OS SEGREDOS DA MEMÓRIA NO CÉREBRO: dos princípios fundamentais da atenção, emoção e recategorização às relações analógicas Luiz Augusto Lima de Avila1 Priscilla Chantal Duarte Silva2 Resumo: este trabalho fornece um visão geral sobre as bases do funcionamento da memória no cérebro humano a partir dos estudos da memória da Psicologia e das Neurociências, dando enfoque às diretrizes linguiísticas do funcionamento da complexidade da mente e do cérebro desde os princípios fundamentais da atenção, emoção e recategorização às relações analógicas. Palavras-chave: memória, pensamento analógico, atenção, emoção, recategorização This paper provides an overview of the basics of working memory in the human brain from the memory studies of Psychology and Neurosciences, focusing on the guidelines linguiísticas the operation of the complexity of the mind and brain from the basic principles of attention, emotion recategorization and analog relations. Key-words: memory, memory load, analog thought, attention, emotion, recategorization 1. INTRODUÇÃO O termo memória, enquanto mecanismo de armazenamento ou estocagem de informações, sempre foi alvo de discussão das ciências que se submetem a estudar o 1 Professora Adj. da PUC-MG doutorando em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2 Professora Adj. do Unicentro Newton Paiva, doutoranda e mestre em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. funcionamento do cérebro e da mente. A memória era então considerada como parte dos processamentos mentais que constituíam sistemas complexos de relações neurais, capazes de reter e processar os inputs vindos pelos canais das sensações. No entanto, isso não explicava a natureza da memória quanto à capacidade de reter, processar e esquecer informações. Com isso, muitos modelos surgiram nessa linha de que a memória seria um processador de estocagem de informação, sem uma definição precisa do espaçamento, limite e de como lembramos e esquecemos o que “guardamos”, além do fato de algumas memórias ou partes do conjunto dessa propriedade não serem afetadas, quando do comprometimento dessas diante de um quadro patológico de memória. Embora haja controvérsias quanto a uma explicação que prioriza a estocagem, principalmente quando nos deparamos com os modelos mais recentes de pesquisa da memória que defendem a posição de uma memória contínua, a e de caráter processual que não armazena, mas atualiza o sistema quando acionada, pretendemos demonstrar aqui parte da unidade de memória se revela indicativa de estocagem e parte de atualização e recategorização da informação, como a capacidade de memória envolve fatores emocionais, de conotação positiva ou negativa, além de aspectos de atenção e seleção de dados. Para isso, partimos do princípio de que a mente trabalha com uma espécie de protótipo que contempla uma unidade mínima de informação, cujo caráter é de reconhecer elementos e compor outros novos por meio de composição de partes prototípicas que formarão mais tarde complexas redes de significação e se entrecruzarão através de mapas neurais para então iniciar o processo analógico. Em seguida, demonstraremos metodologicamente o estudo experimental com 15 adolescentes de mesma idade e grupo socioeconômico e cultural apresentaram basicamente o mesmo desempenho quanto à memorização de palavras de conotação positiva, resultando numa memorização desse grupo de palavras numa porcentagem de 50% maior que as de conotação positiva, além de memorizarem apenas num limite de até 7 palavras, indicando que nossa capacidade de memória é limitada. Por meio desse experimento foi possível observar que a memória, além de limitada, é também seletiva, pelo fato de priorizar o que é de constituição de valor semântico, isto é, relacionado ao que a pessoa deseja memorizar. Ademais, confirmamos a hipótese inicial de que a memória é um processo análogo de comparação e formação de associação de idéias que garantem o recall de informações a cada processo de recategorização por meio dos grupos e mapas neurais. 2. A COMUNICAÇÃO NEURAL COMO UMA REDE DE SISTEMAS COMPLEXOS A busca pela natureza e complexidade da vida motivou desenvolvimento de uma série de pesquisas, na tentativa de dar um conceito científico da vida. A partir das postulações de Capra (2007), foi possível entender, pela própria visão do autor, que entender as estruturas moleculares e a construção dessas em blocos nos organismos não era suficiente, pois os organismos mortos também tinham a mesma construção. Com isso, o autor nos mostra que na linguagem científica moderna adotou-se a idéia que distinguiria os organismos vivos e não vivos – “o sopro de vida”. A partir desse conceito, o termo metabolismo, como fluxo de energia e matéria, tornou-se a explicação mais plausível para entendermos a característica dos sistemas vivos. Uma vez que o metabolismo inclui fluxo, isto é, movimento ou rede de reações metabólicas, os sistemas vivos são sistemas abertos, pois a matéria flui e mantém um certo equilíbrio. Nesse sentido, consideramos que da mesma forma, as células neurais responsáveis pelo pensamento e memória contém essa característica de complexidade, pois também fazem parte do sistema aberto que compõe o ser humano, já que também são formadas por redes, dinâmicas, não-lineares seletivas e sobretudo complexas. Afinal, os processos metabólicos de um organismo, como afirma Capra (2007), envolvem diversos fatores químicos e biológicos que fluem todo o tempo e não param. Quando tentamos descrever a rede metabólica de uma célula em detalhe, imediatamente vemos que é muito complexa, mesmo de uma simples bactéria. A maioria dos processos metabólicos são catalizados por enzimas e recebem energia através de moléculas de fosfato conhecidas como ATP. As enzimas sozinhas formam uma intrigada rede de reações catalíticas, e as moléculas formam uma rede de energia correspondente. (CAPRA, 2007, p.6, tradução nossa)3 Com a comunicação neural não é diferente. A célula neurônio é a construção mais básica do sistema nervoso. É a menor unidade de vida. E como as demais células do corpo humano, o neurônio também trabalha com uma série de atividades. A comunicação neural se dá por sinapses, em que o impulso nervoso (transmissão de um sinal codificado de um dado estímulo ao longo do neurônio, a partir do ponto onde foi estimulado) pode ser considerado como o fluxo de energia que movimenta potenciais de ação que causam a liberação de neurotransmissores de terminações do axônio dentro da sinapse ou onde um neurônio termina e outro começa. Nesse sentido, é a sinapse a rede responsável pela comunicação neural, cuja função é ligar uma célula a outra. Assim, várias substâncias químicas produzidas pelo neurônio são interligadas com novas células, transmitindo a informação química, por meio de descargas elétricas, para toda a rede cerebral. É nessa network que grupos neurais começam a se formar. 3 When we try to describe the metabolic network of a cell in detail, we see immediately that it is very complex, even for the simplest bacteria. Most metabolic process are catalyzed by enzymes and receive energy through special phosphate molecules known as ATP. The enzymes alone form an intricate network. 3.O DESENVOLVIMENTO DA MEMÓRIA COMO PROCESSO DE CATEGORIZAÇÃO E RECATEGORIZAÇÃO E A TEORIA DOS GRUPOS NEURAIS Nessa construção neural, a consciência, como afirma Edelman (1989), é a propriedade de organização de certas partes cérebro, um processo que envolve a presença de imagens mentais, percepção, consciência de ações, planos e intenções. A consciência, nesse aspecto, é para o autor o resultado de uma comparação categórica de dois tipos de organização nervosa, em que um tipo especial de memória é construído a partir determinado por dados de categorizações perceptuais que emergem de experiências no momento presente. Em outras palavras, podemos entender que, nas conexões cerebrais, dados de informação de um determinado neurônio e grupo neural são transmitidos para outro grupo, cujo papel é reconhecer a informação e categorizar. Como, durante essas conexões, podem ocorrem alterações novas conexões são feitas. Dessa forma, podemos entender que todo esse processo, segundo a teoria dos grupos neurais, defendida por Edelman (1989) se inicia num desenvolvimento de seleção binária, em que pares de genes se unem por adesão celular. Posteriormente, essa união se agrupa em outras formações constituindo sinapses gerando espécies de circuitos. A seguir, a correlação de grupos neurais maiores formam mapas que dialogam entre si, completando a rede neural. A partir daí, podemos entender a teoria do autor de que a cada formação de um mapa, por exemplo, um processo de forma – o de categorização, pois uma informação é processada pela primeira vez. No entanto, “quando mudanças sinápticas ocorrem nos sistemas neurais tais como classificação de pares, eles permitem a possibilidade de refinamento ou alterações de categorização perceptual” (EDELMAN, 1998, p. 110, tradução nossa)4. Assim, podemos dizer que a cada experiência, a mente ativa por input uma área cerebral 4 When changes in synaptic efficacy occur in neural systems such as classification couples, they allow the possibility of further refinement or alteration of perceptual categorization. que, por sua vez, realiza certas interconexões categorizando determinados caminhos de ativação. No processo de retorno, isto é, se a mesma combinação de dados de informação aparecer, resultar-se-á numa resposta similiar àquela dada, o que o autor denominou de “resultado de re-entrância, em que novas propriedades podem emergir”5. (EDELMAN, 1998, p.111) Na lembrança (recall), sob a influência de constantes mudanças de contexto, modificam-se a estrutura e a dinâmica de populações neurais, envolvidas na categorização original (EDELMAN, 1998, p.110). Nesse sentido, a memória seria um processo de categorização e recategorização de informações, provenientes de alterações sinápticas. “As memórias nada mais seriam do que alterações estruturais de sinapses, distintas para cada memória ou tipo de memórias” (IZQUIERDO, 2006, p.47), ou ainda, nas palavras de Edelman (1998), um processo mediado por mudanças sinápticas e não uma faculdade isolada. Para este autor, ela jamais seria estocagem, pelo fato de o fluxo neural ser contínuo e permitir uma série de combinações e interconexões, o que em outras palavras, significa uma reatualização de informações num tempo presente. Porém, isso implica dizer que não há nenhuma informação ou unidade mínima sequer “absorvida”, o que não nos deixa confortáveis quanto ao fato de que as próprias redes ou mapas neurais reconhecerem minimamente os dados para a constituição de um novo processo chamado recategorização, isto é, se para recategorizar preciso “reconhecer” o caminho já categorizado, como não é possível a estocagem de unidades mínimas de informação? 5 As a result off reentry, new properties and combinations of propriets can emerge. Fonte: EDELMAN, Gerald M. The remembered present: a biological theory of conscicouness, 1998, p.45 A partir dessas noções de processamento, observamos que a memória é um mecanismo análogo por envolver o reconhecimento de propriedades neurais ou dados de informação que dependem da seleção de grupos neuronais nos mapas globais para se estabelecerem como memória. Em outras palavras, é pela classificação de pares análogos que a memória se forma, constituindo associações. Destarte, quando lembramos algo pela memória uma camada de entrada de pares análogos recebem informações e as reconhecem como semelhantes ou já existentes em alguma dimensão que assumimos aqui como unidade mínima de reconhecimento por meio de protótipos que explicaremos nas próximas seções. Nesse sentido, corroboramos a idéia de Edelman (1998, p.111) de que a memória recategorial é um processo que envolve caminhos, não um ponto fixo ou código, uma vez que, por meio de conexões de intercomunicação neural, formam redes de associações. Tais conexões podem ser entendidas como uma rede em que a noção de perceptron, proposta por Peirce, pode ser ativada no sentido de explicar como as unidades de informação se conectam na formação de redes neurais. 4.ATIVIDADES CEREBRAIS DA MEMÓRIA E FUNÇÕES DA MENTE. O que significa armazenar informações na memória? Segundo Edelman (1998), a memória não se dá por um processo de estocagem, mas de recategorização. Mas, segundo Lent (2004, pág. 451), armazenar informações na memória implica um processamento que integra: a aquisição, que se dá com a entrada de um evento qualquer, do mundo externo ou interno, no sistema neural; a seleção, que se dá com o sistema neural filtrando o que é relevante para ser processado na memória, por isso há uma intrínseca relação com a atenção, embora os critérios de seleção ainda sejam desconhecidos (inconsciente); a retenção, em que os eventos selecionados ficam disponíveis para ser lembrados; o esquecimento como uma condição normal para prevenir a sobrecarga de informações captadas; a consolidação a partir da permanência de alguns eventos/informações; a evocação que se dá com a lembrança através da qual temos acesso às informações. Segundo Edelman: Não tenho insistido no fato de que a noção de memória como recategorização implique necessariamente na presença de diferentes tipos de memória. Isso porque a memória é uma propriedade de sistema e muitos sistemas neurais podem submeter-se a mudanças sinápticas e portanto alterar sua contribuição para os mapas globais. (EDELMAN,1998, p.118) Mas como medir, ou seja, como demonstramos em termos quantitativos e qualitativos a aquisição, a seleção, a retenção, o esquecimento, a consolidação e a evocação? Se assumirmos, pressupostamente, a impossibilidade de tal medição, nos deparamos com a necessidade da assertiva de que a memória não se dá por um processo de estocagem, mas, sim, por um processo de recategorização que se funda em um sistema ou raciocínio analógico. 5.O PAPEL DAS SENSAÇÕES PARA A PRODUÇÃO DA MEMÓRIA. Ao observarmos que, pela memória, lembramos de fatos e acontecimentos reconhecidos de uma forma relacional seja por um cheiro, uma imagem, um som, um gosto ou mesmo pelo toque de alguma coisa. Assim, é possível verificar que a memória tem uma correlação com os sentidos, mas por que os indivíduos sentem o mundo de diferentes formas e diferentemente de outras pessoas? A resposta é que duas pessoas jamais sentirão o mundo da mesma maneira por mais que compartilhem das mesmas experiências, tanto porque seu genoma é distinto, como porque foram submetidos a experiências diferentes. Isso porque as capacidades dos neurônios são ligeiramente diferentes nos indivíduos. Se assim não fosse, lembraríamos de um mesmo fato pelo mesmo elemento. No entanto, ninguém lembraria do gosto azedo de um limão, por exemplo, sentindo-o doce; o que nos leva a crer que há também um compartilhamento das sensações de coisas ou eventos já cristalizados socialmente, isto é, compartilhados e entendidos por todos. Por ser seletiva, a memória também produzirá efeitos seletivos, uma vez que outros fatores tais como: físicos e psicológicos podem ativar diferente a nossa capacidade de memória, enquanto recall. Para Lent (2004), o mesmo indivíduo atravessa por diversos estados fisiológicos e psicológicos ao longo de sua vida, e esses estados (emocionais, saúde, doença, conflitos pessoais) são capazes de modificar as informações que os sentidos veiculam, provocando percepções diferentes. Com isso, verificamos que nem mesmo um único indivíduo reconhecerá algo pela memória da mesma forma que da última vez, o que reforça a idéia de recategorização, no sentido de atualizar a cada momento de recall o “caminho” da memória já categorizado. Ainda segundo Lent (2004), é pela sensação que codificamos nossas experiências no mundo. Assim, não poderia deixar de ter uma relação direta com a memória. Afinal, o recall fará de acordo com a teoria dos grupos neurais proposta por Edelman (1998) o caminho inverso. Nesse aspecto, verificamos que sensação é a capacidade que os animais apresentam de codificar certos aspectos da energia física e química que os circundam, representando-os como impulsos nervosos capazes de ser ‘compreendidos’ pelos neurônios (LENT, 2004, p.169), enquanto a percepção a capacidade de vincular tais sentidos a outros aspectos da experiência humana. Logo, podemos afirmar que a sensação torna-se o aspecto inicial da memória, pois é por meio dela que constituímos e reconstituímos a memória, mas vale lembrar que só reconhecemos a partir do momento que percebemos. Daí a relação com a percepção. Mais uma vez, podemos fazer menção ao perceptron pelo fato de relacionarmos a rede de sensações á memória, seja pelo nível de input, isto é, a sensação é a porta de entrada para a memória, pois um ou mais sentidos servirão de ponto de partida, seja pelo nível de reconhecimento e valorização desse input com algo já conhecido, formando assim as redes neurais da memória. Entretanto, no processo de recall, por exemplo, não nos lembramos de tudo. Por isso, pode-se dizer que a percepção é seletiva, pois, de acordo com Lent (2004), o sistema nervoso tem mecanismos para bloquear as informações sensoriais irrelevantes a cada momento da vida do indivíduo, permitindo que se concentre em apenas um número de informações mais importantes que serão processadas pela percepção. Isso explica porque nos concentramos, pois se trata de uma seleção daquilo que queremos num certo momento, descartando outras informações. Tudo passa pelo filtro das sensações. Podemos ter, por exemplo, uma percepção visual, auditiva, cinestésica etc. Logo, a percepção depende dos sentidos, pois percebemos x por meio de y. Isso explica porque conseguimos acompanhar uma conversa numa festa barulhenta, pois priorizamos certos sentidos em detrimento de outros. Nessa perspectiva, a percepção para os seres humanos, é a capacidade de associar as informações sensoriais à Memória e à cognição, de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos e orientar o nosso comportamento (LENT, 2004, p.557). Ademais, conseguimos selecionar a percepção para nos orientarmos. Mas como reconhecemos e memorizamos as coisas? Como conseguimos saber que uma cadeira continua sendo a mesma quando a vimos anteriormente de uma outra forma? Como reconhecemos o hino nacional logo depois dos primeiros acordes? Uma resposta possível é a capacidade humana de produzir relações protípicas. Segundo Lent (2004), o que diferencia a percepção dos sentidos é a constância perceptual, uma espécie de unidade mínima capaz de reconhecer variações de um objeto independentemente da situação. Isso nos leva a crer que há uma formação prototípica na categorização que garante posteriormente o reconhecimento do elemento já categorizado, o que implica dizer que a memória trabalha com uma “estocagem” mínima de significação, capaz de tornar possível o processo de recall. No que concerne à teoria dos grupos neurais de Edelman (1998), é possível associar essa idéia à questão de recategorizarmos os elementos da experiência no momento de recall, o que explicaria o fato de a memória ser um processo de atualização do presente, tal como afirma o autor. Porém, verificamos que só o fato da atualização não garante necessariamente o reconhecimento. Sendo assim, assumimos uma visão de que noção de protótipo proposta por Langacker (1987) de que um protótipo é um exemplar típico de uma categoria e os outros elementos serem assimilados a essa categoria sobre a semelhança percebida com o protótipo, seria uma explicação plausível para o entendimento do funcionamento da memória no que diz respeito ao recall, pois embora ocorram variações, há alguma unidade mínima da qual é possível o reconhecimento. Sabemos a quem pertence uma voz familiar, e ela parece-nos provir da mesma pessoa, quer esteja rouca após uma gripe, sussurrando num ambiente silencioso ou gritando em meio a uma multidão. No entanto, nessas diferentes condições os sons que ouvimos são diferentes. (LENT, 2004, p.557) No entanto, ao analisarmos o processo análogo da teoria dos grupos neurais com relação ao funcionamento da memória, verificamos que além da relação prototípica, na identificação e reconhecimento do elemento conhecido pela memória, há também uma fase combinatória em que compomos partes de um objeto, por exemplo, para então atribuirmos um sentido de todo completo. Sob esse aspecto, Lent (2004, p.566) nos afirma que a primeira vez que armazenamos a imagem de um objeto, alguns elementos bidimensionais se instauram na mente para reconhecê-lo posteriormente. Nessa perspectiva, o autor defende a idéia de que as imagens subseqüentes ligeiramente diferentes da primeira seriam comparadas. Em seguida, seria possível reconhecer de uma forma mnemônica a origem. Caso não fossem parecidas em algum ponto, um novo objeto se formaria. A partir daí, compreendemos a lógica comparativa da memória: através do processo análogo, os pares biológicos das células neuronais reconhecem o que há de semelhança pelos protótipos, que aqui assumimos como unidade mínima, e compõem partes das propriedades reconhecidas para formam um sentido. Sendo assim, partindo da noção de fases de percepção, pensada por Lent (2004), como analítica proveniente de partes sensoriais ou primeiro estágio e sintática a partir da reunião das partes e propriedades em um conjunto único que faça sentido, pensamos que as teorias das percepção de Marr e Biederman, destacadas por Lent (2004), como aquelas que defendem a noção de esboço e completude na constituição da percepção, confirmam a idéia de que a percepção, bem como o fenômeno da memória, sobretudo, no que concerne ao recall compreende um processo composicional complexo de redes neurais. 6. MEMÓRIA, LEMBRANÇA E EMOÇÃO: ATIVIDADES NEURONAIS E PROCESSAMENTO ANALÓGICO Pensando na idéia de que a memória compreende um processo de composição de elementos da percepção e de relações prototípicas, verificamos que a atividade neuronal é bem organizada, embora não linear, uma vez que reconhece, muitas vezes, com propriedade o fato ou elemento da experiência conhecida. Mas qual seria a atividade neuronal quando uma lembrança se forma? Segundo Joe Z. Tsien (2007), o processo de trabalho dos neurônios se dá por meio de agrupamento para a codificação dos acontecimentos. Para ele, as populações neuronais se formam em redes e são atividades por cliques neuronais (ou grupos neuronais específicos). Assim, em cada evento, um conjunto de cliques neurais se codificam diferentemente. Por exemplo, um terremoto ativa um clique de susto que corresponde a três estímulos assustadores: a) responde aos eventos envolvendo perturbações; b) é ativado exclusivamente pelo sacudir; c) indica onde o evento ocorreu. Desse modo, o autor acredita que há uma organização das lembranças. Sob esse aspecto, acreditamos que a memória parte desses cliques neurais, no sentido de serem acionadas por algum agente que, por sua vez, tende a provocar reações. Nesse caso, podemos inferir que tais cliques se justificariam pelos inputs que recebemos do meio como processo inicial de codificação de informações. Segundo Joe Z. Tsien (2007), o cérebro não é um dispositivo que apenas grava detalhes de um evento particular. A rigor, os cliques neurais do sistema de memória permitem que o cérebro codifique características-chave de episódios específicos e, ao mesmo tempo, extraia a informação geral dessas experiências que pode ser aplicada a situações futuras, as quais podem compartilhar características essenciais. Em linhas gerais, podemos dizer que é a estrutura de nossos conjuntos codificadores de memória que nos permite reter não apenas a imagem de uma cama específica, por exemplo, mas também a idéia geral do que vem a ser uma cama. Com isso, é fácil observar que tais cliques neurais se dão pela percepção e categorização dos elementos da experiência. Assim, a lembrança dar-se-ia pelos cliques neurais ativados pelo processo de recategorização com reconhecimento do semelhante através dos mapas neurais. Para Searle (1997), a experiência torna-se uma formação de background6, do qual compomos o sentido por meio da capacidade de processar o que extraímos de nossas experiências. Desse modo, podemos entender a idéia dos cliques neurais ao que Searle (1997) denominou em predisposição a fazer coisas ao explicar que o cérebro contém um conjunto de estruturas neurônicas que nos permite pensar e agir. Nesse sentido, podemos entender que o background é ativado na atuação das memórias, uma vez que podemos observar o “resgate” de pensamentos e ações, baseados na experiência passada, tal como apontado pelo autor. Sob esse aspecto, a memória é compreendida como um mecanismo de ativação do background, em que a rede de intencionalidade apontará para quadros de consciência do objeto memorado. Consideramos a memória como um armazém de proposições e imagens, como uma espécie de grande biblioteca ou arquivo de representações. Mas deveríamos pensar na memória antes como um mecanismo para a geração da perfomance geral, inclusive pensamentos e ações conscientes, baseada na experiência passada.(SEARLE, 1997, p.267) 6 Capacidades neurofisológicas mental de produzir entendimento, interpretações, crenças, desejos e experiências. São capacidades não-representativas que compreendem a base formal de toda a linguagem. No que compete à relação entre memória e emoção, a noção de cliques neurais vem juntamente como um fator agregado, pois a emoção tende a acompanhar o processo da memória, principalmente, por compreender um papel importante na formação de memórias traumáticas ou desencadear outras relações. Sabe-se o sistema límbico do cérebro humano é o responsável pelo desenvolvimento da memória. O hipocampo é uma estrutura que converte a memória de curto tempo em longo tempo e atua em interação com a amígdala (responsável pelo controle sexual e agressividade) no registro e decifração de padrões perceptuais, enquanto que o hipotálamo controla a secreção de neuro-hormônios, temperatura corporal, fome, sede, ritmo cardíaco, expressão emocional e comportamento sexual. Embora todas essas estruturas estejam interligadas e tenham um papel crucial no desenvolvimento da memória, observamos que o hipocampo tem grande relação com os problemas de esquecimento e transformação de memória de curto tempo e longo tempo, tendo uma relação mais direta com o mal de Alzheimer, por exemplo, enquanto que a amígdala como afirmar Izquierdo (2006), é responsável por eventos de alto conteúdo emocional de aversão ou não. Em sujeitos normais, confirma o autor, a amígdala apresenta uma hiperativação quando submetidos a textos ou cenas emocionantes ou capazes de produzir um grau de alerta. Para nosso estudo da memória aqui descrito, vimos que não há como negar a relação entre memória e emoção. A lembrança, como fator de ativação da memória pode, nessas relações, apresentar alguma relação com a emoção, uma vez que por meio da lembrança revivemos de alguma forma a situação. Nesse aspecto, Izquierdo (1984) expõe uma relação bastante clara dizendo que os animais e as pessoas evocam melhor uma memória ansiogênica, de aversão ou estressante similar à do treino inicial, ou então quando injetados com hormônios do estresse em uma dose que faça as suas contrações sanguíneas aproximarem-se das do treino inicial, o que implica dizer que é possível se ter uma evocação da emoção por meio da memória ou da lembrança. Em se tratando de associação e reconhecimento de algo semelhante, do ponto de vista das relações prototípicas e composicionais, discutidas anteriormente, verificamos que a lembrança é o reconhecimento associativo de algo semelhante já categorizado pela memória. Na verdade, é a busca de um signo e suas interligações. Nessa associação, a emoção se entrelaçaria, ativando reações no individuo, além de compor o processo de recall por meio de um único signo. Para Freud (1987), os casos de esquecimento teriam alguma razão de afeto emocional. Logo, verificamos que memória e emoção, como demonstra Freud, se inter-relacionam. “Quando analiso os casos de esquecimento de nomes que observo em mim mesmo, quase sempre descubro que o nome retido se relaciona com um tema que me é de grande importância pessoal e que é capaz de evocar em mim afetos intensos e quase sempre penosos” (FREUD, 1987, p.36). Sob esse aspecto, a teoria da repressão, proposta por Freud, confirma a hipótese de que emoção e memória se fundem em algum aspecto. Para este autor, a repressão significa as emoções de cunho negativo que interiorizamos e, por defesa psíquica, tendemos a esquecê-las. Portanto, para Freud (1987), o esquecimento pode ter uma relação direta com algum aspecto emocional no plano da inconsciência, o que nos permite inferir que a o que vem a nossa memória é intencional. Em termos associativos, podemos observar que o fenômeno da lembrança por meio da memória se resume em: isso me faz lembrar algo que se parece com outro e que em tal momento pareceu ser igual. Na linha freudiana, a lembrança se dá por meio de links de semelhança. Quando estava prestes a comprar uma passagem na estação ferroviária de Reichenhall, não houve meio de me ocorrer o nome da estação principal seguinte, que era perfeitamente familiar e por onde eu já havia passado com muita freqüência. Fui até forçado a procurar o nome do guia de horários. Era “Rosenheim”. Soube então de imediato em virtude de que associação do nome me havia escapado. Uma hora antes eu visitara minha irmã em sua casa, perto de Reichenhall; como o nome da minha irmã é Rosa, sua cara era também um “Rosenheim” [lar de Rosa]. O “complexo familiar7” me havia roubado esse nome (FREUD, 1901, p.37) Partindo dessa linha de raciocínio freudiana, verificamos por meio de uma análise analógica de um caso semelhante à citação do autor que, matematicamente, podemos definir o processo de recall como uma função em que em função de um determinado X, reconheço a influência associativa de Y e Z, além das inter-relações entre Y θ; Z β e assim por diante, a partir do seguinte exposto: Certa vez, minha mãe me disse que talvez fosse a coca-cola a causa maior de sua insônia. Daí eu disse que não. Que a causa era o “ronc-ronc” no quarto, referindo-me ao ronco de meu pai. Na mesma hora, ela se lembrou de que, quando estava no sítio, ela não conseguia dormir por causa do “ronc-ronc” de um sapo coaxando à noite toda. Simultaneamente, lembrei-me do dia em que o Celson (meu professor) imitou o som “ronc-ronc” na sala, referindo-se a um som de um animal qualquer e de quando Naíssa (colega de classe) fez um desenho do professor, falando “ronc-ronc”. Imediatamente, lembrei-me do exemplo de Freud. Com esse exemplo, foi possível perceber que há uma relação analógica na constituição mnemônica dos fatos, quando associamos um signo a outro, de modo a reconhecer as semelhanças possíveis dentro do universo de um contexto. A partir daí, chegamos a seguinte formulação equacional, proposta por nós: 7 O complexo familiar introduz a criança no social gradativamente a partir de três complexos: o complexo do desmame, o complexo do intruso, o Complexo de Édipo Nessa formulação, percebemos que é possível se ter uma lembrança a partir de um único signo por associação analógica com vários índices, ou ainda, com a fórmula a seguir, a possível lembrança de algo por meio de uma série de elementos independentes: Destarte, podemos afirmar que a função (F) acima, considerado os padrões de variabilidade de elementos independentes, implica na lembrança (L) como um processo analógico, em que a partir da evocação desses a mente constrói, de uma forma associativa, o que chamamos de lembrança. Quanto à veracidade das relações analógicas, nenhum argumento por analogia pretende ser matematicamente certo. Tais argumentos não podem, por isso, ser classificados como válidos ou inválidos, pois, o que se pretende deles é que tenham, somente, alguma probabilidade. As analogias são frequentemente usadas de modo argumentativo e nãoargumentativo. A analogia na descrição ou na explicação não se confunde com o seu emprego em argumentação, embora seja difícil, em alguns casos, dizer quais desses usos foram pretendidos. Uma analogia entre duas ou mais entidades é indicar um ou mais aspectos em que elas são semelhantes. Mas, um argumento por analogia é, deixadas de lado todas as diferenças numéricas (abaixo demonstradas) de lado, aquele que tem a mesma estrutura ou padrão geral, ou seja, toda inferência analógica parte da semelhança de duas ou mais coisas em um ou mais aspectos para concluir a semelhança dessas coisas em algum outro aspecto. Esquematicamente, se “a”, “b”, “c” e “d” forem quaisquer entidades, e “P”, “Q” e “R” forem quaisquer propriedades ou aspectos, um argumento analógico poderá se representado da seguinte forma: “a”, “b”, “c” e “d” têm todas as propriedades “P” e “Q”. “a”, “b” e “c” têm todas a propriedade “R”. Portando, “d” tem a propriedade “R”. 7.MÉTODO DE PESQUISA A partir dos postulados de Lent (2004) quanto ao fato de que lembramos mais quando nos concentramos a atenção em algo importante e de que “testes com voluntários normais mostraram que se lhes apresentamos sequências de letras para memorizar, o limite médio de retenção gira em torno de sete letras. Quando lhes apresentamos sequências de palavras, igualmente só são capazes de memorizar cerca de sete. E quando são expostas a sequências de frases, o mesmo número 7 representa o limite para retenção (LENT, 2004, p.592)”, realizamos um teste de avaliação com quinze adolescentes de mesma faixa etária e grupo socioeconômico e cultural, de uma escola privada de Belo Horizonte, para garantir mesmo status e condições sociocomunicativas. A finalidade do teste era verificar se pessoas normais memorizariam mais palavras de conotação positiva ou negativa, bem como confirmar a postulação de Lent (2004), no que diz respeito à capacidade limitada da memória humana em memorizar até o limite de sete palavras ou sintagmas. O teste era constituído de um grupo de 7 combinações de palavras conhecidas e desconhecidas por esse grupo de pessoas e de conotação positiva e 7 combinações de palavras conhecidas e desconhecidas de conotação negativa. Com isso, foi possível verificar que cerca de 80% das pessoas memorizaram as combinações conhecidas (positivas e negativas), havendo uma variação de 20% menor para o grupo de palavras desconhecidas. Além disso, houve uma maior memorização cerca de 50% maior de palavras positivas em relação as negativas, o que nos permitiu observar que o valor para a memorização tem alguma influência. Nesse aspecto, a afirmação de Lent (2004) se confirmou, quando foi possível observar que as pessoas não conseguiam memorizar mais que 7 palavras de um grupo em sequência ou não, o que nos leva a crer que há uma limitação para a mente memorizar. O foco de atenção também foi observado e considerado, pelo fato de o teste ter sido aplicado em sala de aula. Sob esse aspecto, verificamos que quanto menor o foco de atenção, menor a capacidade de memorização, levando-nos a observar que possivelmente o foco de atenção somado ao caráter emocional de valor das palavras selecionadas em um tempo > 0 equivaleria a capacidade de memória, numa formulação: (foco de atenção + emoção) t >0 = capacidade de memória, pois verificamos que as palavras de conotação negativa e desconhecidas pelo grupo de teste eram as mais difíceis de serem memorizadas. No que concerne a teoria dos grupos neurais de Edelman (1998), chegamos a conclusão de que, embora não haja uma retenção concreta de todas as informações que nos passam pela memória, há uma indicação de um processamento que induz a uma recategorização de unidades mínimas de informação para que ocorra o processo de memorização. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir que as bases neurobiológicas do cérebro corroboram a hipótese de que a memória, como uma das funções baseadas no sistema complexo da mente, tem sua atuação-base nos códigos análogos dos campos de redes neurais, tal como prevê Edelman (1998). Portanto, são constituintes neuronais de formação de modificação de sinapses. Para tanto, categorizam e recategorizam todas as informações que processamos na vida. Não é, portanto, estocagem, mas um processo contínuo de recategorização por meio de um processo recursivo da própria condição de fluxo de energia dos seres viventes. Sua capacidade se reduz às limitações corpóreas de absorção propostas pelo próprio organismo, a fim de manter o equilíbrio metábolico da espécie. Nesse contexto, verificamos que sua atuação se inicia a partir das experiências do ser por meio das sensações e percepções para então desenvolver todo o processo mnemônico, que tem por fim canalizar informações utilizando-se, por exemplo, de atenção e emoção para a tarefa de recall, num segundo estágio de reconstrução das bases das memória. Dessa forma, vimos que a memória, enquanto fenômeno processual,conduz um processo analógico de busca de pares análogos, nos campos neurais da mente humana. 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPRA, Fritjof. Complexity and Life. In. CAPRA, F. et. Al. Reframing Complexitiy. Perspectives from the North and South. Mansfield, MA. ISCE Publishing, 2007, p. 425. DEL NERO, Enrique Schützer. O sítio da mente: pensamento, emoção e vontade no cérebro humano. São Paulo: Collegium Cognitio, 1997, p.45-58, 321-340. EDELMAN, G. M. Language. In. The remembered present. A biological theory of consciousness. New York. Basic Books, 1989. FREUD, Sigmund. 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