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Qual é a alternativa?
O Brasil está deprimido, clinicamente. Não consegue ver nenhuma saída para seus problemas. Percebe o
problema fiscal como insolúvel. Tinha metas no passado? Não conseguiu atingir. Tem metas menores no
presente? Já não são factíveis. E as metas futuras, basta prometer, não? Já ninguém acredita. Mas e se
for pra valer, cortando gastos? Dizem que estamos no osso (mesmo gastando mais que 40% do PIB). E
aumentar impostos como no passado? Ninguém mais se submete a isso. A solução então é aceitar o
déficit primário? É a pior saída. Significaria mais inflação, recessão, queda de salário real e piora
na distribuição de renda.
Indicar um déficit primário no orçamento (em vez de superávit) para o ano que vem significa admitir que o
País não consegue se decidir por um caminho que evite o pior. E significa também que não há consenso
para transformar um desequilíbrio no presente em equilíbrio futuro. O resultado será uma dívida
crescente. E um risco Brasil maior. Nesse caso, as agências de classificação provavelmente reduziriam o
grau de investimento do Brasil. Os investidores reprecificariam os ativos brasileiros no mercado, o que
resultaria em queda na bolsa, depreciação do câmbio e juros maiores nos mercados.
A inflação viraria a solução, na falta de opção. A depreciação do real aumentaria a inflação, o que
reduziria as rendas, em termos reais. Os salários não conseguiriam acompanhar a inflação, devido à
fraqueza no mercado de trabalho. As rendas mais baixas sofreriam mais com o aumento da inflação por
estarem menos protegidas e consumirem uma parcela maior da renda.
A inflação é o imposto regressivo que fecha as contas, à força. É a solução clássica no Brasil do passado.
As diversas lideranças neste País recusam-se a optar por outra solução.
E a solução do passado vai enfrentar as instituições do presente: há metas de inflação e um Banco
Central com responsabilidade para cumpri-las. Para evitar uma inflação maior, a atividade poderá sofrer
mais. Na ausência do ajuste via preços, a economia pode precisar ajustar ainda mais via quantidade.
O próprio risco Brasil maior reduz o investimento, que derruba a atividade, enfraquecendo o mercado de
trabalho. Essa fraqueza destrói empregos e induz a queda do salário real, o que diminui a massa salarial
e o consumo. A recessão poderia se aprofundar.
A perda de renda real, que afeta desproporcionalmente os mais pobres, impactaria a distribuição de renda
e a nova classe média. O tão festejado PIB do povo (dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - Pnad) infelizmente alcançaria o PIB dos economistas, como já era de se esperar. A nova
classe média sofreria sendo empurrada para classe baixa, uma volta traumática.
O desenrolar acima seria a efetiva saída por não optar. Mas qual é a verdadeira alternativa?
No presente, cortar mais gastos é visto como muito difícil, assim como diminuir benefícios é visto como
impopular e quase impossível. Mas aumentar a inflação, perder o grau de investimento, aprofundar a
recessão e piorar a distribuição de renda é uma opção válida?
Recuso-me a acreditar que num País com tanto gasto e tanta ineficiência não seja possível achar espaço
para melhorar. Certamente, há frutas baixas a serem colhidas. O contra-argumento é que, ao contrário da
colheita de frutas nos trópicos, a melhora na economia precisa de um mínimo de organização, liderança e
certo consenso.
É claro que temos problemas considerados “estruturais” (entenda-se, que vêm de longa data e são
considerados de difícil resolução). Acredita-se que a sociedade adotou um grande “contrato social” desde
pelo menos a Constituição de 1988, cujos benefícios concedidos a vários grupos já não cabem no PIB. A
carga tributária necessária para pagar esse Estado social já paralisa a economia. A dívida criada para
financiar os gastos atingiu um teto, e o risco de perda do grau de investimento atesta isso.
Dizem que não se pode desperdiçar uma crise para fazer as duras mudanças. O medo do pior torna o
custo da mudança o mal menor. Entre duas opções ruins o natural em tempos normais é acreditar numa
terceira mais benigna que ainda virá. Adia-se a decisão à espera dessa opção benigna que não aparece.
As opções realistas ficam piores. A crise obriga uma decisão, contanto que haja um mínimo de
organização e liderança.
Há certamente escolhas duras a fazer, revendo benefícios, adequando o Estado à renda disponível. Nada
trivial. É mais fácil dar do que tirar, se autoenganar do que aceitar a realidade do possível.
Mas essa dura realidade não deve ser interpretada como um convite à falta de posicionamento e a
delegar a um futuro distante a tarefa de consertar os problemas estruturais, a ser resolvida depois de um
grande consenso abstrato da sociedade. A dura tarefa terá de ser feita aqui, e a partir de agora, na forma
como o Brasil se organiza, pelo Congresso e o Executivo (neste e nos próximos). As políticas adotadas
hoje não são neutras: pioram ou melhoram os problemas estruturais.
Alguns ajustes estão a caminho. O câmbio mais depreciado ajuda a diminuir o déficit em conta corrente e
estimula o crescimento dos setores exportadores e que competem com importados. É uma das poucas
fontes de crescimento.
O realismo tarifário aliviou setores e descongelou preços, tirando distorções relevantes e ajudando a
economia. O ajuste parafiscal reviu programas insustentáveis e diminuiu subsídios. O investimento na
infraestrutura e as reformas do PIS/Cofins e da unificação do ICMS, se aprovadas, são esforços na
direção certa.
Mas é necessário equacionar o problema fiscal, sem o que será difícil enxergar a retomada da economia e
um caminho estável à frente. Para isso será necessário optar, por exemplo, por um corte maior no curto
prazo (e depois buscar uma reforma que limite o crescimento de gastos no longo prazo). Evita-se assim a
crise que, implicitamente, é escolher a pior opção.
Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.
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