TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES S impósio sobre Transplantes Transplante renal Kidney transplantation SINOPSE O transplante renal apresenta-se hoje como a melhor forma de terapia da insuficiência renal terminal em pacientes selecionados. São abordados os avanços nos campos das indicações, seleção e estabilização clínica dos doadores, conservação dos órgãos a serem transplantados, imunossupressão, e técnicas cirúrgicas, os quais vieram a alterar favoravelmente os resultados dos transplantes renais nas últimas décadas. UNITERMOS: Transplantes de Órgãos, Insuficiência Renal, Imunossupressão. ABSTRACT Kidney transplantation stands as the best form of renal replacement therapy in selected patients with end-stage renal disease. The article covers advances in the fields of indications, selection and management of the donors, organ preservation, immunosupression, and surgical techniques which favorably altered the results of kidney transplantation over the last decades. KEY WORDS: Organ Transplantation, Renal Insufficiency, Immunosupression. I NTRODUÇÃO O desenvolvimento das técnicas de suturas vasculares, ocorrido no início do século XX, permitiu o estabelecimento das técnicas dos transplantes de órgãos, pioneiramente iniciados pelos transplantes renais. Os primeiros transplantes que obtiveram sucesso foram realizados na década de 50 em Boston, em indivíduos geneticamente idênticos. Na década de 60, após a compreensão preliminar da natureza imunológica da rejeição, iniciou-se o uso da imunossupressão, primeiramente com irradiação linfóide e 6-Mercaptopurina. Nessa época, outros progressos, tais como a descrição da prova cruzada (cross-match) pré-transplante para a detecção de anticorpos citotóxicos pré-formados, a descrição do sistema HLA e o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, fundamentaram as bases para a prática moderna dos trans- 14 plantes renais. Em 1963, havia a descrição de apenas 7 pacientes cujos transplantes funcionaram por mais de 6 meses. Atualmente, os transplantes renais apresentam elevado índice de sucesso, sendo executados milhares de transplantes a cada ano e no mundo todo. No Brasil, aproximadamente 150 centros realizam em torno de 3.000 transplantes por ano, número este ainda insuficiente para atender à crescente demanda de indivíduos com insuficiência renal crônica terminal, candidatos ao transplante (1,2,3,4). I NDICAÇÕES, CONTRAINDICAÇÕES E FATORES DE RISCO PARA TRANSPLANTE RENAL Em termos de morbidade, mortalidade e qualidade de vida o transplante renal constitui-se como a melhor alter- ROBERTO C. MANFRO – Professor Adjunto da Faculdade de Medicina – UFRGS. Responsável Clínico da Equipe de Transplante Renal – Hospital de Clínicas de Porto Alegre. GUSTAVO F. CARVALHAL – Professor Adjunto da Faculdade de Medicina – PUCRS. Membro do Serviço de Urologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Endereço para correspondência: Roberto C. Manfro Ramiro Barcelos, 2350 sala 2030 90035-003 – Porto Alegre, RS, Brasil Fone (51) 3331-9191 [email protected] nativa de tratamento da insuficiência renal crônica terminal (1,2,5). Portanto, ele deve ser oferecido a todos os indivíduos urêmicos que não apresentem contra-indicações para o procedimento e que tenham o desejo de submeter-se ao transplante após o esclarecimento de seus riscos e benefícios. Existem, no entanto, contra-indicações absolutas e contra-indicações relativas à realização dos transplantes renais (5,6,7). Da mesma forma, há fatores de risco para a realização dos transplantes que devem ser observados. Estes fatores de risco e as contra-indicações devem, todavia, ser interpretados no contexto de cada paciente, do tipo de doador e da possibilidade de diálise. Os mesmos estão resumidos nas Tabelas 1 e 2, a seguir. É importante, por outro lado, entendermos que uma porcentagem muito significativa dos pacientes com uremia terminal apresenta contra-indicações importantes, a ponto de não serem considerados candidatos ao transplante renal. Nos Estados Unidos, a porcentagem de pacientes em lista de espera para transplante renal cadavérico é de aproximadamente 20% do total de pacientes em diálise naquele país (5). No estado do Rio Grande do Sul, no momento em que escrevíamos este trabalho (setembro de 2002), havia em torno de 4.600 pacientes em diálise crônica e 1.015 (22%) pacientes em lista de espera para transplante renal com doador cadáver. Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003 TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. Tabela 1 – Contra-indicações absolutas ou relativas ao transplante renal 1. Doença maligna incurável 2. Infecção incurável 3. Doença cardíaca avançada 4. Doença pulmonar avançada 5. Doença hepática progressiva 6. Doença vascular cerebral, coronariana ou periférica extensa 7. Anormalidades severas do trato urinário inferior 8. Coagulopatia persistente 9. Idade maior que 70 anos 10. Doença mental ou psiquiátrica graves 11. Condições psicossociais adversas severas: alcoolismo, drogadição, não aderência a tratamentos 12. Doença renal com elevado índice de recorrência 13. Recusa do paciente Tabela 2 – Fatores de risco para o Transplante Renal 1. Clínicos: – Idade menor do que 5 ou maior do que 50 anos – Doenças sistêmicas: Diabetes mellitus, amiloidose, doença de Fabry, esclerodermia – Doença gastrointestinal prévia: úlcera peptica, pancreatite, hepatopatia, diverticulose – Obesidade e desnutrição severas – Doença renal com elevado índice de recorrência – Doença maligna prévia 2. Cirúrgicos: – Urológicos: refluxo vésico-ureteral, deformidades vesicais, hipertrofia prostática – Transplantes prévios – Doença vascular periférica 3. Imunológicos: – Transplantes prévios – Pacientes hipersensibilizados – Pacientes imunologicamente hiperresponsivos O S TIPOS DE DOADOR Transplantes renais são feitos com doadores vivos ou doadores cadáveres. Atualmente, existe no Brasil legislação específica para a regulamentação da disponibilização de órgãos para transplantes, qualquer que seja o tipo SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES de doador. Os transplantes com doadores vivos podem ser feitos com indivíduos consangüíneos, familiares até o 4o grau (primos), embora mais comumente os doadores sejam parentes próximos (pais, irmãos ou filhos). Candidatos à doação não familiares, exceto cônjuges, só podem realizar a doação mediante autorização judicial. Os transplantes com doadores vivos são realizados em caráter eletivo com o doador disponível ou preferencialmente com o de melhor compatibilidade com relação aos antígenos do complexo HLA. Atualmente, em nosso meio, apenas os transplantes com rins de doadores vivos podem ser feitos em indivíduos com insuficiência renal crônica avançada em fase pré-dialítica (3,4). Transplantes com doadores cadáveres são efetuados em pacientes urêmicos terminais em tratamento dialítico inscritos na lista única estadual. A seleção dos receptores leva em conta o grupo sangüíneo ABO, a ausência de anticorpos anti-HLA pré-formados (prova cruzada negativa), a compatibilidade genética (sistema HLA), o grau de sensibilização HLA, a idade e o tempo em lista de espera (3,4). R ECEPTOR Uma boa avaliação e preparo do receptor para o transplante são fundamentais para o sucesso do mesmo. Pacientes candidatos a transplante com doador vivo são extensamente avaliados no período de preparação para a cirurgia. Pacientes candidatos a transplante com doador cadáver devem da mesma forma ser bem avaliados ao serem incluídos em lista de espera e periodicamente, a intervalos máximos de um ano, após. Em especial, deve-se assegurar que o receptor esteja livre de infecções ativas significativas, mantenha a pressão arterial bem controlada, tenha boas condições vasculares cardiológicas, cerebrais e periféricas. A manutenção do potencial receptor em bom estado nutricional e metabólico, este através da diálise adequada, são da mesma forma importantes. Ocasio- Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003 nalmente, cirurgias podem ser necessárias antes do transplante; entre estas as principais são as cirurgias para correção de anormalidades do trato urinário, nefrectomia de rins policísticos que impeçam o transplante e cirurgias de revascularização miocárdica. A nefrectomia bilateral dos rins nativos pode ser necessária em alguns pacientes com infecções persistentes associadas a cálculos, hidronefrose, refluxo vésico-ureteral e outras condições de difícil manejo clínico (1,2,3,8). DO C IRURGIA TRANSPLANTE RENAL Tanto no caso de doador vivo como em se tratando de doador cadáver, os objetivos da cirurgia são os mesmos: preservar a função renal, minimizar o tempo de isquemia quente, preservar da melhor maneira possível os vasos renais e o suprimento sangüíneo para o ureter (1,2,8). No caso da cirurgia do doador cadáver, os princípios gerais incluem o controle da aorta e da cava acima e abaixo dos órgãos a serem removidos, a perfusão in situ com soluções de preservação renal, a obtenção de tecido para os estudos de histocompatibilidade. A disponibilidade de soluções de preservação renal (p. ex., Belzer, Collins, etc.) associadas ao resfriamento dos órgãos permitiu a conservação mais adequada destes até que seja possível realizar o implante. Muitas vezes, a retirada dos rins é feita em conjunto com a retirada de múltiplos órgãos, o que requer uma coordenação adequada das equipes envolvidas na cirurgia (1,2,8). Na cirurgia do doador vivo, devese manter o melhor rim com o doador. Esta é geralmente realizada com incisão de lombotomia com ou sem a ressecção de costela, ou através de uma incisão anterior extraperitoneal ou transperitoneal. Mais recentemente, têm-se obtido excelentes resultados com a via vídeo-laparoscópica, discutida mais adiante. 15 TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. Aspectos importantes da cirurgia do receptor são a colocação de um cateter vesical com solução de antibióticos na bexiga, o qual deve ser clampeado até o momento do implante ureteral, e a utilização de afastadores autostáticos. Em adultos e crianças com mais de 20 kg, o enxerto normalmente é colocado na fossa ilíaca contralateral do receptor, através de uma incisão extraperitoneal de Gibson. Os vasos ilíacos do receptor são dissecados com cuidado para ligar todos os linfáticos e minimizar os riscos de linfocele. A anastomose arterial pode ser feita de modo término-terminal na hipogástrica ou término-lateral na ilíaca externa. O uso da ilíaca externa geralmente é preferido nos casos de transplante prévio na fossa ilíaca contralateral em homens, devido aos menores riscos de comprometimento da potência sexual. A anastomose venosa é feita de modo término-lateral na veia ilíaca externa. O reimplante ureteral pode ser realizado por várias técnicas (Gregoir, Politano, etc.), e mais recentemente têm-se observado menores taxas de complicações ureterais com o uso de um cateter de duplo J removido após 6 a 12 semanas (1,8). I MUNOSSUPRESSÃO Nos últimos anos, ocorreu um grande avanço no arsenal de drogas destinadas à prevenção e ao tratamento das rejeições dos órgãos transplantados. As drogas imunossupressoras tornaram-se progressivamente mais potentes e seletivas. Diversos agentes imunossupressores estão disponíveis atualmente, e esta disponibilidade permite que se individualize a terapia imunossupressora, fornecendo aos pacientes o regime mais adequado considerando principalmente o tipo e a compatibilidade do doador, o risco de rejeição, a idade, a raça e a presença de co-morbidades. Na Tabela 2 a seguir, encontramos os agentes imunossupressores atualmente disponíveis para uso clínico no Brasil (3,4). 16 SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES Tabela 3 – Imunossupressão em transplante renal. Agentes disponíveis para uso clínico Agentes farmacológicos Agentes biológicos Azatioprina Prednisona Ciclosporina Micofenolato Mofetil Micofenolato sódico Tacrolimus Sirolimus Everolimus ALG ATG Timoglobulina OKT3 Basiliximab* Daclizumab* ALG = globulina antilinfocotária. ATG = globulina antitimocitária. OKT3 = anticorpos monoclonais anti-CD3. * anticorpos dirigidos ao receptor da interleucina-2. A intensidade da imunossupressão é decidida com base no risco imunológico de cada transplante. Dessa forma, em linhas gerais, transplantes com baixo risco de rejeição, tais como os transplantes com doadores vivos HLA-idênticos recebem imunossupressão mais suave e transplantes repetidos, com doadores cadáveres, em indivíduos com elevada reatividade imunológica, recebem combinações de imunossupressores mais potentes. Com as estratégias imunossupressoras disponíveis, a rejeição aguda está se tornando um evento cada vez mais incomum. Atualmente, episódios de rejeição aguda ocorrem em 20 a 30% dos pacientes transplantados (2,3,5,9). PERIC UIDADOS OPERATÓRIOS E PÓSOPERATÓRIOS O período perioperatório é crítico para o sucesso do transplante. Para otimizar-se os resultados, os pacientes devem estar em condições clínicas razoáveis, preferencialmente bem dialisados e sem infecção ativa. Essas condições são facilmente atingíveis em receptores de rins de doadores vivos, que são submetidos a um procedimento nas sua melhores condições. Em receptores de rins de doadores cadáveres, muitas vezes os transplantes são feitos em condições aceitáveis, mas não ideais. No pós-operatório a equipe deve estar atenta principalmente aos diversos tipos de complicações clínicas des- critas abaixo, à manutenção da imunossupressão adequada e à profilaxia antiinfecciosa. Da mesma forma, o período pós-operatório imediato é aquele em que mais ocorrem as complicações cirúrgicas descritas abaixo e que devem ser judiciosamente monitorizadas (1,3,9,10). DO C OMPLICAÇÕES TRANSPLANTE RENAL Apesar de seu elevado índice de sucesso, o transplante renal, assim como os transplantes de outros órgãos sólidos, ainda está sujeito a um alto índice de complicações. Complicações cirúrgicas As complicações cirúrgicas dos transplantes renais podem ser de natureza diversa, sendo pertinentes tanto ao doador (no caso de doador vivo) como ao receptor. A nefrectomia em doador vivo é, atualmente, um procedimento seguro e de baixa morbidade e mortalidade. A mortalidade da nefrectomia em doador vivo foi estimada como sendo de cerca de 0,03%, e o risco de alguma complicação que debilite o paciente permanentemente seria de 0,23% (1,2,11). Apesar de existirem relatos esparsos de insuficiência renal terminal em doadores de transplante renal, este evento é muito raro, e se admite que, caso a seleção tenha sido adequada, o doador Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003 TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. tenha a mesma expectativa de vida do que uma pessoa com as mesmas características biológicas que não tenha doado nenhum rim. A hiperfiltração não parece ser um problema a longo prazo em doadores de transplante renal, e o desenvolvimento tardio de hipertensão arterial é similar ao da população geral. A possibilidade de realizar a nefrectomia de doador vivo pela via vídeo-laparoscópica veio a eliminar parte da morbidade que acompanha a cirurgia aberta para a doação de um transplante renal, como a dor pós-operatória, a dificuldade ventilatória acarretada por uma incisão alta, os dias de internação hospitalar e a demora na volta às atividades normais de trabalho (12,13,14,15). Quanto ao receptor, as complicações cirúrgicas estão associadas basicamente a problemas vasculares, urológicos, ou a coleções (1,2,3). As complicações vasculares incluem interrupções do fluxo vascular arterial ou venoso do enxerto devido a posicionamento inadequado dos vasos, trombose, ou estenose nas linhas de suturas vasculares. O reconhecimento precoce dessas complicações pode ser crítico para a preservação do enxerto, muitas vezes impossível nessas situações (1). As complicações urológicas mais comuns após um transplante renal se dividem em obstrução ureteral, fístulas e hematúria. A obstrução ureteral diagnosticada no pós-operatório geralmente decorre de edema da anastomose uretero-vesical, falha técnica na sutura, coágulos, cálculos ou mesmo de uma coleção peri-renal que comprima o sistema coletor do enxerto. Obstruções tardias podem ser devidas a infecções fúngicas, isquemia e fibrose do ureter, cálculos, tumores e coleções. De uma maneira geral, é bastante difícil diagnosticar prontamente uma obstrução ureteral no enxerto, uma vez que o mesmo se encontra desnervado. Desta forma, o principal indício de algum processo obstrutivo costuma ser a perda acelerada da função do enxerto renal. O tratamento das estenoses ureterais vai desde dilatação por técnicas en- SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES dourológicas até o reimplante do ureter na bexiga ou no ureter nativo (1,2,8). Fístulas ureterais muitas vezes necessitam de correção cirúrgica com reimplante uretero-vesical. Certos extravazamentos, porém, podem ser tratados de forma mais conservadora, com sondagem vesical ou manejo endourológico (nefrostomia com ou sem a passagem de cateter duplo J) (1,2,8,16). Hematúria pós-operatória pode requerer sondagem vesical e lavagem dos coágulos com irrigação vesical (1). A maioria das coleções pós-operatórias percebidas na ultra-sonografia após um transplante renal não necessita de tratamento específico. Caso haja dúvida sobre a origem da coleção, pode-se dosar creatinina (maior na urina do que no sangue ou linfa) ou o hematócrito (elevado nos casos de sangramento). No caso de coleções líquidas infectadas, pode ser preciso realizar a drenagem aberta das coleções e ajustar a dose dos imunossupressores utilizados. As linfoceles não infectadas podem ser aspiradas sob controle ecográfico e, na recorrência do quadro, podem ser peritonializadas por vídeo-laparoscopia ou por via aberta (1,8,17). Complicações clínicas Diversos tipos de complicações clínicas podem seguir-se ao transplante renal. As mais freqüentes são a ausência de função inicial do enxerto, principalmente com rins de doadores cadáveres, as rejeições, as infecções (bacterianas, virais, fúngicas, protozoárias, entre outras), as metabólicas (obesidade, dislipidemias, diabete mélito), as cardiovasculares (cardiopatia isquêmica e hipertensão arterial) e as ósseas. Indivíduos portadores de vírus hepatotrópicos podem apresentar progressão rápida da doença hepática. Tardiamente, existe uma incidência aumentada de neoplasias, em especial de pele e do sistema linfático. No entanto, atualmente, o maior limitador da sobrevida dos rins transplantados é o desenvolvimento da nefropatia crônica Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003 do enxerto. Esta apresenta múltiplos fatores de risco, que incluem os fatores imunológicos, tais como a compatibilidade dos antígenos do sistema HLA, a ocorrência de episódios de rejeição aguda e a resposta subliminar continuada ao aloenxerto. Os fatores não imunológicos incluem principalmente a idade e o tipo de morte cerebral do doador, a quantidade de néfrons ofertada ao receptor, a injúria pela isquemia e reperfusão, a hipertensão arterial sistêmica, as dislipidemias, as infecções e o uso de inibidores da calcineurina (Ciclosporina e Tacrolimus). (1,3,7,9) R ESULTADOS Os resultados dos transplantes têm sido progressivamente melhores no decorrer dos anos. Atualmente, no primeiro ano pós-transplante, as sobrevidas de pacientes são superiores a 90% e as sobrevidas de enxertos em torno de 85% na Europa e nos Estados Unidos (2,9). No Brasil, as sobrevidas dos pacientes são semelhantes às citadas acima, mas as sobrevidas dos enxertos variam em torno de 75-80%, embora muitos centros brasileiros apresentem estatísticas superiores. A melhora dos resultados se deve a diversos progressos na área médica, sejam eles diagnósticos ou terapêuticos, e em especial ao aprimoramento das provas cruzadas e dos procedimentos diagnósticos, à melhor seleção de pacientes, à disponibilidade de melhores drogas para uso profilático e terapêutico em pacientes imunocomprometidos, assim como ao surgimento de melhores drogas imunossupressoras, entre outros fatores. No longo prazo, apenas recentemente, com o uso das novas drogas imunossupressoras, tem-se observado o prolongamento das meias-vidas dos enxertos. Para receptores de transplantes renais de doador cadáver, a meia-vida do enxerto aumentou, na última década, de 8 para aproximadamente 13 anos em levantamentos recentes. Os melhores resultados no longo prazo têm sido observados em pacientes que não apre- 17 TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. sentam rejeições agudas e a incidência desta tem sido progressivamente menor (1,3,9). A VANÇOS RECENTES Vários avanços vieram a aperfeiçoar a prática dos transplantes renais. Nesta revisão, citaremos apenas aqueles mais recentes e que consideramos de maior impacto. Imunossupressão. As novas drogas imunossupressoras, progressivamente mais potentes e seletivas, permitiram redução significativa na incidência de rejeição aguda dos transplantes renais. Isto possivelmente influenciará de forma benéfica os índices de sobrevida a longo prazo dos enxertos (3,4,5,9). Nefrectomia do doador vivo por vídeo-laparoscopia. Desde 1995, quando Ratner e colaboradores (18) descreveram a primeira nefrectomia de doador vivo para transplante renal por vídeo-laparoscopia, um número maior de centros de transplante vem utilizando esta via para as nefrectomias de doadores vivos. No início da experiência com a via laparoscópica, havia o receio de que o tempo geralmente mais longo de isquemia quente e, conseqüentemente, as chances de necrose tubular aguda do enxerto seriam maiores com a via laparoscópica; havia também o receio de que o pneumoperitônio necessário para a utilização da técnica comprimisse a veia renal, levando a uma redução do fluxo sangüíneo, retardando ainda mais a recuperação da função renal após o transplante. No entanto, várias séries têm demonstrado excelentes resultados com a via laparoscópica, com as sobrevidas do enxerto e do receptor similares às da técnica aberta convencional (12,13,14). Além disso, a via laparoscópica está associada a um menor tempo de hospitalização, à menor necessidade de analgesia pós-operatória e a um menor tempo de recuperação e retorno ao trabalho. Alguns autores relatam inclusive o crescimento do pool de doadores vivos após o advento da via laparoscópica (14). Cabe ressaltar que se 18 SIMPÓSIO SOBRE TRANSPLANTES trata de uma técnica nova, na qual a maior parte dos serviços no Brasil ainda se encontram na curva de aprendizado (19). No entanto, os resultados iniciais em nosso meio tem sido animadores (15). Transplantes combinados de rim e pâncreas. Apesar de serem praticados desde 1966, os transplantes combinados de rim e pâncreas, em pacientes com diabete mélito tipo I, tomaram grande impulso nos últimos anos. Isto se deveu principalmente à melhora nas sobrevidas dos enxertos pancreáticos observadas após a introdução dos medicamentos imunossupressores mais recentes e à criação de legislação adequada regulamentando as atividades de transplantes no país e a remuneração dos procedimentos de transplante. Diferentes tipos de transplantes pancreáticos são possíveis: (a) transplante combinado de rim e pâncreas; (b) transplante de pâncreas após o transplante renal; (c) transplante isolado de pâncreas e (d) transplante de ilhotas pancreáticas. O tipo de transplante pancreático mais freqüentemente executado é o transplante combinado de rim e pâncreas, ambos os órgãos do mesmo doador cadáver. Isto se deve a diferentes fatos: a imunossupressão já é necessária para o transplante renal – melhor modalidade de tratamento da nefropatia diabética terminal – e o rim pode ser usado como um “espelho” para o diagnóstico da rejeição do pâncreas, a qual é de mais difícil diagnóstico. Este é o tipo de transplante pancreático que apresenta atualmente o melhor índice de sucesso. Projeta-se que no ano de 2002 mais de 150 transplantes combinados de rim e pâncreas sejam feitos no Brasil. No entanto, permanecem controversos alguns aspectos pertinentes a esta prática, entre eles o melhor tipo de drenagem exócrina (vesical ou entérica); o melhor tipo de drenagem venosa (portal ou sistêmica); e a necessidade da indução da imunossupressão com anticorpos, entre outros (2). Recentemente, foi descrita a exitosa experiência do grupo de Edmonton com transplantes de ilhotas pancreáticas (20). Embora promissora, esta técnica ainda necessita aperfeiçoamentos, especialmente no que diz respeito ao número de doadores necessários para fornecer massa de ilhotas adequada a um receptor. P ERSPECTIVAS Nas últimas décadas, o transplante de órgãos alcançou impressionantes índices de sucesso no curto prazo. No longo prazo, ainda há larga margem para melhora, uma vez que atualmente a maioria dos enxertos é perdida após alguns anos, por disfunção crônica. Tratamentos que diminuam a incidência de nefropatia crônica do enxerto parecem estar se tornando disponíveis. Outro ponto crítico na prática atual dos transplantes é a falta de órgãos. No Brasil, o número médio de transplantes realizados por milhão de habitantes/ano ainda é muito baixo quando comparado aos números obtidos em países desenvolvidos. Adicionalmente, existe uma grande disparidade nas diferentes regiões do país. Práticas que incentivem a notificação da morte encefálica, a doação de órgãos e a realização dos transplantes precisam ser implantadas e mantidas. Outro ponto a ser considerado é o do custeio dos transplantes. O custo dos procedimentos como um todo e em especial da medicação imunossupressora é elevado e o uso judicioso dos recursos é imperativo. Estratégias atualmente experimentais, tais como os xenotransplantes, o desenvolvimento de tolerância imunológica, a terapia gênica e a clonagem de órgãos, poderão no longo prazo contribuir significativamente para a diminuição da morbidade produzida pela imunossupressão crônica, o aumento no número de transplantes e a sobrevida prolongada dos órgãos transplantados. R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BARRY JM. Renal Transplantation. In: Walsh PC, Retik AB, Vaughan ED, Wein Revista AMRIGS, Porto Alegre, 47 (1): 14-19, jan.-mar. 2003 TRANSPLANTE RENAL... Manfro et al. AJ (eds). Campbell’s Urology, 8th ed., Philadelphia, Saunders, 2002, pp.345-76. 2. MORRIS PJ. Kidney Transplantation. Principles and Practice. 5th ed. W.B. Saunders Company. Philadelphia. 2001. 787 p. 3. GONÇALVES LF, MANFRO RC, VERONESE FV, SAITOVITCH D. Transplante Renal: Aspectos clínicos, rotinas e complicações. In: Barros EJ, Manfro RC, Thomé FS, Gonçalves LF (eds). Nefrologia: Rotinas, Diagnóstico e Tratamento. 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