A transição de regime monetário no mundo emergente

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A transição de regime monetário no mundo emergente
Estaria o regime de metas de inflação - a regra que a maioria dos bancos
centrais utiliza para fixar a taxa de juros (embora não o Fed nos EUA) – em
agonia? Muitos analistas parecem pensar assim.
Mark Carney, atual Presidente do Banco do Canadá, nem sequer assumiu seu
novo trabalho no comando do Banco da Inglaterra, mas já anunciou que
poderia mudar a âncora de política. No Japão, o Partido Liberal Democrata
venceu as eleições gerais de dezembro, depois de ter prometido uma política
monetária mais expansionista. E nos EUA, o Fed anunciou que vai manter os
juros baixos até que o desemprego atinja 6,5%.
Nada disso é tão novo quanto parece. Entre os países ricos, o regime de metas
de inflação tem sido abandonado desde a crise financeira de 2008-2009. As
compras em larga escala de ativos realizada pelo Banco Central Europeu, por
exemplo, têm pouco a ver com qualquer definição de metas de inflação.
Mas as metas de inflação têm também perdido a sua influência sobre os
formuladores de políticas em economias emergentes. Começando na década
de 1990, os bancos centrais do Brasil, Chile, México, Colômbia, Peru, África do
Sul, Coréia do Sul, Indonésia, Tailândia e da Turquia utilizaram uma variedade
desse regime.
Mas as coisas mudaram com a crise financeira global. Em uma pesquisa
conjunta com Roberto Chang e Luis Felipe Céspedes mostramos que os
bancos centrais da América Latina, que se valem do regime de metas
inflacionárias, têm utilizado uma série de ferramentas não convencionais de
política, incluindo intervenções no mercado de câmbio e mudanças nos
recolhimentos compulsórios. Novamente, isso está muito longe das
recomendações do livro texto sobre metas de inflação.
O que viria a seguir? No mundo desenvolvido, o mais cotado para substituir as
metas de inflação é a meta do PIB nominal. Isto parece ser o que Carney tem
em mente para a Grã-Bretanha. Sob o novo sistema proposto, se o BoE quiser
manter a inflação em torno de, digamos, 2%, e espera uma taxa de
crescimento real de 3%, deve anunciar uma meta de crescimento nominal do
PIB de 5%.
Este novo regime pode ajudar os Bancos Centrais dos países ricos a manterem
as suas economias devidamente estimuladas. Mas, do ponto de vista dos
países emergentes, uma alteração do regime de política monetária como esta
faz pouco sentido. Desde o início da implantação do regime de metas de
inflação, os bancos centrais na Ásia e América Latina têm enfrentado três tipos
de problemas que não seriam resolvidos pela ancoragem do PIB nominal.
O primeiro problema diz respeito à entrada de capitais e valorização cambial.
Quando os bancos centrais dos países ricos reduzem as suas taxas de juros, o
capital move-se para o Sul e para o Leste. Alguns fluxos são sempre bem
vindos, mas quando se tornam uma inundação, a moeda se aprecia
bruscamente. Normalmente, as exportações de commodities continuam a
crescer, mas as exportações da indústria e não tradicionais sofrem.
O aumento das taxas de juro só atrai mais capital, enquanto que cortes nas
taxas de juros podem causar o superaquecimento da economia, já estimulada
pelos ingressos de capital externo. Diante desse dilema e de forma a tornar os
empréstimos realizados no exterior menos atraentes, muitos dos países
emergentes têm realizado intervenções no mercado de câmbio e aumentado os
recolhimentos compulsórios dos bancos. Este é um problema que diz respeito
à composição do produto (exportações tradicionais e não tradicionais), e não
apenas do seu nível. Mover-se para uma ancoragem no PIB nominal não iria
fazer a diferença.
O segundo problema é compartilhado pelos países ricos e os de média renda:
Como garantir que a política monetária seja endereçada para manter também a
estabilidade financeira. No regime de metas de inflação, as preocupações são
restritas aos preços de bens e serviços e não aos dos ativos financeiros. Se
houver uma "exuberância irracional" e a formação de uma bolha no mercado
imobiliário ou de ações, a abordagem teórica se mantém.
Após a devastação causada pelo ciclo de expansão e recessão dos últimos
anos, muitos economistas não estão confortáveis com essa atitude. Da mesma
forma, muitos dos bancos centrais dos mercados emergentes que, entre outras
medidas, estão adotando mudanças nas regras dos recolhimentos
compulsórios e estipulando limites para a razão entre o valor dos empréstimos
e o das garantias, de forma a estourar, nos estágios iniciais, as bolhas nos
preços dos ativos.
Os defensores do PIB nominal reivindicam que as medidas prudenciais
poderiam ser adicionadas para criar uma versão estendida desse regime.
Talvez, mas elas poderiam ser adicionadas ao regime padrão de metas de
inflação. Mover-se de um sistema para o outro, pouco ajudaria a esse respeito.
O último problema diz respeito ao papel dos bancos centrais como
emprestadores de última instância durante uma crise. Este trabalho é
especialmente importante - e difícil – nos mercados emergentes, porque uma
parte significativa da dívida, tanto pública como privada, é em moeda
estrangeira normalmente. Como resultado, em situações de crise, a atividade
de crédito implicaria na utilização das reservas internacionais e na oferta de
liquidez em moeda estrangeira. Isto é incomum no regime de metas de inflação
e com regime de câmbio flutuante. Mas seria também para um sistema em que
o Banco Central estabelecesse o PIB nominal como meta.
Estas considerações sugerem que o caminho não reside na simples passagem
de uma regra para outra. Os mercados emergentes precisam de um regime de
política monetária que leve em conta a volatilidade do fluxo de capitais, os
desalinhamentos nos preços dos ativos (incluindo a taxa de câmbio) e sua
consequente instabilidade financeira.
A resposta das taxas de juros a esses fatores, provavelmente, não deverá ser a
mesma em tempos tranquilos e turbulentos. Um regime global deve abranger
duas regras - uma para situações de crise e uma para "demais situações" - e
estabelecer orientações explícitas para passar de uma regra para outra.
Estamos longe de sermos capazes de formular e aplicar tal modelo. Mas pelo
menos, a discussão já começou. As contribuições estão abertas.
Andrés Velasco - Ex-ministro das finanças do Chile, Professor visitante de
Assuntos Internacionais e Públicos na Escola da Universidade de Columbia.
Ex-consultor do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, bem como de vários governos latinoamericanos. Copyright: Project Syndicate – 07/01/13. Artigo traduzido e
adaptado pela Assessoria Econômica da ABBC.
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