá-las como família.
A lei nunca se preocupou em definir a família – limitava-se a identificá-la com
o casamento.
1.1.1 Delineamento histórico do casamento
Nos primórdios dos tempos, o ser humano, destituído de inteligência, como
qualquer outro anima, relacionava-se entre si apenas mediante o instituto que o
caminhava a procriação e a preservação da espécie. Através de comandos
instintivos o casal se encontra apenas no momento da procriação, atraído pelo
instinto, quase sempre em determinada estação do ano15 (COSTA).
Na antiguidade o casamento tinha finalidade social e política.
Para os babilônicos o casamento era um contrato realizado entre o futuro
marido e seus pais com 0s pais da futura esposa. Consistia na entrega de uma
quantia em dinheiro, marcando assim o inicio de uma parceria, a primeira fase da
realização do matrimônio.
O contrato era indispensável para a validade desse casamento. Se um
homem tomou uma esposa e não redigiu seu contrato, essa mulher não é sua
esposa. As cerimônias religiosas do casamento estavam desprovidas de caráter
jurídico.
Já no Egito, inicialmente, o casamento era monogâmico e religioso, onde
somente o faraó podia ter varias esposas. A aprovação dos pais era condição
15
COSTA,Carlos Celso Orcesi da, Tratado do casamento e do divorcio. São Paulo: Saraiva,1987,p.03-10
19
obrigatória para a realização do matrimônio, que só se completava com as trocas de
presentes entre as famílias.
Após a unificação do Alto Egito, passou-se a exigir o consentimento dos
esposos e também um contrato. Prevalece o principio da igualdade dos cônjuges,
tendo a mulher plena capacidade, inclusive de dispor se seus próprios bens. O
divórcio só era permitido para os casos de adultério feminino ou esterilidade
(AZEVEDO).
A mulher judia também não era totalmente submissa, pois o casamento
dependia de sua aceitação quando fosse maior de idade. As esposas tinham
igualdade de direitos, diferente das concubinas e das escravas.
Na Grécia, nem as adversidades das cidades e de seus gêneros de vida,
apagaram alguns costumes que marcaram as instituições familiares e a organização
social (AZEVEDO).
Em Atenas a família era monogâmica, apesar de o concubinato ser aceito
pelos costumes. O casamento era sempre antecedido do noivado, que era uma
negociação entre o pai da noiva e o futuro marido.
A mulher ateniense não era vista como cidadã, pois não tinha nem direitos
civis e nem jurídicos, sendo sempre submetido ao seu pai ou seu tutor, seu marido
ou seus filhos caso fosse viúva. Não podiam comprar e nem vender imóveis, sendo
seus os únicos direitos o poder de se casar e o de gerar descendentes legítimos. Só
era punido o adultério feminino; o divórcio consistia, simplesmente, no repúdio do
marido pela mulher.
O casamento romano era uma das principais instituições da sociedade e tinha
como objetivo primordial a geração de filhos legítimos para herdarem a propriedade
e o estatuto dos pais, conforme palavras de Álvaro Villaça Azevedo16 (2002, p. 38):
“O casamento foi o fundamento da família e da sociedade romana”.
Em Roma existem dois conceitos clássicos de casamento, o de Modestino
que definia as núpcias como sendo a união do marido e da mulher e o consórcio
para toda a vida, comunicação do direito divino e do humano e o das Institutas, onde
o matrimônio significava a união do varão e da mulher, aludindo a uma comunhão
indivisível de vida.
16
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, 2 ed. São Paulo:Atlas 2002, p.30-65;121-148.
20
Inicialmente não era necessária nenhuma espécie de cerimônia legal ou
religiosa para validação do casamento na Roma Antiga, bastava a coabitação para
que fossem considerados casados. Era carente de qualquer valor jurídico, embora
tivesse grande importância social.
Sendo o matrimônio romano um fato social, os princípios referentes á
celebração, dissolução e proteção do matrimônio não era considerado por uma
regulamentação jurídica, enquadrava-se mais no campo da ética. Os vínculos morais
tem sido durante muitos séculos, suficientes para assegurar a subsistência do
matrimônio.
Na Roma Antiga, era imprescindível à obediência a dois critérios, os quais
sejam: capacidade jurídica matrimonial e o consentimento, que era os nubentes e do
Pater famílias, conforme José Cretella Júnior17 (1999, p.189):
O matrimônio é justo ou legítimo se entre aqueles que contraem as núpcias
existir Conubium, e se tanto varão for púbere, quanto a mulher núbil, e se
um e outros consentem ou consentem seus pais, se sujeitos ao poder
destes.
Na sociedade romana existiam duas formas de casamento,o Cum manum e o
Sine manum. No primeiro caso o homem adquiria o poder marital sobre a mulher,
que se desvinculava da família de origem e ingressava na do marido com seus bens.
Era uma forma autocrática, onde a mulher não tinha qualquer tipo de direitos sobre
seus bens e sobre sua própria vida.
Esse tipo de casamento caiu em desuso dando lugar ao Sine manum, que
consistia na permanência da tutela da mulher com seu pai, além de poder dispor de
seus bens e receber herança.
A canonização do casamento teve inicio por volta do século IX, quando a
Igreja começou a chamar para si a competência exclusiva para regulamentar toda a
matéria
matrimonial.
Ela
passou
a
influenciar
sobremaneira
as
relações
matrimoniais.
O casamento na Idade Média tinha caráter indissolúvel e era monogâmico,
conforme o Evangelho de São Mateus18 (1993): “ ...assim, não são mais dois, mas
uma só carne. Portanto o que Deus ajuntou, não se separe o homem”.
17
CRETELLA JUNIOR. José. Curso de Direito Romano. 22,Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999,p.120-135;
170-190.
21
O casamento era um sacramento e não podiam os homens dissolver a união
realizada por Deus. O divórcio era considerado como contrário á própria índole da
família e ao interesse dos filhos, só sendo aceito em relação aos infiéis, pois nesse
caso o casamento não tinha caráter sagrado19 (BEVILAQUA)
Com o Concilio de Trento houve algumas mudanças relacionadas ao
casamento. Para que não restassem dúvidas sobre a validade do consentimento
dada pelos esposos, foi criada a forma Tridentina, onde se reafirmou solenemente o
caráter sacramental do casamento, reconhecendo a competência exclusiva da
Igreja, representada por seus párocos ou sacerdotes, para a celebração20
(BLOSFELD, 2008)
1.2 CASAMENTO COMO CONTRATO
Tratando o casamento como um negócio jurídico, uma ou mais declarações
de vontades a certos efeitos e que a ordem jurídica tutela na sua direção, atribui-se
efeitos em geral correspondentes com aqueles que são tidos em vistas pelos
declarantes
O casamento quer católico quer civil, obedece a estas características.
O Casamento Civil foi instituído com a República, pelo Decreto Nº 181 de 24
de janeiro de 1890, a partir do qual deixaram de ter efeitos civis os casamentos
religiosos.
A partir de 1950 o casamento religioso passou a ter efeitos civis pela Lei Nº
1110, de 23 de maio de 1950, estabelecendo as formalidades a serem observadas
do casamento religioso com efeitos civis.
A Lei Nº 6.515/1977 que instituiu o divórcio revogou vários artigos do Código
Civil e estabeleceu a dissolução do vínculo conjugal.
A Constituição também fala em conjunto de pessoas casadas ou não entre si,
isso significa que é reconhecida a união estável entre o homem e mulher,
companheiros, como entidade familiar (art.226 da Constituição Federal de 1988).
18
BIBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Centro Bíblico Católico. 73, Ed. rev. São Paulo. Ave Maria,
1993
19
20
BEVILAQUA. Clóvis. Direito de Família, Rio de janeiro; Ed. Rio, 1976, p.36
BLOSFELD, Wolney. Um estudo sobre o Concilio De Trento.( http://ww.webartigos.com)
22
Porem a autonomia deixada aos nubentes é muito pequeno se comparada ao
principio da autonomia privada quando da execução de um contrato de negocio
jurídico.
Os efeitos pessoais do casamento, e alguns dos efeitos patrimoniais, são
fixados imperativamente pela lei, sem que as partes possam, portanto, introduzir
derrogações no regime legal respectivo.
As normas que fixam os efeitos pessoais do casamento contêm conceitos de
tal modo gerais e indeterminados que, de fato, o casamento poderá ser o que os
cônjuges quiserem.
Vigora de algum modo o princípio de liberdade quanto ao regime de bens.
Os nubentes podem fixar o regime de bens que entenderem mais
correspondente aos seus interesses.
Na Lei Civil, o art. 1577 define o casamento como contrato.
Sendo esse enquadramento dominante há séculos. A presença do
conservador do registro civil, a sua intervenção no ato, revela da mera forma
constitutiva.
É a contratualidade do casamento que melhor reflete a sua essência: a união
livre de duas pessoas para prosseguirem objetivos comuns.
O consentimento deve ser perfeito, em duplo sentido: devem ser
concordantes uma com a outra as duas declarações de vontade que o integram e
também, em cada uma dessas declarações de vontade deve haver concordância
entre a vontade e a declaração.
Presumida pela Lei Civil, o art. 1634 do Código Civil (CC) , considera que a
declaração de vontade no ato da celebração constitui presunção de que os nubentes
quiseram contrair o matrimônio e que possuem exato conhecimento dos efeitos do
contrato que vão celebrar, ou seja, do conteúdo do estado de casado.
Atento a importância pessoal e social do casamento, a lei pretende que os
casamentos celebrados o sejam entre pessoas com capacidade para o fazerem.
O contrato de casamento determina, efeitos jurídicos, pessoais ou
patrimoniais, entre os cônjuges, que originam um novo “estado” civil: estado de
casado. Estado que afeta profundamente aspectos fundamentais da pessoa
humana. Aspectos que estão tutelados por direitos da personalidade.
Quanto a eficácia jurídica do casamento, estabelece o Código Civil (2002):
23
Art. 1565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a
condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família
§ 1º. Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome
do outro.
§ 2º. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao
Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito,
vedado qualquer tipo de coerção de instituições privadas ou públicas.
1.3 DEVERES DOS CÔNJUGES
Sendo o casamento, enquanto estado, uma comunhão plena de vida, um
constante viver de cada cônjuge, não só com o outro, mas para o outro; enriquecido
e afirmado por cada uma das pessoas em uma plena solidariedade.
Segundo o art. 1673 CC, os cônjuges devem escolher de comum acordo a
residência da família, onde atenda as necessidades de cada um dos membros que
se poderá chegar a uma composição em termos de fixação de uma residência
comum.
Os cônjuges têm obrigação de guardar mutuamente fidelidade conjugal.
Cada um dos cônjuges deve estar permanentemente disponível para dialogar
com o outro, auxiliá-lo em todos os aspectos morais e materiais da existência,
colaborar na educação dos filhos.
Em nosso sistema jurídico, nenhum cônjuge exerce sozinho a direção da
família; mediante o poder de decisão no que concerne aos assuntos conjugais
comuns e as questões sobre convivência familiar, que surgem dia a dia, um deverá
ouvir sempre o outro, antes de tomar uma deliberação. Se o direito decisório de um
dos cônjuges apresentar-se de modo abusivo, perverso, mesquinho ou nocivo ao
outro, este poderá reclamar a intervenção judicial.
O dever de assistência, ao contrario de dever de cooperação, tem caráter
marcadamente econômico. Compreende a prestação de alimentos e a contribuição
para os encargos da vida familiar (art. 1675/CC-1992), e incumbe a ambos os
cônjuges, nos mesmos termos, de harmonia com as possibilidades de cada um.
24
A assistência compreende, não só o necessário para que os restantes
membros da família se alimentem se vistam e abriguem e satisfaçam as suas
necessidades de educação, como também o necessário para as atividades culturais
desportivas e de laser deles, sem prejuízo as planificações econômicas da família.
È fundamental o dever de aceitar o outro cônjuge como pessoa que ele é. O
respeito a individualidade é primordial na união, pois celebram um contrato com
outra pessoa já sabendo de seus defeitos, de suas virtudes, e terá de aceitar e
respeitar , no decurso da sua vida conjugal, podendo adaptar-se, conformar ou
restringir os seus hábitos, a sua maneira de pensar, mas sem ferir os sentimentos.
A grande maioria dos civilistas, dentre eles Barassi21 (1973), De Ruggiero22
(1972), Cicu23 (1968), Jemolo24 (1961), Lopes Herrera25 (1970), entende que no
moderno direito civil a promessa esponsalícia não cria nenhum vínculo de
parentesco nem de família entre os noivos, nem entre cada um deles e os
consanguíneos do outro, nem mesmo faz surgir impedimentos matrimoniais, tendo,
unicamente, o efeito de acarretar responsabilidade extracontratual, dando lugar a
uma ação de indenização por ruptura injustificada.
Pois, conforme pondera Jemolo26 (1961), a atitude imprudente, tola ou
malvada, de estabelecer esponsais, despertando a confiança de um próximo
matrimônio a tal ponto que uma pessoa realize despesas com vistas a esse fim, e de
retirar-se depois sem motivo plausível, caracteriza uma atitude culposa e causadora
de prejuízos; daí a obrigação da reparação.
21
BARASSI. La família legittima nel nuevo Codice italiano, p.89-91
RUGGIERO- Instituições de Direito Civil, trad. Arios Santos,v.2, p.16
23
CICU, Antonio. Derecho de familia, trad de Santiago Sentis Melendo, p. 13-110
24
JEMOLO, Arturo Carlo, II Matrimônio, UNione Tipográfico - Ed Torinese, Torino, 1961, 3ª Ed. Do
Tratado di Diritto Civile Italiano, de Filippo Vassali, v.3ª,t.1º, fase.1º,p.155
25
LOPES HERRERA, F. Derecho de familia. n.24. Caracas: Universidad Católica.1970. p 123. Apud Cahali.
Y.S. Dos alimentos. 3 ed.rev ampl.e atual.até o projeto do novo Código Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais.1998.p19
26
JEMULO,Arturo Carlo, II Matrimônio, Unione Ipográfico - Ed Torinese, Torino, 1961, 3ª Ed. Do Tratado
de Diretto Civile Italiano, de Filippo Vassali,v3º,t.1º, fase.1º, p. 155.
22
25
1.4 REGIME DE BENS NO CASAMENTO
O casamento enquanto estado é alem de comunhão de vida, também
uma disponibilidade no plano pessoal e patrimonial, portanto deve ser uma
disponibilidade da pessoa e dos bens.
O regime de bens passa a ser um estatuto que regula as relações
patrimoniais. Pode ser livremente fixado, se isso não o fizer, a lei prevê um
estatuto supletivo.
Na liberdade do regime de bens, em principio os esposos podem fixar
em convenção antenupcial, quer escolhendo um dos regimes previstos no
Código Civil quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver dentro dos
limites da Lei (art. 1698 CC).
Estabelece o art. 1639 do Código Civil:
Art. 1639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o
casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes
aprouver.
§ 1º. O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar
desde a data do casamento.
§ 2º. “É admissível alteração do regime de bens, mediante
autorização judicial em pedido motivado de ambos os
cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e
ressalvados os direitos de terceiros.
O regime de bens, também chamado de “estatuto patrimonial” da
sociedade conjugal é o conjunto de princípios e normas referentes ao
patrimônio dos cônjuges, que regulam os interesses econômicos oriundos do
casamento.
Cabe aos nubentes a escolha de um regime de bens tipificado em lei,
ou de um regime misto, ou ainda, de regras especiais, desde que a
convenção não prejudique os direitos conjugais ou disposição de lei, caso
então que a convenção será havida como nula.
Estabelece o art.1640 do Código Civil (2002):
26
Art.1640. Não havendo convenção, ou sendo ela ineficaz,
vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da
comunhão parcial.
Parágrafo único: Poderão os nubentes, no processo de
habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código
regula. “Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela
comunhão parcial, fazendo se pacto antenupcial por escritura
pública, nas demais escolhas.
Estabelece o art. 1642 do Código Civil:
Art. 1642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido
quanto a mulher podem livremente:
I – praticar todos os atos de disposição e da administração
necessárias ao desempenho de sua profissão, com as
limitações estabelecidas no inciso I do art. 1647;
II – administrar os bens próprios;
III – desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido
gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem
suprimento judicial;
IV – demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou
a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com a
infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1647;
V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou
transferidos pelo cônjuge ao concubino, desde provado que os
bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o
casal estiver separado de fato por mais de 5 (cinco) anos;
VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados
expressamente.
27
1.4.1 Do pacto antenupcial
Sendo o pacto antenupcial um contrato solene formado entre os nubentes,
com o objetivo de escolher o regime de bens que vigorará durante o casamento.
É a convenção lícita aos nubentes de fazer antes do casamento, por meio de
escritura pública, para estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
Nulo é o pacto antenupcial que se não fizer por escritura pública, ou ineficaz
se não lhe seguir o casamento.
Infere-se daí que o pacto antenupcial é facultativo, porem necessário se os
nubentes quiserem adotar regime matrimonial diverso do legal.
Dispõe o art. 1653 do Código Civil:
Art. 1653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por
escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.
O pacto antenupcial deve conter tão somente estipulações às relações
econômicas dos cônjuges. Igualmente não se admitem clausulas que ofendam os
bons costumes e a ordem pública, não admitindo estipulações alusivas às relações
pessoais dos consortes, nem mesmo as de caráter pecuniário que não digam
respeito ao regime de bens ou que contravenham preceito legal.
1.4.2 Do regime de comunhão parcial
Sinteticamente, esse regime caracteriza-se pela coexistência de três
patrimônios: o patrimônio comum, o patrimônio pessoal do marido e o patrimônio
pessoal da mulher.
Nesse regime, a administração dos bens comuns cabe naturalmente a
qualquer dos cônjuges, mas será necessária a anuência de ambos para a pratica de
atos que impliquem a titulo gratuito, a cessão do uso e gozo dos bens comuns (art.
1663, § 2º), pois, poderá tal cessão repercutir negativamente ao patrimônio do casal,
evitando-se, assim, algum dano ao outro, advindo da gerencia de um deles,
diminuindo os riscos de negocio feito gratuitamente.
28
Por isso, se ambos anuírem na cessão gratuita, suportarão juntos, e com
consciência, os eventuais prejuízos.
O regime de comunhão parcial de bens é aquele em que basicamente se
excluem da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham
a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento, como as doações e sucessões;
e em que entram na comunhão os bens adquiridos posteriormente, em regras, a
título oneroso.
Trata-se de um regime de separação quanto ao passado e comunhão quanto
ao futuro.
O art. 1661 do Código Civil acentua esse aspecto do regime.
Diz o citado dispositivo:
Excluem-se da comunhão (art. 1659):
I – os bens que cada cônjuge possuir, e os que lhe
sobrevierem, na constância do casamento por doação ou
sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II
–
os
bens
adquiridos
com
valores
exclusivamente
pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens
particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão
em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de
profissão,
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meio soldos, montepios e outras rendas
semelhantes.
Basicamente, no regime de comunhão parcial, comunicam-se todos os bens
adquiridos da constância do casamento, sem que sua causa se aquisição preexista
no matrimonio.
Assim, comunicam-se, nos termos do art. 1660 do Código Civil :
29
I – os bens adquiridos na constância do casamento por título
oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o
concurso de trabalho ou despesa anterior;
III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em
favor de ambos os cônjuges;
IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;
V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada
cônjuge,
percebidos
na
constância
do
casamento,
ou
pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
A dissolução desse regime dá-se pela morte de um dos cônjuges, separação,
divórcio, nulidade ou anulação de casamento.
Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, os bens que
eram de sua propriedade são entregues aos seus herdeiros. Havendo dissolução
pela separação, divorcio ou anulação, os bens que constituem patrimônio comum
serão partilhados; quanto aos incomunicáveis cada cônjuge retira o que lhe
pertence.
Não são, portanto, meeiros, visto que não tem carta de a metade como no
regime de comunhão universal de bens.
1.4.3 Do regime de comunhão universal
O art. 1667 do Código Civil caracteriza o regime da comunhão universal ou
total declarando que ele importa na comunicação de todos os bens presentes e
futuros dos cônjuges, bem como de suas dívidas passivas, excluindo daí a meação
de cada um dos cônjuges da responsabilidade pelos títulos de dívidas, firmados
exclusivamente pelo outro.
Os patrimônios dos cônjuges se fundem em um só, passando marido e
mulher, a figurar como condôminos peculiares, pois que insuscetível de dividas
antes da dissolução da sociedade conjugal, extinguindo-se inexoravelmente nesse
instante.
30
Trata-se de um condomínio que abrange não só os bens presentes, como por
igual os futuros, qualquer que seja o título de aquisição.
Diz o Art.1668; dos bens excluídos da comunhão universal:
Art. 1668.
I – os bens doados ou herdados com a cláusula da
incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro
fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de
despesas com seus aprestos, ou revertem em proveito comum;
IV – as doações antenupciais feitos por um dos cônjuges ao
outro com, a cláusula de incomunicabilidade;
V – os bens referidos nos incisos V e VII do art. 1659.
O Código Civil, em seu art. 1663, na linha igualitária proclama pela
Constituição confere a administração do patrimônio comum “a qualquer dos
cônjuges”, reclamando, entretanto a anuência de ambos para os atos, a título
gratuito, que impliquem a cessão de uso e gozo desses bens.
Dá-se a extinção da comunhão universal com a dissolução da sociedade
conjugal pela morte de um dos cônjuges, pela sentença de nulidade ou anulação do
casamento, pela separação e pelo divórcio.
1.4.4 Do regime de separação de bens
O regime da separação é aquele em que os cônjuges conservam não apenas
o domínio e a administração e disponibilidades de seus bens presentes e futuros,
como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao
casamento.
Quando se pactua tal regime, o casamento não repercute na esfera
patrimonial dos cônjuges.
O preceito do art. 1687 do Código Civil comunica:
31
Art.
1687:
Estipulada
a
separação
de
bens,
estes
permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos
cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus
real.
Pelo casamento os cônjuges unem suas vidas e seu destino. Mas por meio de
pacto antenupcial em que ajustam a separação, circunscrevem os efeitos dessas
uniões, a fim de impedir que ela se estenda ao campo patrimonial.
Cada cônjuge continua dono daquilo que era seu, será senhor exclusivo dos
bens que vier a adquirir e receberá, sozinho, as rendas produzidas por uns e outros
desses bens.
Há incomunicabilidade não só dos bens que cada qual possuía ao se casar,
mas também dos que veio a adquirir na constância do casamento, havendo uma
completa separação de patrimônio dos dois cônjuges.
Também não se comunicam as dívidas por cada qual contraída (exceto as
que forem para compra das coisas necessárias à economia doméstica – CC ,(art
1643 e 1644), como também não se comunicam as obrigações concernentes à
indústria ou a profissão que qualquer dos cônjuges exercer.
Com a dissolução da sociedade conjugal, cada um dos consortes retira o seu
patrimônio. Havendo óbito de um deles, o sobrevivente entrega aos herdeiros do
falecido a parte deste, e, se houver bens comuns, o administrará até a partilha.
1.4.5 Do regime de participação final nos aquestos
O Código Civil, nos art. 1672 a 1686, distingue esse regime como na hipótese
em que os cônjuges exercem atividades empresariais distintas, para que possam
manusear com maior liberdade seus pertences, a levar adiante seus negócios
profissionais.
Há nesse regime a formação de massas de bens particulares incomunicáveis
durante o casamento, mas que se tornam comuns no momento da dissolução do
matrimônio.
32
Na constância do casamento os cônjuges têm a expectativa de direito à
meação, pois cada um só será credor da metade do que o outro adquiriu a titulo
oneroso durante o matrimônio (CC, art. 1672), se houver dissolução da sociedade
conjugal.
Aflorando agora na jurisprudência, a comunhão dos aquestos no regime
convencional da separação, quando os bens embora adquiridos em nome de um
dos cônjuges, o forem pela conjugação do esforço de ambos.
É a possibilidade de estabelecer entre os cônjuges, casados pelo regime de
separação convencional de bens, a existência de uma sociedade de fato e de
ordenar a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
Celebra-se contrato de sociedade de duas pessoas que mutuamente se
obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fim comum (CC, art.
981); nada impede que tal contrato de fato se estabeleça entre dois cônjuges (seja
qual for o regime de bens) entre os dois concubinos ou entre duas pessoas do
mesmo sexo ou não.
O art. 1679 é prova de que o legislador disciplinou esse regime de bens no
casamento como se estivesse regulando uma empresa: “No caso de bens
adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no
condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido”.
Com a dissolução da sociedade conjugal em razão de morte, invalidade,
separação ou divorcio, apurar-se-á o montante dos aquestos, excluindo-se a soma
dos patrimônios próprios: os bens anteriores ao casamento e os sub-rogados em
seu lugar; obtidos por cada cônjuge por herança, legado ou doações; e os débitos
(tributos, financiamentos etc.) relativos a esses bens vencidos e a vencer ( art. 1674,
I, II e III).
Mais os frutos dos bens particulares e os que forem com eles obtidos
formarão o monte partível.
1.4.6 Do regime dotal
O código Civil de 2002 supriu esse regime.
33
Não há porque dar muita atenção a ele, pois não caiu no gosto de nossa
sociedade, não se mostrou útil e não foi utilizado em nosso meio.
Dote, no sentido técnico, consiste em um bem ou conjunto de bens que a
mulher, ou um terceiro por ela, transfere ao marido, para que esse tire seus
rendimentos os recursos necessários para atender aos encargos do lar.
A finalidade do dote é atribuir meios de subsistência do lar conjugal.
Esses bens são incomunicáveis e inalienáveis, ficando sob a administração
do marido. Dissolvida a sociedade conjugal, os bens dotais, ou seu valor devem ser
restituídos à mulher, ou ao dotador se este for um terceiro.
Esse regime infringia, sem dúvida, a igualdade jurídica dos cônjuges,
conflitando com a nova ordem constitucional. Não fosse seu absoluto desuso,
certamente seria discutido e sustentável a perda de eficácia de seus dispositivos27
(VIANA).
27
VIANA, Marco Aurélio S. Direito da Familia. 2ª Ed.Belo Horizonte: Del Rey,1998.p. 57-98.
34
CAPÍTULO 2
DA SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
2. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO
Para se entender a razão de haver uma dupla via para pôr termo ao
casamento (separação e divórcio), é preciso atentar á própria evolução do conceito
de família, que sempre foi valorada como um bem em si mesma.
A idéia de família sempre esteve ligada á de casamento. O rompimento da
sociedade marital afigurava-se como um esfacelamento da própria família.28
Quando da edição do Código Civil de 1916, o enlace juramentado era
indissolúvel. A única possibilidade legal de romper com o matrimônio era o desquite,
que, no entanto, não o dissolvia. Permanecia intacto o vínculo conjugal, a impedir
novo casamento, mas não novos vínculos afetivos, pois cessariam os deveres de
fidelidade e de manutenção da vida em comum sob o mesmo teto.
Permanecia, no entanto, a obrigação de mutua assistência, a justificar a
permanência do encargo alimentar em favor do cônjuge inocente e pobre.
O que o Código Civil chamava de desquite (ou seja, não “quites”, algum
debito para com a sociedade), a aprovação da Lei do Divórcio (L.6.515/1977)
denominou de separação, com idênticas características: rompe, mas não dissolve o
casamento.
Separação e divórcio são institutos que não se confundem. Embora distintos,
tem o mesmo fim: são modalidade que põem termo ao casamento (C.C. 1,571. III e
IV). A diferença entre ambos causa alguma perplexidade ou anulação do
casamento, pelo divorcio e pela separação, mas somente se dissolve pela morte ou
pelo divorcio.
A separação é um direito constitucionalmente assegurado, como diz Rolf
Madaleno, pois livra dos cônjuges da degradação de continuarem sendo infelizes
(MADALENO)29.
A tendência é a separação tornar-se instituto cada vez mais obsoleto, até ser
abolido, não fazendo mais sentido sua permanência.
28
29
TEPEDINO, Gustavo. O papel da culpa na separação e no divórcio, p.202
MADALENO, Rolf H., A infelicidade e o mito causal da separação, p.155
35
O
Divórcio
assume
a
tarefa
de
dissolver
a
sociedade
conjugal
independentemente da imposição dos prazos, harmonizando-se assim com a
progressiva caminhada da humanidade30.
Não obstante o rompimento da sociedade conjugal se dê mediante a
separação e o divorcio, é a separação de fato que, realmente põe fim ao matrimônio.
Todos os efeitos decorrentes da nova situação fálica passam a fluir da ruptura
da união.31
Desta forma, após a separação de fato, embora não decretada a separação
de corpos, nem oficializada a separação jurídica ou o divórcio, os bens adquiridos
por qualquer dos cônjuges só a ele passam a pertencer, ainda que se mantenham
legalmente na condição de casados. É o que diz Guilherme Calmon Nogueira Gama:
para evitar soluções injustas, prevenindo o enriquecimento sem causa (C.C.884),
além de cumprir os valores e princípios constitucionais no que tange á ética solidaria
das relações intersubjetivas, urge que se considere que não se comunicam, e, por
isso, não se sujeitam à partilha, os bens adquiridos durante a separação de fato do
casal.32
2.1 SEPARAÇÃO JUDICIAL
A separação judicial é uma das formas de dissolução da sociedade conjugal,
conforme preconiza o art. 1.571 do Código Civil.33
30
31
PEDRONI,Ana Lúcia , Dissolução do vínculo matrimonial...,p.152
Ação de divórcio litigioso. Regime do Casamento. Comunhão universal de bens. Separação de fato
configurada há mais de 15 anos. Bens adquiridos pós herança durante a separação do casal.
Incomunicabilidade. Provimento pelo apelo. Decisão unânime. Segundo o atual entendimento dos Tribunais,
no regime de comunhão universal se comunicam os bens na constância de fato e de direito do casamento, não
aqueles havidos por um só cônjuges anos após separação de fato (TJSE, 1ªC.Cív.,AC 0498/2005, red. Des.
Roberto Eugênio da Fonseca Porto. J.11.10.2005.
32
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Separação de fato e ética no direito de família.
33
O art.1571 substituiu o art.2º da Lei 6.515/77, que por sua vez havia substituído o art.315 do Código
Civil de 1916, revogado pelo art.54 da lei do Divorcio, que dispunha da seguinte forma:”Art.315. A sociedade
conjugal termina:I. Pela morte de um dos cônjuges. II. pela nulidade ou anulação do casamento. III. Pelo
desquite, amigável ou judicial. Parágrafo único. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos
cônjuges, não lhe aplicando a presunção estabelecida neste código ( art.10, segunda parte)”. Note-se a
semelhança entre o artigo revogado e o novo dispositivo, que apenas inclui a hipótese do divórcio, substitui a
palavra desquite pela expressão separação judicial e passou a aceitar a presunção de morte como causa de
dissolução do casamento.
36
A separação judicial não dissolve o vínculo conjugal, não põe fim ao
casamento, pois somente o divorcio e a morte de um dos cônjuges são aptos a
dissolver o casamento valido.
Na sistemática do Código Civil, assim como já era da Lei 6.515/77, a
separação judicial pode se dar de forma consensual (art.1.574) ou litigiosa (art.
1572, caput. e §§ 1º e 2º), podendo esta ser , ou não, fundada em culpa de um ou
de ambos os cônjuges.
2.1.1 Separação judicial consensual
A Separação Judicial Amigável, por oposição à litigiosa, é aquela que se
processa pelo mútuo consentimento dos cônjuges, que de comum acordo, decidem
pôr termo a sociedade conjugal e convencionam as clausulas e condições em que o
fazem.
Para ajuizá-la não precisam os separandos declarar as razões que os
impelem. Basta que manifestem o desejo de se separar, para que alcancem tal
resultado.
A sociedade conjugal se dissolve discretamente, não ficando a constar o
motivo da dissolução.
O único requisito para o ajuizamento da separação amigável, além do mútuo
consentimento, consiste em estarem os separandos casados há mais de um ano
(art. 1574).
Nesta escritura deverá constar as disposições relativas à descrição e a
partilha dos bens comuns e á pensão alimentícia, e, ainda, o acordo quanto à
retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou a manutenção do nome adotado
quando se deu o casamento. A escritura , não depende de homologação judicial e
constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
37
2.1.2 Separação judicial litigiosa
A separação litigiosa esta regulamentada nos art. 1572 a 1578 do Código
Civil, mas inserida entre as regras, encontra-se o único dispositivo que reage a
separação consensual. Declina a Lei as causas autorizadas as do pedido litigioso de
dissolução da sociedade conjugal: grave violação dos deveres do casamento e
insuportabilidade da vida em comum.
Quem pode propor a ação de separação litigiosa é o cônjuge inocente. Em
consequência, o culpado não dispõe de legitimidade para intentar a demanda. Em
se tratando de ação de estado, o réu deve ser citado pessoalmente ou citado por
edital.
A ação tem inicio com uma audiência de conciliação.
O Código Civil tratou em conjunto, entre os arts 1572 e 1573, tanto da
separação com culpa como da sem culpa, ou por circunstâncias, confundindo, em
um e outro dispositivo, os motivos da dissolução provocada por apenas um dos
cônjuges:
Art.1572:
Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação
judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave
violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida
em comum.
§1º. A separação judicial pode também ser pedida se um dos
cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano
e a impossibilidade de sua reconstituição.
§2º. O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o
outro acometido de doença mental grave, manifestada após o
casamento, que torne impossível a continuação da vida em
comum, desde que, após uma duração de dois anos, a
enfermidade tenha sido reconhecida cura improvável.
§3º. No caso do §2º. reverterão ao cônjuge enfermo, que não
houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos
bens que levou para o casamento, e se o regime de bens
38
adotado o permitir, a meação dos adquiridos na Constância da
sociedade conjugal.
Art. 1573
Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a
ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I-
Adultério;
II-
Tentativa de morte;.
III-
Sevicia ou injuria grave;
IV-
Abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano
contínuo;
V-
Condenação por crime infamante;
VI-
Conduta desonrosa.
Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que
tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.
Na separação serão estabelecidas com certa margem de arbítrio, pelo juiz
dentro dos termos legais, efeitos a partir do trânsito em julgado.
Esses efeitos se darão entre:
1. Cônjuges. Com a separação cessa o Debitum conjugale e o dever de
fidelidade.34 Quanto a utilização do nome, ficará impedido de utilizar o
nome do outro, aquele cônjuge considerado culpado pela separação
litigiosa.
2. Efeito Patrimoniais. A separação judicial resolve a situação patrimonial
dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens (art. 1.576.CC).
Revertem a cada um dos cônjuges os bens que não se comunicam
com o casamento, conforme estabelecido no pacto antenupcial ou por
imposição legal. Cessa o direito hereditário entre os ex-cônjuges.35
34
Por muitos anos, os civilistas opinaram pela continuação do dever de fidelidade durante o período de
separação judicial, pois reputavam tal dever como corolário do vinculo matrimonial. A lei nº 6.515/77 buscou
estabelecer todas as dúvidas declarando , por expresso, que a separação judicial põe termo aos deveres
matrimoniais de bens como se o casamento fosse dissolvido (art.3º), o que foi objeto de regra expressa no art.
1.576, de 2002.
35
MIRANDA, Pontes de. Direito de Família.§4.
39
A pensão alimentícia deve ser prestada pelo cônjuge declarado culpado por
ela, se o outro precisar, apresentando-se como uma espécie de sanção civil (CC.
Art. 1702)
Havendo reciprocidade de culpa, ambos perderão o direito a alimentos.36
3. Filhos.
Com a separação judicial serão passados a guarda e
companhia de um dos cônjuges, ou se houver motivos graves, de
terceiros.
É assegurado ao genitor que não tem a guarda e companhia da prole o
direito, desde que não se tenha enquadrado numa das hipóteses de perda do poder
familiar, de fiscalizar sua manutenção e educação, podendo reclamar ao juiz se as
entender contrárias ao interesse dos filhos; de visitá-los, como ensina Pereira
(2000)37.
O Direito de visita não pode ser negado, ainda que o procedimento do pai
ou da mãe seja condenável, a não ser que ponha em risco a vida dos filhos
(art.1.589). O juiz deverá resguardá-los de todo abuso (agressão,
seqüestro, maus-tratos, abuso sexual, etc.) e, em situações comprovadas e
diante de flagrantes indícios afastar o agressor.
2.2 DIVÓRCIO
Para que possa haver o Divórcio deve-se observar a existência de um
casamento válido, pois se for nulo ou anulável, a extinção do casamento será
realizada através de outras normas por se originar de outras causas.
Há também a necessidade de que os cônjuges estejam vivos, e havendo
morte presumida de um dos cônjuges, não é permitido convolar novas núpcias.
36
CIVIL. SEPARAÇÂO.CULPA RECÌPROCA.PENSÃO ALIMENTÍCIA. Se reconhecida , na instância ordinária,
culpa recíproca dos cônjuges, o marido não está obrigado a prestar alimentos. Recursos especial conhecido e
provido. RESP.306060/MG; RECURSO ESPECIAL 2001/0022906-9. Relator Ministro. ARI PARGENDLER. Data do
Julgamento:04/09/2001. Data da Publicação: DJ 29.10.2001. p.00204.
37
PEREIRA, Caio Mario. Instituição de Direito Civil, p.297.
40
Segundo Diniz:38:
O divorcio é a dissolução de um casamento valido, ou seja, extinção do
vinculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as
pessoas a convolar novas núpcias. O divórcio é uma permissão jurídica
colocada á disposição dos consortes, logo nenhum efeito terá clausula,
colocada em pacto antenupcial, em que os cônjuges assumam o
compromisso de jamais se divorciarem.
A ação de divorcio pode ser consensual ou litigiosa e tem como início
fundamento na cessação da vida em comum por mais de dois anos. É chamado de
divorcio direto, para distinguir-se da ação de conversão da separação em divorcio. A
culpa não integra a demanda, não cabe ser alegada, discutida ou muito menos
reconhecida na sentença.
2.2.1 Conversão da separação judicial em divórcio
A conversão da separação em divórcio é da maior simplicidade e em rigor
independe de prova da prévia separação judicial ou de sua duração, porque o
pedido de conversão será apensada aos próprios autos em que se decidiu a
dissolução da sociedade conjugal, onde tais elementos encontram plena
comprovação. No processo, entretanto, pela sua natureza, intervém o representante
do Ministério Público.
O pedido pode ser formulado por ambos os cônjuges separados, como pode
ser formulado por um só deles.
Todavia trata-e de mera medida burocrática, pois em rigor e comprovador,
não pode haver recusa em conceder a conversão da separação judicial em divórcio.
A conversão de separação em divórcio, não modifica necessariamente, a
posição dos pais em relação aos filhos, podendo afetar, de maneira mais ou menos
intensa a relação entre os ex-esposos.
2.2.2 Divorcio indireto litigioso
38
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, p.280.
41
O Divórcio indireto litigioso, ocorre quando há dissenso entre os cônjuges em
relação ao divorcio, sendo obtido através de sentença que será proferida em um
processo de jurisdição contenciosa, e que os cônjuges estejam separados
judicialmente a mais de um ano, contado a partir da data que decretar a separação
judicial, ou medida cautelar, ou da decisão que reconhece a separação dos
cônjuges.
A única distinção entre o divórcio consensual indireto e o divorcio litigioso
repousa tão somente no consenso ou dissenso dos cônjuges, provocando o ultimo
um litígio.
2.2.3. Divórcio direto consensual e litigioso
Basta aos cônjuges provar a separação de fato por mais de dois anos, não
importando a causa dessa separação, pois o procedimento da ação direta do
divorcio consensual é o mesmo da ação de separação consensual.39
No divórcio litigioso, a defesa que pode ser apresentada diz respeito a falta de
decurso do lapso de dois anos de separação de fato. São raros os casos de divorcio
litigioso.
Geralmente, o interessado a ele recorre quando não localizável o cônjuge
requerido ou quando este é incapaz. Por outro lado, a qualquer momento o processo
litigioso pode ser convertido em consensual.
A sentença de Divorcio, depois de registrada no Registro Público competente
produz efeitos como:
1- Dissolve definitivamente o vínculo matrimonial civil e faz cessar os efeitos
cíveis do casamento religioso que estiver devidamente transcrito no
Registro Público;
2- Põe fim aos deveres recíprocos dos cônjuges;
3- Extingue o regime matrimonial de bens, procedendo à partilha conforme o
regime40;
39
Beste sentido;”... Logo, se a ruptura do relacionamento matrimonial é definida, prolongando-se por
mais de cinco anos, torna-se irrelevante qualquer indagação sobre o real motivo do afastamento do lar de um
dos cônjuges.”(TJSP- 6º Câm. Cív. – Ac. 114.426 – Rel. Dec. Ernani de Paiva – 108, 1990, v. 3782.
42
4- Faz César o direito sucessório dos cônjuges, que deixam de ser herdeiros
um do outro, em concorrência ou na falta de descendentes e ascendentes;
5- Possibilita novo casamento aos que se divorciem, observando-se o
disposto no art. 1523, III e parágrafo único, do Código Civil;41
6- Não admite reconciliação entre os cônjuges divorciados, de modo que se
quiserem restabelecer a união conjugal só poderão fazê-lo mediante novo
casamento;
7- Possibilita pedido de divórcio sem limitação numérica, podendo uma
pessoa divorciar-se quantas vezes quiser;
8- Põe termo ao regime de separação de fato, se tratar de Divórcio Direto;
9- Substitui a Separação Judicial pelo Divorcio, se indireto, alterando o
estado civil das partes que de separadas passam a ser divorciadas;
10- Permite
que
ex-conjuges,
embora
divorciados,
possa,
adotar
conjuntamente criança, contanto que concordem sobre guarda e regime
de visitas, desde que o estagio de convivência tenha sido iniciado na
constância da Sociedade Conjugal (CC. Art.1.622, parágrafo único).
Mantém inalterados os direitos e deveres dos pais relativamente aos
filhos, ainda que contraiam novo casamento;
11- Mantém o dever de assistência por parte do cônjuge que teve a iniciativa
da ação do Divorcio por ruptura da vida em comum por mais de um ano e
por grave doença mental;
12- Em alguns casos, subsiste a obrigação alimentícia para atender as
necessidades de subsistência do ex-consorte. Extingue a obrigação do excônjuge devedor de prestar alimentos, se houver renúncia ao exercício do
direito a alimentos; ou ainda, se houver procedimento indigno, união
estável, concubinato ou novo casamento de ex-consorte credor, porém, se
o cônjuge devedor da pensão vier a casar-se o novo matrimonio não
alterará sua obrigação. (CC. Art. 1709).
40
Entretanto, a lei, nos casos de ruptura da vida em comum, por grave doença mental, atribui
consequências especiais ao prescrever ( CC, art. 1572, § 3º) que reverterão ao cônjuge enfermo que não pediu
o divorcio os remanescentes dos bens que tiver levado ao casamento e a meação dos adquiridos na constância
do casamento, se o regime de bens o permitir.
41
Art. 1523. Não devem se casar: (...) III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou
decidida a partilha dos bens do casal; (...) Parágrafo único: É permitido aos nubente solicitar ao Juiz que não
lhes sejam aplicadas a causas suspensivas previstas nos incisos I, II, IV deste artigo, provando-se a inexistência
de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; (...)
43
2.2.4 PEC do Divórcio
A P.E.C. (Proposta de Emenda à Constituição) do Divórcio, elaborada por
grupo de jurista, sob o patrocínio da Diretoria Nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família – IBDFAM, foi encampada em 2005, pelo Deputado Antônio
Biscaia ( PEC 413/2005), e representada em 2007 pelo Deputado Sérgio Barodas
Carneiro (PEC 33/2007). Foi promulgado em 13/07/2010, atribuída como emenda
constitucional o número 66/2010.
A proposta da matéria para a nova PEC foi fundada na realidade em que
vivem milhares de casais no Brasil, de que perdeu o sentido manter tais prérequisitos temporais para a concessão do divórcio, já que no mundo inteiro essa
exigência foi abolida, pois não faz sentido manter unidas por mais tempo ainda
pessoas que não querem permanecer juntas.
Para se divorciar, o casal necessitava promover, antes, a separação judicial
ou comprovar a separação de fato por mais de dois anos.
O fim do casamento não é fruto da irreflexão, mas epílogo do desgaste
continuado ou do erro de escolha do cônjuge, de nada servindo prolongar esse
sofrimento por imposição do Estado.
Durante o IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Realizado em Belo
Horizonte no ano de 2003, foi deliberado pelos participantes que o Instituto
formalizaria perante o Congresso Nacional um conjunto de proposições, projetos de
lei e de emendas constitucionais, visando adequar a legislação familista às novas
condições sociais.
Pela antiga redação da Constituição Federal, o casamento civil só pode ser
dissolvido pelo divórcio após previa separação judicial por mais de 01(hum) ano nos
casos de expressos em lei ou com comprovada separação de fato por mais de
02(dois) anos.
A nova PEC muda as regras em vigor ao extinguir a exigência de prévia
separação judicial por mais de um ano ou a comprovada separação de fato por mais
de dois anos para a obtenção do divorcio.
Com a vigência da chamada PEC do Divórcio, poderão ser extintos todos os
processos de separação judicial em exame, assim como aqueles em que casais já
obtiveram essa decisão, estando na fase de cumprir os dois anos para o pedido do
44
divórcio. Pois, essas pessoas também poderão requerer de forma direta e imediata o
próprio divórcio.
Outra consequência positiva da aprovação dessa Emenda Constitucional, é
que o Judiciário, já aliviado dessas questões por força da Lei Nº. 11.441/07, será
menos acionado para decidir esse tipo de demanda. Ao lado da celeridade
processual a alteração resulta em economizar às partes pela promoção de um só
procedimento, privilegia o princípio de liberdade e o da autonomia da vontade e
diminui o sofrimento dos cônjuges e filhos pelo fim do casamento.
As questões patrimoniais podem, mas não precisam ser definidas nesse
momento, já que é possível a obtenção do divórcio sem o prévio acertamento
econômico entre partes.
Uma vez obtido o divórcio direto por meio de uma única sentença, pela
eliminação da dualidade de procedimentos, e pretendendo os ex-cônjuges a
reconciliação, é necessário novo casamento.. Nesse caso, cabe ao advogado o
dever de bem informar a respeito, esclarecendo as partes sobre os efeitos
irreversíveis da decisão.
O novo texto do § 6º do artigo 225 da Constituição da República tem
aplicação imediata.
O divórcio será concedido e o processo não comportará debates em torno do
motivo do fim do casamento. A culpa de um ou ambos os cônjuges para a
dissolução do vínculo ou para o fim da comunhão devida passa a ser irrelevante.
A culpa será debatida In locus adequado em que surtirá efeitos: a ação de
alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofrer
danos morais, materiais ou estéticos.
Os casos onde há menores e/ou onde há litígio continuam sendo resolvidos
na justiça, enquanto os casos onde não há menores e há consensos, acordo entre
as partes, podem ser tratados diretamente em um cartório, mas devem sempre
passar antes, pela orientação de um advogado, afinal, é ele quem colhe as
manifestações de vontade das partes, em ambiente privado, com sigilo e cautela, e
é ele o profissional apto a redigir os termos e acordo divorcista.
Cristiano Chaves de Farias diz:
[...] estando a sociedade vivendo em novo momento histórico, tão bem
aprendido pela Constituição Federal, que trouxe um sem números de
45
garantias ao cidadão e assegurou-lhe a liberdade e o respeito à dignidade,
é de se questionar se o Estado dispõe de legitimidade para impor aos
cônjuges restrições à sua vontade de romper o casamento.
A nova ordem constitucional veio para atender ao anseio de todos e acabar
com uma excrescência que só se manteve durante anos pela histórica resistência à
adoção do divórcio.
46
CAPÍTULO 3
DA FRAUDE
3.FRAUDE
Fraude é sinônimo de lesão causada pela conduta desleal.
No ato conjugal, durante a quebra da unidade na partilha de bens, a parte
mais debilitada no casamento ou da união precisa ser processualmente protegida
pelos mecanismos legais que buscam eliminar nefastos resultados de desequilíbrio
econômico e financeiro na divisão de bens.
Fraudes e engenhosas simulações ferem de morte o princípio da
Igualdade dos regimes de bens da massa comunicável, deles dispondo em
transferências fictícias, ou através de aparentes alienações de regular visibilidade,
muitas vezes acobertadas pela outorga de esquecidas procurações, quando não
sucedidas pelo uso de interposta pessoa.
Foi se o tempo em que o casamento tinha como objetivo a procriação, dá-se
atualmente outra realidade, que é a do crescimento econômico social dos cônjuges.
Atualmente pode se asseverar que o casamento é a união entre pessoas de
sexos opostos (embora haja movimentos sociais para que seja permitido entre
pessoas do mesmo sexo); suscetível de rupturas, com objetivos que vão além da
procriação e da educação da prole, tais como ascensão profissional e econômica.
É muito comum ocorrer, no período que antecede o pedido de separação
judicial, a dissipação dos bens que integram o patrimônio comum do casal, seja
através de alienação ou onerações, sempre realizadas de maneira fraudulenta,
maliciosa, por um dos cônjuges.
Com a fraude, ao ser efetivada a partilha dos bens existentes, um dos
separados será lesado, pois bens podem estar em poder de terceiros ou onerados a
estes, que não são integrados no monte partível, a fim de que futuramente, retornem
ao patrimônio do lesionador, ou seja, do fraudador.
O direito no caso de fraude reconhece como um enriquecimento ilícito,
cabendo ao Poder Judiciário coibir tais abusos, admitindo um prazo de vinte anos
para que a parte lesada possa ser ressarcida dos prejuízos sofridos.
A verdade é que o uso desvirtuado de contratos civis e comerciais, e
especialmente a dinâmica da variação da fraude societária tem servido como
47
sucesso para burlar a lei e para inutilizar os frágeis mecanismos de proteção de
meação conjugal.
Pela via de simulação ou da fraude, um cônjuge ou convivente procura
prejudicar o outro, e encontra nas fraudes societárias com seus variados câmbios,
sofisticados recursos orquestrados para prejudicar seu meeiro.
As sociedades tem se convertido no veículo mais idôneo e o mais
apropriado, agindo como um terceiro aos cônjuges.
A fraude bem se presta a este vil propósito, valendo-se a pessoa de u ardil
para extrair partido das regras jurídicas e se beneficiar de um direito ou de uma
vantagem sobre a qual não deveria se aproveitar
No dizer De Loz Mozos42: “Fraude é todo artifício, maquinação ou astúcia
tendente a impedir ou iludir um legítimo interesse de terceiros ou a obter um
resultado contrário ao direito sob a aparência de legalidade.”
No casamento e na união estável, a fraude resultará eficaz sempre que
causar por seu intermédio uma redução no acervo comum, e por conseqüência, uma
diminuição na meação do cônjuge logrado.
Através de atos de disposição de bens, como consignam os Artigos 158 e
seguintes do Código Civil, colocando em grau máximo de suspeição. Atos como os
de transmissão gratuita ou onerosa de bens ou mesmo a remissão de dívidas de
pessoas insolventes, e neste quadro genérico, não há como afastar o cônjuge que
em vésperas de separação se movimenta para esvaziar a massa de bens conjugais,
ganhando maior evidência se esta movimentação toma corpo depois de ajuizada a
separação do casal.
3.1 TIPOS DE FRAUDE
Existem fraudes nas quais pode ser reconduzida a maioria das fraudes.
Por conta disso, deve-se rapidamente atuar, ajuizando ações que visem criar
barreiras ao cônjuge fraudador.
São variadas as formas de fraudar a credulidade do parceiro vitimado, sendo
instrumento atual e corrente, a manipulação societária, com rápidas transformações
42
DE LOS MOZOS, J.L. El negocio jurídico. Em Estudios de Derecho Civil: Madri, 1987,p.465
48
de sua tipificação social, permitindo ingressos e retiradas de sócios e de sociedade,
transferência de ações, compra ou esvaziamento de ativos comerciais, em
atividades silenciosas e totalmente dispensadas da outorga uxória.
3.1.1 Fraude Advance Free
São aquelas fraudes onde com desculpa o fraudador pede algum sinal ou
adiantamento, a qualquer título (por exemplo custos documentais ou advocatícios,
seguros, subornos, impostos, etc...) para conseguir em favor da vítima um suposto
benefício muito maior.
O objetivo é ficar com o valor adiantado e deixar a vítima na mão.
3.1.2 Fraude Capital Vonjiach
São fraudes onde com alguma desculpa o fraudador toma posse ou controle
direto de um valor (normalmente em dinheiro) de propriedade da vítima, através da
promessa de conseguir uma vantagem relevante ( juros elevados, lucro comercial
elevado, financiamentos a taxa reduzida, etc...) e faz com que este montante
desapareça ( o destino final é sempre o bolso do fraudador).
Frequentemente os meios adotados para conseguir este resultado são sutis e
engenhosos e mostram um profundo conhecimento dos mecanismos legai e dos
mercados.
3.1.3 Fraude das informações
A fraude pode não ter como finalidade de pegar dinheiro da vítima, mas sim
obter informações, “ferramentas” ou documentos (contratos, cartas) que possam ser
usados para facilitar outras fraudes posteriores junto a mesma ou sobretudo a outras
vitimas.
49
Isso é comum quando a vitima é uma pessoa respeitada e conhecida ou uma
empresa de porte e renome. Neste caso os fraudadores terão interesse em obter um
contrato de serviço, que nunca irá ser executado, ou uma carta dizendo que a vitima
tem interesse na operação proposta para depois usar este documento como
referência junto a outras vitimas com a finalidade de provar que eles, os golpistas,
são pessoas sérias e respeitadas, que tem negócios com pessoas realmente
respeitáveis e conhecidos.
Não se perde dinheiro nesse tipo de fraude, mas pode perder a reputação e
de qualquer forma ajuda os golpistas a preparar alguma outra vítima.
3.2 FERRAMENTAS DOS FRAUDADORES
Para realizar qualquer tipo de fraude, os fraudadores se aproveitam, além das
alavancas e técnicas psicológicas, também de algumas “ferramentas” operacionais
específicas.
Essas ferramentas, que são normalmente aproveitadas sem escrúpulo e com
profissionalismo, constituem um conjunto muito poderoso sobretudo se utilizado em
sincronia com o desequilíbrio psicológico da vitima.
Quanto mais ambicioso e sofisticado o fraudador, maior será o conhecimento
e a capacidade de aproveitar-se das vítimas.
Muito comum, as ferramentas usadas pelos fraudadores partirem de
simulações de situação e fatos; técnicas de sedução; disfarce, mentiras e sonegação
de informação, ameaças e medo, podendo até chegar a ações de contenção ou
terrorismo.
Conhecida como Engenharia social, é o conjunto de métodos e técnicas que
tem como objetivo obter informações sigilosas e importantes através da exploração
da confiança das pessoas, de técnicas investigavas, de técnicas psicológicas, de
enganação. Para isso, o “engenheiro social” pode se passar por outra pessoa,
assumir outra personalidade, vasculhar lixo ou outras fontes de informações, fazer
contato com parentes e amigos da vitima.
50
3.3 SITUAÇÕES JURÍDICAS DE EXISTÊNCIA DA FRAUDE
Existe muita dificuldade em efetuar prova de fraude ou simulação, uma vez
que os meios utilizados para desviar patrimônio, apesar de possuírem aparência
correta, ocultam, em sua essência, a verdadeira razão de ter sido realizado.
As situações jurídicas de existência de fraude situam-se sempre na categoria
do interesse do violado com a prática do ato fraudulento.
3.3.1 Fraude antecedente ou durante a separação
Sendo a fraude um vicio social, como a simulação, sendo certo que a doutrina
já consagrou que não se trata de defeito ou falha no consentimento, uma vez que o
ato volitivo é declarado pelo agente livremente, ou seja, sem distúrbios de ordem
interna ou externa.
No casamento, é frequente ocorrer a fraude, praticada por um dois cônjuges,
no período que antecede a separação, dissipando bens comuns, a fim de poucos
restarem para a partilha.
Neste período ocorre liberalidade em favor de amigos e parentes, vendas de
bens a preço vil, emissão de títulos com garantia real privilegiada, e demais outros
artifícios engendrados pela fértil imaginação.
Ao se efetivar a separação, realiza-se a partilha somente dos poucos bens
que resta ao casal.
Após o decurso do prazo prescricional para a anulação da partilha, o
lesionador começa a enriquecer-se rapidamente, chegando até mesmo a reaver
aqueles bens inexistentes ou gravados com garantia real à época da partilha.
Em consequência, conseguindo a parte lesada provar eu houve maliciosa
dissipação dos bens pelo outro separando, com o propósito de desfalcar o monte
partível e prejudicar–lhe a meação, poderá pleitear judicialmente a declaração de
que determinados bens, sonegados á partilha, devam integrar o patrimônio comum,
para fins de sobrepartilha.
51
3.3.2 Fraude no casamento do Código Civil
Os bens comunicáveis de um dos esposos podem sair legitimamente de seu
patrimônio mediante a sua regular disposição, muito embora tenham saído em
muitos casos, em virtude de negócios simulados, ou de um negócio verdadeiro
realizado com a intenção de prejudicar o consorte.
Segundo Taquini43 conceitua a fraude no regime matrimonial, como uma
manobra de um cônjuge tendente a falsear o resultado da partilha, bem como a
realização de transação de bens comunicáveis, omitindo seu estado civil ou sua
relação de união estável.
Nos registros imobiliários nem sempre constam o estado conjugal do titular de
bens imóvel, como acontece no regime de comunhão universal quando não foi
averbado o Ofício de Imobiliário, o posterior casamento. Já o regime da comunhão
limitada, a fraude surge quando proposta a separação judicial, ficando para outro
momento a partilha dos bens.
Contudo consigna no Registro de Imóveis a separação judicial e omitem a
ausência da partilha, permitindo acreditar aos incautos, que tão-só a separação
judicial habita a alienação unilateral de imóveis.
Neto44 aventa a hipótese de venda de imóvel após separação judicial, sem
que tenha sido informada a reconciliação oficial dos cônjuges, sendo procedida a
venda dos bens que voltarem a se comunicar.
3.3.3 Fraude na união estável
Igual temor de fraude pode ser detectado nas relações informais, na
comunhão de aquestos que se instala entre os participantes de uma união estável.
Isso porque, na convivência o casal não altera o seu estado civil, que segue
sendo o anterior ao relacionamento e, se o homem é solteiro e possui bem imóvel
comunicável, porque adquirido na constância da convivência e registrado apenas em
seu nome pessoal, nada impede que possa alienar para terceiro de boa-fé.
43
TAQUINI,Carlos H. Vidal. Régimen de bienes en el matrimonio,e. , Astrea: Buenos Aires, 1990, §304,p.
362
44
NETO, Inácio de Carvalho. Separação e divórcio, teoria e prática, Juriá: Curitiba, 1998, p.271
52
Em tese a escritura de compra e venda deveria ser outorgada pelo casal
convivente, diz Veloso45, mas nada disto prescreve a lei.
O prejuízo acabará sendo arcado pelo meeiro que imprevidente, confiando
cegamente no seu comunheiro, deixou que o bem lhe escapasse da necessária
divisão, sendo improvável logre retomá-lo do terceiro de boa-fé, ou o seu valor
equivalente em dinheiro.
Azevedo46 diz ter alertado o legislador quando propôs o acréscimo de um
parágrafo único ao Art. 1725 do Código Civil, obrigando aos companheiros que
contratassem com terceiros, mencionarem a existência de sua união estável e a
titularidade do bem posto em negociação, para que deste modo ressalvar a sua boafé.
Embora a providência resguarde o terceiro adquirente de boa-fé, sendo
medida eficiente na relação dos companheiros com terceiros e destes para com
seus credores, em nada favorece ao convivente ludibriado, que se seguiria
deparando com o seu parceiro insolvente e sem meios de ser ressarcida, fórmula
capaz de amenizar as perdas materiais causadas a meação do convivente pela
dolorosa fraude cometida por seu parceiro ao vender bem comum, omitindo na
escritura, a existência da união estável e do condomínio sobre o imóvel vendido.
Mesmo que o texto legal mandasse declinar em contrato de venda a
indicação da situação de estável convivência, sob pena de perdas e danos e de
tipificação de ilícito penal, a ensejar processo criminal, não subsiste qualquer
mecanismo preventivo de redução dos riscos, como ocorre no casamento, com a
exigência da outorga do cônjuge para a venda de bem imóvel.
Portanto para os conviventes a legislação não traz garantias ligadas à
exigência de outorga do convivente, muito embora a tentativa legislativa de reduzir
os riscos de vendas de bem da união estável,já existe desde o Projeto de Lei nº
2.686/96, o chamado Estatuto da União Estável, que buscava regulamentar a união
estável em um texto consolidado47.
45
VELOSO, Zeno. União estável. Editora Cejup: Belém, 1997, p.86.
AZEVEDO, Álvaro Villaça, Comentários ao Código Civil, Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, vol.19,
2003,p.272.
47
O Art. 5º do Projeto de Lei nº 2686 rezava que: “Nos instrumentos que visem a firmar com terceiros,
os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem de negociação. Não
46
53
3.3.4 Desvio patrimonial quando da separação do casal
Ocorre com certa frequência que na separação, a ânsia do casal sair bem da
relação, com uma condição financeira mais favorável, passa a criar diversas
situações de modo a gerar desequilíbrio na partilha. Isso frequentemente ocorre nos
regimes da comunhão um universal e da parcial de bens.
Existindo transações às vésperas de uma separação ou de um divórcio, é de
suma importância atentar para a circunstância de que estas práticas foram
efetuadas, para evitar que tenham sido feias visando lesar a partilha igualitária.
Muitas vezes, estando um dos cônjuges na administração dos bens, tenta
efetuar fraude ou simulação de forma a reduzir o patrimônio afetando assim a
divisão final.
Não é raro quando o cônjuge administrador efetua transferências fictícias, faz
vendas aparentes, utiliza procurações esquecidas, faz doações, gera dívidas,
compra bens por contrato particular em nome de terceira pessoa sem a escritura e o
registro imobiliário, entre outros.
Também é usual que através do uso inadequado de contratos civis e
comerciais, um cônjuge consegue prejudicar o outro, gerando uma diminuição na
meação dos bens. Nestes casos o fraudador se utiliza de uma empresa já existente
ou cria uma empresa para efetuar a fraude.
Nos casos de utilização de empresas são diversas as manobras realizadas,
dentre elas, a aparente retirada do cônjuge da sociedade comercial, a transferência
de quotas da sociedade para outro sócio ou terceiros, com o retorno para o antigo
sócio após a separação, a alteração do contrato social com a redução das quotas ou
patrimônio da sociedade, a mudança de um tipo de sociedade para outro, como por
exemplo, de sociedade por quotas para a sociedade anônima, a falsificação do
resultado da empresa , entre outras.
Evidentemente que a fraude ou simulação ficará ainda mais evidente se a
“venda” foi efetuada sem que o vendedor necessitasse, sem dificuldades financeiras,
vendendo bens que lhe garantem a subsistência, imóveis que lhe rendem alugueis
ou quotas de empresas de que são sócios.
o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses de boa-fé, resolvendo-se os
eventuais prejuízos em perdas e danos, entre os companheiros, e aplicadas as sanções penais cabíveis”.
54
Neste ponto é muito importante que a parte mais frágil financeiramente do
casamento deva ser protegida por mecanismos legais, que buscam eliminar os
nefastos resultados de desequilíbrio econômico e financeiro na divisão dos bens.
Pode-se pleitear judicialmente o bloqueio de contas bancárias e de aplicações
financeiras e de outros bem que podem ser vendidos sem assinatura dos cônjuge.
Também em caso de utilização de empresas, pode-se pedir uma perícia
judicial da empresa com análise minuciosa da escrituração que poderá indicar as
perdas sofridas.
Pode-se pleitear análise de documentos, informes, livros de comércio,
perícias, confissão judicial, testemunhas entre outros, que, após análise sugerir a
simulação.
O ponto importante é que desvendada a fraude ou a simulação e o
restabelecimento da verdade, o patrimônio deve ser reintegrado aos bens que serão
partilhados, de forma a ser efetuada uma partilha justa e igualitária.
3.3.5 Fraude no regime de bens
No casamento da separação absoluta de bens, obrigatória ou convencional,
prescreve o artigo 1.647 possam os cônjuges alienar os bens imóveis sem a
autorização do outro.
Deve ser lembrado que no regime obrigatório da separação de bens tem sido
aplicada a súmula 377 do STF, ordenando a partilha dos bens adquiridos
onerosamente, na constância do casamento, transmutando o regime legal da
separação de bens em regime de comunhão parcial.
Como anota Fonseca48:
Quando o regime da separação resulta de imposição legal, a jurisprudência
já pacificou a cerca da questão, cristalizando-se o entendimento pretoriano
na Súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal. Presumem nossos
tribunais que, entre os cônjuges casados sob regime de separação
obrigatória, verificou-se uma sociedade de fato, representando os bens, o
produto do esforço comum.
48
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Regime de bens do casamento, Casamento, separação e
viuvez, Coord. Carla Leonel, editora CIP: São Paulo, 1999, p.55.
55
No entanto em se tratando de regime de separação de bens, os aquestos
provenientes do esforço comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à
evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa.
Até que o judiciário declare os bens comunicáveis na separação legal de
bens, pela Súmula 377 do STF, todos os bens já podem ter sido alienados por
permissão do art. 978 do CC, quando permite que em qualquer regime de bens, sem
a necessidade de outorga conjugal, o cônjuge possa vender os imóveis do
patrimônio da empresa.
3.3.6 Fraude pela formação de dívidas
Todas as dívidas contraídas depois da separação de fato são apenas de
quem as contraiu, que por elas responde com os seus próprios bens.
Apenas as dívidas comuns são exigíveis aos cônjuges contratantes do
respectivo débito, desde que demonstrado terem contraídas em benefício da família.
Entende-se por gastos familiares todos aqueles custos que ingressam na
esfera de responsabilidade dos cônjuges para dar suporte econômico à célula
familiar, como alimentação, educação e os custos ordinários na manutenção da
habitação conjugal.
Conforme Rodrigues49, a Lei nº. 4.121 de 1962 alterou o panorama da
comunicação das dívidas conjugais, não comprometendo a meação da mulher, a
constituição de dívidas do marido para com terceiros, por títulos que não
contivessem a assinatura de sua esposa, apenas respondendo a meação do marido
pelo resgate de tais débitos.
E acrescenta que “não raro acontecia de o cônjuge varão, devido a maus
negócios, reiterados e sucessivos ia aumentando seu débito sem conhecimento da
esposa. Num dado momento era surpreendida com uma série de execuções contra
o patrimônio comum e via , de uma hora para outra, todos os bens do casal serem ,
pelos credores, penhorados e praceados.
49
RODRGUES, Sílvio. Direito Civil, Direito de Família, Saraiva: São Paulo, vol.6,2003, p.164
56
A família era conduzida de uma situação d relativo fastígio para a total
miséria, em decorrência do comportamento desastrado do marido com a total
ignorância da esposa.
3.3.7 Fraude na partilha
A boa-fé é o princípio geral de direito, como regra moral, deve reinar
soberana, em todos os níveis e segmentos das complexas relações humanas.
Amor e boa-fé seguem juntos na trilha progressista do matrimônio, pois o
casamento é confiança e fraude é sutileza complexa e desacordo.
Com o avizinhamento da separação judicial ou mesmo da dissolução de uma
união estável também constituída num regime legal de comunidade de bens, dentre
os diversos efeitos que resultam da liquidação da sociedade afetiva, cria-se para os
partícipes, a expectativa de receber a metade dos bens que são comuns à massa
nupcial ou concubinária e que correspondem ao lastro econômico construído pela
atuação material e imaterial de cada um dos cônjuges ou concubinas, pois aceitam,
em princípio, diante da boa-fé que deve reinar entre os consortes, que o cônjuge
administrador tenha atuado sempre no caminho da conservação do patrimônio
comum e que não lhe tenha alterado a consistência.
Crença decorrente do princípio da igualdade dos nubentes e de conseguinte,
da paridade das quotas do patrimônio comum, como faz ver Stanzione50.
Contudo, o resistente Código Civil brasileiro esta totalmente despreparado
para conservar intactos os bens conjugais, de molde a poder garantir a sua
igualitária partilha entre os cônjuges, onde cada um deveria em princípio , receber
uma idêntica e equivalência meação.
Assim como os recentes estatutos concubinários nada trouxeram de
novidadeiro, com fincas a evitar que o fácil trânsito da fraude na administração dos
bens comuns de uma união estável sofram o devastador efeito que dissipa e
desfigura a meação que compõe o acervo material do outro companheiro que está
alheio á gestão dos bens.
50
STANZIONE, Gabriela Autorino. Direitto di famiglia, G. Giappichelli Editore, Torino, 1997, p.380: II
princípio di eguaglianza dei coniugi e quelo conseguente di parità delle quote Del patrimônio comune impongo
La regola dell’amministrazione della comunione da parte di entrambi i coniugi in posizione paritária.
57
3.3.8 Fraude na partilha equânime
Os bens que não se comunicam com o casamento são revertidos a cada um
dos separandos. Já os bens comuns são partilhados entre os ex-cônjuges.
A partilha deve ser justa e equânime, de forma que nenhum dos cônjuges
fique economicamente prejudicado.
Ao fazer a partilha, deve-se observar, quanto ao seu valor, natureza e
qualidade, a maior igualdade possível (Código Civil, artigo 1775).
De qualquer forma, tem-se consciência de que a plena igualdade na partilha
não é possível. A partilha deve ser feita com a maior equidade possível, mas a
igualdade absoluta é irrealizável, até pela impossibilidade de divisão física de certos
bens. Desta feita, aquele que recebe um bem menos valioso, precisa de
compensação, seja em imóveis, semoventes ou em valores.
Deve prevalecer o bom senso, a retidão de espírito, para obtenção de uma
bóia partilha, sendo certo que a boa-fé deve ser sempre lembrada como requisito
essencial para sua validade.
No entanto, não é isso o que ocorre em muitas separações, eis que a partilha
pode favorecer economicamente um dos cônjuges.
Às vezes, aritmeticamente, os quinhões dos separandos são iguais, mas,
pode acontecer de um deles ter sido favorecido com bens de melhor qualidade de
mais fácil valorização.
Neste caso, em sendo percebida esta diferença somente após a partilha e,
levando-se em conta que tal diferença foi provocada pela má-fé ou dos outros ardis
de uma das partes, tal como a fraude, o cônjuge prejudicado tem direito a ser
compensado, podendo, inclusive, anular a partilha, ou, caso já tenha transcorrido o
prazo prescricional, poderá ainda pleitear indenização pelos danos sofridos.
Tal desigualdade, pode até ocorrer por um descuido ou desatenção das
partes, mas, no entanto, sem sombra de dúvidas, o mais comum nestes casos é a
fraude , a má-fé.
Em ocorrendo fraude, consequentemente, uma das partes sai lesada na
partilha, motivo pelo qual deve ser indenizada, seja pelos danos materiais que sofreu
e até mesmo por eventuais danos morais.
58
3.3.9 Fraude na meação conjugal
A fraude á meação é a fraude ao regime conjugal ou concubinário que
estabelece indiferente á preexistência de norma concreta que regule o momento
próprio de sua discussão, buscando decifrar se compreenderia ou não, período
anterior ao aforamento de qualquer litígio familiar denunciativo da crise conjugal.
Desimporta o momento, porquanto, importa sim, a ocorrência da fraude, como
bem prenota com pertinência PEREIRA51, quando refere que: ”A regra sobre a
fraude à lei é regra destinada a impedir que ocorra a violação indireta da lei
cogente”.
3.3.10 Anulação de partilha fraudulenta
A parte que foi lesada na partilha tem varias opções para ressarcir-se do
prejuízo: ação anulatória da partilha amigável e rescisória em se tratando de partilha
judicial; ação declaratória; ação pauliana ou revocatória, para anular as alienações
feitas de forma fraudulenta, para posteriormente Sr levada a efeito a sobrepartilha;
ação indenizatória por danos materiais e morais.
A ação anulatória da partilha esta prevista no artigo 1029 do Código de
Processo Civil, sendo de um ano seu prazo prescricional (artigo 178,§ 6º, V).
O referido artigo possibilita a propositura da ação anulatória apenas nos
casos de dolo, coação, erro essencial ou intervenção de incapaz.
Tendo a partilha sido feita judicialmente, sua anulação dar-se-á através de
ação rescisória, uma vez preenchidos os requisitos do artigo 485 do Código de
Processo Civil.
Não se tendo a ação como finalidade de anular a partilha, mas sim de
declarar que determinados bens, sonegados à partilha, devem integrar o patrimônio
comum, para fins de sobrepartilha, a prescrição operar-se-á em 20 anos, segundo a
regra geral do artigo 177 do CC.
Na hipótese de os bens terem sidos sonegados ou não arrolados na partilha,
sem a prática de fraude, não há que se falar em ação anulatória ou mesmo em
51
PEREIRA, Regis Fichtner. A fraude a lei, Renovar, Rio de Janeiro, 1994, p.97.
59
rescisória, mas sim de sobrepartilha, na qual se provará a existência dos bens e
proceder-se-á à partilha dos mesmos.
A ação pauliana ou revocatória tem-se que a mesma é o meio processual
mais adequado para demonstração da fraude e anulação das alienações realizadas,
pois, se o cônjuge lesionador tiver outros bens, ainda que particulares e
incomunicáveis em decorrência do regime de bens, deverá sofrer ação indenizatória
para reparar o prejuízo causado ao outro cônjuge, sem necessidade de revogação
do ato inquinado.
O efeito da anulação é repor o bem no patrimônio comum do casal, ou
cancelar a garantia especial concedida, a fim de que seja realizada a sobrepartilha
do mesmo, com o fito de igualar-se a partilha anteriormente efetivada de maneira
ilusória.
A possibilidade de propositura indenizatória se dá ainda por danos materiais
ou morais sofridos por um dos cônjuges em decorrência de uma partilha irreal.
Havendo sonegação de bens à partilha, seja de modo fraudulento ou não, um
dos cônjuges será financeiramente prejudicado, podendo passar por privações de
toda a sorte.
Sendo assim, fará jus a uma indenização pelos danos materiais sofridos, bem
como eventuais danos morais.
Provando o cônjuge prejudicado que o outro fraudou partilha, desviando bens
do monte partível, seja antes ou durante o processo de separação, e que o
lesionador encontra-se em boa situação financeira, poderá optar por aforar ação
indenizatória, sendo desnecessária a propositura pauliana, até porque seus
requisitos são muitos e, ás vezes, difíceis de serem provados, o que poderia
favorecer o enriquecimento ilícito da outra parte.
3.3.11 Fraude societária
A fraude entre cônjuges se realiza amiúde, valendo-se o esposo fraudador da
estrutura societária já existente ou de uma empresa especialmente criada para
desenvolver a fraude e assim subtrair do acervo comum e repassá-los para a pessoa
jurídica.
60
As manobras realizadas através do mau uso da personalidade societária
encontram forte eco no Direito de Família, para sonegar alimentos, ou para fraude á
meação, pois a incorporação de bens a uma sociedade comercial, ou mesmo o
afastamento do cônjuge do quadro societário da empresa conjugal equivale á sua
alienação para terceiro.
Embora a alteração de contrato societário idealizado para privar a mulher do
exercício de seus direitos sobre os bens comunicáveis seja perfeita quanto ao seu
futuro e á sua forma, por ter atendido ás condições de existência e validade e,
obedecido ás regras de publicidade, ainda assim é ineficaz em respeito ao cônjuge
ou convivente lesado, porque foi o meio ilícito exatamente usado em detrimento dos
legítimos direitos de participação patrimonial (MADALENO,2000)52..
Detectada a manobra arquitetada para gerar uma fraude no direito à partilha
do parceiro ou dos alimentos judicialmente arbitrados, a desconsideração da
personalidade jurídica procura recompor o patrimônio abusiva ou fraudulentamente
dilapidado.
Para Rizzardo53 no âmbito do Direito de Família não haveria propriamente a
despersonalização, mas a desconsideração da personalidade jurídica que não será
considerada, para permitir sejam atingidos os bens postos ao abrigo da sociedade
empresarial, e na seqüência, elenca várias situações que caracterizam o desvio de
bens , com a finalidade de subtrair o patrimônio na partilha, merecendo destaque
dentre as diversas hipóteses, aquelas que ensaiam “a aparente retirada do cônjuge
da sociedade comercial; a transferência da participação societária a outro sócio, ou
mesmo a estranho, com o retorno depois da separação,; a alteração do estatuto
social, com a redução de quotas do patrimônio da sociedade; a transformação em
um tipo de sociedade em outro, como de sociedade por quotas pra a anônima”,
dentre outras variantes mais.
52
MADALENO, Rolf. “O princípio da revocatória falencial na partilha dos bens conjugais”, In Novas
perspectivas no Direito de Família, Livraria do Advogado Editora, 2000, p. 145.
61
3.3.12 Fraude pela mudança do tipo social
Na prática processual esta tem sido uma das formas mais corriqueiras de
fraude á meação conjugal pela expedida via da manipulação do estatuto social,
especialmente eficaz naquelas típicas sociedades de família ou de capital fechado,
quando buscam os esposos empresários inviabilizar com esta estratégia a parcial
dissolução da sociedade comercial , particularmente nestas sociedades fechadas ,
que como alerta Loureiro54, “não se compadecem com as intromissões de
estranhos”.
Companhias fechadas contam com um pequeno número de sócios e suas
ações não são ofertadas ao público no mercado de valores imobiliários, pois não
captam recursos para seu financiamento que vem da contribuição dos próprios
acionistas.
Empresas familiares são comuns na economia brasileira, e quando algum de
seus integrantes enfrenta processo de separação judicial, pondo em pauta a partilha
do seu capital social, repentinamente estas empresas alteram seu tipo societário.
Ao compulsar demandas separatórias discutindo divisão de patrimônio é
pratica corriqueira deparar com cônjuges e conviventes valendo-se de sociedade
anônimas para acobertar e proteger patrimônio societário, que procuram afastar da
partilha conjugal.
Começa que o capital das sociedades anônimas se divide em unidades
denominadas ações, e nas sociedades fechadas ou de capital eminentemente
familiar não costumam emitir títulos e tampouco os anotam no livro de registros de
ações.
Sua administração não raramente, se confunde com os próprios acionistas
controladores , que são seus diretores geralmente perpetuados nos cargos.
Controlando-se de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações
da assembléia geral, quando a realizam, abusam de seu pode para dirigir as
atividades da empresa em formato que nada difere daquele controle que exerciam
53
RIZZARDO, Arnaldo. Casamento e efeitos da participação social do cônjuge na sociedade, In Direitos
Fundamentais do Direito de família, Coord. Belmiro Pedro Welter e Rolf Hanssen Madaleno, Livraria do
Advogado Editora, 2004, p. 55.
54
LOUREIRO, Luiz Guilherme. A atividade empresarial do cônjuge novo Código Civil, In Novo Código
Civil, questões controvertidas, Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, vol.2, Método Editora: São
Paulo, 2004, p. 241.
62
na empresa limitada, apenas, alterando o tipo societário pelo cônjuge ou convivente
em estágio de separação, para poder proteger o patrimônio familiar e atuar, com
segurança.
Em cada sociedade anônima existente somente no mundo da ficção.
Na sociedade anônima simulada, os acionistas não se reúnem e nem são
convocadas assembleias gerais para deliberações, pois, usualmente é o cônjuge
separando, como acionista controlador, que exprime a vontade social que se
confunde com a sua própria administração.
Por vezes sequer são convocadas assembleias, porque a todos os acionistas
da família apenas comete em firmar as atas previamente elaboradas, assinando o
livro de presença, nada havendo para examinar, discutir e votar, já que
seguramente, apenas o diretor que controlava a sociedade limitada segue
administrando e deliberando sobre os destinos da sociedade anônima que apenas
de acionista diretor, prescinde neste caso, de uma das mais caras atribuições de um
administrador de uma sociedade por ações, respeite ao dever de lealdade para com
os interesses e finalidades da empresa, e não dos interesses pessoais.
Quando assim acontece, esta denunciada a farsa montada pelos novos
acionistas ao mudarem o tipo social, na contramão da rela utilidade da empresa.
3.3.13 Fraude na sucessão empresarial
Outra prática de fraude societária acontece na sucessão empresarial, com
danosos efeitos tanto para a meação do cônjuge ou convivente, quando não for
projetada para ferir direitos provenientes da legítima sucessória.
A desconsideração da personalidade jurídica não é desconhecida para direito
sucessório, especialmente quando o art.1.846 do Código Civil dispõe pertencer aos
herdeiros necessários a metade dos bens da herança, constituindo-se na intangível
legítima que obedece á ordem de vocação hereditária do ar. 1.829 da vigente
codificação civil.
63
Bruschi55 trata do tema e aduz ter o herdeiro necessário direito de garantir a
intangibilidade da legítima, podendo recuperar o seu quinhão na herança, ainda que
doações ocultas sejam dissimuladas em contratos de constituição e de alterações de
sociedade e enfatiza com clássico exemplo das sociedades constituídas entre pais e
filhos, realizadas para beneficiar alguns em detrimento de outros herdeiros.
AMORIM & OLIVEIRA56, também não se recusam de enfrentar tão instigante
tema que possibilita a fraude à legítima “por meio da transmissão de bens a certos
herdeiros na forma societária. Constitui ato abusivo a constituição da sociedade com
atribuição de cotas em favor de herdeiros sem o efetivo ingresso de capital por parte
deles (...) sendo cabível, em tais circunstâncias, desconsiderar a personalidade
jurídica da sociedade, para que se reintegre o herdeiro prejudicado na plenitude dos
seus direitos legitimários na herança”.
Este é o recurso capaz de alterar o regime legal e de ordem pública, aplicável
à legítima dos herdeiros necessários, não podendo ser esquecido que na atualidade
herdeiro necessário também é o cônjuge que pode ser prejudicado com o abuso
societário tanto em sua legítima como em sua meação (MADALENO)57.
De igual, não pode ser descartado o caminho inverso, quando o companheiro
procura esvaziar a meação de sua parceira, agregando quotas aos filhos da relação
anterior, tirando assim, direitos pertinentes á meação da companheira com quem
iniciou o empreendimento empresarial, mesmo que ela não figurasse no contrato
como sócia
3.3.14 Fraude pela interposta pessoa
Nem todas as separações contam com o sofisticado uso da máscara
societária como bem elaborado instrumento de fraude à meação conjugal.
O uso abusivo da sociedade é comparado ao auxílio fraudatório de uma
interposta pessoa, representada neste caso pelo ente jurídico, mas que no Direito de
55
BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica,
Editora Juarez de Oliveira: São Paulo, 2004, p. 137.
56
AMORIM, Sebastião & OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas, Direito das Sucessões, teoria e
prática, Livraria e Editora Universitária de Direito, 15ª Ed, 2003, p. 375.
57
MADALENO, Rolf. A disregard na sucessão legítima, In Direito de Família, aspectos polêmicos, Livraria
do Advogado Editora: Porto Alegre, 2ª Ed, 1999, p. 131.
64
Família também encontra larga prática pela interposição de pessoas físicas de
terceiros usualmente arrecadados entre os amigos mais próximos do cônjuge, seus
parentes, ou subalternos que bem se prestam para servir como testas-de-ferro,
prontos para prestarem solidariedade á fraude e darem ares de legalidade aos atos
de disposição, resultantes na diminuição da meação conjugal.
Induvidoso considerar que a incorporação de bens em uma empresa equivale
á sua alienação em nome de um terceiro, como uma versão mais popular da
desconsideração da personalidade jurídica, posta à serviço o cônjuge ou convivente
sequioso por frustrar os direitos de seu parceiro , mas não podendo contar com o
véu societário utiliza-se de terceiro que lhe empresta o nome para contracenar a
falcatrua.
3.3.15 Boa-fé
A fraude através da interposição de um terceiro para merecer a
desconsideração judicial da transferência do bem, prescinde da demonstração de
inteiro conhecimento do presta nome que contracena na peça montada para lesar
direito alheio.
Assim deve ser visto, porque um dos aspectos mais importantes do Direito
reside na proteção do terceiro adquirente de boa-fé.
O fundamento de proteção ao terceiro adquirente de boa-fé que despendeu
reais recursos para a compra de um bem é protegido pelo Direito, buscando evitar
que sofra dano decorrente da anulação do seu título de aquisição e em cuja validade
confiou.
Como para muitos que querem com a fraude alterar direito de seu parceiro,
fica muito distante e inviável o sofisticado uso da personalidade jurídica, se lhes
apresenta mais acessível com um complacente amigo, ou parente ou mesmo uma
pessoa qualquer que nada tenha a perder, e que, em troca de alguns trocados, ou
por mero favor, se dispõe a contracenar em um negócio fictício engendrado para
violar a meação do inocente consorte ou convivente.
65
Simulações nesta área são frequentes no âmbito do Direito de Família, com o
desejo de prejudicar o parceiro, quer para privá-lo dois alimentos a que tem direito,
seja privando-o de sua meação na separação judicial.
Por vezes, até se misturam esses favor de terceiros próximos com a
interposição de um parente que, por exemplo, assume a direção da empresa que
outrora pertencia ao esposo, permitindo com esta singela operação defender em
juízo uma aparente insolvência que impede de pagar alimentos por haver deixado de
ser um próspero empresário, como de igual retira da partilha as quotas societárias.
Seguido surgem situações de ex-cônjuges que experimentam um novo
relacionamento, nada comprando em seu nome próprio, embora desfrutem de todo o
conforto e comodidade dos bens adquiridos em nome da nova companheira, que
está como titular do luxuoso automóvel, dirigido pelo franciscano parceiro, em
contraste com o veículo mais modesto de corrente uso da rica companheira, que
figura como proprietária de todos os bens visíveis.
Caso frequente de fraude também surge da compra da moradia conjugal por
contrato particular, em nome de interposta pessoa, ausente a escritura e o registro
imobiliário que pode ser física ou jurídica, encarregada de reivindicar, em juízo, a
posse do imóvel e de lá desalojar a mulher e os filhos que permaneceram na
habitação.
3.3.16 A outorga do convivente
Cahali
58
já cuidou do tema pertinente á dispensa da autorização da outorga
do convivente para a venda de imóvel.
Ao contrário da união estável onde a legislação é totalmente omissa, na
instituição matrimonial, o art.1.647 do Código Civil, condiciona a autorização do
outro cônjuge para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; para prestar
fiança ou aval e para fazer doação de bens comuns, ou que venham a integrar futura
meação.
No âmbito da união estável, em contrapartida ao casamento, há irrestrita
liberdade dos cônjuges conviventes na disposição de seus bens particulares e
66
comuns, bastando que não se tratem de imóveis adquiridos em condomínio, pois
este é averbado no Registro de Imóveis.
Não havendo condomínio, diz Cahali 59:
Inexiste qualquer restrição ao proprietário para a alienação ou imposição de
ônus real imobiliário, dispensada a anuência e concordância do seu
companheiro, independentemente de tratar-se de bem exclusivo do titular,
ou com participação do outro em decorrência da presunção legal contratual.
No casamento o negócio sequer se consolida sem o consentimento do
cônjuge, enquanto na união estável a mera omissão de convivência do vendedor,
sendo fato desconhecido do comprador, convalida a venda em detrimento do
parceiro ludibriado pela ligeireza de seu convivente em se desfazer do imóvel.
A ausência de outorga no casamento, não suprida pelo juiz, quando imotivada
a recusa do outro cônjuge, torna anulável o ato, cuja demanda de anulação
prescreve, se não intentada em até dois anos depois de terminada a sociedade
conjugal.
A união estável confere aos conviventes apenas um direito pessoal ao
patrimônio amealhado na constância da união estável, enquanto no casamento este
direito é real.
Toda a dificuldade de controle de dilapidação dos bens comuns na união
estável reide no fato de não existir registro público do condomínio dos conviventes,
desaparecendo deste modo, qualquer espécie de restrição para a livre venda pelo
outro parceiro.
Por falta de previsão legal não é possível pretender invalidar negócio jurídico
de venda de imóvel por convivente que se ressente de colher o assentimento de seu
parceiro estável.
Contudo nos dias atuais, e bem diferentes do que representava no passado,
são geralmente as ações e as quotas sociais de empresas conjugais ou da união
estável os bens mais valiosos da sociedade efetiva de cônjuges e conviventes,
58
CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. Saraiva: São Paulo, 2002, p.180-
181.
59
______. Contrato de convivência na união estável. Saraiva: São Paulo, 2002, p.182
67
merecendo ser ampliado o pleito de exigência da outorga conjugal e do convivente,
para, deste modo, inibir a fácil redução maliciosa da meação do parceiro.
Certamente o perigo maior ocorre justamente na livre disposição de valores
financeiros e de participações societárias, quando sabidamente a riqueza mais
circula pelos bens ainda livres e dispensados da outorga, especialmente as
empresas que podem comprar em seu nome os imóveis que servem aos interesses
particulares dos cônjuges e conviventes e, pior ainda, podem os empresários vender
livremente os imóveis da empresa, sem necessidade alguma do consentimento de
seu cônjuge ou parceiro, como visto pelo art. 978 do CC.
3.3.17 A indenização pela inoponibilidade
No casamento, também na união estável deveria ser exigido o assentimento
do convivente para a alienação de bem imóvel.
A doutrina identifica na união estável, um verdadeiro conflito entre o direito do
terceiro adquirente de boa-fé e o do companheiro coproprietário que não figura no
título de propriedade.
Por vezes, nem sempre a anulação surge como a melhor solução para
resolver a alienação que se ressentiu do assentimento do cônjuge convivente.
Enquanto o ato de disposição dos bens efetuado pelo cônjuge administrador é
valido e eficaz entre as partes contratantes, é ineficaz para o cônjuge que deixou de
prestar o seu consentimento.
Se for considerado anulável, valerá enquanto sentença não desfizer o ato,
parecendo mais prático apenas considerar inoponível a alienação em relação ao
meeiro, colocando o terceiro à salvo da ameaça de anulação da venda, mas
permitindo que a porção do cônjuge prejudicado fique resguardada pela
compensação com outros bens, sem ser necessário reintegrar à massa o imóvel
alienado.
A inoponibilidade só existe em relação ao cônjuge ou convivente que deveria
prestar o seu assentimento com a vantagem adicional de ser deduzida no juízo da
partilha, sem precisar promover morosa ação de anulação que nem sempre resultará
favorável quando presente a boa-fé do terceiro adquirente.
68
O bem vendido retorna ficticiosamente à massa partilhável, como se a
disposição não tivesse acontecido e, entre os cônjuge vendedor e o terceiro
comprador o ato de alienação produz todos os seus efeitos , como se não existisse a
inoponibilidade, apenas desestimando o negócio fraudulento sem perder tempo com
a sua anulação.
O negócio é válido, mas inoponível ao consorte olvidado na transação,
facultando ao cônjuge prejudicado, a possibilidade de acusar a fraude e de ser
compensado com valores equivalentes ou com outros bens sem precisar acionar
pela anulação do negócio.
O arbítrio protetor desta fórmula é impedir o prejuízo com a compensação
declarada no corpo da ação de partilha, sempre que houver bens para ressarcirem o
prejuízo.
69
3.3.18 Fraude no período de revocatória falimentar
Precede ao processo separatório um chamado “período suspeito60”,
permitindo por empréstimo do Direito falimentar Brasileiro, sejam buscados os
pressupostos fáticos e jurídicos que consagram, recomendam a aplicação do
indissociável principio de revocatória falencial, que chama para trás, convoca a volta
dos atos de gestão do esposo que atuou como administrador das riquezas
conjugais.
Quando o cônjuge arrostado a enfrentar a ruptura conjugal contra a sua
vontade ou por sua livre iniciativa, estando disposto a ferir a ética conjugal e a
romper a lealdade conferida pelo natural mandato de gestão dos bens conjugais,
frustrando as divisões idealizadas pela comunidade de bens, com efeito, que ele
pratica esses atos dentro de um período anterior ao processo de separação, cuja
distribuição judicial ele procura postergar ao máximo.
Para Lacerda61, o período suspeito da falência respeita o fato de que:
Estado de colapso patrimonial tem necessariamente um período de
incubação que se desenvolve mais ou menos anormalmente, procurando o
devedor, através de várias atitudes, evitar o marasmo. Por isso a lei
considera certos atos praticados pelo falido, num período que antecede a
sentença declaratória, como ineficazes e revogáveis, visando , com isso, a
evitar a desigualdade entre credores e beneficiá-los em conjunto.
Nada diverge o colapso patrimonial quando o cônjuge, às vésperas de uma
crítica separação tem como prioridade apartar-se da partilha igualitária, tencionando
fugar-se com os recursos econômicos que amealhou por sub-rogação de
precedentes transações maliciosas.
Para evitar a debilidade do patrimônio, com atos que iniciam muito antes da
formal separação, há coerente resultado judicial em rever ao princípio da revocatória
falencial para revogar os atos considerados prejudiciais á massa de bens conjugais
ou concubinários. Cabe ao juiz identificar o tempo que precedeu ao primeiro
processo litigioso ferido entre um casal , o período considerado suspeito, largamente
60
Maria Tereza Maldonado escreve no seu livro Casamento, término e reconstrução, Vozes, 2ª Ed.
Petrópolis, Rio de Janeiro, 1986, p.116 – “que o homem costuma usar o poder econômico para infernizar a vida
da mulher ou para atrasar a concretização da separação, por exemplo, apresentando propostas inadequadas.”
61
LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual de Direito Falimentar, Freitas bastos Editora. Rio de Janeiro, 13ª
edição, 1996,p.142.
70
utilizado para extravasar ressentimentos e tentar cicatrizar com o recurso da
vingança material, feridas que são abertas pelas desinteligências conjugais.
Com essa poderosa ferramenta processual o magistrado pode eliminar as
mazelas que são ilícita e indevidamente geradas por uma precipitada senda
fraudatória que põe e, prática, crucial liquidação do patrimônio nupcial. Reduzindo
sensivelmente a massa conjugal do sócio efetivo.
3.4 A PROVA DA FRAUDE E DA SIMULAÇÃO
È bastante controvertida a matéria pertinente á prova na fraude e na
simulação, particularmente no âmbito do Direito de Família, com proposições
doutrinárias em todas as direções.
Há versões dizendo ser ônus probatório de quem denuncia a fraude, outras
dizendo deva ser invertida a carga probatória em se tratando de pessoa
hipossuficiente.
Como regra do processo, cabe ao Juiz analisar o conjunto probatório em sua
globalidade, sem perquirir a quem competia o Ônus probandi.62, isso porque os
direitos indisponíveis do Direito de família fortalecem os poderes instrutórios do juiz
no comando da prova, conforme disposição do art.130 do CPC.
A fraude e a simulação são institutos semelhantes, pois objetivam causar um
dano a uma terceira pessoa.
No campo do direito probatório, indícios e presunções também são meios
eficazes de prova, indícios são sinais, que isoladamente, são insuficientes para
demonstrar a verdade de um fato alegado, enquanto as presunções comuns
constituem raciocínios, que no terreno da fraude e da simulação podem ser
derrubados pela contraprova.
No entanto, é a soma de indícios que leva á presunção.
Ao comentar os meios de prova na fraude e especialmente na simulação,
Iturraspe63 assevera comportarem uma atividade escorada na presunção, pois que,
a quase totalidade dos indícios surgem de documentos, informes, livros de comércio,
inspeção ocular, perícias, confissão judicial, testemunhas e etc, que examinados,
não obstante sua aparente legalidade, inferem de seu contesto a simulação.
62
Como decidiu o STJ no Resp. 11.468-0-RS,Rel. Min. Sálvio de Figueiredo,DJ de 11.05.1992.
71
Isso porque o simulador precisa criar com excepcional empenho um negócio
fictício justamente engendrado para mascarar o seu ganho material. Assim, se quer
dar de seriedade e de severidade ao seu ato, cuidará para que na escritura de
aparente compra e venda, por exemplo, não conste um preço vil, embora este
cuidado agregue maiores despesas com escritura e custo maior no imposto de
transmissão inter vivos; tal qual tratará de dar suporte e realidade financeira á
transação, promovendo a emissão e depósito do cheque emitido para o pagamento
da venda encenada.
Ao não agir com tal cuidado, os indício que farão presumir a simulação irão
surgir exatamente do baixo peço; da falta de recursos do pseudo-comprador, que
geralmente será um parente ou um amigo mais próximo; da falta de comprovação da
saída do dinheiro da conta do comprador e ingresso na conta do vendedor e se for
argumentado que o preço teria sido pago em dinheiro trata-se de fato totalmente
inusual, dito apenas para afastar qualquer averiguação da verdade.
Igual indicação de simulação da transação irá decorrer da desnecessidade
desta venda, pois o vendedor não se encontra em dificuldades econômicas, nem
endividado, não obstante isto, o ato resta agravado com a súbita alienação de todo o
patrimônio da pessoa, ou pelo menos dos bens de maior valor, por preços de
ocasião e sem que existia qualquer razão justificadora.
De uso corrente é a simulação por cônjuges ou conviventes que se desfazem
com a desculpa de precisarem arrecadar dinheiro, justamente dos bens que lhes dão
subsistência, como as quotas da empresa de que são sócios, ou do automóvel que
usam para trabalhar, dos imóveis que rendem aluguéis e assim por diante, figurando
na outra ponta compradores que, se bem investigados, sequer dispõe de meios para
as aquisições.
Também quando há evidência de fraude se faz ausente a tradição do bem
alienado, fato bastante comum, em que o vendedor segue na posse do imóvel ou do
veículo e até na direção da empresa, com a desculpa de que detém o bem em
caráter temporário, senão por conta de um apressado contrato de locação, então por
mútuo ou comodato, num complexo desinteresse do comprador em tomar a posse
do bem comprado.
63
ITURRASPE, Jorge Mosset. Op.cit., tomo I, p.311
72
A vida regressa das partes contratantes também favorece bastante na
apreciação da simulação,. Quando se trata de indivíduos de vida desonesta e suas
claudicantes finanças também comprometem a lisura da negociação, pois ninguém
irá vender em longas prestações para adquirentes insolventes, podendo ser
realizada pesquisa que desvende o movimento bancário do comprador, pois seus
extratos terão que demonstrar uma razoável saúde financeira, em patamares que
respaldem a solvência e estratificação social compatível com a coisa adquirida.
Ocorrendo a transação em vésperas de separação ou de divórcio, também,
deitam sérias suspeitas sobre o negócio, já sendo dito comum o ânimo fraudatório
nas relações afetivas de cônjuges ou conviventes em via de dissolução de sua
união.
Por conta disso, o direito processual deve agir com presteza e efetividade,
desconsiderando na própria ação de conhecimento a caminho da separação judicial
ou da dissolução litigiosa da união estável, qualquer barreira oposta com os selos da
fraude e da simulação.
73
4 JURISPRUDENCIA
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina examinando os autos da
Apelação Cível AC 222890 SC 2005.022289-0 (em sessão de julgamento realizada
em 28 de setembro de 2009), declarou nula a partilha de bens realizada em ação de
divórcio consensual, eis que existente fraude na partilha, uma vez que a
transferência pelo cônjuge varão da totalidade de bens à ex-esposa, tinha como
único propósito o desfazimento de seu patrimônio, a fim de evitar a cobrança de
dívidas pelos credores. Abaixo, transcreve-se referido julgado, na sua integralidade:
Apelação Cível AC 222890 SC 2005.022289-0
Parte:
Apelante:
Irmãos
Sperandio
Comércio
de
Veículos
S/A
Parte: Apelados: Francisco Sadi Antunes e outro
Resumo: Apelação Cível. Ação Pauliana. Nulidade de Partilha de Bens Realizada
em Ação de Divórcio Consensual, com a Transferência da Totalidade dos Bens do
Casal à Ex-esposa. Decreto de Extinção da Ação Sem Resolução do Mérito, Por
impossibilidade Jurídica do Pedido. Via Eleit...
Relator(a): Carlos Adilson Silva
Julgamento: 28/09/2009
Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Publicação: Apelação Cível n., de Lages
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PAULIANA. NULIDADE DE PARTILHA DE BENS
REALIZADA EM AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL, COM A TRANSFERÊNCIA
DA TOTALIDADE DOS BENS DO CASAL À EX-ESPOSA. DECRETO DE
EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. VIA ELEITA ADEQUADA. CONHECIMENTO DO PEDIDO
EM GRAU DE RECURSO (CPC, ART. 515, § 3º). DECLARAÇÃO JUDICIAL DE
INSOLVÊNCIA. AQUISIÇÃO DE BENS IMÓVEIS VIA SUCESSÃO HEREDITÁRIA
74
APÓS O ENCERRAMENTO DO PROCESSO E NO CURSO DO PRAZO PARA A
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. SALDO DEVEDOR EM ABERTO.
A teor do disposto no art. 775 do CPC, respondem pelo pagamento do saldo
devedor os bens que o insolvente vier a adquirir antes da declaração da extinção
das obrigações. Estas somente se extinguem após o decurso do prazo de 05 (cinco)
anos, contados da data do encerramento do processo de insolvência, ex vi do que
preceitua o art. 778 da Lei Adjetiva Civil. PROVA DOCUMENTAL EVIDENCIANDO A
EXISTÊNCIA DE FRAUDE. ANTERIORIDADE DO DÉBITO. CONSILIUM FRAUDIS.
EVENTUS DAMNI. ANULAÇÃO DA PARTILHA HOMOLOGADA. INVERSÃO DOS
ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO
PROVIDO. "Se a convenção de partilha dos bens comuns envolver fraude contra
credores, abre-se ensejo à sua anulabilidade por via da ação pauliana, segundo as
regras do direito comum [...]." (Yussef Said Cahali. Divórcio e Separação, p. 120).
Analisando a distribuição dos bens de partilha (fl. 26), homologada por sentença (fl.
33), nota-se que o cônjuge varão abriu mão de sua parte em favor da ex-esposa,
com único intuito de se desfazer do patrimônio, a fim de evitar a cobrança das
dívidas pelos credores, razão pela qual imperativo decretar nula mencionada partilha
feita pelos apelados na ação de divórcio consensual.
Apelação Cível n. 2005.022289-0, de Lages
Relator: Des. Subst. Carlos Adilson Silva
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PAULIANA. NULIDADE DE PARTILHA DE BENS
REALIZADA EM AÇÃO DE DIVÓRCIO CONSENSUAL, COM A TRANSFERÊNCIA
DA TOTALIDADE DOS BENS DO CASAL À EX-ESPOSA. DECRETO DE
EXTINÇÃO DA AÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. VIA ELEITA ADEQUADA. CONHECIMENTO DO PEDIDO
EM GRAU DE RECURSO (CPC, ART. 515, § 3º).
DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INSOLVÊNCIA. AQUISIÇÃO DE BENS IMÓVEIS VIA
SUCESSÃO HEREDITÁRIA APÓS O ENCERRAMENTO DO PROCESSO E NO
CURSO DO PRAZO PARA A EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES. SALDO DEVEDOR
EM ABERTO.
75
A teor do disposto no art. 775 do CPC, respondem pelo pagamento do saldo
devedor os bens que o insolvente vier a adquirir antes da declaração da extinção
das obrigações. Estas somente se extinguem após o decurso do prazo de 05 (cinco)
anos, contados da data do encerramento do processo de insolvência, ex vi do que
preceitua o art. 778 da Lei Adjetiva Civil.
PROVA
DOCUMENTAL
EVIDENCIANDO
A
EXISTÊNCIA
DE
FRAUDE.
ANTERIORIDADE DO DÉBITO. CONSILIUM FRAUDIS. EVENTUS DAMNI.
ANULAÇÃO
DA
SUCUMBENCIAIS.
PARTILHA
HOMOLOGADA.
SENTENÇA
REFORMADA.
INVERSÃO
RECURSO
DOS
DE
ÔNUS
APELAÇÃO
PROVIDO.
"Se a convenção de partilha dos bens comuns envolver fraude contra credores,
abre-se ensejo à sua anulabilidade por via da ação pauliana, segundo as regras do
direito comum [...]." (Yussef Said Cahali. Divórcio e Separação, p. 120).
Analisando a distribuição dos bens de partilha (fl. 26), homologada por sentença (fl.
33), nota-se que o cônjuge varão abriu mão de sua parte em favor da ex-esposa,
com único intuito de se desfazer do patrimônio, a fim de evitar a cobrança das
dívidas pelos credores, razão pela qual imperativo decretar nula mencionada partilha
feita pelos apelados na ação de divórcio consensual.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2005.022289-0, da
comarca de Lages (4ª Vara Cível), em que é apelante Irmãos Sperandio Comércio
de Veículos S/A, e apelado Francisco Sadi Antunes e outro:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do
recurso e dar-lhe provimento, a fim de reformar a sentença hostilizada e reconhecer
a fraude na partilha homologada na sentença de divórcio sob o n. 039.99.005779-6,
da Comarca de Lages, declarando nula a divisão do patrimônio, invertidos os ônus
da sucumbência. Custas legais.
76
I – RELATÓRIO
Irmãos Sperandio Comércio de Veículos Ltda. ajuizou ação pauliana em face de
Francisco Sadi Antunes e Nilda Zen Antunes alegando, em apertada síntese, que no
ano de 1982 o requerido adquiriu veículos da requerente, dando como pagamento
os cheques nº 231.630, 490.369, 250.391, 250.390, 140.532, 250.392, todos de sua
conta corrente do Banco Bamerindus S/A, agência Coral, com datas de emissão e
valores, respectivamente, de 22/09/82 – CR$ 570.000,00 (quinhentos e setenta mil
cruzeiros); 06/11/1982 – CR$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil cruzeiros);
03/10/1982 – CR$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil cruzeiros); 10/10/1982 –
CR$ 1.100.000,00 (um milhão e cem mil cruzeiros); 28/09/1982 – CR$ 600.000,00
(Seiscentos mil cruzeiros); 21/10/1982 – CR$ 1.250.000,00 (um milhão e duzentos e
cinquenta mil cruzeiros), totalizando CR$ 5.180.000,00 (cinco milhões, cento e
oitenta mil cruzeiros), na moeda da época.
Aduziu, ainda, que em virtude da sentença de declaração de insolvência do
demandado pela 3ª Vara Cível da Comarca de Lages, o requerido apresentou rol
dos seus credores, donde constou a autora como credora na importância de CR$
5.180.000,00 (cinco milhões, cento e oitenta cruzeiros).
Asseverou que na data de 05 de setembro de 1983, em decorrência do edital de
convocação datado de 12/08/83, habilitou seu crédito nos autos de insolvência civil
do primeiro réu; que no dia 30/07/96, por determinação judicial, foi publicado edital
de intimação no Diário da Justiça de Santa Catarina, dando ciência aos
interessados, principalmente aos credores, de que estava declarado encerrado o
processo de insolvência civil de Francisco Sadi Antunes, continuando este com
responsabilidade pelo passivo; que ante a constatação da existência de bens
imóveis pertencentes ao devedor Francisco Sadi Antunes, em dia 15 de outubro de
1999 ajuizou contra réu ação monitória, a qual tramita na 4ª Vara Cível da Comarca
de Lages.
Afirma ter juntando certidão do 3o Ofício de Registro de Imóveis e hipotecas da
Comarca de Lages, comprovando que o réu Francisco Sadi Antunes era proprietário
de glebas de terras na região serrana; que o crédito da requerente somava a época
do ajuizamento da ação monitória a quantia de R$ 39.895,27, atualizado; que no
decorrer da ação monitória, o requerido Francisco informou que não era mais
77
proprietário dos imóveis; que então foi providenciado uma nova certidão das
matrículas nºs 12.734 e 13.056, onde verificou-se que através de uma ação de
divórcio direto consensual, os bens haviam sido transmitidos pelo réu a sua esposa,
segunda requerida, averbado em 05 de julho de 2000.
Prosseguindo, aduz que se verifica através de fotocópia do processo de divórcio dos
demandados, que, além dos imóveis, a segunda requerida era proprietária de três
veículos, dos quais dois eram alienados fiduciariamente; que causa surpresa ao
verificar que a requerida e ex-esposa do réu, têm como profissão do lar, porém, era
proprietária de três veículos, gerando dúvida sobre a origem destes automóveis,
pois, provavelmente estes bens foram adquiridos por Francisco, mas colocados em
nome de sua esposa com o intuito de lesar seus credores; que na partilha dos bens
do casal, o réu abriu mão de sua parte sobre todos os bens em favor da esposa; que
esta atitude teve por único objetivo retirar os bens do nome do réu para evitar a
cobrança das dívidas, caracterizando fraude contra seus credores; que o réu é
responsável pelo passivo até 30/07/2001; que quando da realização do divórcio o
réu era insolvente, portanto não poderia abrir mão de todo seu patrimônio, ainda
mais de maneira gratuita; que vem a juízo buscar a anulação da partilha feita pelos
requeridos na ação de divórcio direto, através da presente ação pauliana.
Após outras considerações, postulou a procedência do pedido, para que "seja
anulada a partilha de bens feitas nos autos do processo de divórcio direto
consensual n. 039.99.005779-6, dando baixa na averbação feita no registro de
imóveis". (fl. 05)
Procedida a citação, os réus apresentaram contestação alegando, em sede de
preliminar, carência de ação, sob o argumento de que a ação pauliana não é o meio
processual adequado para anular sentença judicial transitada em julgado,
postulando, no mérito, a improcedência do pedido.
A autora ofereceu impugnação, argumentando, em breves linhas, que ocorreu
fraude contra os credores, pois o réu, mesmo insolvente, transmitiu todos os seus
bens para sua ex-esposa, através da partilha na ação de divórcio e ciente da
condição de que a requerente já era sua credora, tornou impossível a satisfação da
ação monitória, fazendo-se necessário a intervenção jurisdicional para corrigir e
evitar lesão ao direito de crédito.
Designada audiência de conciliação, a tentativa de composição restou (fls. 76).
78
Conclusos os autos, o ilustre Magistrado a quo julgou antecipadamente a lide,
extinguindo o processo sem resolução do mérito, por impossibilidade jurídica do
pedido (CPC, art. 267, VI), sob o fundamento de que a anulação de sentença de
mérito proferida pelo Juiz de Direito da Vara da Família deve ser manejada através
da competente ação (fls. 80/82).
Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs recurso de
apelação.
Sustenta o apelante que a ação pauliana visa atacar o acordo de partilha celebrado
entre os apelados e não a sentença que homologou o acordo, reafirmando que, em
se tratando de sentença homologatória da vontade das partes, cabível a ação
anulatória, ao passo que a ação rescisória ataca sentença de mérito proferida em
jurisdição contenciosa.
Ao final, requer a reforma da sentença guerreada, a fim de que seja anulada a
partilha de bens feita pelos apelados na ação de divórcio direto consensual por
entender viciada por fraude contra os credores.
Contra-arrazoados, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça, culminando por
ser redistribuídos a este Relator designado para atuar como cooperador deste Órgão
Fracionário.
II – VOTO
O conteúdo da postulação há de ser apreciado ante a presença dos pressupostos de
admissibilidade recursal.
O MM. Juiz monocrático ao julgar extinto o pleito inaugural, asseverou que, In verbis:
"A autora alega que teria ocorrido a transferência simulada da propriedade dos bens
imóveis do primeiro requerido para a segunda requerida, através de processo
judicial simulado, isto é, divórcio direto consensual, em que o réu teria renunciado
aos seus bens em favor da sua ex-esposa.
“Todavia, em respeito ao instituto da coisa julgada, impossível no nosso
ordenamento jurídico o presente pedido de anulação da sentença de mérito
proferida pelo Juiz de Direito da Vara da Família desta Comarca, devendo ser
79
manejado o pedido através da competente ação, fundada, a princípio, pela colusão
das partes" (fls. 81).
Não obstante o conhecimento jurídico do Exmo. Togado a quo, é perfeitamente
admissível em casos tais o manejo da ação pauliana visando a anulação da partilha
fraudulenta.
Com efeito, a via eleita é plenamente adequada para situações como o caso
vertente, senão vejamos:
"Se a convenção de partilha dos bens comuns envolver fraude contra credores,
abre-se ensejo à sua anulabilidade por via da ação pauliana, segundo as regras do
direito comum. Contudo, de maneira alguma os pretensos credores prejudicados
poderão intervir diretamente no processo de separação judicial, que é exclusivo dos
cônjuges; o que se lhes permite, tão somente, é a adoção de medidas cautelares
contra os separandos, tendentes à preservação do direito a ser exercido pelas vias
regulares; Assim, eventuais direitos de credores que hajam sido prejudicados pela
partilha na separação consensual devem ser deduzidos pelas vias próprias e em
separado." (Yussef Said Cahali. Divórcio e Separação, p. 120).
Seguindo esta linha de raciocínio, observa-se que o apelante ingressou com a
presente ação pauliana objetivando anular a partilha de bens feita pelos apelados
ante a constatação de que o apelado Francisco Sadi Antunes, embora insolvente,
abriu mão de sua parte sobre todos os bens em favor da ex- esposa, prejudicando a
satisfação do débito que este possui com o recorrente, evidenciando manifesta
fraude contra seus credores.
Emoldura-se ao caso em apreço a seguinte lição doutrinária:
"(...) para a configuração da fraude contra credores, é necessária a prova da
insolvência do ex-marido. Basta, porém, essa prova, pois tratando-se de dissolução
da sociedade conjugal que põe termo ao regime de bens entre os cônjuges, a
partilha danosa para os credores de qualquer dos separandos é remarcada pela
fraude in re ipsa. Daí ter-se admitido ser possível constrição sobre bens havidos pela
mulher casada em separação consensual, e que compreendiam a meação do
marido, que passou para a esposa a totalidade dos bens possuídos pelo casal: "A
liberdade do devedor, na formulação de proposta da partilha consensual dos bens
80
que constituíam o patrimônio do casal, representa alienação caracterizada pela
gratuidade." (Yussef Said. Cahali. Fraude Contra Credores. Ed. RT, p.313/314).
No caso Sub júdice, o apelado Francisco Sadi Antunes foi declarado insolvente, pelo
então Juiz de Direito, Doutor Anselmo Cerello, hoje Desembargador aposentado
desta Corte de Justiça, nos autos n. 204/82, que tramitou perante a 3ª Vara Cível da
Comarca de Lages, conforme documentos encartados às fls. 13/16 dos autos, sendo
apresentado, inclusive, relação de credores, entre os quais, figura o nome da
apelante como credora da importância equivalente à CR$ 5.180.000,00 (cinco
milhões, cento e oitenta cruzeiros), na moeda da época.
Todavia, diante da inexistência de bens, do desinteresse do administrador e dos
credores habilitados, mencionado processo de insolvência civil, sob o n. 204/82, foi
declarado encerrado, publicando-se edital para ciência dos credores em 30/07/1996
(fl. 16), continuando, contudo, o insolvente, ora apelado, Francisco Sadi Antunes,
com a responsabilidade pelo passivo.
Os apelados ingressaram, em 10/06/1999, com ação de divórcio direto (fls. 25/28),
na Vara da Família de Lages, sob o n. 039.99.005779-6, onde restou decretado o
divórcio e homologada a partilha amigável dos bens do casal, os quais passaram a
pertencer exclusivamente à segunda requerida, conforme se infere da sentença
homologatória datada de 08/07/1999.
A apelante aforou, em 15 de outubro de 1999, ação monitória em face do
demandado Francisco Sadi Martins, visando a cobrança do crédito no valor de R$
39.895,27, à época.
Analisando a distribuição dos bens de partilha (fl. 26), nota-se que o cônjuge varão
abriu mão de sua parte em favor da ex-esposa, com único intuito de se desfazer
deste patrimônio, a fim de evitar a cobrança das dívidas pelos credores, conforme
bem argumentado na peça inicial, e reeditado no recurso de apelação.
Salienta-se, por oportuno, que o imóvel matriculado sob o n. 13.056, objeto da
partilha, foi recebido pelo requerido por força de sucessão hereditária, autos de
inventário n. 123/94 de Rute de Liz Pessoa, homologado por sentença em 22 de
fevereiro de 1996, cujo título foi registrado no Álbum Imobiliário em 06 de fevereiro
de 1998 (fls. 23, 23 vº).
81
Também em decorrência do mesmo inventário, o requerido recebeu quinhão
hereditário correspondente a 72.000 m² do imóvel matriculado sob o nº 12.734 do
Cartório de Registro de Imóveis do 2º Ofício da Comarca de Lages, com registro do
título em 06 de fevereiro de 1998 (fls. 22, 22 vº).
A teor do disposto no art. 774 do Código de Processo Civil, “Liquidada a massa sem
que tenha sido efetuado o pagamento integral a todos os credores, o devedor
insolvente continua obrigado pelo saldo.", enquanto o art. 775 do mesmo Codex
reza: "Pelo pagamento dos saldos responde os bens penhoráveis que o devedor
adquirir, até que se lhe declare a extinção das obrigações."
Serão consideradas extintas todas as obrigações do devedor insolvente, após o
decurso do prazo de 05 (cinco) anos, contados da data do encerramento do
processo de insolvência (inteligência do art. 778 do CPC).
Por conseguinte, declarada encerrada a insolvência e publicado o edital em
30/07/1996 (fl. 16), a extinção definitiva das obrigações do devedor insolvente
somente findaria em 31/07/2001, logo, ajuizada a ação monitória em 15/10/1999,
não há se falar em extinção das obrigações do requerido em relação à apelante.
A fraude contra credores consiste na conduta ardilosa do devedor contra o credor,
visando a desfalcar seu patrimônio a fim de impossibilitar a execução de algum bem,
em detrimento de direitos creditórios alheios.
Com relação a prova do Consilium fraudis colhe-se a seguinte propedêutica:
"Na realidade, doutrina e jurisprudência são concordes em dignificar os indícios e
presunções como instrumento de prova em matéria de fraude contra credores... uma
vez que o Consilium fraudis é um fenômeno interno, de que não é possível a prova
direta e imediata, pode-se, não obstante, apenas demonstrar por meio de dados
exteriores, elementos que permitam concluir pela sua existência... A jurisprudência,
a seu turno, revela certa uniformidade ao reconhecer que as revelações íntimas de
amizade ou de negócios comuns e mútuos, a convivência frequente entre os
contratantes, o parentesco próximo que os vincula, uma eventual relação de
afinidade ou doméstica, tudo isto representa fatos que induzem a presunção de
ciência pelo adquirente quanto à precária situação econômica do devedor alienante,
afirmando-se, aqui, que Fraus inter parentes Praesumitur. " (Op. cit. fls.
233,234,252)
Os tribunais pátrios não destoam dos ensinamentos mencionados:
82
"Se o devedor, em acordo em separação consensual realizada pouco antes do
ajuizamento da execução, doa todos os seus bens à ex-esposa, inconcusso que
tinha ciência do estado de insolvência a que ficaria reduzido e das dívidas já
vencidas que contraíram em decorrência de sua atividade comercial e em benefício
da família. A esposa, por sua vez, deveria presumir, igualmente, diante de tão
inusitado desprendimento por parte de seu marido, o objetivo maléfico de fraudar
credores. Destarte, mesmo que se admita não simulada a separação, é certo que na
partilha os cônjuges deixaram transparecer, de forma inequívoca, intuito caviloso, a
fraude pauliana" (RT 645/107).
Entendimento pacífico em nosso egrégio Tribunal de Justiça:
"AÇÃO PAULIANA - ALEGAÇÃO DE PARTILHA FRAUDULENTA POR OCASIÃO
DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - DIVISÃO DE BENS QUE TERIA DEIXADO O
DEVEDOR EM SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA, PRIVILEGIANDO SUA EXCONSORTE EM DETRIMENTO DOS SEUS CREDORES - DECISUM DE
IMPROCEDÊNCIA CALCADO NA FALTA DE PROVAS DO CONSILIUM FRAUDIS INDÍCIOS
DOCUMENTAIS
SUFICIENTEMENTE
ROBUSTOS
PARA
CARACTERIZAR A INTENÇÃO DE FRAUDE POR PARTE DOS APELADOS PRESUNÇÃO DE INSOLVÊNCIA NÃO AFASTADA PELO DEVEDOR/APELADO RECLAMO PROVIDO" (AC n. 2003.022652-4, da Capital, rel. Des. Orli Rodrigues, j.
02/12/2003).
Ex positis, voto pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de reformar a
sentença hostilizada e reconhecer a fraude na partilha homologada na sentença de
divórcio sob o n. 039.99.005779-6, da Comarca de Lages, declarando nula a divisão
do patrimônio em relação aos imóveis matriculados sob os nºs 12.734 e 13.056,
ambos do Cartório de Registro de Imóveis do 3º Ofício da Comarca de Lages,
determinando o cancelamento dos registros nºs R-8/12.734 e R3/13.056,
respectivamente, bem como em relação ao veículo FORD F100, Renavam n.
550641319, invertendo-se os ônus da sucumbência.
83
A presente decisão não alcança os veículos Fiat Palio EDX e Camioneta GM S10,
descritas à fl. 29, pois além de estarem registrados em nome da requerida Nilda
Zenin Antunes, não foram objeto de partilha no divórcio.
III – DECISÃO
Nos Termos do voto do Relator, resolve a Primeira Câmara de Direito Civl, por
votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de reformar a
sentença hostilizada e reconhecer a fraude na partilha homologada na sentença de
divórcio sob o n. 039.99.005779-6, da Comarca de Lages, invertendo-se os ônus da
sucumbência.
O julgamento, realizado no dia 08 de setembro de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr.
Des. Carlos Prudêncio, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Stanley da Silva
Braga.
Florianópolis, 09 de setembro de 2009
Carlos Adilson Silva
RELATOR
84
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O casamento é uma relação jurídica, que implica um patrimônio comum
conforme o regime de bens eleito pelos cônjuges.
Esse patrimônio comum deve ser partilhado quando a relação termina.
Infelizmente, os seres humanos, em menor ou maior grau, manifestam um
impulso de autobeneficiamento que lhes inspira atos egoístas.
Desta realidade não se incluem sequer os que mantêm relações afetivas.
Cenários desoladores transmudam-se e a passionalidade revela seu pior viés:
torna-se ódio, ressentimentos, desejo de vingança, fazendo perecer a boa-fé, a
prolidade e a licitude, sufocadas pela mesquinharia.
O amor termina sem alarde, sem sinais claros, sem simultaneidade.
O ódio e o desprezo apresentam-se no coração do jeito amado sem que o
amante perceba ou aceite perceber.
Quem outrora mereceu juras de amor, torna-se vítima, sem que perceba.
Preparo com antecedência para a separação, cria mecanismos para fraudar a
partilha dos bens; buscando neste período alternativas ilícitas, ímprobas ou de má-fé
e sair em vantagem.
O presente estudo não se debruçou sobre o patrimônio moral, mas sobretudo
no patrimônio comum.
O conhecimento é a principal forma de combater a essas operações
fraudulentas, para permitir a restauração do direito a uma partilha licita e justa.
Conceitos e valores devem ser revisados no Direito, especialmente no âmbito
do Direito de Família, que se encarrega de proteger a família constituída pelo
casamento ou pela união estável, não deixando que esposos favorecidos pela livre
administração do acervo patrimonial, pudessem prejudicar a meação de seu par,
valendo-se dos infindáveis meios existentes para lograr o montante final da meação
de seu consorte.
Meações lesadas pela fraude conjugal precisam ser repostas por decisões
judiciais moldadas com o perfil da coragem, conciliando realidade e justiça, pois de
pouco adianta evocar a evolução dos tempos, quando antigas crenças, ainda
esgrimem com a intangibilidade da administração patrimonial conjugal, sustentando
que a separação contenciosa é o marco oficial da partilha dos bens apanhados na
85
data de ingresso da demanda processual e até lá nenhuma voz pode ser retirada do
cônjuge administrador.
86
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