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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE FEIRA DE
SANTANA/BA,
DIREITO À SAÚDE – PACIENTE COM LINFOMA DE HODGKIN CLÁSSICO ESTÁGIO III B- NEOPLASIA MALIGNA - NECESSIDADE DE TRATAMENTO
MÉDICO – EM CARÁTER DE URGÊNCIA – SISTEMA ÚNICO DE SÁUDE OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO –
MEDIDA CAUTELAR.
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República
infra-firmado, com base no art. 129, II e III da Constituição Federal, na Lei Complementar Federal n. 75/93 e
na Lei n. 7.347/85, vem propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, em face
da:
1. UNIÃO, pessoa jurídica de direito público, representada pelo
Procurador-Chefe da Advocacia Geral da União, com sede na Avenida
Tancredo Neves, n. 450, 28º andar, Ed. Suarez Trade, Caminho das
Árvores, Salvador/BA;
2. ESTADO DA BAHIA, pessoa jurídica de direito público, representada
pelo Procurador-Geral do Estado, com sede no Largo do Campo
Grande, n. 382, Salvador/BA; e
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3. MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA, pessoa jurídica de direito
público, na pessoa do Prefeito Municipal, com sede na Av. Sampaio, n.
344, Centro, Feira de Santana/BA.
I – DO OBJETO DA AÇÃO
Pretende-se com a presente ação a realização de tratamento médico
quimioterápico, EM CARÁTER DE URGÊNCIA, para o Sr. ZILDO DA GAMA, 59 anos, que padece do
LINFOMA DE HODGKIN CLÁSSICO, celularidade mista, estágio III B, que constitui um tipo de
NEOPLASIA MALIGNA que afeta a medula óssea e o sistema imunológico.
II - DOS FATOS
Compareceu à sede da Procuradoria da República da Subseção
Judiciária de Feira de Santana/BA, em 29/11/2007, o Sr. JUSCÉLIO DANTAS DA CRUZ, professor da
Universidade Estadual de Feira de Santana, que também faz parte da etnia cigana, cuja representação
encontra-se anexa, solicitando providências do MPF, visto que o Sr. ZILDO DA GAMA, brasileiro, maior,
solteiro, portador de R.G. n. 2.976.950, SSP/BA, necessita submeter-se a tratamento médico quimioterápico
o mais breve possível, conforme relatório médico que instrui a inicial, tendo em vista que padece de
LINFOMA DE HODGKIN CLÁSSICO, celularidade mista, estágio III B, que constitui um tipo de
NEOPLASIA MALIGNA que afeta a medula óssea.
Consoante os termos do relatório médico emitido pelo Dr. Ernesto
Cunha Pires, CRM n. 12.072, hematologista do Instituto de Hematologia de Feira de Santana – IHEF que
vem acompanhando o paciente, a demora no início da quimioterapia poderá implicar queda no estágio
geral, caquexia (perda de massa muscular) e disseminação da doença linfoproliferativa para os demais
órgãos, prejudicando o tratamento desta doença curável.
Segundo o representante, o referido cidadão faz parte da etnia cigana e
não dispõe de condições financeiras para arcar com os custos do tratamento médico, visto que não é
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sequer aposentado. Entretanto, o Município de Feira de Santana, através da Secretaria Municipal de
Saúde, negou-se a realizar o tratamento, sob a alegação de que o paciente não reside neste município.
Assinala ainda que as asssistentes sociais do Serviço Social da
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, as Sras. Joseli Nascimento Pimentel Nunes e Maria
Vilma de Queiroz Moura Alves, mantiveram contato com a Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana,
a fim de disponibilizar o tratamento médico, mas não lograram êxito, visto que foram informadas pela
própria Secretária Municipal de Saúde, a Sra. Denise Mascarenhas, que o tratamento não poderia ser
realizado em Feira de Santana.
Insatisfeito, o representante tentou a intermediação do Conselho
Municipal de Saúde, obtendo, entretanto, a mesma resposta negativa.
Instaurado o Procedimento Administrativo n. 1.14.004.000279/20007-25
nesta Procuradoria da República, a fim de viabilizar o tratamento médico quimioterápico para o Sr. Zildo da
Gama, foram requisitadas informações à Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana, mediante o
Ofício n. 2109/07-PRM/FS-VA, protocolizado em 30/11/2007, às 15h, sendo fixado o prazo de 05
(cinco) dias úteis para atendimento, com fulcro no art. 8º, §5º, da Lei Complementar n. 75/93, por se tratar
de direito à saúde. Por outro lado, a Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana/BA quedou-se
inerte até a presente data, não disponibilizando o tratatamento médico para o paciente e nem sequer
informando a justificativa da recusa.
Cumpre salientar que a União (Ministéro da Saúde) e a Secretaria de
Saúde do Estado da Bahia não foram oficiados para se manifestar, face à gravidade da doença e à urgência
que o caso requer, porquanto o estado de saúde do Sr. ZILDO DA GAMA não pode aguardar o lento e
burocrático trâmite da Administração Pública brasileira em face iminente possibilidade de proliferação da
neoplasia para os demais órgãos, o que, inevitavelmente, levará o paciente ao óbito.
É cediço que a neoplasia maligna, qualquer que seja a sua espécie e,
principalmente, a que atinge a medula óssea e os vasos linfáticos, responsáveis pela sistema imunológico,
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necessita de tratamento médico pronto e imediato, sob pena de ineficácia dos medicamentos, ante à
agressividade inerente à doença.
Segundo informações constantes no sítio do Instituto Nacional do Câncer
– INCA, uma das instituições mais respeitadas no País no tratamento do câncer, a doença ou Linfoma de
Hodgkin, é uma forma de câncer que se origina nos linfonodos (gânglios) do sistema linfático, um conjunto
composto por órgãos, tecidos que produzem células responsáveis pela imunidade e vasos que conduzem
estas células através do corpo.
A
Doença
de
Hodgkin
surge
quando
um
linfócito
(mais
freqüentemente um linfócito B) se transforma de uma célula normal em uma célula maligna, capaz de
crescer descontroladamente e disseminar-se. A célula maligna começa a produzir, nos linfonodos, cópias
idênticas (também chamadas de clones). Com o passar do tempo, estas células malignas podem se
disseminar para tecidos adjacentes, e, se não tratadas, podem atingir outras partes do corpo. Na Doença
de Hodgkin, os tumores disseminam-se de um grupo de linfonodos para outros grupos de linfonodos através
dos vasos linfáticos.
Existem quatro estágios, correspondendo o estágio I à doença mais
limitada, e o estágio IV, à mais avançada. Também é agregada uma subdivisão destes estágios aos
pacientes com certos sintomas relacionados à doença, chamados sintomas B, tais como febre, sudorese
noturna, perda de peso significativa. Exemplo: se um paciente tem doença avançada (estágios III ou IV), e
tem sintomas B, determina-se o estadiamento como IIIB ou IVB. No caso do Sr. ZILDO DA GAMA,a doença
encontra-se no ESTÁGIO III, COM SINTOMAS B, o que comprova a gravidade do seu estado de saúde e
a premente necessidade de tratamento médico.
A radioterapia é o tratamento tradicional para os estágios precoces
da doença de Hodgkin. A quimioterapia, possivelmente associada à radioterapia, é usada em estágios
avançados da doença, tal como ocorre no caso do Sr. ZILDO DA GAMA.
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A incidência de novos casos permaneceu estável nas últimas cinco
décadas, enquanto a mortalidade foi reduzida em mais de 60% desde o início dos anos 70 devido aos
avanços no tratamento. A maioria dos pacientes com Doença de HODGKIN pode ser curada com
tratamento atual: radioterapia e/ou quimioterapia.
Por fim, se tratada, adequada e tempestivamente, a Doença de
Hodgkin é curável, mas os pacientes devem ser seguidos continuamente após o tratamento, com consultas
periódicas cujos intervalos podem ir aumentando progressivamente.
Vale salientar que o Sr. ZILDO DA GAMA é da etnia cigana e,
portanto, não tem domicílio ou residência fixa, por ser uma comunidade secularmente nômade, o que não
pode ser óbice à obtenção de seu tratamento médico, sobretudo em circunstâncias tão graves e excepcionais,
visto que há sério risco de evolução da malignidade e, por conseguinte, de morte.
Por ouro lado, cumpre ressaltar que o paciente ZILDO DA GAMA
desloca-se frequentemente ao município de Feira de Santana, onde vem sendo acompanhado pelo médico
hematologista Dr. Ernesto Cunha Pires há cerca de 01 (um) ano, de modo que faz-se mister que o tratamento
médico seja realizado neste município.
III - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O artigo 127, caput, da Carta Federal de 1988, define o papel do
Ministério Público, incumbindo-lhe a missão de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os
interesses sociais e individuais indisponíveis. No art. 129, II, comete-lhe a função de “zelar pelo efetivo
respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.
No caso vertente, o Ministério Público Federal busca proteger direito
fundamental à saúde, que, indiscutivelmente, qualifica-se como direito difuso, dada a permeabilidade no
meio social dos agravos à saúde.
Entrementes, para que não se pretenda afastar a legitimidade ativa do
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Parquet, no caso específico, sob o argumento de que os direitos que aqui se deduzem possuem a natureza de
direitos individuais homogêneos, insta observar que, ainda que assim fosse, a legitimidade está preservada em
face da relevância social do direito protegido, que o faz transcender aos interesses do grupo atingido, a tal
monta, que passam a configurar os direitos sociais previstos no art. 127 da Constituição Federal, conforme
explana, entre outros, Teori Albino Zavascki, no brilhante estudo “O Ministério Público e a Defesa de Direitos
Individuais Homogêneos” (in Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 29, págs. 29/40, Porto
Alegre, Revista dos Tribunais, 1993).
A par disso, a Constituição Federal, no art. 197, estabelece:
“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,
cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado.”
O Ministério Público, ao promover ação civil pública com o fim de
compelir o Poder Público a garantir o direito à saúde a seus cidadãos/contribuintes, de outra atribuição não
cuida senão daquela constitucionalmente assinalada de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e
dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição. Nesse sentido, o STF já se
manifestou:
“Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde
fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e
serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder
Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o
mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável
omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante”. (do
voto do Min. Celso de Mello no RE nº 273.834-4/RS, 2ª Turma, Julg. em 12/09/2000).
Ademais, a proteção pretendida visa a atender especificamente a
indivíduos da etnia cigana, que estejam em trânsito por Feira de Santana, moradores de cidades
circunvizinhas ou que estejam de passagem por este município. Assim, os beneficiários da prestação
jurisdicional pretendida serão todos os cidadãos ciganos acometidos por enfermidade, que necessitem de
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atendimento junto ao SUS, derivando-se daí a legitimidade do Ministério Público para defender o
interesse individual indisponível, consistente no direito à saúde, de uma minoria específica.
Destarte, afigura-se legítima a atuação do MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL para a defesa de direitos e interesses difusos, entre os quais se insere o direito à saúde,
exteriorizada, in casu, na busca de provimento judicial que assegure tratamento aos pacientes, da etnia
cigana, usuários do SUS, ainda que não tenham residência na cidade de Feira de Santana.
Cumpre assinalar que não há Defensoria Pública da União em Feira
de Santana, o que forçosamente impõe a ação do Ministério Público Federal, em cumprimento à sua
missão constitucional que é zelar pelos serviços de relevância pública, nos termos do art.129, inciso II e
IX da carta Republicana de 1988.
Por outro lado, por força de previsão constitucional, o SUS deve ser
universal e gratuito, para todos os cidadãos, independentemente do domicílio, raça, cor, sexo, religião ou
qualquer forma de discriminação que atente contra a dignidade da pessoa humana.
IV - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Os óbices burocráticos ou orçamentários opostos pelos gestores do SUS
não são aptos a afastar o dever constitucionalmente imposto ao Estado (Poder Público) de garantir o pleno
direito à saúde, conforme a seguir se demonstrará.
O artigo 196 da Constituição Federal estabelece:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Este dispositivo não é uma mera ordem programática despida de
conteúdo jurídico obrigacional. O art. 196 da CF obriga o PODER PÚBLICO a garantir o direito à saúde
mediante políticas sociais e econômicas, bem como a exercer ações e serviços de forma a promover, proteger
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e recuperar a saúde. A tal dever corresponde o direito subjetivo público do cidadão de ver tais ações e
serviços implementados. Nesse sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal:
“PACIENTE COM PARALISIA CEREBRAL E MICROCEFALIA. PESSOA
DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO
DE MEDICAMENTOS E DE APARELHOS MÉDICOS, DE USO NECESSÁRIO, EM FAVOR DE PESSOA
CARENTE. DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196). PRECEDENTES
(STF).
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica
indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196).
Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o
Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a
garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política
- que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob
pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade
governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. Precedentes do STF”. (STF, RE n.
273.834-4/RS. 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, Julg. 12/09/2000).
Como se observa, o direito à saúde implica para o Poder Público o dever
inescusável de adotar todas as providências necessárias e indispensáveis para a sua promoção. Nesse
contexto jurídico, se o poder público negligencia no atendimento de seu dever, cumpre ao Poder Judiciário
intervir, num verdadeiro controle judicial de política pública, para conferir efetividade ao correspondente
preceito constitucional.
Por sua vez, a legislação infraconstitucional, regulando e estruturando o
Sistema Único de Saúde constitucionalmente estabelecido, em atenção ao princípio da integralidade da
assistência, define, no artigo 2º da Lei n. 8.080/90 que “a saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. ”. Estabelece ainda, em seu
artigo 6º, inciso I, alínea d, que “Estão incluídas [...] no campo de atuação do Sistema Único de Saúde
(SUS) [...] assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica”.
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Além disso, saliente-se que o art.7º da Lei 8.080/90, consagra os
princípios e diretrizes que noteiam o Sistema Único de Saúde:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços
privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal,
obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os
níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou
privilégios de qualquer espécie; (grifos nossos)
Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema
Único de Saúde elenca como princípio basilar a integralidade de assistência, definindo-a como um conjunto
articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema.
É dever do Sistema Único de Saúde fornecer tratamento médico
quimioterápico, que é devidamente previsto na lista oficial do Ministério da Saúde, a todos aqueles que não
possam arcar com os custo do tratamento que, na maior parte das vezes, é de alto custo.
Por fim, a Lei n. 9.313/96 estabeleceu a gratuidade do fornecimento
de toda a medicação necessária ao tratamento da AIDS, sendo perfeitamente cabível seu emprego analógico
às demais doenças de um modo geral.
A Suprema Corte, por intermédio de uma de suas dignas vozes, S. Exa.
o Ministro CELSO DE MELLO, apresenta inteligente orientação no seguinte sentido, verbis:
“Não deixo de conferir [...] significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN
HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Righs”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de
efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos,
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sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais
positivas concretizadas de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade
de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a
incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir,
considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta
Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação
de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a
preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da 'reserva do possível' – ressalvada a ocorrência de justo
motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados
de um sentido de essencial fundamentalidade (ADPF 45 MC/DF – Informativo do STF nº 345).”
Nítido está que o objetivo primordial da presente demanda, para a qual
está devidamente legitimado a figurar no pólo ativo o Ministério Público Federal, é a proteção de um dos
direitos individuais e coletivos mais relevantes e que restou violado com a não disponibilização do tratamento
pelo SUS, a pacientes oriundos a etnia cigana, não residentes em Feira de Santana, moradores de
cidades circunvizinhas ou que estejam de passagem por Feira de Santana. Aliás, configura-se com tal
negativa a subsunção ao tipo penal do artigo 135 do Código Penal – omissão de socorro.
Não menos maculada restou a garantia constitucional da saúde, como
direito de todos e dever do Estado, que se não possuísse acepção de valor/interesse social, não mereceria
tratamento individualizado pela Carta Magna de 1988, no Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da
Seguridade Social), Seção II.
Neste sentido, os tribunais pátrios têm entendimento pacífico quanto à
matéria em epígrafe, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, que, em reiteradas decisões, consagrou a
jurisprudência no sentido de que compete ao Poder Público a prestação integral da assistência à saúde.
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“Constitucional e Administrativo. Mandado de Segurança. Objetivo: Reconhecimento do
direito de obtenção de medicamentos indispensáveis ao tratamento de retardo mental,
hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. denegação da
ordem. recurso ordinário. direito à saúde assegurado na constituição federal (art. 6º e 196
da cf). provimento do recurso e concessão da segurança.
I - É direito de todos e dever do Estado assegurar aos cidadãos a saúde, adotando
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e permitindo o acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196 da CF).
II - Em obediência a tais princípios constitucionais, cumpre ao Estado, através do seu
órgão competente, fornecer medicamentos indispensáveis ao tratamento de pessoa
portadora de retardo mental, hemiatropia, epilepsia, tricotilomania e transtorno orgânico da
personalidade.
III - Recurso provido. (Origem: STJ. Classe: ROMS. Processo: 2001000890152. UF: MG.
Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 13/08/2002. Relator: GARCIA
VIEIRA). (grifos nossos)
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988,
configura direito fundamental de segunda geração. Nesta geração, estão os direitos sociais, culturais e
econômicos, que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado. Não se trata mais, como nos
direitos de primeira geração, de apenas impedir a intervenção do Estado em desfavor das liberdades
individuais.
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o
direito de exigir do Estado prestações sociais (positivas) nos campos da saúde, alimentação, educação,
habitação, trabalho, etc.
Cumpre ressaltar, por fim, que constitui fundamento da República
Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal, impondo-se, assim, ao Poder Público, em todas as suas esferas, federal, estadual e
municipal a adoção das medidas, políticas e providências no sentido de cumprir o mandamento constitucional
e garantir a todos, sem qualquer distinção, o acesso aos serviços básicos e fundamentais, tal como a saúde
e, precipuamemte, à vida.
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V - DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
No presente caso, todos os requisitos exigidos pela lei processual para
o deferimento da antecipação da tutela encontram-se reunidos.
A verossimilhança da alegação está plenamente demonstrada, conforme
as razões fáticas, jurídicas e probatórias desta petição de ingresso. A demora na prestação jurisdicional
evidentemente trará conseqüências graves para a saúde do enfermo que se busca tutelar.
Em relação ao paciente nominado, há necessidade premente de
obtenção do tratamento de quimioterapia, em face do eminente risco de morte.
Há ainda o fundado receio de dano irreparável, que deflui da
inequívoca gravidade da enfermidade que acomete o Sr. ZILDO DA GAMA. Em uma palavra, a doença pode
evoluir (e isso inevitavelmente ocorrerá) com a demora em iniciar-se o tratamento, ocasionando complicações
irreversíveis, porquanto ensejará a disseminação das células malignas pelos demais órgãos do corpo humano,
se não for adotado o tratamento ora pleiteado em caráter urgência.
Justifica-se, in casu, o pedido liminar em relação a ZILDO DA GAMA,
pelo fato de estarem caracterizados, à lume do artigo 804, do Código de Processo Civil, todos os
pressupostos autorizadores de sua concessão.
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado,
consubstancia-se no relatório médico assinado pelo médico especialista em hematologia que acompanha o
paciente há mais de 01 (um), e atesta, de forma clara e inequívoca, que ZILDO DA GAMA apresenta
diagnóstico de LINFOMA DE HODGKIN CLÁSSICO, celularidade mista, estágio III B, que constitui um tipo
de NEOPLASIA MALIGNA que afeta a medula óssea, necessitando de tratamento médico o mais breve
possível, que, no entanto, foi-lhe negado pelo SUS.
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O periculum in mora é notório e decorre do risco da ocorrência de
agravamento do quadro clínico deste paciente, em decorrência da falta de tratamento médico adequado. O
receio de lesão consubstancia-se na possibilidade de o paciente experimentar prejuízo irreparável ou de difícil
reparação, se tiver de aguardar o tempo necessário para decisão definitiva da lide.
Impõe-se, na espécie, a dispensa de intimação da Fazenda Pública
para os fins do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, no tocante à disponibilização do tratamento quimioterápico ao
paciente ZILDO DA GAMA, em face da gravidade da enfermidade e da urgência que o caso requer, sob
pena de se tornar inócua decisão posterior. Ademais, a garantia constitucional do direito à vida prevalece
quando em confronto com as regras de direito processual civil, ainda que de ordem pública.
Deferir a antecipação da tutela, no presente caso, significa preservar
a vida do mencionado enfermo e respeitar sua condição de ser humano e cidadão, que tem o direito de
cobrar do Estado o atendimento integral à saúde.
Todos os requisitos legalmente exigidos para o deferimento do
provimento jurisdicional se encontram presentes.
Em razão do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a
Vossa Excelência:
a) a concessão da antecipação da tutela inaudita altera parte, a fim de
que seja determinando à UNIÃO, ao ESTADO DA BAHIA e ao MUNÍCIPIO DE FEIRA DE SANTANA, de forma
solidária, a disponibilização do tratamento médico de quimioterápico para o Sr. ZILDO DA GAMA, de forma
imediata, em qualquer dos estabelecimentos médicos existentes nesta cidade, públicos ou privados.
Impende salientar que a relação obrigacional é solidária, devendo a UNIÃO, se for o caso, repassar ao
ESTADO e ao MUNICÍPIO os recursos necessários a custeá-la; e
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b) a cominação de multa diária para caso de descumprimento da
decisão antecipatória, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais).
VI - DOS PEDIDOS PRINCIPAIS
Por fim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:
a) seja julgada procedente a pretensão ora deduzida, confirmando-se a medida cautelar, condenando-se a
UNIÃO, o ESTADO DA BAHIA e o MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA, de forma solidária, nas
obrigações ali descritas relativamente a ZILDO DA GAMA e a todos os pacientes oriundos a etnia cigana,
não residentes em neste município, moradores de cidades circunvizinhas ou que estejam de passagem
por Feira de Santana;
b) a citação dos entes demandados, nas pessoas de seus representantes legais, para contestarem a presente
ação e acompanhá-la em todos os seus termos, até final procedência, sob pena de revelia e confissão;
c) a dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18
da Lei n. 7.347/85; e
d) em que pese já tenha apresentada prova pré-constituída do alegado, o MPF requer se lhe faculte a
produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente prova documental, testemunhal,
pericial e inspeção judicial, na medida necessária ao pleno conhecimento dos fatos.
Dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais).
Pede deferimento.
Feira de Santana/BA, 12. DEZ. 2007
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VLADIMIR ARAS
Procurador da República
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