ASPECTOS HISTÓRICOS Contextualização da doença mental ao longo da História. Relações HistóricoHistórico-Sociais da Saúde Mental Prof. Drª. Rossana Sade • Os primeiros registros de transtornos psiquiátricos estão relatados nos livros do Antigo Testamento. • Séculos mais tarde havia apenas algumas alusões à loucura, principalmente quando o assunto era comportamento estranho, personalidade incomum e possessões, tanto demoníacas quanto divinas. • O termo genérico empregado nesses casos era loucura, sempre com a conotação de fúria e raiva. LOUCURA 1 A sociedade explicou e tratou o comportamento anormal de diferentes maneiras em diferentes momentos. A maneira como uma sociedade particular reage à anormalidade depende dos seus valores e suposições sobre a vida e o comportamento humano. • GREGOS - Foram os primeiros a elaborar uma teoria sobre os fenômenos mentais. - Platão Mente e Matéria eram fenômenos separados. Para ele existiam várias formas de loucura: melancolia, mania e demência. - Aristóteles discípulo de Platão, o cérebro condensava vapores que emanavam do coração, ponto de vista que perdurou até século XVIII. • HIPÓCRATES Em uma pequena ilha do mar Egeu, na Grécia, próximo ao litoral da Asia Menor – a ilha de Kós - floresceu no século V a.C. uma escola médica destinada a mudar os rumos da medicina, sob a inspiração de um personagem que se tornaria, desde então, o paradigma de todos os médicos. • A compreensão da doença mental tem passado por diversas fases dentro da história da humanidade. • Na Antigüidade pré-clássica, as doenças eram explicadas como resultantes da ação sobrenatural; a partir de 600 a.C. • Os filósofos gregos trouxeram a idéia organicista da loucura e até o começo da Idade Média o tratamento dispensado era de apoio e conforto aos doentes mentais. • O Pai da Medicina Moderna Hipócrates explica o comportamento anormal em termos de causas naturais, ao invés de sobrenaturais, ensinou que o cérebro é o órgão responsável pelos transtornos mentais. • Forças religiosas e filosóficas moldaram as atitudes em relação aos doentes mentais até o início da era Cristã. • As teorias começam a ganhar espaço na medicina e nas ciências humanas.Nessa fase surgem os primeiros métodos de tratamento da loucura. • Restrições e flebotomia (sangria) • “Se é a mente que ilude o louco, ele é melhor tratado por tortura, fome, grilhões ou chicotadas” dizia o romano Celso (enciclopedista) • Aristeu da Capadócia ensinou que a doença mental tinha sua origem na cabeça ou no abdômen. 2 • Século II médico Grego Galeno definiu alucinação e ilusão. • - Século II d.C. Médico Célio Aureliano Reuniu vários fatores que poderiam desencadear doenças mentais, tais como: abuso de vinho, ferimento na cabeça, supressão da menstruação, exposição forte a luz solar, superstição, fama ou dinheiro. Divulgou os escritos do médico Soranus. • As receitas de Soranus tinham um toque humanista para época. Os médicos tratavam como métodos terapêuticos, substâncias que provocavam vômito e o álcool. Soranus questiona: “Como se pode curar a mente de um homem de uma intoxicação através de outra intoxicação”. • Ele trata pacientes maníacos, colocando-os em quartos tranqüilos, iluminado e no térreo, para evitar acidentes, Soranus combate os tipos de tratamentos através da força. • Na última metade do século II d.C., a medicina foi dominada pelo médico grego Cláudio Galeno, afirmava que as sensações e, portanto a alma estava localizada nos centros nervosos. O cérebro seria a fonte de todas as funções psíquicas. • Durante a Idade Média, com o fortalecimento da Igreja Católica, os fenômenos mentais passaram a ser explicados sob outra perspectiva. Demônios, pecados e feitiços. DEMONOLOGIA • Na Europa medieval, na qual um ponto de vista religioso era predominante, a anormalidade era freqüente atribuída a causas sobrenaturais, como demônios e o tratamento envolvia preces e diversas formas de exorcismo. Na sociedade norte-americana, que coloca muita fé na ciência e nos “milagres da Medicina moderna”, não é surpreendente que o comportamento anormal seja considerado uma doença mental e seja com freqüente tratado com drogas. A crença de que o comportamento anormal é causado por forças sobrenaturais que assumem o controle da mente ou do corpo é anterior ao começo da história escrita. Evidencias na forma de rolos de papiro, monumentos e os antigos livros de bíblia revelam que os antigos egípcios, árabes e hebreus acreditavam que o comportamento anormal era decorrente de possessão por forças sobrenaturais, como deuses irados, maus espíritos e demônios. 3 Não havia nada incomum em relação a estas culturas antigas atribuírem o comportamento anormal à ação de forças sobrenaturais porque elas acreditavam que muitos outros fenômenos, tais como incêndios e inundações, também eram causadas por forças sobrenaturais. A abordagem típica para expulsar os demônios era usar encantamentos, preces ou poções para persuadi-los a irem embora. Em alguns casos, diversas formas de punição física, como apedrejar ou açoitar, eram defendidas como um meio de forçar os demônios para fora de uma pessoa possuída. Um dos tratamentos antigos consistia em girar os pacientes. Benjamin Rush, o “pai da psiquiatria norteamericana” é citado como dizendo que “nenhuma instituição bem equipada deveria estar desprovida do balanço giratório” Esta pintura mostra pacientes sendo desacorrentados no Hospital Salpêtrière em Paris em 1792. O movimento em direção a um tratamento mais humano dos pacientes mentais marcou uma importante virada na altitude da sociedade em relação aos mentalmente doentes. Todavia, não levou a uma melhora significativa para a maioria dos doentes, pois tratamentos eficazes não estavam ainda disponíveis • Líderes religiosos como São Jerônimo, no século V. Papa Gregório IX, no século VI, rejeitaram todo conhecimento científico, o caminho para cura da loucura estava no exorcismo de espíritos maus, possessões demoníacas. • Alquimista francês Arnold de Villanova século XIII , tentando unificar as teorias de Galeno com as dogmas da Igreja, desenvolveu um método para tratamento da loucura: - com uma cruz, perfurava o crânio do doente para que pudesse sair os demônios e os Vapores mórbidos. 4 No final da Idade Média até a Idade Moderna houve uma mudança radical desses conceitos. O doente mental passou a ser visto como um possuído pelo demônio, dessa forma o tratamento antes humanitário foi mudado para: - Espancamentos, - Privação de alimentos, - Tortura generalizada e indiscriminada, - Aprisionamento dos doentes para que estes se livrassem dessa possessão. • O primeiro Asilo da Europa foi construído em Hamburgo, na Alemanha, em 1375, tentando resgatar os doentes marginalizados pela sociedade. • No século XVII já existiam hospitais para os excluídos socialmente, grupo constituído pelos doentes mentais, criminosos, mendigos, inválidos, portadores de doenças venéreas e libertinos. Embora a loucura tivesse passado do campo mitológico para o âmbito médico, ainda a medicina não tinha elementos para defini-la. OLHAR HUMANITÁRIO PHILIPPE PINEL 5 • As superstições perdem força para ciência no século XVIII, Pinel destaca-se na humanização da Psiquiatria. • Pinel nasceu em 20 de abril de 1745, em Saint-André, Tarn, França, faleceu em 25 de outubro 1826, em Paris. Filho de médico, formou-se em medicina em Toulouse no ano de 1773. • Chefiou, ainda, os serviços médicos do manicômio de Bicêtre, a partir de 1793, e, em 1794, passou a ocupar idêntico posto no Hospital da Salpêtrière, para mulheres. • Em 1803, foi eleito membro do Institut de France e, mais tarde, professor de Patologia da Escola de Medicina de Paris. • Sob sua direção, o Hospital da Salpêtrière tornou-se um dos mais conhecidos estabelecimentos neuropsiquiátricos do mundo, sendo que, mais tarde, com acertada justiça, lá seria erguida uma estátua em sua memória. • Mudou-se para Paris em 1778, para se sustentar, traduzia obras de medicina, ao mesmo tempo em que lecionava matemática. Nessa época, Pinel visitava doentes mentais confinados e escrevia artigos sobre suas observações. Em 1792, tornou-se médico chefe do asilo para homens em Bicêtre, Paris, onde realizou sua primeira grande reforma, ao tirar as correntes dos pacientes. • Pinel elevou a categoria dos doentes, antes tratados como criminosos ou endemoniados, à condição de "homo paciens" e a doença mental, como o resultado de uma exposição excessiva à estresses sociais e psicológicos, e, em certa medida, a danos hereditários, sendo que tais enfermidades decorreriam de alterações patológicas no cérebro. 6 • O tratamento no manicômio, de acordo com Pinel deveria ser de reeducação do alienado, implicando respeito às normas e desencorajamento das condutas inconvenientes. • “A função disciplinadora do manicômio e do médico deve ser exercida como um perfeito equilíbrio entre firmeza e gentileza. Mais ainda, a permanência demorada do médico em contato com os doentes melhora seu conhecimento sobre os sintomas e sobre a evolução da loucura”, afirmava Pinel. Sabemos que é um conceito ambíguo. Nos dicionários filosóficos, o termo remete "ao que concerne aos costumes, sejam as regras de condutas admitidas numa época, numa sociedade determinada" (Inwood, 1997). Também ao que se refere ao estudo filosófico do bem e do mal, designando, portanto, o que é conforme à moral, o que visa à ação e ao sentimento, por oposição à lógica ou ao intelectual. • Porém com o passar do tempo houve uma leitura modificada do tratamento moral de Pinel, sem os cuidados originais do método. • O termo 'moral'? Qual é o papel da 'moralidade' no discurso do nascimento da psiquiatria? • As idéias corretivas para o comportamento dos hábitos dos doentes passaram a ser recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional, recursos estes que visavam naquele momento ao bem da instituição. Tudo era justificado para submeter o doente mental. • No início do século XIX o tratamento do doente era uma releitura distorcida do tratamento moral de Pinel e utilizava medidas físicas e higiênicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias. 7 Mesmo com todos os esforços de Philippe Pinel para humanizar os métodos de tratamento da loucura, os doentes mentais continuaram a enfrentar terapias cruéis nos séculos seguintes. O temido eletrochoque – numa versão completamente diferente da que existe hoje – surgiu em meados do século XIX. CHOQUE, ÁGUA E LOBOTOMIA O neurologista americano George Miller Beard foi um dos primeiros a sugerir o uso de eletricidade para curar pacientes deprimidos, letárgicos, carentes de energia e “exauridos” por excesso de trabalho ou carentes de atividade sexual. Beard afirma que a estimulação farádica – uma homenagem, a Michael Faraday, o descobridor da indução magnética da eletricidade – produzia contração muscular e ajudava a curar todos os tipos de doenças emocionais e condições nervosas. Seus livros traziam ilustrações mostrando onde deveriam ser feitas as aplicações, mais ou menos como na acupuntura chinesa. Ele também dava exemplos de curas em casos de mania, insanidade da menopausa, histeria entre outros. Embora exista até hoje, a eletroconvulsoterapia (nome técnico do eletrochoque) sofreu importantes modificações. “O paciente é anestesiado e não sente nada”, defende Gentil Filho, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. A técnica é usada no tratamento de patologias resistentes à medicação. 8 As terapias físicas, porém, não se restringiram ao uso da eletricidade. Na hidroterapia, por exemplo, o paciente era afundado ou recebia um jato de água. Alguns defendiam que o doente deveria ficar submerso até que as bolhas de ar parassem de subir (acreditava-se que a suspensão das funções vitais deixava os pacientes mais ajustados). Na “cura pela febre”, faziam o paciente contrair uma infecção. Muitos deles, porém, acabavam morrendo de tuberculose ou eram acometidos por septicemia (infecção generalizada). • Em 1961 o Pres. Kennedy lança o seu “Action for Mental Health” propondo a criação de ambulatórios psiquiátricos que dariam atendimento preventivos e deveriam diminuir as hospitalizações. Juntou se a isso a possibilidade do emprego de novas drogas antipsicóticas e antidepressivas com a conseqüente diminuição importante dos internamentos. Uma das terapias mais controversas da história da psiquiatria apareceu já no século XX. Introduzida em 1935 pelo médico português Egas Moniz, a lobotomia consistia numa intervenção cirúrgica no cérebro na qual era seccionadas as vias que ligam as regiões pré-frontais e o tálamo (um importante centro coordenador das funções cerebrais). Em 1949, Moniz ganhou o Nobel de Medicina e Fisiologia por sua contribuição. Vinte anos mais tarde, porém, a lobotomia caiu em desuso. Até hoje, médicos e psicólogos discutem a eficiência das cirurgias psiquiátricas. O trabalho de esvaziamento do macro-hospital, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e auxiliares participaram ativamente do processo. Aos poucos, nomes como Laing, Foucault, Basaglia passaram a ser citados nas discussões e surgiu um grupo bastante aguerrido de trabalhadores de saúde mental que passaram a defender a bandeira da Reforma Psiquiátrica. Logo a palavra de ordem era luta contra o asilo, mas como este nome não tinha força suficiente, reviveu-se o termo manicômio e pronto, estava desfraldada a bandeira anti-manicomial. 9 Aos poucos, o que era considerado como uma doença moral passou também a ter uma concepção orgânica, de acordo com o pensamento de vários discípulos de Pinel. As técnicas de tratamento usadas pelos que defendiam as teorias organicistas eram as mesmas empregadas pelos adeptos do tratamento moral, todas com explicações e justificativas fisiológicas para sua utilização. A partir daí prevalecem as teorias organicistas da doença mental decorrentes de descobertas experimentais da neurofisiologia e da anatomia patológica. Mesmo assim, entrando no século XX a idéia de submissão do louco persistia. O moderno movimento de humanização dos manicômios, a que estão engajados os organismos de ponta da evolução social, não podem esquecer, na sua trajetória de luta, que o seu representante primeiro, foi, sem sombra de dúvida, Philippe Pinel. Em conformidade com a tradição filosófica da sua época, Pinel alinha-se explicitamente àqueles que atribuem ao qualificativo 'moral' um tratamento que surge dos métodos psíquicos, em oposição às diversas terapêuticas orgânicas, físicas, medicamentosas da medicina mental. Tradição essa que nos leva à trajetória de Charcot. O nascimento da psicanálise, e à obra de Lacan. Também ao pensamento de Laing, Cooper e Basaglia, representantes da antipsiquiatria . 10 A fonte mais citada era a lei 180 de 1978 na Itália que propunha não hospitalizar e a desospitalizar os que estivessem hospitalizados. O desdobramento político da atuação deste grupo se materializou na Lei da Reforma Psiquiátrica na Itália. • Os hospitais psiquiátricos no Brasil surgiram no final do século XIX, profundamente influenciados pela psiquiatria francesa e pelo tratamento moral. • O primeiro foi o Asilo Pedro II, no Rio de Janeiro fundado em 1853. O Hospício São Pedro de Porto Alegre, hoje Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), foi inaugurado em 1884. As atividades de ensino neste Hospital tiveram início em 1908, incentivadas por seu Diretor Dr. Deoclécio Pereira, para os alunos da Faculdade de Medicina, que atualmente faz parte da UFRGS. • Posteriormente, em 1926, inicia-se a grande fase de pesquisas no Hospital, instituída por seu Diretor Dr. Jacyntho Godoy. HOSPITAIS PSIQUIÁTRICOS NO BRASIL • É dentro deste contexto histórico que se encontra o doente mental hospitalizado, agora sujeito de estudo. Eles constituem uma população específica, com perda da sua autonomia e vulneráveis não só em decorrência da própria doença que os afeta, mas também pela situação de abandono que muitas vezes se encontram. • Existe uma dificuldade, muitas vezes rechaço para tê-los dentro do meio familiar. Ora indivíduos institucionalizados, com famílias omissas, situação de abandono praticamente colocam este doente numa realidade diferente, inclusive permissiva. 11 • Muitas formas de tratamento e inovações foram introduzidas naquela época tais como - Insulinoterapia de Sakel, - eletroconvulsoterapia de Ugo Cerletti, entre outros métodos de tratamento. • A fundamentação teórica para estes procedimentos seria que uma desmontagem da estrutura psíquica proporcionaria uma reconstrução sadia. • 1960- Ditadura Militar • Hospitais Psiquiátricos – Juqueri Um das mais famosas colônias psiquiátricas do mundo, localizada em Franco da Rocha, estado de São Paulo. Fundado em 1898 pelo psiquiatra paulista Franco da Rocha, o Asilo de Alienados do Juqueri passa a denominar-se Hospital e Colônias de Juqueri em 1929. Enfrentou a explosão migratória dos anos 60 provocada pelo desenvolvimento industrial, que contribuiu para o aumento do desemprego, mendicância e marginalidade. Em 1968 chegou a ter mais de 14 mil internados. Um pavilhão para menores foi inaugurado em 1922 e em 1957, do total de doentes 3.520 eram crianças. Num só ano a população de pacientes aumentou em quase quatro mil pessoas, passando de 7.099 em 1957 para 11.009 em 1958. 12 Além da redução do número de internos a administração implantou um programa de resgate da cidadania de pacientes, funcionários e moradores. O funcionário passa por cursos de aperfeiçoamento profissional e os pacientes voltam cada vez mais ao convívio com a sociedade recebem incentivo à manifestação artística, como pintura, escultura e artesanato. Em 1981 o complexo contava 4.200 pacientes entre o Juqueri e o Manicômio Judiciário, instalados na mesma área. Além desses, vários órgãos públicos, como escolas, Corpo de Bombeiros, 26º Batalhão da Polícia Militar, lixão e até invasores de terra situam-se na Fazenda Juqueri, com 1.100 hectares ou 731 quilômetros quadrados de área. Tratava-se de uma instituição prestando atendimento aos municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Cajamar, Caieiras e Mairiporã, no conjunto com cerca de 400 mil habitantes. Esses municípios formaram-se a partir do hospital. Embora esteja em andamento no Brasil há anos, a reforma psiquiátrica permacece em debate, e as resoluções tomadas ainda não foram totalmente implementadas. Entre elas há a desativação dos manicômios, para que aqueles que sofrem de distúrbios mentais possam conviver livremente na sociedade. Ocorre que muitos deles sequer têm nome conhecido, documentos, familiares, dificultando a reinserção social. Sequer têm acesso aos benefícios sociais oferecidos pelo Estado, como a aposentadoria e auxílio-doença. O diagnóstico de 1995 detectou 1.800 internos, 9% dos quais em condição de alta; 13% de deficientes físicos/mentais; 21% de idosos sem doença mental primária; 21% em condição de reinserção social; 36% de doentes mentais em condição de reabilitação. Em 1998, havia 1.411 internos (741 homens e 670 mulheres) e nenhuma criança. A maioria (47%) tinha entre 41 e 60 anos, estava sob os cuidados de 2.213 funcionários (médicos, técnicos e administrativos). 13 O Juqueri passou a ser progressivamente esvaziado. Em alguns casos, conseguiu encaminhar pacientes de volta para casa. Em outros, promoveu a mudança de internos para preencher o modelo terapêutico estabelecido pelo SUS e manter no máximo 40 pacientes em cada um de seus 27 módulos. Até o fim de 2006, a instituição deve ficar com cerca de 200 pacientes, 40 deles no módulo de casos agudos. Unidade, já abrigou 18 mil pacientes na década de 70. Se defende, hoje, uma assistência psiquiátrica que englobe todos os aspectos da existência humana da clientela, que abranja todas as dimensões da vida cotidiana, como alimentar-se, dormir, relacionar-se com outros indivíduos, criar laços, amar, divertir-se, trabalhar, além de ser atendido por um clínico; quando se sustenta como terapêutica a instauração de um quadro coletivo que seja multiplicador de energias e promotor da sociabilidade. Quando se pretende êxito lá onde o asilo fracassou, por meio da substituição dessa instituição, lugar zero de trocas sociais, pela multiplicidade extrema das relações sociais — o que estamos propugnando, no que diz respeito a novos significantes? • Referências Bibliográficas IRWIN, M et al. Psychotic patients understanding of informed consent. Am J Psychiatry, 142: 1351-4, 1985. BASTOS, O. The history of psychiatry and mental health in Brazil. J bras Psiq, 46(9): 473-475, 1997. GODOY, J. Psiquiatria no Rio Grande do Sul. S. Ed., 461p., 1955. LIMA, L. A., LOVISI, G. M., MORGADO, A. F. Questões da bioética no contexto da reforma psiquiátrica. J bras Psiq, 48(1): 21-27,1999. RIBEIRO, P. R.M. Da psiquiatria à saúde mental: esboço histórico. J bras Psiq, 48(2): 53-60,1999. RIBEIRO, M. S., TEIXEIRA, L.S. Por uma ética das práticas em saúde mental. J bras Psiq, 46(6): 331-337, 1997. 14 Uma fábula oriental conta a história de um homem em cuja boca, enquanto ele dormia, entrou uma serpente. A serpente chegou ao seu estômago, onde se alojou e de onde passou a impor ao homem a sua vontade, privando-o assim da liberdade.O homem estava à mercê da serpente: já não se pertencia. Até que uma manhã o homem sente que a serpente havia partido e que era livre de novo. Então dá conta de que não sabe o que fazer da sua liberdade: “No longo período de domínio absoluto da serpente, ele se habituara de tal maneira a submeter à vontade dela a sua vontade; aos desejos dela, os seus desejos e aos impulsos dela, aos seus impulsos, que havia perdido a capacidade de desejar, de tender para qualquer coisa e de agir autonomamente”. “Em vez de liberdade, ele encontrava o vazio”, porque ”junto com a serpente saíra a sua nova ‘essência’, adquirida no cativeiro”, e não lhe restava mais do que reconquistar pouco a pouco o antigo conteúdo humano de sua vida. Relatada por Jurij Davydov em IL Lavoro e la libertà, Einaudi. Torino, 1966 (trad. de V.Strada) 15