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TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al.
SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES
S
impósio sobre Transplantes
Transplante renal
Kidney transplantation
SINOPSE
O transplante renal apresenta-se hoje como a melhor forma de terapia da insuficiência
renal terminal em pacientes selecionados. São abordados os avanços nos campos das indicações, seleção e estabilização clínica dos doadores, conservação dos órgãos a serem
transplantados, imunossupressão, e técnicas cirúrgicas, os quais vieram a alterar favoravelmente os resultados dos transplantes renais nas últimas décadas.
UNITERMOS: Transplantes de Órgãos, Insuficiência Renal, Imunossupressão.
ABSTRACT
Kidney transplantation stands as the best form of renal replacement therapy in selected patients with end-stage renal disease. The article covers advances in the fields of
indications, selection and management of the donors, organ preservation, immunosupression, and surgical techniques which favorably altered the results of kidney transplantation over the last decades.
KEY WORDS: Organ Transplantation, Renal Insufficiency, Immunosupression.
I
NTRODUÇÃO
O desenvolvimento das técnicas de
suturas vasculares, ocorrido no início
do século XX, permitiu o estabelecimento das técnicas dos transplantes de
órgãos, pioneiramente iniciados pelos
transplantes renais. Os primeiros transplantes que obtiveram sucesso foram
realizados na década de 50 em Boston,
em indivíduos geneticamente idênticos. Na década de 60, após a compreensão preliminar da natureza imunológica da rejeição, iniciou-se o uso
da imunossupressão, primeiramente
com irradiação linfóide e 6-Mercaptopurina. Nessa época, outros progressos, tais como a descrição da prova cruzada (cross-match) pré-transplante
para a detecção de anticorpos citotóxicos pré-formados, a descrição do sistema HLA e o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, fundamentaram as bases para a prática moderna dos trans-
14
plantes renais. Em 1963, havia a descrição de apenas 7 pacientes cujos
transplantes funcionaram por mais de
6 meses. Atualmente, os transplantes
renais apresentam elevado índice de
sucesso, sendo executados milhares de
transplantes a cada ano e no mundo
todo. No Brasil, aproximadamente 150
centros realizam em torno de 3.000
transplantes por ano, número este ainda insuficiente para atender à crescente demanda de indivíduos com insuficiência renal crônica terminal, candidatos ao transplante (1,2,3,4).
I
NDICAÇÕES, CONTRAINDICAÇÕES E FATORES
DE RISCO PARA
TRANSPLANTE RENAL
Em termos de morbidade, mortalidade e qualidade de vida o transplante
renal constitui-se como a melhor alter-
ROBERTO C. MANFRO – Professor Adjunto da Faculdade de Medicina – UFRGS.
Responsável Clínico da Equipe de Transplante Renal – Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
GUSTAVO F. CARVALHAL – Professor
Adjunto da Faculdade de Medicina –
PUCRS. Membro do Serviço de Urologia do
Hospital São Lucas da PUCRS.
Endereço para correspondência:
Roberto C. Manfro
Ramiro Barcelos, 2350 sala 2030
90035-003 – Porto Alegre, RS, Brasil
Fone (51) 3331-9191
[email protected]
nativa de tratamento da insuficiência
renal crônica terminal (1,2,5). Portanto, ele deve ser oferecido a todos os
indivíduos urêmicos que não apresentem contra-indicações para o procedimento e que tenham o desejo de submeter-se ao transplante após o esclarecimento de seus riscos e benefícios.
Existem, no entanto, contra-indicações
absolutas e contra-indicações relativas
à realização dos transplantes renais
(5,6,7). Da mesma forma, há fatores de
risco para a realização dos transplantes que devem ser observados. Estes
fatores de risco e as contra-indicações
devem, todavia, ser interpretados no
contexto de cada paciente, do tipo de
doador e da possibilidade de diálise.
Os mesmos estão resumidos nas Tabelas 1 e 2, a seguir.
É importante, por outro lado, entendermos que uma porcentagem muito significativa dos pacientes com uremia terminal apresenta contra-indicações importantes, a ponto de não serem considerados candidatos ao transplante renal. Nos Estados Unidos, a
porcentagem de pacientes em lista de
espera para transplante renal cadavérico é de aproximadamente 20% do
total de pacientes em diálise naquele
país (5). No estado do Rio Grande do
Sul, no momento em que escrevíamos
este trabalho (setembro de 2002), havia em torno de 4.600 pacientes em
diálise crônica e 1.015 (22%) pacientes em lista de espera para transplante
renal com doador cadáver.
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003
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Tabela 1 – Contra-indicações absolutas
ou relativas ao transplante renal
1. Doença maligna incurável
2. Infecção incurável
3. Doença cardíaca avançada
4. Doença pulmonar avançada
5. Doença hepática progressiva
6. Doença vascular cerebral, coronariana ou periférica extensa
7. Anormalidades severas do trato urinário inferior
8. Coagulopatia persistente
9. Idade maior que 70 anos
10. Doença mental ou psiquiátrica graves
11. Condições psicossociais adversas
severas: alcoolismo, drogadição, não
aderência a tratamentos
12. Doença renal com elevado índice de
recorrência
13. Recusa do paciente
Tabela 2 – Fatores de risco para o Transplante Renal
1. Clínicos:
– Idade menor do que 5 ou maior do
que 50 anos
– Doenças sistêmicas:
Diabetes mellitus, amiloidose,
doença de Fabry,
esclerodermia
– Doença gastrointestinal prévia:
úlcera peptica, pancreatite, hepatopatia, diverticulose
– Obesidade e desnutrição severas
– Doença renal com elevado índice
de recorrência
– Doença maligna prévia
2. Cirúrgicos:
– Urológicos: refluxo vésico-ureteral,
deformidades vesicais, hipertrofia
prostática
– Transplantes prévios
– Doença vascular periférica
3. Imunológicos:
– Transplantes prévios
– Pacientes hipersensibilizados
– Pacientes imunologicamente hiperresponsivos
O S TIPOS DE DOADOR
Transplantes renais são feitos com
doadores vivos ou doadores cadáveres.
Atualmente, existe no Brasil legislação específica para a regulamentação
da disponibilização de órgãos para
transplantes, qualquer que seja o tipo
SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES
de doador. Os transplantes com doadores vivos podem ser feitos com indivíduos consangüíneos, familiares até
o 4o grau (primos), embora mais comumente os doadores sejam parentes
próximos (pais, irmãos ou filhos). Candidatos à doação não familiares, exceto cônjuges, só podem realizar a doação mediante autorização judicial. Os
transplantes com doadores vivos são
realizados em caráter eletivo com o
doador disponível ou preferencialmente com o de melhor compatibilidade
com relação aos antígenos do complexo HLA. Atualmente, em nosso meio,
apenas os transplantes com rins de doadores vivos podem ser feitos em indivíduos com insuficiência renal crônica avançada em fase pré-dialítica (3,4).
Transplantes com doadores cadáveres são efetuados em pacientes urêmicos terminais em tratamento dialítico
inscritos na lista única estadual. A seleção dos receptores leva em conta o
grupo sangüíneo ABO, a ausência de
anticorpos anti-HLA pré-formados
(prova cruzada negativa), a compatibilidade genética (sistema HLA), o
grau de sensibilização HLA, a idade e
o tempo em lista de espera (3,4).
R ECEPTOR
Uma boa avaliação e preparo do receptor para o transplante são fundamentais para o sucesso do mesmo. Pacientes candidatos a transplante com
doador vivo são extensamente avaliados no período de preparação para a
cirurgia. Pacientes candidatos a transplante com doador cadáver devem da
mesma forma ser bem avaliados ao
serem incluídos em lista de espera e
periodicamente, a intervalos máximos
de um ano, após. Em especial, deve-se
assegurar que o receptor esteja livre de
infecções ativas significativas, mantenha a pressão arterial bem controlada,
tenha boas condições vasculares cardiológicas, cerebrais e periféricas. A
manutenção do potencial receptor em
bom estado nutricional e metabólico,
este através da diálise adequada, são
da mesma forma importantes. Ocasio-
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003
nalmente, cirurgias podem ser necessárias antes do transplante; entre estas as principais são as cirurgias para
correção de anormalidades do trato
urinário, nefrectomia de rins policísticos que impeçam o transplante e
cirurgias de revascularização miocárdica. A nefrectomia bilateral dos rins
nativos pode ser necessária em alguns pacientes com infecções persistentes associadas a cálculos, hidronefrose, refluxo vésico-ureteral e
outras condições de difícil manejo
clínico (1,2,3,8).
DO
C IRURGIA
TRANSPLANTE RENAL
Tanto no caso de doador vivo como
em se tratando de doador cadáver, os
objetivos da cirurgia são os mesmos:
preservar a função renal, minimizar o
tempo de isquemia quente, preservar
da melhor maneira possível os vasos
renais e o suprimento sangüíneo para
o ureter (1,2,8).
No caso da cirurgia do doador cadáver, os princípios gerais incluem o
controle da aorta e da cava acima e
abaixo dos órgãos a serem removidos,
a perfusão in situ com soluções de preservação renal, a obtenção de tecido
para os estudos de histocompatibilidade. A disponibilidade de soluções de
preservação renal (p. ex., Belzer, Collins, etc.) associadas ao resfriamento
dos órgãos permitiu a conservação
mais adequada destes até que seja possível realizar o implante. Muitas vezes, a retirada dos rins é feita em conjunto com a retirada de múltiplos órgãos, o que requer uma coordenação
adequada das equipes envolvidas na
cirurgia (1,2,8).
Na cirurgia do doador vivo, devese manter o melhor rim com o doador.
Esta é geralmente realizada com incisão de lombotomia com ou sem a ressecção de costela, ou através de uma
incisão anterior extraperitoneal ou
transperitoneal. Mais recentemente,
têm-se obtido excelentes resultados
com a via vídeo-laparoscópica, discutida mais adiante.
15
TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al.
Aspectos importantes da cirurgia do
receptor são a colocação de um cateter
vesical com solução de antibióticos na
bexiga, o qual deve ser clampeado até
o momento do implante ureteral, e a
utilização de afastadores autostáticos.
Em adultos e crianças com mais de 20
kg, o enxerto normalmente é colocado
na fossa ilíaca contralateral do receptor, através de uma incisão extraperitoneal de Gibson. Os vasos ilíacos do
receptor são dissecados com cuidado
para ligar todos os linfáticos e minimizar os riscos de linfocele. A anastomose arterial pode ser feita de modo
término-terminal na hipogástrica ou
término-lateral na ilíaca externa. O
uso da ilíaca externa geralmente é
preferido nos casos de transplante
prévio na fossa ilíaca contralateral
em homens, devido aos menores riscos de comprometimento da potência sexual. A anastomose venosa é
feita de modo término-lateral na veia
ilíaca externa. O reimplante ureteral
pode ser realizado por várias técnicas (Gregoir, Politano, etc.), e mais
recentemente têm-se observado menores taxas de complicações ureterais com o uso de um cateter de duplo J removido após 6 a 12 semanas
(1,8).
I
MUNOSSUPRESSÃO
Nos últimos anos, ocorreu um grande avanço no arsenal de drogas destinadas à prevenção e ao tratamento das
rejeições dos órgãos transplantados. As
drogas imunossupressoras tornaram-se
progressivamente mais potentes e seletivas. Diversos agentes imunossupressores estão disponíveis atualmente, e esta disponibilidade permite que
se individualize a terapia imunossupressora, fornecendo aos pacientes o
regime mais adequado considerando
principalmente o tipo e a compatibilidade do doador, o risco de rejeição, a
idade, a raça e a presença de co-morbidades. Na Tabela 2 a seguir, encontramos os agentes imunossupressores
atualmente disponíveis para uso clínico no Brasil (3,4).
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SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES
Tabela 3 – Imunossupressão em transplante renal. Agentes disponíveis para uso
clínico
Agentes farmacológicos
Agentes biológicos
Azatioprina
Prednisona
Ciclosporina
Micofenolato Mofetil
Micofenolato sódico
Tacrolimus
Sirolimus
Everolimus
ALG
ATG
Timoglobulina
OKT3
Basiliximab*
Daclizumab*
ALG = globulina antilinfocotária.
ATG = globulina antitimocitária.
OKT3 = anticorpos monoclonais anti-CD3.
* anticorpos dirigidos ao receptor da interleucina-2.
A intensidade da imunossupressão
é decidida com base no risco imunológico de cada transplante. Dessa forma,
em linhas gerais, transplantes com baixo risco de rejeição, tais como os transplantes com doadores vivos HLA-idênticos recebem imunossupressão mais
suave e transplantes repetidos, com
doadores cadáveres, em indivíduos
com elevada reatividade imunológica,
recebem combinações de imunossupressores mais potentes.
Com as estratégias imunossupressoras disponíveis, a rejeição aguda está
se tornando um evento cada vez mais
incomum. Atualmente, episódios de rejeição aguda ocorrem em 20 a 30% dos
pacientes transplantados (2,3,5,9).
PERIC UIDADOS
OPERATÓRIOS E PÓSOPERATÓRIOS
O período perioperatório é crítico
para o sucesso do transplante. Para otimizar-se os resultados, os pacientes devem estar em condições clínicas razoáveis, preferencialmente bem dialisados e sem infecção ativa. Essas condições são facilmente atingíveis em receptores de rins de doadores vivos, que
são submetidos a um procedimento nas
sua melhores condições. Em receptores de rins de doadores cadáveres,
muitas vezes os transplantes são feitos
em condições aceitáveis, mas não
ideais. No pós-operatório a equipe deve
estar atenta principalmente aos diversos tipos de complicações clínicas des-
critas abaixo, à manutenção da imunossupressão adequada e à profilaxia antiinfecciosa. Da mesma forma, o período pós-operatório imediato é aquele em
que mais ocorrem as complicações cirúrgicas descritas abaixo e que devem
ser judiciosamente monitorizadas
(1,3,9,10).
DO
C OMPLICAÇÕES
TRANSPLANTE RENAL
Apesar de seu elevado índice de sucesso, o transplante renal, assim como
os transplantes de outros órgãos sólidos, ainda está sujeito a um alto índice
de complicações.
Complicações cirúrgicas
As complicações cirúrgicas dos
transplantes renais podem ser de natureza diversa, sendo pertinentes tanto ao
doador (no caso de doador vivo) como
ao receptor.
A nefrectomia em doador vivo é,
atualmente, um procedimento seguro
e de baixa morbidade e mortalidade. A
mortalidade da nefrectomia em doador
vivo foi estimada como sendo de cerca de 0,03%, e o risco de alguma complicação que debilite o paciente permanentemente seria de 0,23% (1,2,11).
Apesar de existirem relatos esparsos de
insuficiência renal terminal em doadores de transplante renal, este evento é
muito raro, e se admite que, caso a seleção tenha sido adequada, o doador
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tenha a mesma expectativa de vida do
que uma pessoa com as mesmas características biológicas que não tenha doado nenhum rim. A hiperfiltração não
parece ser um problema a longo prazo
em doadores de transplante renal, e o
desenvolvimento tardio de hipertensão
arterial é similar ao da população geral. A possibilidade de realizar a nefrectomia de doador vivo pela via vídeo-laparoscópica veio a eliminar parte
da morbidade que acompanha a cirurgia aberta para a doação de um transplante renal, como a dor pós-operatória, a dificuldade ventilatória acarretada por uma incisão alta, os dias de
internação hospitalar e a demora na
volta às atividades normais de trabalho (12,13,14,15).
Quanto ao receptor, as complicações cirúrgicas estão associadas basicamente a problemas vasculares, urológicos, ou a coleções (1,2,3).
As complicações vasculares incluem interrupções do fluxo vascular
arterial ou venoso do enxerto devido a
posicionamento inadequado dos vasos,
trombose, ou estenose nas linhas de
suturas vasculares. O reconhecimento
precoce dessas complicações pode ser
crítico para a preservação do enxerto,
muitas vezes impossível nessas situações (1).
As complicações urológicas mais
comuns após um transplante renal se
dividem em obstrução ureteral, fístulas e hematúria. A obstrução ureteral
diagnosticada no pós-operatório geralmente decorre de edema da anastomose uretero-vesical, falha técnica na sutura, coágulos, cálculos ou mesmo de
uma coleção peri-renal que comprima
o sistema coletor do enxerto. Obstruções tardias podem ser devidas a infecções fúngicas, isquemia e fibrose do
ureter, cálculos, tumores e coleções. De
uma maneira geral, é bastante difícil
diagnosticar prontamente uma obstrução ureteral no enxerto, uma vez que o
mesmo se encontra desnervado. Desta
forma, o principal indício de algum
processo obstrutivo costuma ser a perda acelerada da função do enxerto renal. O tratamento das estenoses ureterais vai desde dilatação por técnicas en-
SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES
dourológicas até o reimplante do ureter na bexiga ou no ureter nativo
(1,2,8).
Fístulas ureterais muitas vezes necessitam de correção cirúrgica com reimplante uretero-vesical. Certos extravazamentos, porém, podem ser tratados de forma mais conservadora, com
sondagem vesical ou manejo endourológico (nefrostomia com ou sem a passagem de cateter duplo J) (1,2,8,16).
Hematúria pós-operatória pode requerer sondagem vesical e lavagem dos
coágulos com irrigação vesical (1).
A maioria das coleções pós-operatórias percebidas na ultra-sonografia
após um transplante renal não necessita de tratamento específico. Caso haja
dúvida sobre a origem da coleção,
pode-se dosar creatinina (maior na urina do que no sangue ou linfa) ou o hematócrito (elevado nos casos de sangramento). No caso de coleções líquidas infectadas, pode ser preciso realizar a drenagem aberta das coleções e
ajustar a dose dos imunossupressores utilizados. As linfoceles não infectadas podem ser aspiradas sob controle ecográfico e, na recorrência do quadro, podem
ser peritonializadas por vídeo-laparoscopia ou por via aberta (1,8,17).
Complicações clínicas
Diversos tipos de complicações clínicas podem seguir-se ao transplante
renal. As mais freqüentes são a ausência de função inicial do enxerto, principalmente com rins de doadores cadáveres, as rejeições, as infecções
(bacterianas, virais, fúngicas, protozoárias, entre outras), as metabólicas
(obesidade, dislipidemias, diabete mélito), as cardiovasculares (cardiopatia
isquêmica e hipertensão arterial) e as
ósseas. Indivíduos portadores de vírus
hepatotrópicos podem apresentar progressão rápida da doença hepática. Tardiamente, existe uma incidência aumentada de neoplasias, em especial de
pele e do sistema linfático. No entanto, atualmente, o maior limitador da sobrevida dos rins transplantados é o desenvolvimento da nefropatia crônica
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do enxerto. Esta apresenta múltiplos
fatores de risco, que incluem os fatores imunológicos, tais como a compatibilidade dos antígenos do sistema
HLA, a ocorrência de episódios de rejeição aguda e a resposta subliminar
continuada ao aloenxerto. Os fatores
não imunológicos incluem principalmente a idade e o tipo de morte cerebral do doador, a quantidade de néfrons
ofertada ao receptor, a injúria pela isquemia e reperfusão, a hipertensão arterial sistêmica, as dislipidemias, as infecções e o uso de inibidores da calcineurina (Ciclosporina e Tacrolimus).
(1,3,7,9)
R ESULTADOS
Os resultados dos transplantes têm
sido progressivamente melhores no decorrer dos anos. Atualmente, no primeiro ano pós-transplante, as sobrevidas de pacientes são superiores a 90%
e as sobrevidas de enxertos em torno
de 85% na Europa e nos Estados Unidos (2,9). No Brasil, as sobrevidas dos
pacientes são semelhantes às citadas
acima, mas as sobrevidas dos enxertos
variam em torno de 75-80%, embora
muitos centros brasileiros apresentem
estatísticas superiores. A melhora dos
resultados se deve a diversos progressos na área médica, sejam eles diagnósticos ou terapêuticos, e em especial
ao aprimoramento das provas cruzadas
e dos procedimentos diagnósticos, à
melhor seleção de pacientes, à disponibilidade de melhores drogas para uso
profilático e terapêutico em pacientes
imunocomprometidos, assim como ao
surgimento de melhores drogas imunossupressoras, entre outros fatores.
No longo prazo, apenas recentemente,
com o uso das novas drogas imunossupressoras, tem-se observado o prolongamento das meias-vidas dos enxertos. Para receptores de transplantes renais de doador cadáver, a meia-vida do
enxerto aumentou, na última década,
de 8 para aproximadamente 13 anos em
levantamentos recentes. Os melhores
resultados no longo prazo têm sido
observados em pacientes que não apre-
17
TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al.
sentam rejeições agudas e a incidência desta tem sido progressivamente
menor (1,3,9).
A VANÇOS RECENTES
Vários avanços vieram a aperfeiçoar a prática dos transplantes renais.
Nesta revisão, citaremos apenas aqueles mais recentes e que consideramos
de maior impacto.
Imunossupressão. As novas drogas imunossupressoras, progressivamente mais potentes e seletivas, permitiram redução significativa na incidência de rejeição aguda dos transplantes renais. Isto possivelmente influenciará de
forma benéfica os índices de sobrevida
a longo prazo dos enxertos (3,4,5,9).
Nefrectomia do doador vivo por
vídeo-laparoscopia. Desde 1995,
quando Ratner e colaboradores (18)
descreveram a primeira nefrectomia de
doador vivo para transplante renal por
vídeo-laparoscopia, um número maior
de centros de transplante vem utilizando esta via para as nefrectomias de doadores vivos. No início da experiência
com a via laparoscópica, havia o receio de que o tempo geralmente mais
longo de isquemia quente e, conseqüentemente, as chances de necrose
tubular aguda do enxerto seriam maiores com a via laparoscópica; havia também o receio de que o pneumoperitônio necessário para a utilização da técnica comprimisse a veia renal, levando a uma redução do fluxo sangüíneo,
retardando ainda mais a recuperação
da função renal após o transplante. No
entanto, várias séries têm demonstrado excelentes resultados com a via laparoscópica, com as sobrevidas do enxerto e do receptor similares às da técnica aberta convencional (12,13,14).
Além disso, a via laparoscópica está
associada a um menor tempo de hospitalização, à menor necessidade de
analgesia pós-operatória e a um menor tempo de recuperação e retorno ao
trabalho. Alguns autores relatam inclusive o crescimento do pool de doadores vivos após o advento da via laparoscópica (14). Cabe ressaltar que se
18
SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES
trata de uma técnica nova, na qual a
maior parte dos serviços no Brasil ainda se encontram na curva de aprendizado (19). No entanto, os resultados
iniciais em nosso meio tem sido animadores (15).
Transplantes combinados de rim
e pâncreas. Apesar de serem praticados desde 1966, os transplantes combinados de rim e pâncreas, em pacientes com diabete mélito tipo I, tomaram
grande impulso nos últimos anos. Isto
se deveu principalmente à melhora nas
sobrevidas dos enxertos pancreáticos
observadas após a introdução dos medicamentos imunossupressores mais
recentes e à criação de legislação adequada regulamentando as atividades de
transplantes no país e a remuneração
dos procedimentos de transplante. Diferentes tipos de transplantes pancreáticos são possíveis: (a) transplante
combinado de rim e pâncreas; (b) transplante de pâncreas após o transplante
renal; (c) transplante isolado de pâncreas e (d) transplante de ilhotas pancreáticas. O tipo de transplante pancreático mais freqüentemente executado é o transplante combinado de rim e
pâncreas, ambos os órgãos do mesmo
doador cadáver. Isto se deve a diferentes fatos: a imunossupressão já é necessária para o transplante renal – melhor modalidade de tratamento da nefropatia diabética terminal – e o rim
pode ser usado como um “espelho”
para o diagnóstico da rejeição do pâncreas, a qual é de mais difícil diagnóstico. Este é o tipo de transplante pancreático que apresenta atualmente o
melhor índice de sucesso. Projeta-se
que no ano de 2002 mais de 150 transplantes combinados de rim e pâncreas
sejam feitos no Brasil. No entanto, permanecem controversos alguns aspectos pertinentes a esta prática, entre eles
o melhor tipo de drenagem exócrina
(vesical ou entérica); o melhor tipo de
drenagem venosa (portal ou sistêmica);
e a necessidade da indução da imunossupressão com anticorpos, entre outros
(2). Recentemente, foi descrita a exitosa experiência do grupo de Edmonton com transplantes de ilhotas pancreáticas (20). Embora promissora, esta
técnica ainda necessita aperfeiçoamentos, especialmente no que diz respeito
ao número de doadores necessários
para fornecer massa de ilhotas adequada a um receptor.
P ERSPECTIVAS
Nas últimas décadas, o transplante
de órgãos alcançou impressionantes índices de sucesso no curto prazo. No
longo prazo, ainda há larga margem
para melhora, uma vez que atualmente a maioria dos enxertos é perdida
após alguns anos, por disfunção crônica. Tratamentos que diminuam a incidência de nefropatia crônica do enxerto parecem estar se tornando disponíveis. Outro ponto crítico na prática
atual dos transplantes é a falta de órgãos. No Brasil, o número médio de
transplantes realizados por milhão de
habitantes/ano ainda é muito baixo
quando comparado aos números obtidos em países desenvolvidos. Adicionalmente, existe uma grande disparidade nas diferentes regiões do país.
Práticas que incentivem a notificação
da morte encefálica, a doação de órgãos e a realização dos transplantes
precisam ser implantadas e mantidas.
Outro ponto a ser considerado é o do
custeio dos transplantes. O custo dos
procedimentos como um todo e em
especial da medicação imunossupressora é elevado e o uso judicioso dos
recursos é imperativo.
Estratégias atualmente experimentais, tais como os xenotransplantes, o
desenvolvimento de tolerância imunológica, a terapia gênica e a clonagem
de órgãos, poderão no longo prazo contribuir significativamente para a diminuição da morbidade produzida pela
imunossupressão crônica, o aumento
no número de transplantes e a sobrevida
prolongada dos órgãos transplantados.
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