Baixar este arquivo PDF

Propaganda
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
Perfil dos pacientes atendidos em uma Unidade de Terapia
Intensiva de um hospital público do Brasil.
Nádia Accioly Pinto Nogueira1;
Paulo César Pereira de Sousa 2*;
Fernando Sérgio Pereira de Sousa3 ;
[email protected]
RESUMO
O estudo objetivou investigar o perfil dos pacientes analisando os antibacterianos prescritos,
os microorganismos isolados e os fatores associados à mortalidade dos pacientes internados
na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de uma Santa Casa de Misericórdia do Brasil. Foi
realizado um estudo observacional, descritivo e prospectivo, incluindo 157 pacientes. A
análise multivariada identificou cinco fatores estatisticamente significativos associados ao
óbito em Unidade de terapia Intensiva: Idade maior a 60 anos (p<0,002), pacientes com
hipótese diagnóstica Acidente Vascular Cerebral (p<0,004) e sepse (p<0,001), pacientes
acometidos com microorganismos P. aeruginosa (p<0,003) e Klebsiela pneumoniae
(p<0,036). Os resultados obtidos nesse trabalho mostram a necessidade de se monitorar o uso
de antibacterianos, no sentido de minimizar a mortalidade em UTIs.
PALAVRAS-CHAVES: Unidade de Terapia Intensiva; Resistência bacteriana; Mortalidade.
ABSTRACT
The study objectives investigate the profile of the patients examining the antibacterial
prescribed, the microorganisms isolated and the factors associated with mortality in patients
hospitalized in Intensive Care Unit (ICU) a Santa Casa de Misericordia in Brazil. A study
was performed observational, descriptive and prospective, including 157 patients. The
multivariate analysis identified five statistically significant factors associated with the death
of Intensive Care Unit: Age greater at 60 years (p <0, 002),
patients with diagnostic
hypothesis stroke (p <0, 004), sepsis (p <0, 001), patients affected with microorganisms P.
aeruginosa (p <0, 003) and Klebsiela pneumoniae (p <0, 036).
__________________________________________
1 – Professora Doutora da Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Ceará.
2 – Doutorando pela Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO) – Vinculado a Universidade Federal do Ceará.
3 – Graduado em Enfermagem. Enfermeiro do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Geral/Fortaleza-CE).
1
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
The results obtained in this work show the need to monitor the use of antibacterial, to
minimize the mortality in ICUs.
KEYWORDS:
Intensive Care Unit; Bacterial resistance; Mortality.
INTRODUÇÃO
O século XXI revela um novo cenário no cuidado à saúde em conseqüência do intensivo
avanço científico e tecnológico, do reconhecimento cada vez maior de novos agentes
infecciosos e do ressurgimento de infecções que até pouco tempo estavam controladas. Em
termos de infecção hospitalar a problemática é mais séria na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI). Neste ambiente o paciente está mais exposto ao risco de infecção, haja vista sua
condição clínica e a variedade de procedimentos invasivos realizados. É destacado que na
UTI os pacientes têm de 5 a 10 vezes mais probabilidade de contrair infecção e que pode
representar cerca de 20% do total das infecções de um hospital (LIMA et al.,2007).
A saúde de uma determinada população está diretamente relacionada às políticas
sociais e econômicas. No Brasil, como em outros países, as políticas de saúde evoluíram
obedecendo ao desenvolvimento do país. No setor saúde, os medicamentos representam um
instrumento essencial para a capacidade resolutiva dos serviços prestados, representando o
segundo maior gasto dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), perdendo apenas para os
recursos humanos. A qualidade e quantidade do consumo de medicamentos estão sob ação
direta da prescrição, sendo que esta sofre inúmeras influências, que vão desde a oferta de
produtos e as expectativas dos pacientes até a propaganda das indústrias produtoras
(GIROTTO e SILVA, 2006)
A inovação tecnológica está ligada às muitas mudanças ambientais que contribuem
com o surgimento de novas doenças e o ressurgimento e disseminação de antigas moléstias.
Paradoxalmente, os antibióticos e outros medicamentos destinados a controlar patogenias
freqüentemente têm efeitos danosos. O uso generalizado e quase sempre indiscriminado de
antibióticos e outros agentes antimicrobianos estão criando famílias de micróbios resistentes
às drogas. A pesquisa e a vigilância, hoje, geram um entendimento muito maior da dinâmica
dos surtos de doenças e novos medicamentos estão cada vez mais disponíveis para lidar com
elas. A redução da mortandade mundial causada por doenças infecciosas deveria ser
prioridade máxima dos gestores em saúde (PIRAGES, 2005).
2
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
Infecções hospitalares estão associadas a um considerável aumento de morbidade e
mortalidade e a um significativo aumento de gastos em pacientes hospitalizados. Em UTI o
uso freqüente de procedimentos invasivos e múltiplas terapias elevam os riscos a que são
expostos os pacientes. Quando avaliada de forma isolada, a mortalidade é uma medida
insuficiente do resultado na UTI e o tempo de internação pode ser uma medida indireta do
resultado relacionado com a morbidade (ABELHA et al.,2006).
A vigilância do uso de antimicrobianos é um dos pré-requisitos essencial para o
controle do desenvolvimento de resistência e para fornecer informações sobre a dimensão e a
tendência desse fenômeno biológico, possibilitando o monitoramento de seus efeitos e
disponibilizando subsídios para orientar uma prescrição adequada e racional para o
tratamento de doenças infecciosas.
Poucos são os dados coerentes sobre a utilização de antimicrobianos e suas
conseqüências em pacientes internados em UTI dos hospitais da América Latina, incluindo o
Brasil (SILVA et al.,2004). Assim, o presente estudo teve o objetivo de investigar o perfil
dos pacientes analisando os antibacterianos prescritos, os microorganismos isolados e os
fatores associados à mortalidade dos pacientes internados na UTI de uma Santa Casa de
Misericórdia do Brasil.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Casa da
Misericórdia de Fortaleza (SCMF), Estado do Ceará, Brasil. Realizou-se um estudo
observacional, descritivo e prospectivo, onde foram avaliados os prontuários de pacientes
internados no período de 1º de Novembro de 2005 a 30 de Junho de 2006. O responsável legal
pelo paciente era informado sobre o estudo por meio da leitura do termo de consentimento, e
com a assinatura do termo, era, então, realizada a coleta de dados e os demais procedimentos
do estudo.
A escolha do paciente foi feita considerando como critério de inclusão os pacientes
que apresentavam os seguintes dados no prontuário: nome, idade, sexo, naturalidade, hipótese
diagnóstica e prescrição contínua e regular dos antibacterianos. O preenchimento desse
critério era demonstrado pelo registro desses dados no prontuário médico, que era examinado
todos os dias com antecedência. No período da pesquisa foram atendidos 202 pacientes na
3
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
UTI da SCMF, mas apenas 157 pacientes participaram do estudo. Os 45 pacientes excluídos
da pesquisa apresentaram dados incompletos em seus prontuários.
Para a realização da coleta dos dados, foi utilizado um questionário estruturado e
padronizado, onde foram registrados os dados obtidos quando da análise do prontuário dos
pacientes internados. Este questionário foi desenvolvido pelos autores, tendo como base
estudo já publicado (PLASCENCIA et al., 2005). Com a aplicação desse instrumento,
obtiveram-se as variáveis demográficas, clínicas do paciente, bem como os dados sobre as
principais características da prescrição dos antibacterianos.
Os dados foram tabulados e analisados no software Epi info versão 6.04 (DEAN et
al., 1996). A análise descritiva ocorreu através do cálculo de freqüências. Para os dados
nominais utilizaram-se os testes Qui-quadrados (xª) e teste exato de Fischer. Em todas as
análises foram considerados significantes os resultados obtidos com p< 0,05 para um
intervalo de confiança de 95%.
O projeto de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo
Seres Humanos da Universidade Federal do Ceará, sendo aprovado sem restrições em 24 de
fevereiro de 2005, de acordo com o parecer constante do processo número 39/05.
RESULTADOS
Foram estudados 157 pacientes internados na UTI da SCMF. Identificou-se
predomínio de homens, com idade de 75 anos em diante. Dos pacientes admitidos durante o
estudo, 54,1% evoluíram para óbito. As descrições das principais características do estudo são
apresentadas na Tabela I.
TABELA I – Descrição da Amostra
CARACTERÍSTICAS
Sexo
Masculino
Feminino
Idade (Faixa etária)
De 75 anos em diante
De 66 a 74 anos
De 57 a 65 anos
De 48 a 56 anos
N (%)
89 (56,7)
68 (43,3)
56 (35,7)
31 (19,7)
27 (17,2)
26 (16,6)
4
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
Até 47 anos
17 (10,8)
Procedência
Capital (Fortaleza)
92 (58,6)
Procedência de outra cidade do Estado do CE
65 (41,4)
Desfecho da Internação
Alta
72 (45,9)
Óbito
85 (54,1)
Hipóteses Diagnósticas
Acidente Vascular Cerebral
17 (10,8)
Infecção respiratória
45 (28,7)
Sepse
25 (15,9)
Os números entre parênteses correspondem às porcentagens (N= 157).
N= número absoluto de pacientes. CE = Ceará.
O uso irracional de antimicrobianos é relatado em várias partes do mundo, sendo um
problema ainda bastante atual. O gasto com antibióticos pode representar até 30% dos custos
em uma farmácia hospitalar e mais de 50% de suas prescrições, no hospital, são impróprias
(LÓPEZ-MEDRANO et al., 2005).
As especialidades farmacêuticas antibacterianas mais prescritas na UTI da SCMF, no
período do estudo, estão representadas na Figura I.
35,0
31,9%
30,0
20,0
16,9%
15,0
10,0
14,4%
12,0%
6,4%
5,2%
5,0
Antimicrobianos
V
an
co
m
ic
in
a
M
et
ro
ni
da
zo
l
C
lin
da
m
ic
in
a
C
ip
ro
flo
xa
ci
no
C
ef
tri
ax
on
a
0,0
C
ef
ep
im
e
(%)
25,0
5
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
FIGURA I - Prevalência dos antimicrobianos mais prescritos
Os bacilos Gram-negativos foram os agentes etiológicos mais frequentemente isolados
de pacientes internados na UTI da SCMF, no período do estudo, entre os quais predominou a
espécie Pseudomonas aeruginosa (21,7%). No entanto, o coco Gram-positivo Staphylococcus
aureus foi a espécie mais freqüentemente isolada nesse período (22,9%) (Tabela II).
TABELA II - Microorganismos isolados.
Microorganismo isolados
Bacilos Gram-negativo
Acinetobacter spp
Arizona hinshawii
Enterobacter aerogenes
Enterobacter sakazakii
Escherichia coli
Klebsiella oxitoca
Klebsiella pneumoniae
Klebsiella rhinoschlero
Klebsiella spp
Pantoeae agglomerans
Providencia stuartii
Pseudomonas aeruginosa
Pseudomonas agglomerans
Serratia mascescens
Serratia odorífera
Serratia plymuthica
Serratia rubideae
Stenonotrophomomas maltophilia
Cocos Gram-positivo
Staphylococcus aureus
Staphylococcus spp
Enterococcus faecalis
Streptococus spp
(n): número de cepas isoladas
(n=83)
59
1
1
4
2
8
2
10
1
1
1
1
18
1
1
2
1
2
2
(%)
71,1
1,2
1,2
4,8
2,4
9,6
2,4
12,2
1,2
1,2
1,2
1,2
21,7
1,2
1,2
2,4
1,2
2,4
2,4
24
19
1
3
1
28,9
22,9
1,2
3,6
1,2
6
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
De acordo com os dados do estudo foram identificados diferenças estatísticas
significativas entre as taxas de mortalidade e os pacientes com idade acima de 60 anos,
pacientes acometidos por Acidente Vascular Cerebral , e Sepse, e pacientes infectados com as
espécies bacterianas Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae (Tabela III).
TABELA III - Fatores associados com Mortalidade dos Pacientes estudados (alta/óbito)
Evolução
Variáveis
Pacientes Idade > 60 anos
Sim
Não
Sexo do paciente
Masculino
Feminino
Admissão Pós-operatório
Sim
Não
Uso cateter venoso central
Sim
Não
Uso cateter urinário
Sim
Não
Hipótese Diagnóstica
Acidente Vascular Cerebral
Sim
Não
Infecção respiratória
Sim
Não
Sepse
Sim
Não
Microrganismos isolados
Staphylococcus aureus
Sim
Não
Pseudomonas aeruginosa
Sim
Não
Klebsiella pneumoniae
Sim
Alta (%)
Óbito (%)
P*
40
59,6
60
40,4
0, 002
49,4
41,2
50,6
58,8
0, 181
50
45,5
50
54,5
0, 841
45,9
45,8
54,1
54,2
0, 928
45,3
50
54,7
50
0, 695
70,6
45,9
29,4
54,1
0, 004
51,5
45,9
48,9
54,1
0, 291
20
45,9
80
54,1
<0.001
52,6
59,4
47,4
40,6
0, 574
22,2
59
77,8
41
0, 003
80
20
0, 036**
7
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
Não
45,6
54,4
*Teste estatístico aplicado = Qui-quadrado. **Teste estatístico Exato de Fisher.
DISCUSSÃO
Dados da literatura apontam um predomínio do sexo masculino entre os pacientes de
UTI. Acuña et al. (2007) referem o sexo masculino (67,1%) como o mais afetado.
A distribuição dos pacientes em relação ao sexo foi similar ao observado por Georges
et al. (2006) em um estudo prospectivo realizado em UTI de um hospital na França. A idade
dos 157 pacientes variou de 17 a 95 anos, sendo a média de 66 anos e a mediana de 68 anos.
A média de 66 anos foi superior ao encontrado por Erbay et al. (2005) A faixa etária
predominante na UTI da SCMF foi a dos pacientes com idade igual ou superior a 75 anos
(35,7%), enquanto pacientes com idade de até 47 anos (10,8%) estão em menor número na
população estudada.
A elevada faixa etária observada em pacientes de UTI pode ser justificada, pois o
indivíduo idoso está mais susceptível a alterações fisiológicas e aos procedimentos invasivos.
Dessa forma, freqüentemente necessitam de internação hospitalar para cuidarem de suas
condições clínicas. O estudo realizado por Feijó et al. (2006) na UTI do Hospital
Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará, detectou uma
prevalência de pacientes com idade acima de 60 anos. Isso provavelmente reflete uma maior
incidência de doenças nessa faixa etária, mesmo em cenários diferentes.
A alta taxa de mortalidade encontrada no presente trabalho (54,1%) está em
concordância com os achados apresentados na literatura, podendo ser justificado pelas
características de saúde dos pacientes internados em UTIs. Koury et al. (2006) avaliaram as
características da população com sepse em UTI de um hospital no Nordeste brasileiro, onde
43,7% dos pacientes evoluíram para óbito e 56,3% para alta, enquanto Sales et al. (2006)
estudando setenta e cinco UTIs de todas as regiões do Brasil encontraram uma taxa de
mortalidade de 46,6%.
No estudo realizado por Toufen et al. (2003) foi relatado um percentual de 58,5% para
as admissões em UTI por infecções respiratórias, ressaltando a importância de serem
implantadas medidas preventivas para reduzir a ocorrência de tal infecção. Desse modo,
8
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
indica a necessidade de se reduzir à ocorrência de infecções respiratórias no ambiente
nosocomial, pois esses pacientes ao apresentarem complicações futuras poderão vir a
sobrecarregar as UTIs.
Finfer et al. (2004) em estudo realizado na Austrália relataram que a origem da maioria
dos casos de sepse (79,3%) são as infecções respiratórias, e, associaram essa alta incidência
ao fato de mais da metade da população estudada ter sido composta por idosos, que, em geral,
apresentam um risco maior quando acometidos por essas infecções.
No período do estudo, foi encontrada como segunda maior causa de internação na UTI
da SCMF a sepse (15,9%). De acordo com Finfer et al. (2004), podem ter sido originadas a
partir de infecções respiratórias. A sepse e suas seqüelas são as maiores causas de mortes em
UTI. A sua incidência é crescente e os pacientes acometidos apresentam sintomatologia cada
vez mais complexa.
Andrade et al. (2006) realizaram um estudo na UTI do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e detectaram que os antimicrobianos mais prescritos
pertenciam à classe das cefalosporina (21,4%). As cefalosporinas introduzidas no mercado,
além de terem um amplo espectro antibacteriano, trouxeram ganhos em termos de posologia,
farmacocinéticos
e
outras
propriedades,
como
as
relacionadas
com
atividades
imunomoduladoras.
Entretanto, contrabalanceando esses ganhos, existe o perigo iminente pelo uso
inadequado desses novos fármacos, pois aceleram a emergência de infecções por bactérias
multirresistentes que antes poderiam ser facilmente debeladas.
Os resultados obtidos por Lima et al. (2007), para a freqüência de isolamento de P.
aeruginosa (18,5%) e de S. aureus (32,5%), respectivamente, está em concordância com os
obtidos no presente estudo (Tabela II).
De acordo com os resultados, das 18 cepas de P. aeruginosa isoladas, 14 (77,8%)
apresentaram resistência à cefalotina, 10 (55,5%) à sulfazotrim, 8 (44,4%) à ciprofloxacino e
7 (38,9%) à norfloxacina. A espécie P. aeruginosa é conhecida por apresentar um elevado e
variável padrão de resistência aos antimicrobianos.
No estudo realizado por Rodriguez et al. (2003), 77,2%, 38,8% e 31,4% dos isolados
de P. aeruginosa apresentaram resistência a ceftriaxona, gentamicina e ciprofloxacino,
respectivamente. Comparando aos resultados obtidos no presente estudo é possível observar
9
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
uma menor resistência à ceftriaxona (5,5%) e gentamicina (5,5%) e uma maior resistência à
ciprofloxacina (44,4%).
Sligl et al.(2006) relatam percentuais de resistência à ceftazidima e à ciprofloxacina,
de 81,8% e 54,5%, respectivamente, para a espécie P. aeruginosa, os quais foram superiores
aos encontrados para as cepas isoladas de pacientes da UTI da SCMF, 22,2% para ceftazidima
e 44,4% para ciprofloxacina. A alta prevalência de bacilos Gram-negativos, especialmente P.
aeruginosa, como causa de infecção nosocomial em UTIs, vem aumentando rapidamente nos
últimos anos.
Os isolados de S. aureus apresentaram maior resistência à penicilina (84,2%),
eritromicina (68,4%), clindamicina (63,1%) e Oxacilina (47,4%). O segundo maior padrão de
resistência foi encontrado para as cepas de Enterococcus faecalis, que correspondiam à 12,5%
dos isolados do gênero Enterococcus.
No presente estudo, 47,4 % das cepas de S. aureus apresentaram resistência à
Oxacilina. Esse perfil de resistência se difundiu nas últimas décadas no ambiente nosocomial,
sendo raro em infecções comunitárias. Em infecções por S. aureus, a droga considerada de
eleição para o tratamento é a oxacilina. Contudo, em algumas instituições, particularmente em
UTI, o S aureus pode alcançar elevadas taxas de resistência à oxacilina (RABELO, 2002).
Apesar do uso crescente de vancomicina nas infecções pelo S. aureus resistentes à
oxacilina e do aparecimento do enterococcos resistentes à vancomicina, a resistência à
vancomicina foi observada em apenas uma das cepas de S. aureus isoladas de pacientes
internados na UTI da SCMF.
A oxacilina é a droga que representa a classe dos compostos penicilina-penicilinase
resistentes (PPR) indicada para detectar a resistência de Staphylococcus spp. in vitro, dessa
forma, um isolado resistente à oxacilina deve ser também considerado resistente à todo o
grupo PPR (meticilina, nafcilina, cloxacilina e dicloxacilina). Uma vez detectadas cepas
ORSA (S. aureus oxacilina resistente) as opções terapêuticas tornam-se escassas, sendo os
glicopeptídeos, as opções clássicas (ROSSI e ANDREAZZI, 2005).
A elevada resistência das cepas de S. aureus à oxacilina, constatada em 47,4 % dos
isolados de espécimes clínicos de pacientes da UTI da SCMF, é motivo de grande
10
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
preocupação, uma vez que as opções de terapia ficam limitadas ao uso dos glicopeptídeos,
como a vancomicina, para a qual foi isolada uma cepa resistente.
Durante a década passada, o gênero Enterococcus tornou-se um patógeno emergente
tanto nas infecções hospitalares, como nas adquiridas na comunidade. Nos Estados Unidos, os
enterococcus tornaram-se o segundo microorganismo mais comumente isolado do trato
urinário, das feridas e a terceira causa mais comum de bacteremia hospitalar (MURRAY et al,
2004).
Furtado et al. (2005) realizaram entre os anos de 2000 e 2002, um estudo retrospectivo
nos hospitais brasileiros e detectaram que no último ano, 15% das culturas positivas para
enterococos, obtidas em UTI, eram resistentes à vancomicina. Esses dados estão em
discordância com os obtidos na UTI da SCMF, não se constatando resistência à vancomicina.
Entretanto, o pequeno número de cepas de E. faecalis isolados na UTI da SCMF (3 cepas)
limitam esse achado.
Todas as cepas de E. faecalis isoladas no presente estudo apresentaram resistência à
ampicilina, cefalotina, ceftriaxona, clindamicina e sulfazotrim.
A associação entre mortalidade e pacientes idosos em UTI tem sido estudada e
relatada na literatura médica (PAIVA et al, 2002). Montuclard et al. (2002) acompanharam
pacientes com idade maior ou igual a 70 anos internados em UTI por mais que 30 dias, por
um período de cinco anos, e encontraram uma taxa de mortalidade de 33%, muito inferior à
observada em pacientes com idade superior à 60 anos, internados na UTI da SCMF, em um
período de observação de 242 dias (60% e p= 0,002).
As elevadas incidências de pacientes que evoluíram a óbito na UTI da SCMF,
relacionada à idade avançada (60,0%) foram estatisticamente significante (p= 0, 002), quando
comparadas às encontradas em outros estudos, podem estar associadas às características
estruturais e humanas do hospital e condições fisiológicas adversas dos pacientes,
respectivamente.
A mortalidade por sepse no presente estudo (80%) foi estatisticamente significante (p<
0.001)
e superior a encontrada em estudo em 206 UTI na França (35%) realizado por Brun-
Buisson et al (2004) e estudo realizado por Gastmeier et al (2007) na Alemanha (10,9%).
Segundo Sales et al.
15
, o choque séptico (65,3%) foram as condições clínicas em que se
11
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
registraram as mais altas porcentagens de evolução para óbito, o que está em concordância
com os resultados obtidos no presente estudo. Dentre os pacientes com Acidente Vascular
Cerebral no presente trabalho, 29,4% (P=0, 004) foram a óbito durante a estadia na UTI, esse
valor foi superior ao encontrado por Lan et al. (2006) (14,7%).
Em relação aos microorganismos isolados, os dados revelaram que 77,8% (p= 0, 003)
dos pacientes infectados por Pseudomonas aeruginosa foram a óbito, percentual superior ao
encontrado por Berdal et al (2006) (55,5%, p= 0,03). A espécie P. aeruginosa é conhecida por
apresentar um elevado e variável padrão de resistência aos antimicrobianos, sendo essa
resistência mediada por diferentes fatores, deste modo, justificando o elevado índice de
mortalidade em pacientes infectados por essa bactéria. Dos pacientes infectados com
Klebsiella pneumoniae, 20% (P= 0, 036) morreram.
Não houve diferença estatisticamente entre Mortalidade e a seguintes variáveis
analisadas: Sexo (p= 0, 181), Admissão pós-operatório (p= 0, 841), pacientes que fizeram uso de
Cateter Venoso Central (p= 0, 928) e Cateter Urinário (p= 0, 695) e que foram também
acometidos por Infecção respiratória (p= 0, 291) e infectados por Staphylococcus aureus (p= 0,
574).
CONCLUSÕES
O consumo total de antibióticos na Unidade de Terapia Intensiva da Santa Casa da
Misericórdia de Fortaleza, no período do estudo, foi elevado quando comparado aos relatados
em outras UTIs. A maioria desse consumo foi de β-lactâmicos, principalmente, penicilinas e
ceftriaxona, o que é uma tendência contrária àquela observada em países desenvolvidos,
podendo estar relacionado ao grande número de cepas microbianas resistentes isoladas.
O amplo perfil de resistência aos antimicrobianos, apresentado pelas cepas de
bactérias isoladas de espécimes clínicos de pacientes internados no setor estudado, segue o
padrão atual, sendo a maioria delas resistentes à ação dos lactâmicos e pertencentes aos
gêneros Pseudomonas e Staphylococcus. A elevada resistência das cepas de S. aureus à
oxacilina é motivo de grande preocupação, uma vez que as opções de terapia ficam limitadas
ao uso dos glicopeptídeos, como a vancomicina, para a qual foi isolada uma cepa resistente.
12
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
Contribuem para um desfecho fatal em Unidade de Terapia Intensiva segundo os
dados do estudo: Pacientes com idade acima de 60 anos, acometidos por Acidente Vascular
Cerebral e/ou Sepse, e pacientes infectados com as espécies bacterianas Pseudomonas
aeruginosa e/ou Klebsiella pneumoniae.
Os resultados obtidos nesse trabalho mostram a necessidade de se implementar um
sistema de monitoração da ocorrência de resistência bacteriana e do uso de antibacterianos na
unidade hospitalar estudada, no sentido de minimizar a morbidade e mortalidade. A
prevenção e o controle desses problemas necessitam, fundamentalmente, da promoção de
ações educativas, da vigilância permanente das cepas bacterianas hospitalares e de uma
política racional para o uso de antimicrobianos.
AGRADECIMENTOS
A Área Técnica dos profissionais da Unidade Terapia Intensiva e do Laboratório de
Análises Clínicas da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, pela colaboração e apóia na
execução do projeto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABELHA JF, CASTRO MA, LANDEIRO NM, NEVES AM, SANTOS CC. Mortality and
length of Stay in a Surgical Intensive Care Unit. Rev. Bras. Anestesiol. V. 1, p.34-35, 2006.
ACUÑA K, COSTA É, GROVER A, CAMELO A, JÚNIOR RS. Clinical-Epidemiological
Characteristics of Adults and Aged Interned in na Intensive Care Unity of the Amazon (Rio
Branco, Acre). RBTI.v.19 Suppl 3, p.304-309, 2007.
ANDRADE D, LEOPOLDO VC, HAAS VJ. Ocorrência de bactérias multiresistentes em um
Centro de Terapia Intensiva de Hospital Brasileiro de emergências. RBTI. v.18 Suppl 1, p.2732, 2006.
13
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
BERDAL JE, SMITH-ERICHSEN N, BJORNHOLT JV, BLOMFELDT A, BUKHOLM G.
Does Pseudomonas aeruginosa colonization influence morbidity and mortality in the intensive
care unit patient? Experience from an outbreak caused by contaminated oral swabs. Acta
Anaesthesiol Scand. V.50 Suppl 9, p.1095-102, 2006.
BRUN-BUISSON C, MESHAKA P, PINTON P. EPISEPSIS: a reappraisal of the
epidemiology and outcome of severe sepsis in French intensive care units. Intensive Care
Méd. V.30, p. 580-588, 2004.
DEAN AG, DEAN JA, COULOMBIER, et al. Epi Info, Version 6.04ª, a Word processing,
database, and statistics program for public health on IBM-compatible microcomputers.
Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention, July 1996.
ERBAY A, BODUR H, AKINCI E, COLPAN A. Evaluation of antibiotic use in intensive
care units of a terciary care hospital in Turkey. J. Hosp. Infect. V.59 Suppl 1, p.53-61, 2005.
FEIJÓ CAR, LEITE FOJ, MARTINS ACS, FURTADO AHJ, CRUZ LLS, MENESES FA.
Gravidade dos pacientes admitidos à Unidade de Terapia Intensiva de um Hospital
Universitário Brasileiro. Rev. Bras. Ter. Intensiva. V.18 Suppl 1, p.18-21, 2006.
FINFER S, BELLORNO R, LIPMAN J. Adult population incidente of severe sepsis in
Australian and New Zealand intensive care units. Intensive Care Med. v. 30, p.589-596, 2004.
FUNTADO GHC, MARTINS ST, COUTINHO AP, SOARES GMM, WEY SB, MEDEIROS
EAS. Incidence of vancomycin-resistant Enterococcus at a university hospital in Brazil. Rev.
Saúde Pública. V.39 Suppl 1, p.41-46, 2005.
GASTMEIER P, SOHR D, GEFFERS C, BEHNKE M, RÜDEN H. Risk factors for death
due to nosocomial infection in intensive care unit patients: findings from the Krankenhaus
Infektions Surveillance System. Infect Control Hosp Epidemiol.V.28 Suppl 4, p.466-72,
2007.
14
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
GEORGES B, CONIL JM, DUBOUIX A, ARCHAMBAUD M, BONNET E, SAIVIN S, et
al. Risk of emergence of Pseudomonas aeruginosa resistance to β-lactam antibiotics in
intensive care units. Crit. Care Med. V.34 Suppl 6, p.1636-1641, 2006.
GIROTTO E, SILVA PV. A prescrição de medicamentos em um município do Norte do
Paraná. Rev. Bras. Epidemiol. V.9 Suppl 2, p.226-234, 2006.
KOURY JCA, LACERDA HR, NETO AJB. Características da população com sepse em
Unidade de Terapia Intensiva de hospital terciário e privado da Cidade do Recife. Rev. Bras.
Ter. Intensiva. V.18 Suppl 1, p.52-58, 2006.
LAN MY, WU SJ, CHANG YY, CHEN WH, LAI SL, LIU JS. Neurologic and nonneurologic predictors of mortality in ischemic stroke patients admitted to the intensive care
unit. J Formos Med Assoc. v.105 Suppl 8, p.653-8, 2006.
LIMA M.E, ANDRADE D, HAAS, V.J. Avaliação prospectiva da ocorrência de infecção em
pacientes críticos de Unidade de Terapia Intensiva. RBTI. v.19 Suppl 3, p.342-347, 2007.
LÓPEZ-MEDRANO F, JUAN RS, CHAVES F, LUMBRERAS C, LIZASOAÍN M, EJADA,
A. H, et al. Pacta: efecto de um programa no imposotivo de control y asesoramiento del
tratamiento antibiótico sobre la disminución de los costes y el descenso de ciertas infecciones
nosomiales. Enferm. Infecc. Microbiol. Clin. V.23 Suppl 4, p.186-190, 2005.
MONTUCLARD L, ORGEAS MG, TIMSIT JF. Outcome, functional autonomy, and quality
of life of elderly patients with a long-term intensive care unit stay. Crit. Care. Méd. v.28, p.
3389-3395, 2000.
MURRAY PR, ROSENTHAL KS, KOBAYASHI GS, PFALLER MA. Microbiologia
médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2004.
15
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
PAIVA SAR, MATAI O, RESENDE NO, CAMPANA AO. Análise de uma população de
doentes atendidos em unidade de terapia intensiva. RBTI. v.14 Suppl 2, p.73-78, 2002.
PIRAGES D. Estado do Mundo 2005: Contendo doenças infecciosas. São Paulo: Editora
Atheneu; 2005.
PLASCENCIA LB, ALDAMA-OJETA AL, VÁZQUEZ HJ. Vigilância de los niveles de uso
de antibióticos y perfiles de resistência bacteriana en hospitales. Salud Pública de México. V.
47 Suppl 3, p.219-226, 2005.
RABELO, J. I. C. R. Normatização do uso racional de antimicrobianos. Fortaleza: Editora
Secretaria de Saúde do Estado do Ceará; 2002.
RODRIGUEZ CHR, JUAREZ J, MIER C, PUGLIESE L, BLANCO G, VAY C, et al.
Resistência a antibióticos de bacilos gram-negativos isolados de Unidade Terapia Intensiva.
Medicina (Buenos Aires). V.63, p.21-27, 2003.
ROSSI, F.; ANDREAZZI, D. B. Resistência bacteriana: interpretando o resultado. São Paulo:
Editora Atheneu; 2005.
SALES JAJ, DAVID CM, HATUM R, SOUZA PCSP, JAPIASSÚ A, PINHEIRO CTS, et al.
Sepse Brasil: Estudo epidemiológico da sepse em Unidade de Terapia Intensiva Brasileiras.
RBTI. v.18 Suppl 1, p.9-17, 2006.
SILVA E, PEDRO MA, SOGAYAR ACB, MOHOVIC T, SILVA CLO, JANISZEWSKI M,
et al. Brazilian sepsis epidemiological study (Bases study). Critical Care. V.8, p.251-260,
2004.
SLIGL W, TAYLOR G, BRINDLEY PG. Five years of nosocomial Gram-negative
bacteremia in a general intensive care unit: epidemiology, antimicrobial susceptibility
patterns, and outcomes. Int. J. Infect. Diseases. V.10, p.320-325, 2006.
16
Ano 2 - N º 05 / Fev - 2009
TOUFEN JRC, HOVNANIAN ALD, FRANCA SA, CARVALHO CRR. Prevalence rates of
infection in intensive care units of a tertiary teaching hospital. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. S.
Paulo. V.58 Suppl 5, p.254-259, 2003.
17
Download