O desenvolvimento do “Home Health Care” no Brasil

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ARTIGO ORIGINAL
O desenvolvimento
do “Home Health
Care” no Brasil
O Home Health Care (assistência domiciliar em saúde) pode parecer um fenômeno novo no cenário da
saúde mundial. Isto não é verdade e não será necessário recuarmos muito no passado para comprovar esta negativa. Quantos de nós não são capazes
de lembrar do médico de família atendendo em casa
aqueles que não podiam ir ao consultório? Ou da
enfermeira ou do farmacêutico do bairro que ia até
a casa dos que precisavam utilizar medicações injetáveis?
Desde tempos imemoriais, a assistência à saúde
apresentava tanto aspectos domiciliares quanto
hospitalares. Imhotep(1) talvez seja um dos primeiros médicos famosos, na época da terceira dinastia
do antigo Egito (século XIII antes de Cristo). Além
de possuir um local próprio para atender os clientes (um misto de consultório e hospital) também
fazia visitas domiciliares, sendo o responsável pelo
atendimento à família do faraó Zoser dentro do palácio.
Na Grécia Antiga, o lendário médico Asklépios(2)
também atendia os doentes in loco, praticando curas
tão maravilhosas que foi chamado a viver com os
deuses. Posteriormente, ainda na Grécia Antiga, os
sacerdotes de Asklépios eram pessoas que possuíam
amplos conhecimentos médicos. Eles recebiam os
doentes nos templos, que tinham materiais e medicamentos específicos para a cura. Eram os primórdios dos primeiros hospitais.
Ressaltando a importância que as condições do
domicílio têm no bom êxito do atendimento médiRAS _ Vol. 3, Nº 9 – Out-Dez, 2000
CARLOS EDUARDO LODOVICI TAVOLARI
Médico com especialização em Cirurgia Geral, cursando Administração Hospitalar e de
Serviços de Saúde na FGV-SP, Supervisor Comercial da Home Doctor.
FERNANDO FERNANDES
Médico com especialização em Cirurgia Geral
e Homeopatia, cursando Administração Hospitalar e de Serviços de Saúde na FGV-SP, Gerente da Divisão Técnica da Home Doctor.
PATRICIA MEDINA
Médica com especialização em Coloproctologia e Homeopatia, cursando Administração
Hospitalar e de Serviços de Saúde na FGV-SP,
Supervisora Científica da Home Doctor.
co, Hipócrates(2) escreveu o “Tratado sobre os ares,
as águas e os lugares” no século V antes de Cristo.
Samuel Hanneman(3), que fundou a Homeopatia
no final século XVII, largou uma promissora carreira
num hospital universitário, pois acreditava que “o
médico é o homem que vai atrás dos enfermos, sem
descanso, os busca, luta desesperadamente contra
a enfermidade, se instala à cabeceira do enfermo,
de todos os enfermos, do maior número deles.”
A assistência domiciliar, como forma organizada
de cuidado, talvez tenha começado no final do século XIX, em Boston, onde um grupo de enfermeiras foi montado especificamente para desenvolver
ações de saúde em domicílio.
Hoje, nos Estados Unidos, existem cerca de 20.000
empresas de Home Health Care. No sistema norteamericano, a maioria dos atendimentos é composto exclusivamente por cuidados de enfermagem em
pacientes de baixa complexidade, com pouca participação médica devido ao receio de processos judiciais.
É um sistema financiado basicamente pelo Medicare e Medicaid, onde predominavam pacientes de
indicação clínica questionável (geralmente social),
com permanência muito longa. Conforme mencionado na seção “RAS Notas” do nº 8 desta revista em
julho-setembro deste ano, após a regulamentação
do Home Health Care implementado nos últimos
anos, houve um importante declínio (da ordem de
27%) nos reembolsos para pacientes que recebem
esta modalidade de tratamento nos EUA.
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No Brasil, o
primeiro grupo
organizado voltado
para assistência
domiciliar deu início
às suas atividades
há pouco mais de
trinta anos, no
Hospital do Servidor
Público Estadual de
São Paulo.
Na Europa e em grande parte
dos outros países também existem sistemas organizados de assistência domiciliar, destacandose o programa francês ANTADIR,
que dá apoio a pacientes com
doenças respiratórias dependentes de oxigênio.
No Brasil, o primeiro grupo organizado voltado para assistência domiciliar deu início às suas
atividades há pouco mais de trinta anos, no Hospital do Servidor
Público Estadual de São Paulo. O
objetivo deste trabalho era desospitalizar doentes crônicos estáveis para desocupar uma parte dos leitos do hospital, que estava superlotado naquela época.
Este grupo funciona até hoje, prestando atendimento a casos de baixa complexidade clínica.
Há cerca de cinco anos, havia no Brasil pouco mais
de cinco empresas que faziam assistência domiciliar no setor privado. Há cerca de dois anos houve
uma grande explosão no número de instituições,
fazendo com que o número de empresas ultrapassasse a marca de 180 em 1999. Muitos destes serviços surgiram em função do modismo do Home Care,
muitas vezes sem estrutura e preparo para o atendimento, buscando lucro fácil dentro do crescimento
experimentado pelo setor. Isto fez com que algumas destas instituições já tenham fechado suas
portas, seja por má prática ou por baixa penetração
junto às fontes pagadoras.
CARACTERÍSTICAS DA ASSISTÊNCIA DOMICILIAR
NO BRASIL
A assistência domiciliar brasileira tem dois grupos distintos de empresas ou instituições. O primeiro grupo compõe-se de empresas que prestam serviços segmentares, por exemplo só atendimento de
enfermagem ou fisioterapia. O segundo engloba as
empresas onde o atendimento é multiprofissional,
tratando o doente de forma integral e holística.
Há uma diferença importante no grau de complexidade do atendimento prestado por estes dois
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grupos de empresas, que pode
ser de alta, média ou baixa complexidade.
Assim, um doente estável que
precisa apenas de um curativo
simples pode ser atendido por
uma empresa de serviços segmentares com baixa complexidade. Já um paciente portador de
doenças crônicas, com descompensações potencialmente graves deve preferencialmente ser
atendido por uma empresa que
possua assistência multiprofissional integral, sendo este atendimento classificado como de
média ou alta complexidade.
No Brasil, os grupos mais experientes em assistência domiciliar possuem programas de cuidado seguros e avançados, como poucos similares no mundo. Prestam
atendimento a doentes muitas vezes graves e instáveis em casa, sem deixar de lado a excelência técnica, a segurança e a qualidade encontradas nos melhores hospitais do país.
NOMENCLATURA
Apesar de não haver definições formais a respeito dos termos assistência, atendimento e internação domiciliar, eles são bastante diferentes para
aqueles que estão envolvidos com o Home Health
Care.
Assistência Domiciliar é um termo amplo, genérico, que qualquer ação de saúde realizada a domicílio, independente de seu grau de complexidade ou
objetivo. Em termos práticos, pode englobar tanto
uma orientação de enfermagem quanto o atendimento de um paciente em ventilação mecânica invasiva domiciliar.
O termo Internação Domiciliar refere-se mais ao
cuidado intensivo e multiprofissional em casa. Envolve as ações de saúde que requerem o deslocamento de parte da estrutura hospitalar ao domicílio de doentes com complexidade moderada ou alta.
Para tornar o entendimento mais fácil, pode-se comparar esta modalidade de assistência ao “hospital
em casa”.
RAS _ Vol. 3, Nº 9 – Out-Dez, 2000
O Atendimento Domiciliar envolve ações menos
complexas, multiprofissionais ou não, que podem
ser comparadas a um “consultório em casa”.
Existem diferenças tênues entre a internação e o
atendimento domiciliar, que podem variar de empresa a empresa e conforme as condições socioculturais do paciente.
Dentro do Atendimento Domiciliar podem ser
desenvolvidas ações preventivas ou terapêuticas.
Dentre as ações preventivas, existe o Gerenciamento de Doenças Crônicas (ou gerenciamento de carteiras de risco). Trata-se de um programa que visa
prevenir doenças, complicações ou descompensações de doenças já existentes com base na educação em saúde e no diagnóstico e tratamento precoces. São programas voltados a pacientes de alto custo, que utilizam desordenadamente os recursos das
organizações de saúde, com excesso (ou falta) de exames complementares e consultas médicas, excessivas passagens por
pronto-socorros, reinternações
freqüentes por problemas evitáveis, etc.
ESTRUTURA NECESSÁRIA
VANTAGENS DA ASSISTÊNCIA DOMICILIAR
Existem quatro grandes clientes das instituições
que prestam assistência domiciliar: os pacientes e
seus familiares, os médicos, os financiadores da saúde e os hospitais.
As vantagens para os pacientes e familiares são
as que mais se destacam no Home Health Care. Enquanto internados no hospital,
os doentes vivenciam a doença
e também o afastamento do seu
lar, do círculo social e do trabalho. Experimentam sentimentos
de medo, insegurança, receio
pelo futuro e pela doença, que
são exacerbados pelo fato de estarem em um ambiente alheio,
onde são feitas ações de saúde
que não têm o seu controle.
Em nossa experiência, uma
das queixas mais freqüentes de
familiares e pacientes a respeito
dos hospitais é a dificuldade de
contato com o médico, que ao
passar no quarto muitas vezes
não encontra o familiar, fornecendo explicações curtas e muitas vezes pouco inteligíveis. Os
horários são impostos pela rotina do hospital: hora de comer, hora do banho, hora
do exame, hora de visita, etc.
Em casa, os horários são determinados em conjunto com a família sendo que a equipe e o tratamento se adaptam ao estilo de vida, hábitos e costumes do paciente. Em função do treinamento recebido e da experiência, os profissionais de saúde
que vão ao domicílio têm a preocupação de fornecer informações detalhadas sobre a doença, o tra-
As instituições
que se propõem a
realizar de forma
responsável a
assistência
domiciliar devem
ter uma estrutura
adequada ao
porte e tipo de
atendimento.
As instituições que se propõem
a realizar de forma responsável
a assistência domiciliar devem
ter uma estrutura adequada ao
porte e tipo de atendimento.
As bases de uma estrutura eficiente e segura envolvem o funcionamento da empresa 24 horas por dia, um sistema de atendimento às emergências bem dimensionado, sistemas de informação em tempo real, prontuários de saúde do doente, fornecimento de medicamentos, materiais e equipamentos médicohospitalares 24 horas por dia, fornecimento de gases medicinais 24 horas por dia, eficiente gestão de
pessoas e de processos, busca contínua da qualidade, atendimento eficaz e humano, treinamento e
educação continuada, entre outros.
O planejamento e gerenciamento de cada caso e
dos processos de atendimento como um todo são
RAS _ Vol. 3, Nº 9 – Out-Dez, 2000
de fundamental importância, pois a assistência domiciliar mal conduzida é dispendiosa e não alcança seus objetivos.
Uma das coisas mais importantes dentro do processo de assistência é que ele tenha começo, meio e
fim. Instituições que não se preocupam em finalizar a assistência no momento correto têm longos
períodos de permanência, que aumentam os custos em saúde com ações desnecessárias.
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A preocupação
com a redução
dos custos em
saúde foi um dos
grandes fatores
que impulsionaram
o crescimento
do Home Health
Care em nosso
país e no mundo.
tamento e o prognóstico, em linguagem simples a acessível de
acordo com a capacidade de cada
família, fazendo com que todos
possam contribuir para o processo de restabelecimento da saúde. Estas ações reduzem a insegurança e envolvem todas as partes no processo de cura. Hipócrates(2) já dizia em seu primeiro aforismo que “o médico precisa estar preparado para fazer não
apenas o que julga certo, mas
também fazer com que o paciente, seus assistentes e as outras
pessoas colaborem”.
Dentro da visão da assistência
domiciliar existem dois tipos de
médicos: os visitadores (médicos
ligados à instituição de Home Care, que vão até a casa
do paciente) e os médicos assistentes (médicos do
hospital, que indicaram o Home Care). Para os médicos assistentes, a assistência domiciliar é mais uma
ferramenta que se soma ao arsenal terapêutico. Em
assistência domiciliar, o doente não é afastado do
seu médico assistente, que continua como parte
ativa no planejamento do tratamento em parceria
com o médico visitador.
Para o médico visitador, é gratificante poder atuar
no domicílio, percebendo e interagindo com todos
os determinantes da doença no seu local original.
Atuar em domicílio é um exercício de raciocínio e
habilidade, onde os relacionamentos são próximos
e intensos, fazendo com que o médico perceba, como
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Hipócrates(2), que “existem doentes e não doenças”.
A preocupação com a redução
dos custos em saúde foi um dos
grandes fatores que impulsionaram o crescimento do Home
Health Care em nosso país e no
mundo. Segundo as próprias fontes pagadoras (4), a redução de
custos proporcionado pela assistência domiciliar é da ordem de
52% quando comparado ao tratamento hospitalar. A redução de
custos alia-se à ausência de taxas, à possibilidade de usar o
Home Care como ferramenta de
marketing, à otimização do uso
dos recursos, à satisfação dos
clientes, além de afastar os gastos provenientes das infecções hospitalares, entre
outros.
Os hospitais também podem beneficiar-se da assistência domiciliar, pois aumentam a rotatividade
de seus leitos, disponibilizando-os para doentes agudos, cirúrgicos e graves, que são os que proporcionam maior lucratividade.
BIBLIOGRAFIA
1. NASSIF, MRG. Compêndio de Homeopatia. Robe Editorial, São
Paulo, 1995.
2. BRUNINI, CRD. Aforismos de Hipócrates. São Paulo, Typus, 1998.
3. SARTON, G. Medicine in Old Egypt. In History of Science.
Hamed A. Ead, Heidelberg, 1998.
4. RIBEIRO, CA. O programa de Home Care da Volkswagem do
Brasil. Rev Bras H Care 67: 38, 2000.
RAS _ Vol. 3, Nº 9 – Out-Dez, 2000
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