A hipnose na prática clínica

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PSICOLOGIA
HELENO FELIX TORRES
A HIPNOSE NA PRÁTICA CLÍNICA
CRICIÚMA, JUNHO DE 2009
HELENO FELIX TORRES
A HIPNOSE NA PRÁTICA CLÍNICA
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
para obtenção do grau de bacharel no curso de
Psicologia da Universidade do Extremo Sul
Catarinense -UNESC.
Orientador: Prof. Jeverson Rogerio Costa
Reichow
CRICIÚMA, JUNHO DE 2009
11
HELENO FELIX TORRES
A HIPNOSE NA PRÁTICA CLÍNICA
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela
Banca Examinadora para obtenção do Grau de
Bacharel no Curso de Psicologia da
Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC, com Linha de Pesquisa em Neuro
Psicologia.
Criciúma, 22 de Junho de 2009. (data da defesa)
BANCA EXAMINADORA
Prof. Jeverson Rogerio Costa Reichow – Mestre - (UNESC) - Orientador
Dr. Antonio Carlos Althoff – Especialista em Reumatologia
Profª. Elenice De Freitas Sais – Especialista - (UNESC)
12
“Se você quiser comer hoje, cultive arroz.
Se você quiser comer amanhã, cultive árvores frutíferas.
Se você quiser que seus filhos e netos comam, cultive homens”.
Confúcio
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RESUMO
Rever conceitos tão antigos e tão atuais sobre a prática hipnótica implica
necessariamente em revisitar os nomes que figuram na sua história. Das antigas
práticas ritualísticas pagãs, do culto aos deuses, passando por Mesmer, Freud e
Erickson, apenas entre os mais expressivos, chega-se ao presente com os
ultramodernos exames de tomografia por emissão de pósitrons e a ressonância
magnética do fluxo sanguíneo e seus proeminentes executores. À luz de novos
achados científicos, a hipnose se renova e reforça uma posição que já conquistou na
comunidade médica, a saber o expressivo relato de casos que dão conta da sua
eficácia na prática clínica, indo mais pontualmente esclarecer o funcionamento do
cérebro humano quando ativado pelo estado hipnótico. Especificamente na clínica
psicológica, a hipnose vem sendo utilizada com grande sucesso nos casos em que
trata de ansiedade, fobias, traumas, drogadição, dependência em seus vários níveis,
apenas para citar algumas desordens, razão pela qual o presente trabalho se
inscreve, num esforço de resgatar a história da hipnose no mundo desde a
Antigüidade até os dias atuais, os caminhos e descaminhos que percorreu para que
hoje pudesse ocupar o lugar que ora ocupa: revestir-se da capa protetora da ciência
e colocar-se a serviço do homem enquanto possibilidade de reduzir sofrimentos.
Palavras-chave: Hipnose. Indução Hipnótica. Psicologia. Prática Clínica
14
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Divisão do Sistema Nervoso .................................................................... 36
Figura 2 – Subdivisão do córtex cerebral .................................................................. 39
Figura 3 – Áreas do cérebro e suas respectivas funções.......................................... 40
Figura 4 – Modelo utilizado nos experimentos de Kosslyn & Col. ............................. 42
Figura 5 – Variação da atividade normal de um recém-nascido................................ 43
Figura 6 – Imagem de cérebro estimulado pela Serotonina ...................................... 43
Figura 7 – Imagem do cérebro durante exame de IRMf ............................................ 44
Figura 8 - Estimulação do cérebro sob efeito de sugestões pós-hipnóticas .............. 82
15
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 - Aspectos da sugestão .......................................................................... 48
Tabela 02 - Fatores da relação especialista-paciente ..................................................... .... 49
Tabela 03 - Influência do meio ambiente e a relação especialista-paciente ......................... 50
Tabela 04 - Classificação das sugestões ............................................................................. 51
Tabela 05 - Tipos de temperamento .................................................................................... 53
Tabela 06 - Características do paciente hipnotizado ........................................................... 54
Tabela 07 - Alterações observáveis durante a hipnose ........................................................ 55
Tabela 08 - Características psicológicas do estado hipnótico .............................................. 56
Tabela 09 - Alterações em pacientes com ou sem sugestão hipnótica ................................ 57
Tabela 10 - Escala De Torres Norry (mod. Por Moraes Passos) .......................................... 78
Tabela 11 - Características a observar no estado hipnótico ................................................. 79
Tabela 12 - Atribuições do Odontólogo ................................................................................ 84
16
17
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CFP – Conselho Federal de Psicologia......................................................................32
SNA – Sistema Nervoso Autônomo...........................................................................35
SNC - Sistema Nervoso Central.................................................................................36
SNP – Sistema Nervoso Periférico.............................................................................36
SNPS – Sistema Nervoso Periférico Somático..........................................................36
SNPA – Sistema Nervoso Periférico Autônomo.........................................................36
SNAS – Sistema Nervoso Autônomo Simpático........................................................37
SNAP – Sistema Nervoso Autônomo Parassimpático...............................................37
PET – Tomografia por emissão de pósitrons ............................................................37
MAT/URFGS – Matemática – Universidade Federal do Rio Grande do Su...............42
FSCr – Fluxo sanguíneo cerebral regional ................................................................44
IRMf – Ressonância Magnética Funcional.................................................................44
EEG – Eletroencefalograma.......................................................................................44
SHCL- Stanford Hypnotic Clinical Scale.....................................................................79
SSTA - Sugestões para sintonização, treinamento e aproveitamento......................79
AAC – Córtex anterior cingulado................................................................................82
CFO – Conselho Federal de Odontologia..................................................................83
CFM – ConselhoFederal de Medicina........................................................................97
AMB – Associação Médica Brasileira.......................................................................100
DOU – Diário Oficial da União..................................................................................110
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10
2 HISTÓRIA DA HIPNOSE................................................................................................. 12
2.1 As Origens.................................................................................................................. .13
2.2 Hipnose na Era Moderna ........................................................................................... .23
2.3 Hipnose no Brasil ...................................................................................................... .28
2.3.1 Cronologia do Hipnotismo no Brasil ..................................................................... .30
3 HIPNOSE E CIÊNCIA..................................................................................................... .33
3.1 Neurofisiologia da Hipnose ....................................................................................... .35
3.2 Consciência, Transe e Hipnose ................................................................................ .45
3.3 Sugestão .................................................................................................................... .47
3.4 Métodos/técnicas de Hipnoterapia com Hipnose ..................................................... 58
3.5 Fenômenos Hipnóticos ............................................................................................. .66
3.6 Técnicas Hipnóticas .................................................................................................. .70
3.7 Estágios da Hipnose .................................................................................................. .77
4 O USO DA HIPNOSE NA PRÁTICA CLÍNICA ............................................................... .80
4.1 Hipnose na Clínica Médica ........................................................................................ .80
4.2 Hipnose na Clínica Odontológica ............................................................................. .82
4.3 Hipnose na Clínica Psicológica ................................................................................ .84
5 METODOLOGIA............................................................................................................. .87
6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS................................................................ .88
7 CONCLUSÃO ................................................................................................................. .90
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. .91
ANEXOS ........................................................................................................................... .97
ANEXO I ............................................................................................................................ .97
ANEXOII...............................................................................................................................107
ANEXO III............ ........................................................................................................... ..108
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1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos, a hipnose foi sendo revelada por diferentes lentes,
de acordo com cada momento histórico, mas ainda hoje guarda ranços de antigas
concepções acerca de sua significação e efetiva contribuição para a prática clínica,
tanto médica quanto psicológica.
A associação com espetáculos de variedades, em que um convidado
realizava ações incomuns e surreais induzido supostamente por hipnose, faz com
que ainda nos tempos modernos ela sofra suas conseqüências.
Iniciada muito antes da existência de relatos escritos da história humana,
a hipnose já podia ser encontrada nas cerimônias religiosas e de cura de muitos
povos primitivos, os quais se utilizavam dela para induzir seus participantes ao
transe hipnótico. Sua importância não está em chamar estas cerimônias de
religiosas, curandeirismo, ou alguma outra combinação que seja, mas sim que o
estado de transe com características hipnóticas já existia, muito embora o termo
tenha sido cunhado apenas no século XIX, com James Braid.
Não é sem razão que o final do século passado e início deste também
tenha sido muito fértil quanto à discussão da dimensão social da ciência, no sentido
de que a compreensão da prática hipnótica não poderia passar distanciada dos
processos comuns a uma comunidade científica que prima pelo conhecimento como
forma de dar ao homem o melhor dos dois mundos, buscando a teoria para aplicar a
prática.
A preocupação com o bem-estar do homem num mundo cada vez mais
agitado, onde as pessoas se veem acossadas pela matéria, faz a Psicologia voltar
os olhos à humanidade como forma de buscar outros recursos que a faça conseguir
um equilíbrio entre as exigências da vida moderna e o equilíbrio emocional,
consequentemente procurando reduzir sofrimento.
Nesse sentido, a hipnose tem se mostrado uma valiosa ferramenta,
justificando o presente trabalho ao buscar responder por qual modo, como terapia
complementar, atua na mente humana mudando comportamentos e favorecendo a
remissão de patologias, físicas e ou emocionais, como insônia, enxaqueca,
alcoolismo, no alívio da dor, para citar alguns, bem como sua importância.
19
Embora tenha sido apresentada sob diferentes conceitos ao longo de sua
evolução, Barber a entende como um comportamento hipnótico sugerido a partir de
atitudes positivas, motivações ou expectativas que predispõem o indivíduo a pensar
e ou imaginar de boa vontade os temas sugeridos (FERREIRA, 2006).
Na visão do próprio Ferreira, hipnose médica é “[...] essencialmente um
estado da mente no qual as sugestões são mais profundamente aceitas do que no
estado de vigília, mas também agem mais poderosamente do que seria possível
durante o estado de vigília” (2003, p. 155).
Para a Associação Americana de Psicologia, Divisão de Hipnose
Psicológica, a hipnose consiste em
[...] um procedimento durante o qual um profissional de saúde ou
pesquisador sugere que um cliente, paciente, ou um sujeito experimente
mudanças de sensações, percepções, pensamentos e comportamentos. O
contexto hipnótico é geralmente estabelecido por um procedimento de
indução. Embora haja muitas induções hipnóticas diferentes, a maioria inclui
sugestões de relaxamento, calma e bem-estar. Instruções para pensar
sobre experiências agradáveis são também comumente incluídas em
induções hipnóticas (TIBÉRIO; de MARCO & PETEAN, 2004).
Pela consciência dos inúmeros benefícios que a hipnose é capaz de
apresentar, o objetivo geral deste trabalho está em destacar a importância da
hipnose como terapia complementar em processos terapêuticos físicos e
psicológicos. Começando por uma revisão bibliográfica sobre o assunto, passa a
investigar e descrever a história da hipnose no Brasil e no mundo, além de
esclarecer seu uso eficaz na prática clínica, bem como o estado legal em que se
encontra atualmente junto aos profissionais na área das ciências da saúde e
humanas.
20
2 HISTÓRIA DA HIPNOSE
Etimologicamente, a palavra hipnose tem uma origem grega, cujo termo
Hypnos significa sono, significado esse que provocou uma ligação com o ato de
dormir e que perdura até os tempos atuais. Entretanto, é pertinente esclarecer que o
estado hipnótico é muito mais do que isso, pois libera o paciente para a indução do
transe, conduzindo-o a um estado de relaxamento semiconsciente, mas com
manutenção do contato sensorial deste com o ambiente.
Pelos conceitos desenvolvidos por Milton Erickson, um dos maiores
expoentes em hipnose no mundo, o ser humano tem como característica a
habilidade de responder às sugestões e aceitá-las. Com a utilização de técnicas de
hipnose, o terapeuta dá ao paciente a chance de escutar realmente os conceitos
mentais, de modo que este se torna receptivo aos padrões, às associações e aos
modelos de funcionamento que conduzem à solução de problemas (ERICKSON,
HERSHMAN & SECTER, 2003; FERREIRA, 2006). Na visão dos autores, “[...] transe
é um estado psicológico determinado da consciência [...] e que ele difere do estado
comum da consciência” (p. 53).
No entanto, embora aponte para a inexistência de estudos que
comprovem a existência do transe, Ferreira (2006) considera um desserviço à
indução hipnótica não reconhecer tal estado. Segundo ele, “[...] não havendo um
estado para o paciente entrar, por que fazer o processo de indução?” (p. 54).
Segundo Stark (apud FERREIRA, 2006), a influência da hipnose se liga à
alteração do autocontrole na medida em que, ao prestar atenção a um determinado
aspecto ou senti-lo, este se configura como “estado alterado”, e o fato de se esperar
modificações a partir do que se pretenda que aconteça, produz alterações nos
pensamentos, atos e sentimentos do indivíduo.
Para William Edmonston Jr, o termo para descrever hipnose seria anesis,
uma vez que o autor considera que o relaxamento é condição essencial para que o
indivíduo responda melhor às sugestões (apud FERREIRA, 2006).
21
2.1 As Origens
Embora a palavra hipnose tenha sido revelada ao homem apenas no
século XVI, desde a Antiguidade esta se achava representada através de desenhos
em cavernas, nas cerâmicas, por assírios e egípcios. Pincherle & Colaboradores
(1985 apud ANDRADE FARIA, 1961) referem que em Tebas foi encontrado um
baixo-relevo num sarcófago, cujo desenho denota um sacerdote induzindo um
paciente. Conforme sustenta Bauer (2002), os homens primitivos registravam
situações de sua vida cotidiana através de desenhos e outras simbolizações que
tinham por objetivo representar seu modo de comunicação. No Talmude se faz
alusão ao encantamento de serpentes, enquanto que os gregos antigos usavam o
sono hipnótico para a cura de diversos males nos chamados “templos do sono”.
O mais antigo relato de transmissão de fluidos através de passes foi
registrado entre os sacerdotes caldeus há cerca de 2400 a.C. Entre os gregos e
indianos, a hipnose apresentava-se sob a face de “milagres” operados por
sacerdotes, bruxos ou feiticeiros, os quais se designavam mensageiros de Deus
(AKSTEIN,1973, apud FERREIRA, 2006).
Entre os egípcios, há registros de curas através da hipnose nos Papiros
de Ebers (datado aproximadamente entre 1536-1534 a.C., nono ano do reinado de
Amenophis I na XVIII Dinastia e publicado em 1875, em Leipzig, pelo egiptólogo
George Ebers, segundo BAPTISTA e colaboradores, 2003, os quais dão uma idéia a
respeito da teoria e prática da medicina egípcia antes de 1552 a.C., cujas culturas,
regidas por um pensamento mágico-religioso, dão conta de que a atividade médica e
seus médicos se encontravam sob a proteção divina (GARCIA-ALBEA, 1999).
Considerado um dos precursores da hipnose, Franz Anton Mesmer,
discípulo do padre Maximiliano Hehl - professor de astronomia na Universidade de
Viena, ajudava seu mestre a aplicar magnetos que tinham as formas de vários
órgãos humanos, utilizando-os de acordo com o local onde se alojava a doença do
paciente.
Sobre o assunto, Shrout (1985) comenta que padre Hehl sabia que suas
curas tinham muito mais um cunho psicológico do que físico, pois se o poder de cura
estivesse realmente nos magnetos, seriam indiferentes as formas, de onde se infere
que a crença em talismãs ou amuletos sempre esteve presente entre os homens.
22
Como Hehl, Padre Gassner (SHROUT, 1985) também usava os
magnetos, cujo ritual começava por deixar seus pacientes no centro de uma sala a
sua espera, momento em que Gassner chegava até eles portando nas mãos
estendidas ao alto um crucifixo negro. Seus pacientes eram antecipadamente
avisados que de quando fossem por ele tocados com o crucifixo, deveriam cair
imediatamente ao chão, numa espécie de morte, enquanto o padre expulsaria os
demônios para devolver-lhes a saúde (BRYAN, 2009). Shrout (1985) também
comenta sobre a dramaticidade que envolvia as sessões de cura de Padre Gassner,
a qual envolvia o uso de mantos esvoaçantes, expressando-se em latim e com um
crucifixo enfeitado com pedrarias. Entretanto, isso não impediu que o padre
obtivesse uma média de cura de cerca de setenta e cinco por cento dos casos que
atendeu (idem).
Se Mesmer já se encontrava fascinado com os trabalhos de Hehl, depois
de assistir várias performances do Padre Gassner, por volta de 1775, decidiu-se a
estudar o assunto. Embora mais tarde se tenha comprovado a puerilidade de seu
método, Mesmer conseguiu um sucesso considerável numa época em que sangrias
e amputações eram as práticas médicas mais usadas, cujo caso de cura mais
notável foi o de Maria Theresa Paradis, uma jovem pianista curada de cegueira em
1777(FERREIRA, 2006).
Aprimorando esta linha de trabalho, os apontamentos de Erickson,
Hershman & Secter, (2003) referem os postulados de Mesmer, em que “[...] um certo
fluido que circulava no corpo era influenciado por forças magnéticas originadas a
partir dos corpos astrais” (p. 20). Os dados disponíveis na época davam
credibilidade científica a sua teoria, coincidindo com o descobrimento da eletricidade
e mais alguns avanços na astronomia.
Dado o sucesso do método por ele empregado, Mesmer passou a
acreditar que o poder de cura estava antes na pessoa do “magnetizador” do que no
próprio instrumento, passando então a aplicar seu tratamento a várias pessoas ao
mesmo tempo. Para tanto, idealizou uma grande tina (baquet em francês),
distribuindo dentro dela garrafas de vidro com as bocas voltadas para o centro,
cobertas com limalha de ferro e vidro moído, completando o restante do espaço com
água. A séance (reunião) tinha início então com as pessoas alinhadas ao redor
desta tina (comportava 130 pessoas de cada vez) segurando as garrafas de vidro,
onde deveriam tocar a pessoa mais próxima. Entrando de modo impactante no
23
recinto, Mesmer ia de um em um aplicando passes até que eles caiam num transe
cataléptico (SHROUT, 1985; FERREIRA, 2006).
O alcance de suas curas deu-lhe uma reputação memorável, espalhando
o Mesmerismo rapidamente pela Europa, ao mesmo tempo em que fez provocar em
seus colegas uma grande animosidade, fazendo com que a Academia Francesa
designasse uma comissão especial para investigá-lo, a qual foi composta por
Benjamin Franklin, Lavoisier e Dr. Guillotin (o inventor da guilhotina), entre outros
(ERICKSON, HERSHAN & SECTER, 2003; FERREIRA, 2006; SAURET, 2008).
Una de las comisiones de investigación - la encabezada por Benjamin
Franklin- estaba formada por miembros de la Facultad de Medicina -Borie,
Sallin, DArcet y Guillotin -, y de la Academia de Ciencias - Le Roy, Bailly,
Lavoisier-, mientras que la segunda estaba formada sólo por miembros
notables de la Sociedad Real de Medicina - Possonier, Caille, Mauduyt,
Audry y Laurent de Jussieu. Sus frutos fueron dos amplios informes
(Commissaires de lAcadémiee de Sciences et la Faculté de Médecine,
1784; Commissaires de la Société Royale de Médecine, 1784),
reproducidos en forma amplia en la documentada obra editada por Burdin y
Dubois (1841) (TORTOSA, GONZÁLEZ-ORDI e MIGUEL-TOBAL, 1999,
p.8)
As conclusões da comissão apontaram Mesmer como uma fraude, ao
verificar que algumas pessoas eram sensíveis ao magnetismo animal e
experimentavam uma reação convulsiva quando tocadas pelos objetos, porém sem
conseguir identificar quais objetos tinham sido magnetizados, a menos que os
vissem no momento do acontecido: “A imaginação sem magnetismo provoca
convulsões, o magnetismo sem imaginação não provoca nada” (SAURET, 2008, p.
27).
Estas conclusões, seus acertos e desacertos foram brilhantemente
tratados por Chertok & Stengers (1990), no livro O coração e a razão, a hipnose de
Lavoisier à Lacan.
Pincherle & Colaboradores (1985) sustentam que desde a Antiguidade o
fenômeno mesmérico já era utilizado por sacerdotes egípcios, nos templos hindus,
por gregos, por Paracelso no século XV, Van Helmont e Valentin no século XVI,
Greatrakes no século XVII, Cagliostro no século XVIII, porém circunscritos à religião.
O que Mesmer postulava com seus achados era uma explicação científica para tais
ocorrências.
24
Entretanto, a originalidade do trabalho de Mesmer e que não teve o
reconhecimento devido na época estava em que os pacientes eram capazes de
alterar comportamentos mediante a sugestão dada por ele. É por esta razão que
Erickson, Hershman & Secter (2003) apontam como base da psiquiatria dinâmica
moderna o trabalho de Mesmer e sua teoria do magnetismo animal, além de que tais
trabalhos permitiram que se aperfeiçoasse a percepção existente entre sugestão
hipnótica e psicoterapia.
Neubern (2008) aponta duas grandes consequências históricas para que
o Mesmerismo fosse desqualificado enquanto ciência como foi. Primeiramente, o
esquecimento de grandes nomes do magnetismo, não obstante “[...] suas
contribuições para a construção da psicologia (p. 444)”. Num segundo plano,
embora a hipnose “[...] fosse herdeira histórica do mesmerismo, seus promotores
buscaram concebê-la como um método legitimamente científico, desvencilhado de
noções místicas, como fluidos e imaginação, para se fundamentar nas estruturas
nervosas do cérebro” (CARROY, 1991; MÉHEUST, 1999 apud NEUBERN, 2008, p.
445).
Armand Marie Jacques Chastenet de Puységur, Marquês de Puységur, foi
seu discípulo mais aplicado, descobrindo o sonambulismo artificial em 1784,
segundo Ferreira (2006) e Sauret (2008), professor titular da Universidade de
Tolouse, que esteve no Brasil a convite de Universidades do Rio de Janeiro em
2005.
Sobre o assunto, Woznyak (2009) comenta que Puységur tratou Victor
Race, um trabalhador de sua fazenda. Abaixo a tradução em espanhol da versão
original inglesa:
Cuando Victor, quien en condiciones normales nunca se habría atrevido a
confiar sus problemas personales al señor de la casa, admitió en el
transcurso del sueño magnético que estaba disgustado por una pelea que
había tenido con su hermana, Puységur le sugirió que hiciera algo para
resolver la querella y, después de despertar, sin recordar las palabras de
Puységur, Victor obró de acuerdo con la sugestión del marqués (trad.
VIVES, 2009).
O sono lúcido apontado pelo Abade Faria, um sacerdote português, nada
mais era do que “[...] a vontade do paciente”, afirmando que os determinantes de
25
cura eram a perfeita sintonia entre paciente e hipnotizador e a vontade de curar-se
(FERREIRA, 2006, p.11).
Em Londres, o Mesmerismo renovou-se com os estudos de um professor
de Medicina da Universidade de Londres, o médico e professor Elliotson, o qual
publicou suas descobertas no jornal intitulado Zoist (ERICSON, HERSHMAN &
SECTER, 200; FERREIRA, 2006), com edição trimestral destinada a expor temas
referentes ao Mesmerismo em1855.
Os fenômenos hipnóticos foram investigados pela Associação Médica
Britânica em 1891, cujo relatório apresentado no ano seguinte pode ser assim
resumido:
Pleno convencimento quanto ao fenômeno;
O termo “hipnose” não é representativo do que ela seja, uma vez que o sono
fisiológico e a hipnose não são a mesma coisa;
Eficaz no alívio das dores, embriaguez, na realização de atos cirúrgicos;
Deve ser usada exclusivamente por médicos para fins terapêuticos, apenas
em homens. Quando em mulheres, diante de familiares ou pessoas do
mesmo sexo;
Condenação para fins recreativos (FERREIRA, 2006).
Simultaneamente aos estudos de Elliotson, James Braid usou o termo
“Hipnose” e mesmo depois de arrepender-se do nome, este já se encontrava de tal
modo associado à prática que não foi mais possível mudá-lo (ERICSON,
HERSHMAN & SECTER, 2003). Contudo, o prefixo hypn- já havia sido grafado 20
anos antes pelo francês Etienne Felix d’Henin de Cuvillers (FERREIRA, 2006).
A concepção de Braid acerca da hipnose e dos mitos que já naquela
época a circundavam ficam bastante explícitas a partir da tradução de um excerto
retirado do seu livro Neurypnology Or The rationale of nervous sleep considered in
relation with animal magnetism (FERREIRA, 2006):
26
Estou ciente do grande prejuízo que foi levantado contra o Mesmerismo a
partir da idéia que poderia estar voltado para fins imorais. No que respeita
ao estado Neuro-hipnótico, induzido pelo método explicado no presente
tratado, estou certo de que tal não merece censura. Eu tenho provado por
experiências, tanto em público como privado que, durante o estado de
excitação, o julgamento é suficientemente ativo para os pacientes, se
possível, ainda mais fastidioso no que diz respeito à sobriedade de conduta,
do que na condição de vigília; [...] E, finalmente, o estado não pode ser
induzido, em qualquer fase, a não ser com o conhecimento e consentimento
do paciente. Isto é mais do que se pode dizer a respeito de uma grande
parte dos nossos mais valiosos medicamentos, [...] Ela nunca deveria ser
perdido de vista, pois que existe o uso e abuso de qualquer coisa na
natureza. Trata-se do uso, e apenas da utilização judiciosa do Hypnotismo,
que eu defendo. (BRAID, 1843,pp.10-11 )
Shrout (1985) sustenta que a descoberta de que algumas pessoas tinham
a capacidade de entrar em transe hipnótico ao fixar o olhar em um ponto de luz fez
Braid ir mais adiante, testando sugestões para apressar o processo. Em seus
estudos, percebeu que a concentração do próprio paciente em um objetivo
determinava o processo hipnótico, sendo que em 1847 relatou fenômenos de
catalepsia, anestesia e amnésia, os quais eram possíveis mesmo sem o paciente
dormir (FERREIRA, 2006).
Embora seus estudos pouco tenham influenciado os ingleses, estes foram
retomados “[...] como técnica anestésica, pelos médicos franceses como Azam,
Broca, Cloquet, Velpeau”, (SAURET, 2008, p. 28), cuja prática anestésica a partir da
hipnose se mantém até o uso do clorofórmio.
Na Índia, o Mesmerismo chegou através de James Esdaile, um cirurgião
escocês que fez inúmeras cirurgias utilizando anestesia mesmérica, inclusive com a
publicação em 1850 do livro Mesmerism in Indian and its Practical Aplication In
Surgery and Medicine e em 1918 pela Harvard College Library. Abaixo, a tradução
de um pequeno trecho prefaciado pelo autor e retirado do livro no original:
O que eu agora ofereço ao público é o resultado de apenas oito meses de
prática do Mesmerismo em um hospital de caridade, mas foi suficiente para
demonstrar a singular mais benéfica influência que o Mesmerismo exerce
sobre a constituição do povo de Bengala, e que intervenção médicocirúrgica indolor, entre outras vantagens, são um direito natural; [...].
Hooghly, Fevereiro, 1 º, 1846. (ESDAILE, 1847, p.7)
No entanto, mais detalhadamente pode se analisar sua prática pela
descrição feita a partir de alguns atendimentos que realizou:
27
13 de julho – 4 homens e 1 mulher deram entrada hoje:
Nº 1 – lumbago
Nº 2 – ciático
Nº 3 – dor ao longo do nervo crural (parte da frente da coxa nos quadríceps,
tendo por origem uma agressão do nervo entre a 3ª e a 4ª vértebra lombar)
Nº 4 - reumatismo sifilítico
Nº 5 - ditto (sem tradução – grifo meu)
Todos foram usualmente manipulados, observando-se a respiração. Depois
do primeiro dia, todos foram induzidos a beber água “mesmerizada”
diariamente, até o 17º dia, [...] no caso do sifilítico, os benefícios não foram
os esperados; aqueles que constituíam uma doença específica continuaram
em tratamento; as dores locais foram atenuadas [...] (ESDAILE, 1847, p.7)
A valiosa contribuição de James Esdaile ao estudo da hipnose faz desse
livro um importante documento científico, pois tal como os atuais pesquisadores, ele
observou “[...] que havia uma sensível diminuição do trauma cirúrgico em seus
pacientes hipnotizados. Ele ou seus auxiliares nativos mesmerizavam pacientes pela
manhã e os deixavam em estado cataléptico” (ERICKSON, HERSHMAN & SECTER,
2003, p. 21). As cirurgias eram realizadas mais tarde, cujos casos eram
documentados e observados por médicos e autoridades do local.
Em Nancy, na França, Ambroise-Auguste Liebeault foi quem levou a
termo os estudos sobre o tema, afirmando que os fenômenos do hipnotismo eram
subjetivos em sua origem, pois era a sugestão verbal que representava o fator
hipnotizante (SAURET, 2008). Lendo sobre os trabalhos de Braid, foi aplicando a
hipnose por mais de vinte anos de forma quase gratuita para evitar a pecha de
charlatão; porém, seu trabalho só foi reconhecido quando tratou de um caso enviado
por um colega neurologista e professor da faculdade de Medicina, Bernheim.
Em tratamento há seis anos sem lograr êxito, nas mãos de Liebeault o
paciente curou-se após algumas sessões de hipnose. Daí em diante, os dois,
Liébeault e Bernheim, trataram cerca de dez mil pacientes (ERICKSON,
HERSHMAN & SECTER, 2003), o que permitiu à Bernheim elaborar o primeiro
tratado sobre hipnose – Suggestive therapeutics em 1886, publicando também o
livro De la suggestion et de sés applications a la therapeutique (FERREIRA, 2006).
Seus trabalhos criaram um referencial em hipnose, ficando conhecido como Escola
de Nancy e chamando a atenção de especialistas no mundo inteiro.
Sua obra, Confesiones de un medico hipnotizador, contém uma descrição
de como sua técnica evoluiu:
28
Hice uso del método mas empleado para producir el sueno artificial, el de
Dupotet y La Fontaine [...] De este procedimiento clásico, al que encontré
inconvenientes, pasé a ensayar el de Braid [...] al procedimiento es
conocido por los magnetizadores durante largo tiempo, añadimos la
sugestión del sueno, ya utilizada por el abate Faria [...] A partir de esta
reforma capital em mi manera de hipnotizar mis enfermos si durmieron
tranquilamente y con mucha más rapidez.(In Lièbeault 1891, 290-293 apud
TORTOSA, MIGUEL-TOBAL & GONZÁLEZ-ORDI, 1999, p. 14)
Enquanto Liebeault só teve seu trabalho reconhecido após a associação
com Bernheim, este publicou diversos trabalhos sobre hipnose. Em 1891 publicou
Hipnose, sugestão e psicoterapia (SAURET, 2008). Bernheim (apud TRIPICHIO,
2009) afirmava que o sono hipnótico ou provocado era uma condição fisiológica
possível de ser alcançada por qualquer pessoa, alguns mais facilmente que outros e
que o estado hipnótico não era uma condição inerente à histeria.
Ferreira (2006, p. 13; TRIPICHIO, 2009) comenta que Bernhein
acreditava que a capacidade “[...] do cérebro de receber ou evocar idéias e sua
tendência a realizá-las ou transformá-las em atos” era dada pela sugestão.
A repercussão dos estudos realizados sobre hipnose estimulou outro
francês, um fisiologista, a percorrer os caminhos do hipnotismo: Charles Richet, que
por sua vez, levou Jean Martin Charcot, neurologista em Salpêtriêre, a focalizar a
hipnose, afirmando que “[...] a hipnose era apenas uma outra forma de histeria”
(ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003, p. 22; FERREIRA, 2006). Acreditava
Charcot que somente as pessoas histéricas poderiam ser hipnotizadas (SHROUT,
1985).
Segundo ele, o entendimento clínico para ocorrências de traumas
psíquicos, comportamentos hipnóides, sugestão e representação inconsciente
divergia daquelas até então aceitas pelos estudiosos da época, os quais
acreditavam que tais problemas localizavam-se no cérebro ou eram provocados por
alterações em seu funcionamento (FULGÊNCIO, 2006).
Esta oposição de idéias entre as duas escolas deu início a uma longa luta
(ANDERSSON, 2000 apud FULGÊNCIO, 2006), durando cerca de dez anos, mesmo
após a morte de Charcot.
Jean Martin Charcot ficou muito bem conhecido pelos profissionais de
medicina por tantas e variadas realizações, como o banho de Charcot, pela doença
de Charcot, pela junta de Charcot, pela síndrome de Charcot, microaneurisma de
29
Charcot-Bouchard, esclerose lateral, entre muitos outros, além de seu trabalho com
a atrofia muscular neuropática progressiva, de conhecimento de todos os estudantes
de medicina, conforme aponta Teixeira (2001). A neurologia se colocou como uma
especialidade médica na segunda metade do século XIX em decorrência de seus
estudos e de seus discípulos em Salpêtrière.
Em 1878, Charcot apresentou a teoria de três estágios hipnóticos:
catalepsia – fixação do olhar do paciente num determinado objeto luminoso,
produção de um som abruptamente; letargia - paciente de olhos fechados ou cessar
o objeto luminoso; sonambulismo – pressão ou fricção no alto da cabeça
(FERREIRA, 2006).
No entanto, mesmo sua fama não o poupou de ver enfraquecida sua
reputação quando defendeu, contra as teorias da Escola de Nancy, que a hipnose
seria um estado patológico capaz de enfraquecer a mente humana, situação que
muito se agravou após sua morte quando um colaborador direto, Babinski, deu
declarações sobre falsas curas sustentadas por Charcot. Além disso, Janet, seu
aluno e Dubois, aluno de Bernheim, viriam mais tarde a concordar com os preceitos
da Escola de Nancy (SAURET, 2008).
Um dos colaboradores de Charcot, Pierre Janet, publicou sua tese de
doutorado sob o título “L'Automatisme psychologique” em 1889 na Sorbonne, a
primeira de uma série de tratados sobre as manifestações do inconsciente, estudos
que serviram de base para reputá-lo como o fundador da moderna psicologia
dinâmica (THEÓPHILO ROQUE, 2009).
Neste tratado, Janet reorganizou a consciência sob três aspectos:
catalepsia (consciência puramente afetiva, reduzida às sensações e às imagens), a
sugestão (consciência desprovida de controle, orientação e percepção) e o
sonambulismo, como um campo de consciência comparável ao estado vígil
(CHERTOK & STENGERS, 1990).
Muito natural então que a ampla divulgação na comunidade científica
sobre a hipnose chamasse a atenção daquele que é considerado o fundador da
psicanálise. Junto com Breuer, Freud havia usado a hipnose para ajudar pessoas
com distúrbios emocionais (ERICKSON, HERSHAMN & SECTER, 2003). No
entanto, como quisesse desenvolver técnicas próprias, em 1890 Freud foi para
Nancy, através de uma bolsa de estudos do governo, passar algumas semanas na
30
Salpêtrière, em Paris, estudar com Jean-Martin Charcot, o qual realizava
experiências com doentes mentais, principalmente a histeria, utilizando a hipnose.
Para Breuer, as doenças mentais provinham de conflitos que estavam
localizados na mente da pessoa, e não necessariamente biológicos. Breuer
acreditava que através da hipnose a pessoa poderia driblar censuras que a
impediriam de lembrar certos fatos (os traumas) e assim livrar-se dos males que as
incomodavam. Freud depois descreveu esse estado como catarse.
Seu caso mais famoso e para o qual contou com a ajuda de Freud foi a
paciente cujo pseudônimo era Anna O, uma moça de 21 anos, depressiva e
hipocondríaca (quadro na época denominado "histeria"); ela se acreditava paralítica
em algumas ocasiões, ou não conseguia beber água mesmo estando com sede, e
se sentia incapaz de falar seu próprio idioma, o alemão, recorrendo ao francês ou
inglês para se comunicar. Breuer submeteu-a à hipnose e ela relatou casos de sua
infância, o que lhe causava enorme bem-estar após o transe hipnótico.
Freud (1888 apud GOMES, 2005, p. 149) refere, ao prefaciar a tradução
do livro de Bernheim, De la suggestion, que a questão a colocar seria “[...] saber se
todos fenômenos da hipnose devem passar em algum lugar através da esfera
psíquica [...] se as mudanças de excitabilidade que ocorrem na hipnose afetam
invariavelmente apenas a região do córtex cerebral”. Aqui se encontram as primeiras
indicações de uma preocupação bastante atual, que é a de investigar as bases
neurais da hipnose.
Embora a hipnose fosse o tema em voga no meio científico, Freud a
descartou como técnica de cura, passando a usar a técnica desenvolvida por ele de
“associação de idéias”, convencido que estava de que ao induzir o paciente a um
estado de total relaxamento, este recordava emoções recalcadas e que eram a
causa de seus distúrbios. Esta convicção, conforme sustenta Cobra (2009) fez Freud
formular a teoria
[...] de que os sintomas histéricos teriam origem na energia dos processos
mentais os quais, impedidos de influenciar a consciência, são desviadas
[sic] para a inervação do corpo e convertidos nesses sintomas. Devido à
natureza das experiências traumáticas recordadas pelos pacientes, ficou
convencido de que o sexo tinha parte dominante na etiologia das neuroses.
Logo passou a considerar o desejo sexual como motivação praticamente
única do comportamento humano, quer direta, quer indiretamente. Essa
ênfase foi a principal causa do afastamento de Breuer, e do rompimento que
ocorreria no futuro com vários de seus colegas. (COBRA, 2009)
31
Nos anos subsequentes, especialistas de várias partes do mundo, entre
eles Bramwell e Moll da Grã-Bretanha (apud BRYAN, 2008), Morton Prince (apud
PINCHERLE
&
COLABORADORES,
1985),
McDougall
(apud
ERICKSON,
HERSHMAN & SECTER, 2003) dos Estados Unidos e Pavlov na Rússia
(FERREIRA, 2006), continuaram a fazer uso do hipnotismo, especialmente os
neurologistas, uma vez que a maior parte das doenças mentais era estudada à luz
da neurologia, os quais foram influenciados diretamente pelos trabalhos de Freud.
2.2 Hipnose na Era Moderna
Outro nome referenciado em hipnose, Pavlov (Escola de Reflexologia)
teceu suas teorias sobre o tema quando começou a trabalhar com reflexo
condicionado, as quais originaram Sobre a fisiologia no estado hipnótico do cão.
Suas anotações o levaram a afirmar que os reflexos condicionados respondem pela
adaptação do homem ao meio, cujos estímulos podem vir do ambiente ou do próprio
organismo.
Ferreira (2006) considera que durante a ocorrência da hipnose, segundo
a teoria de Pavlov, a partir de um estímulo inicial no córtex cerebral atuando
repetidamente (que pode ser visual, tátil, auditivo, cinestésico), este provoca uma
ação inibidora reflexa em todos os estímulos iniciais, embora o paciente continue em
estado de vigília. A seguir, assertivas quanto ao cansaço das pálpebras produz o
fechamento dos olhos. Neste exemplo, o estímulo é auditivo, uma vez que é pela
fala que o hipnotizador mantém o hipnotizado em estado hipnótico.
Em
estudos
conduzidos
por
Fernandes-Guardiola
(2005),
os
experimentos de Pavlov mostraram novos caminhos para tratar os fenômenos
psíquicos ao considerar os reflexos do meio sobre o organismo humano:
? é características diferenciales hay entre estos nuevos fenômenos en
comparación com l os fisiológicos? [...] la diferencia consiste em que,
mientras em La forma fisiológica la sustância entra em contacto directo con
el organismo, em la psíquica actúa a distancia [..]; cuantos reflejos
fisiológicos desencadenan la nariz, los ojos y los oídos, reflejos que son,
por consiguiente, reflejos a distancia! (PAVLOV 1903/1968 apud
FERNANDES-GUARDIOLA: 2005, p. 57).
32
Com o advento da Primeira Guerra Mundial e o grande número de
pessoas com traumatismos, tanto físicos quanto psicológicos, o assunto voltou à
tona com o psicanalista alemão Ernst Simmel, que desenvolveu a técnica chamada
hipnoanálise. Durante a Segunda Guerra, Grinker e Spiegel utilizaram barbitúricos
para induzir a hipnose através de medicamentos (ERICKSON, HERSHMAN &
SECTER, 2003).
O interesse dos americanos foi despertado por Clark L. Hull, com suas
observações registradas no livro Hypnosis and suggestibility, em que o autor, em
comentários de Horton & Crawford no Jornal Americano de Hipnose (2009) conclui
que “[...] a única coisa que parece caracterizar a hipnose como tal e que dá qualquer
justificativa
para
a
prática
de
chamar-lhe
um
"estado"
é
a
sua
hipersugestionabilidade generalizada”.
A guerra da Coréia entre os anos de 1950 a 1953 foi mais um dos
momentos em que se fez ressurgir a prática da hipnose nos Estados Unidos e na
Inglaterra, o que fez a British Medical Association e a American Medical Association
decidirem pela inclusão da hipnose nos currículos dos cursos de medicina
(ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003), tendo em vista sua reconhecida
eficácia no tratamento de várias patologias, tanto físicas quanto psicossomáticas.
Estas aprovaram também oficialmente o uso do método hipnótico como tratamento
auxiliar em 1955 e 1958, respectivamente, segundo os apontamentos de Horton &
Crawford (2009).
Apontado como uma das maiores autoridades em hipnoterapia e
psicoterapia breve, Milton Erickson é considerado dentro dos estudos em hipnose o
que foi Freud para a psicanálise.
A hipnoterapia Ericksoniana, assim chamada em razão de ter sido
elaborada por Milton Hyland Erickson (1901 - 1980), psiquiatra americano do início
do século XX, passou a ser considerada uma divisora de águas entre a hipnoterapia
clássica, estabelecida à época da experimentação científica, e o modelo vigente na
atualidade. Coautor de cinco livros sobre o assunto, Erickson publicou mais 130
artigos, a maioria deles versando sobre as aplicações da hipnose, buscando
expandir e reformular a forma pela qual se compreendia a hipnose e a forma de
trabalhar os fenômenos a ela associados.
No prefácio de Hipnose Médica e Odontológica, Aplicações Práticas,
Jeffrey Zeig afirma que Erickson criou um modelo de tratamento em que procurou
33
utilizar recursos do próprio paciente, mudando com isso o curso da hipnose, pois até
então esta era praticada a partir de sugestões dadas ao paciente pelo hipnotizador,
mas sem considerar suas motivações intrínsecas. As anotações de Erickson,
Hershman & Secter (2003, p. 9) dão conta de que “O trabalho de Erickson parte de
dentro para fora (inside out) e métodos indiretos eram utilizados para despertar
forças do paciente, ao invés da aplicação de sugestões poderosas dirigidas contra
um paciente passivo”.
Pelas palavras de Zeig (ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003) se
depreende o quanto o trabalho de Milton Erickson influenciou a comunidade
científica, ao elaborar uma teoria que prometia desvelar os meandros da mente
humana, ajudando o indivíduo a encontrar dentro de si mesmo a resposta para os
seus males.
Zeig (2003) considera que uma razão bastante plausível para o sucesso
dos estudos de Erickson tenha sido o fato de ter usado em sua própria vida seus
ensinamentos, uma vez que usava a hipnose para controlar a dor praticamente
todos os dias. Pela citação abaixo, é possível entrever uma fração de sua técnica:
Quando Erickson realizava auto-hipnose [sic] para controlar o sofrimento,
ele não se programava; ao invés disso, deixava seu inconsciente trabalhar a
idéia de conforto e então seguia as sugestões que recebia. [...] prestava
atenção na posição do polegar entre seus dedos, logo que levantava da
cama. Se estivesse entre seus dedos mínimo e anular, isto significava que
tinha controlado bastante a dor durante a noite. Caso estivesse entre o
anular e o médio, tinha controlado menos dor; e se estivesse entre o médio
e o indicador, ainda menos. Dessa forma, ele tinha uma idéia de quanta
energia disponível teria para o trabalho daquele dia e então sabia que o
inconsciente pode funcionar de forma autônoma e benigna (ZEIG, 2003, p.
52)
Um outro ponto que o autor considera essencial ao sucesso de Erickson
era o seu lado humano, capaz de dedicar uma preocupação e uma generosidade
genuína a quem viesse em busca de auxílio, sem poupar tempo ou esforço.
Embora não fosse um intelectual no sentido acadêmico, sua fala era
extremamente clara e correta, com uma atenção especial à linguagem,
preocupando-se em se fazer entender de forma cristalina a quem quer que o ouvisse
(ZEIG, 2003). Não raro utilizava seus conhecimentos em literatura, agricultura e
antropologia para lidar com os pacientes.
34
A comunicação de múltiplos níveis idealizada por Erickson se estabelece
a partir de conteúdos verbais e comportamentos não-verbais e as implicações
decorrentes de ambos os processos (ZEIG, 2003).
Erickson estudou profundamente a hipnose e seus fenômenos durante
toda sua vida, demonstrando-a como um fenômeno natural da mente humana, bem
como sua existência e efeitos no cotidiano. Utilizou a hipnose em praticamente todos
os problemas psicológicos, sendo autor de inúmeros artigos, livros e pesquisas
científicas na área. Dentre as diversas contribuições de Erickson para o campo da
Psicologia pode-se citar o conceito de utilização da realidade individual do paciente,
a Terapia Naturalista, as diferentes formas de comunicação indireta, a técnica de
confusão e de entremear. É considerado o maior hipnoterapeuta do século XX
devido a sua abordagem breve, estratégica e voltada para a solução de problemas
(ZEIG, 2003).
Em 1941, White expôs sua teoria do comportamento dirigido, onde o autor
teorizou que o objetivo principal é conduzir a ação do paciente a um comportamento
previamente determinado pelo hipnotizador, mas que também ele, paciente, entenda
o objetivo do trabalho (FERREIRA, 2006).
A complexidade do transe hipnótico levou Wolberg a afirmar que o transe
se refere tanto a elementos psicológicos quanto fisiológicos e por esse motivo não
pode ser explicado de uma forma excludente (FERREIRA, 2006).
Australiano, mas que estabeleceu sua prática clínica na Inglaterra,
Sydney J. Van Pelt foi outro médico a utilizar largamente a hipnose em seus
pacientes, além de difundir o conhecimento científico adquirido por meio do seu
trabalho. Sobre o assunto, Ferreira (2006, p.16-17) tem a comentar que Van Pelt
considerava que hipnose seria uma “[...] ‘superconcentração da mente’ [...]”, uma
vez que durante o processo hipnótico, “[...] ‘as unidades de poder mental’ [...]”
convergem para um foco específico, quando então seriam afetadas pela sugestão.
A teoria da exclusão psíquica relativa da mente sustenta a premissa de
que o indivíduo tem duas mentes: a mente objetiva, que age indutiva e
dedutivamente e a subjetiva, que só raciocina dedutivamente. Quando a pessoa
entra em estado hipnótico, dá lugar à mente subjetiva (FERREIRA, 2006).
A entrada definitiva da hipnose nos laboratórios experimentais inicia no
período denominado Hipnose Científica, cujos fundamentos se assentam sobre os
trabalhos de três grandes laboratórios, cada um com visões particulares. O de
35
Hilgard, fundado em 1957, na Universidade de Stanford, estuda as relações da
hipnose com variáveis como idade, sexo, características da personalidade, etc.
(Idem, 2006).
Kihlstron (2004) aponta que Stanford Hipnótico Susceptibility Scales, o
método de escala de suscetibilidade hipnótica, concebido por Hilgard e
Weitzenhoffer no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, começa com um
procedimento padronizado de indução hipnótica seguido por uma série de sugestões
para experiências imaginativas. O tema da resposta a cada uma dessas sugestões
é classificada então de acordo com um critério objetivo-comportamental.
O referencial de Barber, na Fundação Medfiels do Hospital de
Massachusets, tinha por objetivo estudar o papel e os efeitos da imaginação,
expectativas, crenças, motivações e da emoção sobre a capacidade de
hipnotização. Segundo Chaves (2006), nos últimos anos Barber teria se empenhado
em encontrar um terreno comum entre as perspectivas teóricas da hipnose. Em seus
estudos, aponta três tipos diferentes de classificação hipnótica: um tipo seria
constituído por indivíduo com alta taxa de motivação, com atitude positiva em
relação à hipnose. Outro tipo seria o indivíduo mais propenso à fantasia. O terceiro
tipo incluiu o virtualmente propenso à sugestão hipnótica, o qual exibe várias formas
de amnésia infantil.
Por último, fundado em 1960 na Universidade de Harvard, o laboratório
de Orne, dedica-se a estudar os fatores motivacionais da hipnose e os diferentes
fenômenos hipnóticos como regressão hipnótica, produção de amnésia e
hipermnésia. De seus primeiros trabalhos sobre hipnose, a grande maioria versa
sobre técnicas de autorregulação hipnótica, de modo a reduzir estresse e fadiga
(KIHLSTRON & FRANKEL, 2000).
2.3 Hipnose no Brasil
Do mesmo modo que a hipnose foi introduzida nos círculos médicos
mundiais, no Brasil não foi diferente. Na época em que Freud e a Escola de Nancy
estudavam-na cientificamente, em solo brasileiro estes estudos receberam o nome
de método hipnótico-sugestivo, tal como preconizado por Bernheim. Um dos
36
primeiros a documentar e publicar um livro sobre o assunto em terras brasileiras foi
Francisco Fajardo (CÂMARA, 2009), onde este afirma que quem trouxe a hipnose à
corte brasileira foi o médico Érico Coelho, apresentando à Academia Imperial de
Medicina em 1887 estudos sobre a cura do beribéri. Esta foi a primeira vez a se
demonstrar o uso da hipnose como ato médico, obtendo aprovação da Academia.
A procura pelas publicações estrangeiras sobre hipnose e suas
aplicações práticas despertou um crescente interesse não apenas na classe médica,
mas também entre os intelectuais da época, além de provocar inúmeras polêmicas,
inclusive com a igreja. O médico Érico Coelho foi injuriado pelo jornal católico “O
Apóstolo”, que contestava a prática hipnótica. Em sua defesa saiu um artigo no
jornal leigo da época, “O Paiz”, ao qual Érico Coelho dirigiu uma carta de
agradecimento, citada abaixo por Câmara (2009):
Amigo Sr. Redator – Acabo de saber, lendo O Paiz, numero [sic] de hoje,
que tomastes o trabalho de referir-vos aos impropérios que O Apostolo [sic]
se dignou despejar ontem contra mim, a pretexto de vos contestar as
virtudes da medicina sugestiva. Relevai, prezado Sr. redator, que eu vos
não gabe o gosto e a paciência [...] Entretanto devo dizer que vos fico muito
grato, e de mais a mais obrigado me fareis, se acaso conseguirdes indagar
da Santa Madre Igreja por que regra a psicoterapia ofende a moral de O
Apostolo [sic], quando é certo que o próprio Padre Eterno (no tempo em que
foi moço) praticou o hipnotismo; haja exemplo a célebre ablação de costela
que Adão sofreu durante o sono, tudo segundo reza o versículo, [...] que,
apoiado em autor de tão boa nota, acalmeis as iracundas susceptibilidades
de O Apostolo. [sic] Caso, porém, não possais ainda assim chama-lo [sic] à
razão, o melhor será deixa-lo [sic] em liberdade. (CÂMARA, 2009)
Na atualidade, a produção científica elaborada por estudiosos do tema
aqui no Brasil vem crescendo, os quais, embora amparados em estudos por
especialistas do mundo inteiro, estão aplicando a hipnose em pacientes e criando
um referencial teórico para servir de guia a quem deseja se aprofundar no tema e
buscar subsídios para novos trabalhos. Nomes como Antonio Carlos de Moraes
Passos, Marlus Vinicius Costa Ferreira, Maurício Neubern, Célia Martins Cortez,
Carlos Roberto Oliveira são alguns dos pesquisadores sobre a hipnose em diversas
áreas do conhecimento.
A pesquisadora, professora, doutora e psicóloga Yedda Costa dos Reis
lançou em 2008 o livro Construindo Caminhos com a Hipnose Terapêutica:
Hipnobiodramaturgia. Segundo nota da autora no site da Universidade Federal do
37
Rio
de
Janeiro,
Hipnobiodramaturgia
refere-se
a
uma
nova
abordagem
psicoterápica, cujo campo de conhecimento foi aprovado e considerado um
precursor, não apenas no Brasil como também no exterior:
A Hipnobiodramaturgia nasceu da integração ou fusão das técnicas de
psicodramaturgia, técnicas da hipnose e do programa Stressless. Os
benefícios imediatos trazidos pela nova técnica são uma psicoterapia ao
alcance de todos que necessitam de tratamento em curto prazo (REIS, 2009
apud NOGUCHI, 2009).
Em artigo publicado no site da Associação de Hipnose do Estado de São
Paulo, o Dr. Joel Priori Maia (2009) considera como melhor denominação para a
hipnose hoje praticada é a que chama de Hipnose Contemporânea. Segundo ele, a
extensa variedade de teorias e procedimentos que tiveram como foco esclarecer
mais pontualmente questões relativas à prática hipnótica fez com que a hipnose
aplicada hoje ao campo da ciência apresentasse diferenças em relação ao que ele
chama de Hipnose Clássica.
Apresentada no IV Seminário São Paulo - Rio de Janeiro de Hipnose e
Medicina Psicossomática, que se realizou em novembro de 1990 na cidade de São
Paulo, o tema Hipnose Contemporânea foi debatido em mesa redonda pelos Drs.
Álvaro Badra, Antonio Rezende de Castro Monteiro, David Akstein, Joel Priori Maia e
José Monteiro. A mesa foi coordenada pelo Prof. Dr. Antonio Carlos de Moraes
Passos.
Uma outra abordagem em hipnose é praticada sob a denominação de
Hipnose Condicionativa, cujo autor, Luiz Carlos Crozera, defende que esta não se
trata de uma junção de outras técnicas, mas sim uma nova elaboração, em que o
paciente é passivamente tratado através da hipnose clínica, para tanto se utilizando
de um mecanismo de ordens e comandos diretos à mente humana. Nesta nova
proposta, não existe a escuta terapêutica, mas apenas a voz do hipnólogo
(CROZERA, 2009).
38
2.3.1 Cronologia do Hipnotismo no Brasil
Conforme estudos apontados por Fernando Portela Câmara (2009), a
hipnose encontrou em solo brasileiro um terreno fértil onde aplicar tais estudos.
Abaixo, um resumo cronológico:
1823 – O médico pernambucano João Lopes Cardoso Machado publica Dicionário
Médico-Prático – Para Uso dos que Tratam da Saúde pública, Onde Não Há
Professores de Medicina.
1853 – Tradução portuguesa do livro de Du Potet, Prática Elementar do
Magnetismo.
1857 – O Dr. José Maurício Nunes Garcia, professor da Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, edita Estudos Sobre a Fotografia Fisiológica.
1861 – Fundada a Sociedade Propaganda do Magnetismo e o Júri Magnético do Rio
de Janeiro por D. Pedro II, com pesquisa e tratamento pelo magnetismo animal.
1876 – Publicação do trabalho "Memória Sobre o Fluido Universal ou Éter", onde,
entre outras coisas, prefigura a idéia de bioeletrogênese, de autoria de Melo Moraes.
Dias da Cruz. Ferreira de Abreu, Gama Lobo e Gonzaga Filho pesquisavam o
magnetismo animal e o seu potencial terapêutico, ainda desconhecendo os
trabalhos de Braid sobre hipnotismo.
1887 – O Dr. Érico Coelho apresenta um caso de cura de beribéri pela hipnoterapia
sugestiva à Academia Imperial de Medicina. Ainda segundo o autor, é a primeira
apresentação da psicoterapia à medicina brasileira.
1888 – Francisco de Paula Fajardo Júnior é doutorado em medicina com a
dissertação "Hipnotismo" (Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro), Cunha Cruz
com a tese "Hipnotismo e Sugestão – Sua Aplicação à Tocologia", e Peixoto de
Moura, com a dissertação “Fisiologia Patológica dos Fenômenos Hipnóticos". Na
Bahia, Affonso Alves é doutorado com a dissertação "Das Sugestões no Tratamento
das Moléstias Psíquicas".
1889 – Publicação do livro de Fajardo baseado na sua tese de doutoramento. Neste
mesmo ano é apresentado, juntamente com Alfredo Barcellos, Aureliano Portugal e
Érico Coelho, trabalhos sobre hipnose psicoterápica no II Congresso Brasileiro de
39
Medicina e Cirurgia, além de também representarem o Brasil os doutores Joaquim
Correia de Figueiredo e Siqueira Ramos no I Congresso Internacional de Hipnose
Clínica e Terapêutica (8-12 de outubro) em Paris, presidido por Charcot.
1891 – Doutorado Alfredo F. de Magalhães pela Faculdade de Medicina da Bahia
com a dissertação "O Hipnotismo e a Sugestão – Aplicações Clínicas".
1892 – José Alves Pereira é doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da
Bahia com a dissertação "Das Sugestões no Tratamento das Moléstias Psíquicas".
1895 – Apresentação da dissertação do Dr. José Alcântara Machado sobre
hipnotismo ("Ensino Médico-Legal") para a vaga de lente substituto na cadeira de
Medicina Legal e Higiene Pública da Faculdade de Direito de São Paulo.
1896 – Publicação em segunda edição do livro de Fajardo, ampliado e atualizado
com o título Tratado de Hipnotismo. A excelência da obra é digna de nota de
especialistas na Europa como Charles Richet, Hack Tuke, Azam, Delbouef,
Brouardel, Féré, Dujardin-Beaumetz, Babinski, entre outros.
1916 – A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro premia Carlos de Negreiros
Guimarães com a dissertação "Do Conceito Moderno do Hipnotismo em Medicina".
1919 – Medeiros e Albuquerque publica no Brasil o livro O Hipnotismo, prefaciado
pelos eminentes médicos Miguel Couto e Juliano Moreira.
1957 - Fundada, no Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira de Hipnose Médica.
Das informações relacionadas a seguir, algumas foram obtidas de artigos
científicos e estão relacionadas nas referências. As demais foram obtidas a partir do
site da Sociedade Brasileira de Hipnose e Hipniatria (2009), o qual também se
encontra devidamente referenciado ao final deste trabalho.
1961 – I Congresso Brasileiro de Hipnologia, I Congresso PAN AMERICANO DE
HIPNOLOGIA e a II Reunião da Sociedade Internacional de Hipnose Clínica
Experimental, no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Medicina (ALAKIJA,
1992). Regulamentação da hipnose através do decreto presidencial nº 51.009 de
22/07/1961, proibindo seu uso em espetáculos, clubes, auditórios, palcos, ou
estúdios de rádio ou tevê.
1964 – Regulamentação da profissão de Psicólogo e permissão para uso da hipnose
através do decreto 53.464, de 21/10/1964.
40
1966 – Regulamentação da hipnose em Odontologia pela lei nº 5.081 de 24/08/1966.
Conselho Federal de Medicina inclui o emprego da Hipnose no "Código de Ética
Médica" no capítulo VI, art. 62, 63 e 64.
1971 – II Congresso Brasileiro de Hipnologia em João Pessoa, PB.
1991 - Fernando Collor revoga o uso terapêutico da hipnose através do decreto º 11
de 19/01/1991.
1999 - Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo obtém parecer de aprovação do
Conselho Federal de Medicina quanto ao uso do termo Hipniatria.
2000 – CFP (Conselho Federal de Psicologia) aprova e regulamenta o uso da
Hipnose como recurso auxiliar de trabalho do Psicólogo através da resolução nº
013/00 em 20 de dezembro.
2004 – 1º Congresso Brasileiro de Psicoterapia Breve e Hipnoterapia é realizado em
São Paulo.
2008 – XI Congresso Brasileiro de Hipnologia no Rio de Janeiro. 27º Congresso
Internacional de Odontologia de São Paulo discute práticas complementares e
integrativas; entre elas a hipnose.*
Através destes esclarecimentos, em que não se teve a pretensão de
nomear todos os eventos relacionados à hipnose, buscou-se delinear como esta
chegou até o Brasil e os caminhos que seguiu até a atualidade.
* Esta última informação retirada da página da internet do CIOSP – Congresso Internacional de
Odontologia de São Paulo.
41
3 HIPNOSE E CIÊNCIA
Muito embora o termo hipnose já venha sendo grandemente utilizado na
época atual, ainda há quem não consiga traduzir em palavras o que ela realmente
significa, seu significado variando conforme seus idealizadores.
Para Sofia Bauer (2002), a hipnose é um estado de consciência diferente
do estado de vigília e pode ocorrer no dia-a-dia, quando se está acordado, diferindo,
no entanto, de estar simplesmente em vigília, haja vista que nesse processo o foco
de atenção se volta para a realidade interna criada pela pessoa.
Sydney J.Van Pelt (1949 apud FERREIRA, 2006) considera que a
hipnose nada mais é do que uma superconcentração da mente.
Já para Sarbin (1950 apud PINCHERLE & COL., 1985), o hipnotizado
representa um papel, em que este tão-somente obedece às ordens do
hipnoterapeuta.
Embora se apresentem diferentes posições quanto à hipnose, Ferreira
(2006) pontua que este estado que alguns autores reportam como alterado é de
difícil precisão, uma vez que a percepção humana varia de pessoa para pessoa.
Então, a definição preferida pelo autor para o que seja estado alterado de
consciência é aquele onde há “[...] uma modificação temporária no padrão total da
experiência subjetiva, tal que o indivíduo acredita que o seu funcionamento mental é
distintamente diferente de certas normas gerais do seu normal estado de
consciência de vigília” (TART, 1972; NEWMAN, 1997; LUDWIG, 1966 apud por
FERREIRA, 2006, p.55).
Sobre este estado de atenção concentrada, Vale (2006) argumenta que é
precisamente este fato que permite à pessoa a reação ao trabalho do
hipnoterapeuta ou à auto-hipnose, defendendo, entretanto, a idéia de que
O desconhecimento pleno da mente humana dificulta a conceituação e
explicação dos mecanismos através dos quais a hipnose produz seus
efeitos. Ao contrário do que parece, durante a sessão hipnótica o encéfalo
está em plena atividade. (VALE, 2006, p. 539)
42
O estado de vigília, por sua vez, é o oposto do sono, em que a atividade
de despertar corresponde à propagação cortical da excitação. Para Pavlov, é pela
palavra que os estímulos dos reflexos condicionados são criados, sendo que estas
apresentam dois conjuntos de estímulos diferentes: um sonoro, que é o primeiro
sistema de sinalização, e um outro conjunto de idéias e imagens, que é o segundo
sistema de sinalização, conforme refere Ferreira (2006).
Considerando a evolução da hipnose até os dias atuais, Tortosa, MiguelTobal & González-Ordi (1999) referem a existência de uma dicotomia entre os
teóricos, embora apontem que os caminhos seguem em direção a um consenso. De
um lado os teóricos del estado e os teóricos del no estado, e de outro, a hipnose
clínica e a hipnose experimental. Na visão dos autores, a divergência entre as
escolas provoca a incongruência e a não-uniformidade entre os dados apresentados
pelos diferentes aportes, não obstante a produção científica recente venha aparando
arestas rumo a uma convergência entre estas teorias, referindo que a sugestão
direta ou indireta se encontra circunscrita aos fenômenos hipnóticos.
Parece existir una tendencia hacia la superación de la clásica controversia
entre teóricos del estado y teóricos del no estado, aproximando estas
posturas bajo la concepción de La hipnosis como un conjunto de
procedimientos que potencian certas capacidades preexistentes em los
indivíduos (TORTOSA, MIGUEL-TOBAL & GONZÁLEZ-ORDI,1999, p. 20).
De expressão pouco comum e bastante controversa, a hipnose forense
tem sido utilizada para resgatar memórias adormecidas, de modo a intervir na
solução de casos legais. Com esta prática, o hipnoterapeuta acessa a mente
inconsciente do indivíduo com vistas a recuperar informações importantes acerca de
crimes ou criminosos (TIBÉRIO, de MARCO & PETEAN, 2004).
Seguindo por esse viés, cumpre destacar o trabalho elaborado por Sousa
(2000) em sua dissertação de mestrado sobre a persuasão, em que o autor não
menciona a factibilidade do processo hipnótico. Nele, Sousa dispõe sobre os
caminhos que a mente humana elabora para tomar decisões, a certo ponto
relacionando a arte da persuasão com a hipnose. Toma ele por base a definição de
hipnose aceita pela Comissão da British Medical Association, que em 1959
estabeleceu hipnose como sendo
43
[...] um estado passageiro de atenção modificada no sujeito, estado que
pode ser produzido por uma outra pessoa e no qual diversos fenômenos
podem aparecer espontaneamente ou em resposta a estímulos verbais ou
outros. Estes fenómenos [sic] compreendem uma modificação da
consciência e da memória, uma susceptibilidade acrescida à sugestão e o
aparecimento no sujeito de respostas e ideias que não lhe são familiares no
seu estado de espírito habitual (CHERTOK, 1989, apud SOUSA, 2000, p.
140).
Partindo desta premissa, Sousa (2000) pontua a grande semelhança que
existe entre os dois processos, pois à exemplo da hipnose, a persuasão também
trata de modificar pensamentos e atitudes de outra pessoa a partir de um conteúdo
verbalizado, variando em intensidade quanto aos contextos, tipos de relação
estabelecida e os efeitos que se deseja produzir. Frisa o autor:
A relação orador/auditório não pode pois [sic] deixar de ser igualmente
compreendida à luz da modificação do estado de consciência que nela e por
ela se opera, ainda que sem a profundidade que caracteriza a relação
hipnotizador/hipnotizado (SOUSA: 2000, p. 141).
No tópico que se segue, contudo, o que se pretende discutir é a hipnose
sob o ponto de vista de seus mecanismos fisiológicos, cuja eficácia pode ser
explicada a partir de algumas reações físicas observáveis no corpo, quando
metabolismos complexos são ativados através do Sistema Nervoso Simpático e
Parassimpático (FERREIRA, 2009).
3.1 Neurofisiologia da Hipnose
O corpo humano é um complexo sistema interligado que detém o perfeito
controle de suas funções, mantendo o delicado equilíbrio entre todas as suas partes
e o meio ambiente. A esse equilíbrio, denominado homeostasia, o fisiologista Walter
Cannon chamou de a “sabedoria do corpo” (LENT, 2005), o qual assim permanece
por meio do funcionamento do sistema nervoso autônomo (SNA), um conjunto de
neurônios localizados na medula e no tronco encefálico, cuja comunicação com o
restante dos órgãos e tecidos acontece por meio dos axônios. Segundo o autor, o
44
SNA não é um órgão totalmente autônomo, pois suas ações são orientadas através
de regiões superiores do SNC - Sistema Nervoso Central.
Ferreira (2006) sustenta que o SNA é o órgão responsável em regular o
metabolismo, a temperatura do corpo, os sistemas circulatório, respiratório,
endócrino, urinário, genital, cujas funções “[...] não são necessariamente
conscientes” (p. 264).
Numa explicação mais resumida e simplificada, Esperidião-Antônio et al
(2007) propõem:
Diferentes estímulos (aferências) – térmicos, táteis, visuais, auditivos,
olfatórios e de natureza visceral (como alterações da pressão arterial) –
chegam a diferentes partes do SNC por vias neuronais envolvendo
receptores e nervos periféricos. Respostas (eferências) adequadas a esses
mesmos estímulos são programadas em determinadas áreas corticais, as
quais incluem desde circuitos simples – envolvendo poucos segmentos –
até complexos, exigindo refinamento funcional por parte de cada uma.
(ESPERIDIÃO-ANTÔNIO et al, 2007, p.64)
Bastante pertinente, portanto, a analogia de Lent (2006) ao comparar o
SNA ao maestro dos órgãos, em que estes, embora saibam tocar sozinhos,
precisam de um regente que lhes dêem “[...] o ritmo certo, a afinação adequada, a
sincronia de pausas e entradas, a emoção” (p. 475).
Na figura abaixo está representado o modo pelo qual o sistema nervoso
se divide:
Fig. 1
Fonte: http://www.afh.bio.br/nervoso/nervoso3.asp
45
Classicamente, o Sistema Nervoso Autônomo divide-se em Sistema
Nervoso Simpático (SNAS) e Sistema Nervoso Parassimpático (SNAP), os quais
agem de modo antagônico. Em situações de luta ou fuga, o SNS é ativado e gera
um aumento do hormônio adrenalina no organismo. Esta substância é um
neurotransmissor excitatório que aumenta a frequência cardíaca pelo aumento do
fluxo sanguíneo muscular. Assim, estimulando-se a cauda do hipotálamo, aumentase a atividade simpática, que por sua vez produz aumento do neurotransmissor
adrenalina, que atua sobre órgãos como coração, pulmões, vasos sanguíneos,
órgãos genitais, etc. A adrenalina é liberada como fator responsivo ao stress físico
ou mental, ligando-se um grupo especial de proteínas - os receptores adrenérgicos
(QMCWEB, 2009).
A estimulação do Sistema Parassimpático, por sua vez, que se dá através
da estimulação da parte anterior do hipotálamo, tem como consequência
[...] a diminuição da pressão arterial, da freqüência [sic] cardíaca, do
metabolismo basal, da secreção de adrenalina, do volume respiratório,
dilatação dos vasos sangüíneos [sic], sudorese, salivação, contração da
bexiga, contração das pupilas (miose) (FERREIRA, 2006, p. 265).
Tanto Machado (1993) quanto Serratrice et al (1995 apud ARAÚJO, 1997)
consideram que os dois centros suprassegmentares mais importantes para o
controle do SNA são o hipotálamo e o sistema límbico, ambos com extensas
projeções para a formação reticular.
Ferreira (2006) aponta estudos de Szechtman et al (1998), em que
pessoas altamente suscetíveis à hipnose e à alucinação ativam durante estes
processos uma região na área chamada Broadman (parte anterior do giro do
cíngulo), a qual foi detectada por exame de PET (tomografia por emissão de
pósitrons). Este exame permite mapear a atividade cerebral determinando o fluxo
sanguíneo. Os pacientes submetidos a este exame recebem uma injeção com
substância radioativa que vão ajudar a produzir as imagens cerebrais, marcando as
áreas ativadas em vermelho.
Situando especialmente as vias de estimulação visual, Ferreira (2006)
sustenta que primeiramente o indivíduo percebe o objeto, sua forma, movimento e
cor através do córtex primário visual (área de Broadman), informação que segue até
o córtex parietal posterior. A integração entre a representação do objeto com as
46
informações gravadas na memória faz o autor afirmar, sobre a conexão existente
entre estes dois processos, que “[...] envolve uma complexa rede relacionando o
córtex peririnal, entorinal e o hipocampo” (p. 190). Segundo ele, os componentes
emocionais decorrentes do estímulo são avaliados pela amígdala.
Em outro estudo realizado por Machado (1993), o autor sustenta que a
estimulação elétrica em determinadas áreas do hipotálamo é responsável por
respostas típicas dos sistemas simpático e/ou parassimpático, sendo que o
hipotálamo anterior é o responsável pelo controle principalmente do sistema
parassimpático, e o hipotálamo posterior coordena principalmente o sistema
simpático.
A neurobiologia da motivação, desde os mais incipientes estudos,
apontou o hipotálamo como um centro integrador fundamental, sendo este também
o receptor das informações vindas do sistema límbico, definido por Lent (2006) como
“[...] o conjunto de regiões neurais dedicadas a interpretar e responder aos estímulos
externos e internos de caráter emocional” (p. 491).
Sabe-se que o corpo humano tem diferentes necessidades e age por
diferentes motivações ou estados motivacionais, e seus comportamentos motivados
(LENT, 2005) estão dispostos em três classes. Na primeira, estão aqueles exigidos
por forças fisiológicas definidas, como a fome, a regulação corporal, entre outros.
Uma segunda classe é aquela que tem como guia um fisiologismo não tão bem
definido como o primeiro, e cujo melhor exemplo o autor aponta o sexo, pois a
procura pela satisfação sexual não se dá unicamente pelo desejo de perpetuação da
espécie, mas também pelo puro prazer. No terceiro grupo e mais complexo, e que
interessa especificamente ao presente trabalho, estão aqueles realizados sem uma
decisão biológica clara, motivados pela subjetividade inerente ao ser humano.
Para a consecução dos comportamentos motivados, Lent (Idem) sustenta
que duas forças fundamentais agem, que são a homeostasia e a busca do prazer,
sendo o hipotálamo o centro que integra fundamentalmente estes estudos, uma vez
que se comunica com inúmeras regiões do SNC e com diversos órgãos periféricos
por meio do SNA e sistema endócrino, além de receber informações de todos os
demais órgãos por ele controlados, inclusive o sistema imunológico, embora
indiretamente.
Segundo o autor, estas informações provêm também do sistema límbico,
conjunto de regiões neurais localizadas nas regiões corticais e subcorticais do
47
cérebro (Ibidem). Este sistema é em grande parte o responsável pelas emoções,
que embora sejam muitas e de difícil classificação, Lent (Ibidem) considera que três
aspectos são constantes: um sentimento (positivo ou negativo), um comportamento
(atos motores específicos das emoções) e ajustes fisiológicos de acordo com o
sentimento e o comportamento.
Para o autor, uma das estruturas que apresenta extrema importância no
tocante às experiências emocionais é a amígdala, a que ele refere como “[...] botão
de disparo [...]” (LENT, 2006, p.659) das situações que envolvem a emoção,
recebendo estímulos através do tálamo, e outras mais complexas por meio do
córtex.
O córtex é a parte mais desenvolvida do cérebro humano, além de ser
também o órgão responsável pelos pensamentos, percepção, produção e
compreensão da linguagem, entre outras, cada uma de suas partes respondendo
por funções específicas. O córtex se subdivide em lobo frontal, parietal, temporal e
occipital (VILELA, 2009).
Fig. 2
Fonte: http://www.afh.bio.br/nervoso/nervoso3.asp
Sobre a complexidade que permeia as emoções do ser humano, observese que no início do século XX, William James e Karl Lange (BARRA et al, 2008;
LENT, 2005, LEDOUX, 1999), já propunham que “Ficamos tristes porque choramos,
zangados porque agredimos, e com medo porque trememos, e não choramos,
48
agredimos ou trememos porque estamos tristes, agressivos ou com medo, conforme
o caso (LEDOUX, 1999, p.40)."
Na atualidade, o termo sistema límbico designa o “[...] circuito neuronal
que controla o comportamento emocional e os impulsos motivacionais” (LENT, 2005,
p. 657). Em suas experiências, o autor foi levado a crer que só após o córtex ser
informado de que o organismo produziu alterações fisiológicas é que se dá a
experiência consciente da emoção.
Contudo, foi com o anatomista americano James Papez que a
neurociência mudou novamente os modelos aceitos até então. Foi ele a apresentar
a teoria de que havia na verdade um “circuito” ou sistema de regiões que juntas
disparavam o sentimento, as reações e por consequência o retorno à situação de
equilíbrio. Esta rede neural ficou conhecida depois como Circuito de Papez e só
mais tarde é que o conceito Sistema límbico, criado pelo fisiologista francês Paul
Broca, passou a ser utilizado (idem, 2005).
Sobre Broca, este descobriu que a incapacidade para a fala não exclui a
compreensão da linguagem, fato que o fez anunciar em 1864 que o ser humano fala
através do hemisfério esquerdo e razão pela qual há no cérebro humano uma
porção denominada área de Broca (KANDEL, 1985, trad. MARIA CAROLINA
DORETTO).
Na figura abaixo, é possível visualizar as áreas do cérebro e as
respectivas funções referentes à linguagem.
Fig.3
Fonte: Postner and Raichle, Scientific American 1994
49
Embora haja um claro entendimento por parte da comunidade científica
acerca do que seja a hipnose, a trajetória realizada por este fenômeno no cérebro
ainda é pouco conhecida. Estudos feitos por Câmara (apud RODRIGUES, 1998)
apontam para a formação de uma rede chamada formação reticular, a qual
funcionaria como elemento aglutinador entre a voz do hipnoterapeuta e o cérebro.
Segundo o autor, “[...] A formação reticular controla a vigília e o sono e ainda
seleciona em que informações devemos nos concentrar” (p.43).
Especialmente quanto à estimulação sonora, Ferreira (2006) coloca que
existe um sistema que ativa e desativa o córtex, permitindo dessa forma o sono ou a
vigília. Assim, quando as palavras, via ordenamento verbal, “[...] são enviadas do
córtex cerebral, via sistema desativador descendente, até a formação reticular com
função de desativá-la [...]” (p. 189), há em consequência uma redução do estado de
alerta do córtex, o qual libera no sistema límbico os comandos pertinentes à
expressão emocional respectiva.
Ferreira (2006) considera que a formação reticular é condição sine qua
non para a vida, além de que é constantemente suprida por estímulos, regulando as
informações que recebe conforme seu interesse. Segundo o autor, a formação
reticular “[...] recebe as informações do meio ambiente, as filtra e permite que o
indivíduo focalize a atenção num objeto que seja do seu interesse” (p.287).
Com base nisso, Ferreira (Idem) aponta para estudos feitos por Terman et
al (1984), Teixeira (1995) e Pimenta et al (1997), em que os autores referem, por
exemplo, que existem componentes emocionais, culturais e religiosos que podem
produzir diferentes sensações quanto à modulação da dor nos indivíduos, capazes
de sensibilizar ou diminuir a dor.
Experimentos conduzidos na Universidade de Harvard por Kosslyn &
Colaboradores (2000), analisaram oito indivíduos selecionados como altamente
hipnotizáveis, que se submeteram a um exame de PET. Cada indivíduo submeteuse a quatro tarefas sem indução hipnótica e depois a mais quatro com indução.
Primeiramente, os sujeitos deveriam indicar a cor que verdadeiramente estavam
enxergando; num segundo momento, foi pedido aos indivíduos que vissem o objeto,
mas em escalas de cinza. Por último, à vista do objeto em escala de cinza, os
sujeitos deveriam adicionar cor ao objeto. Os estudos concluíram que quando
induzidos a perceber a cor, os sujeitos tinham maior alteração no fluxo sanguíneo do
50
hemisfério direito do cérebro. A figura abaixo mostra o modelo usado no trabalho em
questão.
Fig. 4
Fonte: Kossly & Colaboradores, 2000
Pouco tempo depois, em estudos conduzidos com um grupo de dez
indivíduos, proposto por Rainville et al (2002), estes sustentam, com base em exame
de PET (tomografia por emissão de pósitrons), que a indução hipnótica provoca
alterações significativas na experiência subjetiva, cujos resultados indicaram que a
hipnose gera modificações nas estruturas essenciais à regulação dos estados de
consciência, autorregulação e autocontrole, como também foi relatada uma
diminuição quanto à capacidade avaliativa, acompanhamento e censura, além de
interromper a orientação temporal, de localização e da consciência de si mesmo no
grupo estudado.
Sobre o PET, julga-se pertinente alguns esclarecimentos adicionais a
respeito de como se processa este exame. A imagem cerebral por meio do PET tem
início a partir de uma injeção contendo alguns átomos radioativos com a tendência a
fixarem-se no cérebro. Com a emissão de pósitrons, estes átomos decompõem-se
em mais ou menos vinte minutos, e ao estimularem o cérebro durante o exame, as
zonas cerebrais mais estimuladas produzem mais raios gama, tendendo a
concentrarem-se em áreas específicas, de acordo com a estimulação dada. Estes
dados, por sua vez, recebem um sofisticado tratamento matemático e estatístico,
permitindo assim a produção de imagens semelhantes a “fatias planas” do cérebro
do paciente (MAT.URFGS, 2009).
51
A figura abaixo mostra a atividade cerebral de um recém-nascido em seus
primeiros meses de vida, cujas partes em vermelho apontam as áreas mais
estimuladas.
Fig. 5 –
Fonte: http://www.mat.ufrgs.br
Exames mais acurados como o PET possibilitam estudar mais
detalhadamente as alterações produzidas no cérebro sob efeitos controlados em
laboratório ou mesmo para diagnósticos mais precisos. A figura abaixo mostra a
ação do receptor serotonina através das áreas coloridas.
Fig.6 Fonte: http://images.google.com.br
52
Os dados obtidos nestes experimentos são consistentes com a
verificação de que as atividades relacionadas com o tronco cerebral, o giro do
cíngulo anterior, com o giro frontal inferior direito e o lóbulo parietal inferior direito
desempenham um papel decisivo na produção dos estados hipnóticos.
Ressalte-se também o aspecto destacado por Ferreira (2006) de que
durante o processo hipnótico se observa uma redução do fluxo sanguíneo cerebral
regional (FSCr) no córtex parietal, assim como há também um acréscimo do FSCr
“[...] na parte caudal anterior do giro do cíngulo direito e no córtex frontal de ambos
os lados” (p. 216). Este exame se obtém com a ressonância magnética funcional
(IRMf), a qual detecta minúsculas variações do fluxo sanguíneo. O exame é feito
medindo-se o nível de oxigenação no sangue nas áreas mais ativas, gerando
imagens de alta resolução, muito mais nítidas e precisas do que o PET.
A figura abaixo mostra, nas áreas em vermelho, as áreas do cérebro
estimuladas durante o exame de ressonância magnética funcional.
Fig. 7 –
Fonte: http://www.mat.ufrgs.br
Estudos realizados com eletroencefalograma (EEG) dão indicativo de que
estando com a atenção focalizada no processo hipnótico, ao ouvir sugestões de
“pálpebras pesadas, cansadas”, por exemplo, há nos indivíduos suscetíveis uma
baixa de atividade em alguns circuitos cerebrais nos lobos frontais responsáveis pelo
planejamento e comportamento (idem).
Pincherle & Colaboradores (1985) referem estudos de Kupper em
veteranos de guerra, os quais apresentaram alterações verificáveis nos padrões de
EEG quando em regressão hipnótica. Em estudos conduzidos pelos próprios
autores, estes sustentam uma redução no número de crises e ausências em
paciente com histórico de epilepsia quando submetido a tratamento pela hipnose.
53
Não é infundada, portanto, a comparação que Caprio & Berger (1999)
fazem entre o inconsciente e um computador. No livro Curando-se com a autohipnose, os autores fazem uma analogia entre a mente humana e um
servomecanismo, salientando que tal como este, que pode ser programado e
reprogramado, o subconsciente também pode ser alterado a partir de novas
sugestões.
Um servomecanismo é uma máquina construída de maneira a ‘se orientar’
automaticamente para uma meta, um alvo ou uma solução. A mente
subconsciente não tem emoção nem opinião. Ela só responde a partir das
informações que tem armazenadas em sua memória, retirando-as dali de
maneira semelhante a que se retira uma carta de um arquivo (CAPRIO &
BERGER, 1999, p.60).
Com estes esclarecimentos, pretendeu-se dar suporte à explicação de
como a hipnose está vinculada ao sistema límbico e ao hipotálamo (centros
cerebrais que regulam as emoções básicas e a memória), interagindo com todas as
funções do organismo através do sistema simpático e parassimpático.
Conclui-se assim que a crescente e mais recente produção científica
sobre a hipnose vem despertando na comunidade científica um vivo interesse nas
questões que dizem respeito ao funcionamento cerebral e ao modo pelo qual a
hipnose atua no cérebro humano.
No tópico a seguir, serão apresentados os conceitos de consciência,
transe e hipnose, suas aproximações e diferenças.
3.2 Consciência, Transe e Hipnose
As questões referentes à consciência apresentam diferentes opiniões,
uma vez que a representação de mundo varia de pessoa para pessoa,
diversificando-se também a depender da abordagem psicológica a ser trabalhada.
Assim, ela pode ser considerada a partir de várias esferas do conhecimento.
54
Davitz e Cook (1976 apud FERREIRA, 2006) argumentam que “[...]
consciência é a conseqüência [sic] da interação entre o acontecimento em si e a
forma pela qual ele é vivenciado pelo ser humano” (p.55).
A nível neurológico há a dicotomia entre consciência de si (relacionado
aos hemisférios cerebrais) e do ambiente (relativo à vigília e às estruturas do tronco
cerebral (PLUM e POSNER, 1977, apud FERREIRA, 2006).
Grinder e Bandler (1984, apud FERREIRA, 2006, p. 54) consideram que
“[...] transe é apenas pegar uma experiência consciente e alterá-la em alguma outra
coisa”, enquanto muitos psicólogos reportam transe como “[...] um estado de limitada
consciência (awareness), e uma pessoa estaria em transe quando sua atenção está
limitada e há uma certa repetição de pensamentos” (FERREIRA, 2006, p. 54).
Na concepção do autor (Idem), são exemplos de transe no dia-a-dia a
capacidade da pessoa em se abstrair totalmente do que a cerca, focalizando a
atenção apenas em determinado objetivo ou tarefa. Cita ainda como exemplos o de
um tenista em concentração para uma jogada numa partida ou um internauta
aficcionado em internet.
Já o estado alterado de consciência, em que o autor concorda com a
visão de Ludwig (1996) e Farthing (2000), transe pode ser definido “[...] como uma
modificação temporária no padrão total da experiência subjetiva, tal que o indivíduo
acredita que o seu funcionamento mental é distintamente diferente de certas normas
gerais do seu normal estado de consciência de vigília” (FERREIRA, 2006, p.55).
Chertok (1989, apud SOUSA, 2000) coloca hipnose como sendo o “[...]
quarto estado do organismo, actualmente [sic] não objectivável [sic] (ao inverso de
três outros: a vigília, o sono, o sonho): uma espécie de potencialidade natural, de
dispositivo inato [...]” (p. 140).
Já Zeig (apud ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003) aponta
hipnose como um tipo de focalização da consciência através do uso da palavra, na
qual a hipnose “[...] busca prender a atenção do paciente para maximizar sua
colaboração construtiva com o paciente” (p. 12).
Spiegel (apud FERREIRA, 2008, p. 5) considera “[...] o transe hipnótico
como um desvio da atenção”.
Com Jorge Abia encontra-se uma definição um pouco mais extensa:
55
Definimos transe como um estado de consciência em que permanecemos
em contato mais intensamente conosco que com o meio externo. Ou seja, a
atenção se volta para o que imaginamos e sentimos mais do que ao que
objetivamente pensamos, sem que se perca o controle da relação com o
exterior (ABIA, 2001, apud FERREIRA, 2008, P. 5).
Percebe-se assim, pelo aporte de diferentes correntes científicas e
autores, que os termos consciência, transe e hipnose encontram-se por vezes muito
próximos um do outro, sendo difícil distingui-los. Isso não invalida, no entanto, a
eficácia do trabalho terapêutico, ainda que sob diferentes nomenclaturas. Neste
tópico, o que se propôs foi mais uma vez demonstrar a falta de um consenso entre
os termos usados para definir a hipnose.
3.3 Sugestão
O termo sugestão remete necessariamente a uma interpretação quanto
ao seu sentido etimológico e psicológico. A levar-se em conta apenas o significado
comum, sugestão pode ser definida como estímulo, inspiração (PRIBERAM, 2009).
Para Ferreira (2006), sugestão é um processo comunicativo e de
aceitação geral quanto a uma idéia apresentada e que ocasiona uma modificação na
concentração total da mente do sujeito.
Em termos psiquiátricos, pontua ele,
sugestão “[...] se usa para indicar una idea que se ofrece al enfermo y que éste há
de aceptar sin crítica” (LERNER, 1964 apud FERREIRA, 2006, p. 65).
É interessante observar que alguns aspectos estabelecidos por Coué
(1915) no início do século passado ainda permanecem, tanto em Shrout (1985),
quanto em estudos mais recentes, como este de Ferreira (2006). Nele, o autor
identifica cinco aspectos referidos por Coué quanto à sugestão (estes também se
encontram descritos no livro de Shrout - Hipnose Moderna Científica, pela editora
Pensamento, em 1995, embora não em cinco tópicos como o de Ferreira):
56
ASPECTOS DA SUGESTÃO
1. A realização de uma idéia a partir da atenção concentrada;
2. Vontade e imaginação antagônicas fazem vencer sempre a imaginação;
3. Aliança entre sugestão e emoção supera qualquer outra;
4. A determinação do não-fazer produz efeito contrário;
5. A imaginação pode ser dirigida.
Tabela 1
Fonte: Ferreira, 2006
Uma importante distinção entre sugestionabilidade e hipnotizabilidade
referida por Ferreira (2006) dá a dimensão exata entre estes dois termos. Enquanto
sugestionabilidade se revela como o grau de mobilidade do indivíduo em direção a
uma idéia, momento em que não faz uso do senso crítico, a suscetibilidade hipnótica
(o autor cita ainda hipnotizabilidade, habilidade hipnótica ou receptividade quanto à
hipnose como termos correlatos) por sua vez está ligada à extensão da capacidade
do sujeito em experimentar a hipnose.
Tanto um como a outro apresentam diferenças de pessoa para pessoa.
No primeiro caso, as diferenças também podem surgir conforme as sugestões sejam
apresentadas de forma direta ou indireta, de acordo com as expectativas do
paciente naquele momento, com o rapport entre hipnoterapeuta e paciente, para
citar algumas situações específicas.
Relativamente à capacidade hipnótica, os estudos não são conclusivos,
sem um consenso quanto ao prazo em que esta habilidade se desenvolve ou quanto
tempo dura. Ferreira (2006) aponta os estudos de Aldrich (1987), Shore & Orne
(1962), os quais sustentam que existem horários do dia que produzem maior
suscetibilidade à hipnose, sendo o maior por volta do meio-dia e o menor entre 17 e
18 horas.
Estudos apresentados no 5º Congresso Mundial de Ciências Médicas no
Canadá em 1998 dão conta de que durante a atividade hipnótica se comprovou
maior atividade teta em exames de eletroencefalograma (EEG) de sujeitos
extremamente suscetíveis (FERREIRA, 2006).
57
Embora alguns autores considerem diferenças entre os indivíduos quanto
à suscetibilidade hipnótica, Ferreira argumenta que existe na atualidade uma
corrente a defender a teoria de que todas as pessoas podem ser hipnotizadas,
bastando para isso a habilidade do especialista, inclusive, frisa o autor, nos
pacientes psicóticos.
Sobre este assunto, Izquierdo de Santiago coloca que “La esquizofrenia
es una enfermedad compleja que puede ser tratada mediante la utilización de
medicación y/o terapias psicológicas” (2008, p. 10). Frisa, contudo que esta técnica
deve ser utilizada junto com outros tratamentos.
Em pessoas com Alzheimer, Ferreira (2006) faz uma ressalva quanto a se
utilizar a hipnose em pacientes cujos estágios da doença estejam mais avançados,
considerando que os neurônios nessa situação já não funcionam adequadamente.
Como fatores capazes de influenciar os pacientes, Ferreira (2006)
enumera algumas condições:
FATORES DA RELAÇÃO ESPECIALISTA-PACIENTE
Comunicação
adequada
com
o
paciente
Aparência adequada do
profissional
Relação afetiva
Expectativa
Prestígio
Repetição de sugestões
Observar cuidadosamente desde os primeiros contatos com o
paciente a apresentação, o aperto de mãos, a anamnese, a
linguagem, as frases, utilizando frases afirmativas, claras
A aparência pessoal começa ao vestir-se e continua nos cuidados com
unhas, cabelos, barba, maquiagem, etc.
Desenvolver confiança mútua
Passar a idéia de sucesso no desfecho do tratamento, pois essa
expectativa representa um determinante quanto à capacidade
hipnótica
Na maioria dos casos, o reconhecimento quanto ao prestígio do
profissional em seu meio facilita o trabalho
Durante o processo hipnótico se obtém melhores resultados pela
repetição das sugestões
Tabela 2 –
Fonte: Ferreira, 2006
Entre as qualidades necessárias ao especialista e que são citadas acima,
Ferreira (2008) argumenta ainda que a convicção, a confiança, o conhecimento, a
competência, o comprometimento, o comportamento, a criatividade, a disposição do
paciente, a concentração e a comunicação são também condições imprescindíveis
ao bom andamento da terapia.
58
Do mesmo modo que os itens quanto à relação entre especialista e
paciente, Ferreira (2006) cita a influência do ambiente externo em que se
desenvolve a ação terapêutica para melhor conduzir a terapia:
INFLUÊNCIA DO MEIO AMBIENTE E A RELAÇÃO SUGESTÃO – PACIENTE
Luminosidade
Temperatura
Sons, vozes, música e
ruídos
Perfumes agradáveis
Posição confortável
Decoração do ambiente
Manter desligado campainhas, telefones, etc. Quanto aos ruídos
advindos do próprio lugar onde se localiza o consultório, é interessante
incorporá-los à indução hipnótica, caso não seja possível reduzi-los. O
ambiente tanto pode estar em completo silêncio quanto se podem usar
CDs com gravações.
É preciso cuidado com perfumes, uma vez que os pacientes em
expectativa de trabalho mental tornam-se mais sensíveis aos cheiros.
Pode-se usar uma cadeira, divã ou maca, desde que seja confortável.
Evitar chaves, moedas, carteiras no bolso que possam produzir ruídos,
assim como descartar chicle, balas, óculos, lentes, adornos, etc.
Agradável, com poucos objetos.
Tabela 3 –
Fonte: Ferreira, 2006
Como complemento às condições acima descritas, Ferreira (2008) inclui
também as condições climáticas e a hora, a conduta do recepcionista, prestígio do
profissional, acontecimentos que se deram antes do horário do paciente, assim
como a expectativa de algum evento posterior à consulta são fatores que podem
influenciar as respostas hipnóticas.
Segundo o autor, à disposição no mercado se encontram CDs gravados
especialmente com o fim de produzir uma variedade de ondas para facilitar a
indução hipnótica, como as ondas teta, que facilitam a imaginação, as ondas delta
que possibilitam o adormecimento, e outras ainda que reduzem a atividade das
ondas beta e que aumentam o percentual do ritmo alfa. Ferreira (2006) aponta
inclusive estudos feitos por Keyon (1998), em que se obtém relaxamento muscular a
partir de estimulação de ritmo alfa próximo de 8Hz.
Sobre a classificação das sugestões, Ferreira (2006) sustenta que
dificilmente o paciente se encontra sob o efeito de uma única sugestão.
No quadro abaixo estão relacionadas, conforme o autor, alguns tipos de
sugestão e suas principais características, exceção feita no caso da sugestão
59
sensorial cinestésica, cujos autores estão indicados especificamente (entendeu-se
necessário ampliar a explicação para melhor compreensão do termo):
CLASSIFICAÇÃO DAS SUGESTÕES
Sensorial
Sensorial
sonora
Tátil
Térmica
Dolorosa
Palestésica
Batiestésica
Cinestésica
Sugestões
combinadas
Sugestão pela
atitude
Sugestão
psíquica
Sugestão
ambiental
Sugestão
ideomotora
Sugestão
Desafio
Direta: o paciente age respondendo a afirmações objetivas: “Seus olhos estão se
fechando”;
Indireta: introduzidas sutilmente, procura não relacionar experiência do paciente
com a sugestão: “As pessoas obtém melhor concentração com os olhos fechados”
(FERREIRA, 2006, p. 73-75);
Extraverbal: habilidade em transmitir pelas palavras conteúdos não verbalizados,
apenas inferidos a partir de frases, palavras, gestos;
Fonação extraverbal: utiliza mais os sons do que as palavras: ritmo da respiração,
sorriso, bocejo;
Não-verbal: apito, tique-taque, instrumento musical, som de árvores, chuva;
Visual: imagem ou vibração através da visão – luz de velas, disco giratório, brilho
de anel, alfinete, olhar, etc.;
Olfativa: odores de perfumes, álcool, etc.
Gustativa: influência com sabores doce, amargo, salgado, etc.
Toque dos dedos no paciente.
Calor e frio.
Pressão sobre uma vértebra do paciente.
Sensibilidade aos estímulos vibratórios (diapasão aplicado sobre a superfície
óssea).
Consciência exata da posição das partes do corpo e suas relações – sentimentos
de pressão sobre o corpo (movimentos passivos de uma articulação em diferentes
direções).
Propriocepção corporal - discrimina a posição e o movimento articular, incluindo
direção, amplitude e velocidade, bem como a tensão relativa dentro dos tendões
(Smith et al ,1997).
Associação simultânea de mais um tipo de sugestão.
Consiste no conjunto de crenças pessoais do especialista, capazes de transmitir
ao paciente sua habilidade em tratá-lo adequadamente.
Pouco considerada entre os teóricos, é mais reconhecida na parapsicologia.
Consiste em provocar ação em pessoas ou objetos pelo poder mental.
Influência do ambiente do consultório, fases da lua, calor, frio, chuva, sol, campo
magnético, enfim fatores que induzem ao relaxamento hipnótico, sintonizando o
paciente com as metas do tratamento, específicas ou não.
Relacionadas a movimentos dos membros: mexer o dedo, levantar o braço, etc.;
Consiste em apresentar ao pacientes situações para mudar sua percepção. Com
o braço estendido, sugerir a impossibilidade de flexioná-lo, ou vice-versa.
Tabela 4 –
Fonte: Ferreira, 2006
Na tentativa de esclarecer mais pontualmente a diferença entre alguns
vocábulos presentes na literatura inglesa, Ferreira (2006) distingue o que seja
awareness (alerta) e consciousness (consciência). Para o autor, awareness é a
60
percepção das coisas e dos sentidos na sua forma mais simples, enquanto que
consciousness é a identificação precisa dessas coisas e sentimentos, de modo mais
exato.
Essa explicação se justifica para responder por que muitas vezes o
processo hipnótico é conduzido com mais sucesso ou as sugestões são mais
prontamente recebidas do que em outras, o que faz Ferreira (2006) responder,
utilizando os conceitos de Hartland (1973), que enquanto ocorre o transe hipnótico,
há uma supressão parcial ou total do poder crítico do indivíduo. Isso acontece
porque existe uma mente inconsciente em permanente processo de ingerência
sobre os pensamentos, sentimentos e comportamentos humanos, o qual se dá
geralmente sem que o indivíduo perceba (FERREIRA, 2006). Isso é que faz Hartland
(1973 apud FERREIRA, 2006) dar tanta importância ao poder crítico do indivíduo,
pois com este restrito à mente consciente, as sugestões tanto podem ser aceitas
quanto rejeitadas. Frisa também que as respostas durante o processo hipnótico
podem ser nulas caso não sejam da vontade consciente do paciente. Isso significa
dizer que um paciente hipnotizado não executa ações que representem uma
contraposição ao seu conjunto de crenças pessoais conscientes.
Ferreira (2006, p.55-56; 2008) considera então que quando algumas
condições são preenchidas, as sugestões agem mais rapidamente e com mais forte
poder de sugestionabilidade:
Suscetibilidade hipnótica da pessoa aos testes;
Propensão à fantasia;
Propensão à amnésia e à dissociação – redução de tônus muscular, escrita
automática,
sugestões
pós-hipnóticas,
de
amnésias
pós-hipnóticas,
dificuldade para falar;
Imaginação absorvente – pode ser dirigida para uma fantasia interna ou para
uma sensação corpórea, ou detalhar o meio ambiente;
Capacidade imaginativa do hipnotizado caminha junto com as sugestões do
hipnotizador. Nestas pessoas, o potencial hipnótico varia com as motivações,
atitudes e expectativas pessoais; grau de rapport que o hipnotizador possui;
características das sugestões e ainda de acordo com cada situação.
61
As dificuldades em estabelecer as ações de uma pessoa sob o efeito da
hipnose e fora dela fazem com que as posições dos autores se mostrem
controversas. Outro ponto a ser considerado é que as pessoas, mesmo expostas a
estímulos iguais, têm respostas diferentes.
A posição de Stark (1999 apud FERREIRA, 2006, p. 48) é a de que “[...]
hipnose é realmente uma convenção cultural, uma situação onde nós fazemos
particularmente efetivo uso da imaginação pela manipulação de expectativas” (trad.
do autor). Segundo ele, conforme as expectativas do indivíduo, a imaginação
provoca alterações naquilo que se percebe, se sente e nos próprios atos do sujeito.
Nos quadros abaixo, serão citados os estados especiais representativos
da hipnose, das pessoas sob o estado hipnótico, bem como as características
psicológicas do indivíduo sob efeito hipnótico.
No entanto, cumpre notar, seguindo especificações de Shrout (1995), que
Bernheim foi o primeiro a apontar as variantes existentes de sujeito para sujeito, não
apenas quanto ao estágio de transe, mas também quanto a sua capacidade de
sugestionabilidade diante da hipnose, fato continuamente observado por Ferreira
(2008; 2006).
A classificação de Pavlov (apud SHROUT, 1995) para os temperamentos
eram de dois tipos: reações de excitação e reações de inibição, apresentando cada
uma delas uma nova subdivisão:
TIPOS DE TEMPERAMENTO
Reações de excitação
Reações de inibição
Fortemente excitável
Vivamente excitável
Calmo, imperturbável
Ligeiramente inibível
Tabela 5 –
Fonte: Shrout, 1995
Hilgard (1968 apud FERREIRA, 2006), aponta as características da
pessoa sob os efeitos da hipnose, como se descreve no quadro abaixo:
62
CARACTERÍSTICAS DO PACIENTE HIPNOTIZADO
1. Abrandamento
da
função de planificação
2. Redistribuição
da
atenção
3. Redução nos testes
de
realidade
e
tolerância
4. Disponibilidade para
memórias visuais do
passado e aumentada
habilidade
para
a
fantasia
5. Aumento
da
sugestionabilidade
6. Comportamento de
desempenhar papel
7. Amnésia para o que
se divulgou durante o
estado hipnótico
8. Respostas
às
sugestões de modo
literal,
primitivo,
usualmente demorando
um pouco
Perda da iniciativa e do desejo de
fazer planos. Habilidade para a
ação e para a fala, mas pouca
vontade para tal.
Atenção e desatenção seletiva
além do normal.
Alteração na percepção da
própria personalidade, de tempo,
lugar, sobre o outro, distorções da
realidade, nomina objetos e
pessoas inapropriadamente.
Facilitação da recuperação de
memórias, que pode ser tanto
produtiva quanto reprodutiva,
embora questionáveis quanto à
veracidade.
Em consequência do estado da
pessoa, devendo ser estudada
independentemente de como esta
se processa. Isso acontece pela
vontade do paciente em seguir as
sugestões recebidas.
Personificação do papel sugerido
e
execução
de
atividades
complexas correspondentes.
Embora não seja essencial, a
amnésia ou a recordação pode
ser sugerida durante o trabalho.
Cuidado
ao
elaborar
as
proposições ao paciente, que
pode tomá-las ao pé da letra,
além de certa demora em
responder. Nessa situação é
importante dar tempo ao paciente
para a resposta.
A
explicação
em
termos
neurofisiológicos
destas
três
características está em que, durante
o processo hipnótico, a ação de
focalizar a atenção ocupa as
funções do lobo frontal, de tal modo
que se torna inibido, o que provoca
as características apontadas nos
itens 1, 2 e 3.
É pertinente ressaltar que estas
posições
não
constituem
unanimidade. Lynn et al (apud
FERREIRA 2006) consideram que a
capacidade de dar respostas literais
se prende ao fato de ser um
comportamento esperado e por estar
numa situação passiva.
Tabela 6 –
Fonte: Ferreira, 2006
Relativamente às características físicas da pessoa hipnotizada, Ferreira
(2006) atenta para a impossibilidade de se detectar exatamente o ponto onde o
indivíduo ultrapassa as fronteiras da consciência, diferenciando-se especificamente
pela intensidade com que se apresenta.
Para tanto, recomenda-se um comparativo entre as alterações físicas e
fisiológicas possivelmente observáveis entre os sujeitos antes e durante o processo
hipnótico. No quadro a seguir, apresenta-se uma descrição resumida dos fenômenos
a observar:
63
ALTERAÇÕES OBSERVÁVEIS DURANTE A HIPNOSE
Relaxamento muscular: face, mandíbula, pescoço, musculatura em geral
Mudanças na cor da pele (palidez), cor dos olhos (avermelhados – possível relaxamento da
musculatura da órbita, que facilita maior fluxo sanguíneo)
Parte branca do olho se sobressai, pupila sobe. Com os olhos fechados, ruga na pálpebra
superior
Alteração de movimentos da respiração, frequência do pulso (geralmente mais lento)
Fechamento dos olhos e tremor das pálpebras
Motricidade voluntária diminuída
Expressões da face e do corpo de acordo com as sugestões dadas
Movimentos inesperados e involuntários de um ou mais dedos
Acenos com a cabeça, sacudidas nas mãos
Lacrimejamento (possível relaxamento dos músculos)
Alterações no diâmetro da pupila
Alterações na quantidade de suor
Alterações na temperatura corporal independentemente de sugestão
Possível secura na boca, dependendo da técnica utilizada
Sensação de formigamento e coceira nas extremidades, mesmo sem sugestão
Respostas lentas às solicitações do hipnotizador e em movimentos espaçados
Lentidão no movimento dos olhos não é conclusivo de estado hipnótico, tendo em vista que
estes também foram registrados em estados do sono, conforme apontam estudos de
Dunwoody e Edmonston em 1974 e citados pelo autor.
Autores como Clasilnec, Hall e Handbook (apud FERREIRA, 2006) sustentam que a hipnose
é considerada de moderada a boa conforme os pacientes relatem tremor das pálpebras e
fechamento espontâneo, relaxamento dos músculos da face, profundo relaxamento muscular,
respiração lenta e profunda, alteração na deglutição.
Tabela 7 –
Fonte: Ferreira, 2006
64
Quanto às características psicológicas do estado hipnótico, estas podem
ser assim comentadas:
CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DO ESTADO HIPNÓTICO
Atenção seletiva
Foco da atenção apenas numa parte da experiência
Dissociação
Mente consciente ocupa-se com o processo hipnótico e a mente
subconsciente de associações, significações simbólicas, respostas
Receptividade aumentada em decorrência das sugestões em
pessoas mais suscetíveis (é possível esta ocorrência também em
pessoas sem hipnose, apenas pela expectativa, atitudes e
motivações
Resposta às sugestões conforme suas referências pessoais
Inexistência de avaliação crítica, onde a experiência pode ser ou
não racional/real
Embora considere esta possibilidade, o autor refere também a
possibilidade de inexistir relaxamento físico, apenas mental, ou o
contrário. Segundo ele, o relaxamento pode ser somático (corpo),
cognitivo (mental) ou dos dois. Em estudos feitos por Edmonston Jr
(1981 apud FERREIRA, 2006), o relaxamento é o alicerce das
demais características que aparecem após o processo hipnótico,
embora a maior parte das pessoas associe hipnose com
relaxamento.
Contudo, alterações na percepção do corpo, tais como alteração de
tamanho, desaparecimento de partes do corpo, alterações de
equilíbrio, de temperatura, de percepção do real, de voz, são
índices convergentes de diferentes variáveis relacionadas entre si:
Manter longo tempo os olhos fechados, ficar esperando algo
ocorrer, esperar alterações nas sensações corpóreas, sugestões
de relaxamento, relaxamento profundo, sono e hipnose
Resposta aumentada às
sugestões
Interpretação subjetiva
Transe lógico
Relaxamento
Tabela 8 –
Fonte: Ferreira, 2006
À parte todas as características descritas nos quadros acima, é preciso
esclarecer que algumas alterações são verificáveis tanto em pacientes sob hipnose
quanto em pacientes não hipnotizados (FERREIRA, 2008; 2006). Para o autor
(2006), a própria vivência diária, através de imagens ou palavras, pode provocar
modificações na percepção sensorial e motora do indivíduo, sendo, entretanto, muito
difícil definir características específicas que se possam aplicar a todas as pessoas
durante o processo hipnótico. O autor acredita que por ser um processo individual,
as manifestações do comportamento também são únicas, e as situações cotidianas
65
que
se
apresentam
como
fatores
hipnóticos
acontecem
verdadeiramente,
independentes de uma orientação prévia. Além disso, Ferreira (apud Rossi, 1989)
comenta que existem pessoas que aceitam as idéias sugeridas, mas não ativam
modificações na fisiologia; em outras, apesar de aceitarem as sugestões muito
lentamente, resistem a elas.
ALTERAÇÕES PRODUZIDAS EM PACIENTES COM OU SEM SUGESTÃO HIPNÓTICA
Modificações da
motricidade voluntária
•
•
•
Relaxamento, hipotonia, paralisia, rigidez
Movimentos involuntários
Facilitação de performance
Modificações do controle
normalmente nãovoluntário
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Coração
Vasos sanguíneos
Aparelho respiratório
Sistema digestório
Bradicardia, taquicardia, alterações da pressão arterial
Vasoconstrição e vasodilatação
Apnéia, hipopnéia, hiperpnéia
Modificação nas secreções, do peritaltismo
Glicemia, número de leucócitos,...
Secreção salivar, transpiração, hormônios,...
Modificações metabólicas
Modificações endócrinas
Modificações na resposta
da pele
Percepção alterada pelos
•
sentidos
•
Alterações imunológicas
Alterações nas funções
mentais
Alterações de respostas
•
•
•
•
Tabela 9 –
Fonte: Ferreira, 2006
Visão, audição, tato, olfato, gustação
Alteração e ou distorção da sensibilidade térmica, dolorosa,
tátil, epicrítica, barestésica, palestésica
Sensoriais, percepção (ilusão, alucinação), atenção,
memória
Quanto à ansiedade, assimilação, retenção, recordação,
alteração, memória da dor crônica
Mudança de hábitos: eliminar cigarro, bebida alcoólica,
emagrecer
Poder de dessensibilizar fobias, desenvolver capacidade
criativa
66
3.4 Métodos/técnicas de Hipnoterapia com Hipnose
Na literatura sobre hipnose, cujas publicações científicas são mais
restritas, encontra-se na atualidade um referencial teórico elaborado por Ferreira
(2006), cujos estudos recentes têm procurado não só revisitar o percurso da hipnose
na história humana, mas também destacar seu relevante papel na cura de várias
enfermidades de ordem psíquica e física. Por esse motivo, neste trabalho optou-se
por fazer uma breve descrição das técnicas de Psicoterapia pela hipnose que o
autor aborda, entremeando com algumas técnicas desenvolvidas por Milton
Erickson, cujas publicações em extensos trabalhos também em muito contribuíram
para elevar a hipnose ao patamar em que hoje se encontra.
Entretanto, cabe salientar que existem divergências quanto ao uso da
palavra método e técnica, sendo às vezes utilizada como sinônimos. Outro ponto a
destacar está em que, das técnicas/métodos aqui explanados, existem variações
conforme seus autores, muitas vezes com uma nomenclatura diferente, porém
bastante próximas quanto ao modo de condução dos trabalhos.
Nos estudos reportados por Erickson, Hershman e Secter (2003),
encontram-se registrados entre os fenômenos hipnóticos alguns que também foram
observados por Ferreira (2006) como técnicas de Hipnoterapia. Entretanto, apenas
alguns dos fenômenos apontados pelos autores serão registrados no decorrer do
trabalho com os indicativos da respectiva autoria.
Por último, entendeu-se relevante observar a existência de outras
técnicas/métodos não mencionadas aqui e que podem variar conforme a formação
daquele que a utiliza. Abaixo, são descritas as práticas técnicas de hipnoterapia
elaboradas por Ferreira, interpondo-se a visão de outros autores ao tema tratado.
Dissociação
Através desta técnica, o paciente é induzido à dissociação, que consiste
em separar o funcionamento da mente consciente do funcionamento da mente
inconsciente, podendo ser aplicada durante as técnicas de Psicoterapia.
Normalmente, o primeiro passo está em
67
[...] dissociar o “Eu” observador, do “Eu” que está experienciando alguma
coisa, (b) separar o “Eu”, das partes do corpo para expressar os conteúdos
subconscientes, como ocorre na hipnografia, hipnoplastia e na escrita
automática e (c) dissociar vários estados do “Eu”, processos e funções, para
auxiliar o paciente e reintegrá-los de um modo mais saudável. (FERREIRA,
2006, p. 703)
Hipnografia
Pela pintura, o individuo revela as dificuldades que possui, pois
normalmente estas pessoas possuem limitações quanto ao uso da linguagem como
forma de comunicação. O segundo passo nesta técnica é tornar mais fácil ao
paciente a capacidade de expressar pela voz o que expressou primeiro pela pintura
(FERREIRA, 2006).
Quando Meares (apud GONSALVES, 1989) desenvolveu esta técnica,
percebeu que a atenção dos pacientes se obtinha com um simples lápis preto. No
entanto, o avanço do trabalho permitiu ver que a pintura preta provou ser mais eficaz
do que o lápis.
Hipnoplastia
Técnica revelada por Raginsky em que o paciente usa a arte plástica para
expressar suas dificuldades. Por este procedimento, em estado hipnótico, o paciente
é levado a modelar aquilo que seja de sua preferência, usando massa, argila,
plasticina ou material similar (FERREIRA, 2006).
Watkhins e Barabasz (2007)
relatam que Raginsky estimulava uma regressão circunscrita à área de conflito. Para
isso, utilizava massas coloridas com a intenção de promover uma regressão
específica à área do conflito ou ao nível de desenvolvimento.
Indução de Sonhos
Através do sonho sugerido ao paciente após o conhecimento detalhado
de seu histórico clínico. Uma possibilidade é a sugestão pós-hipnótica, em que o
paciente é induzido indiretamente a sonhar na noite seguinte e depois relatar o
sonho na sessão terapêutica. Por este método, Ferreira (2006) acredita que haja
uma redução na possibilidade de ansiedade. Uma outra possibilidade é a utilização
68
de auto-hipnose, em que se induz o paciente a sonhar, lembrar os sonhos e
compreendê-los, utilizando-se de uma fraseologia adequada. Também se pode optar
por sugerir um assunto para o sonho no próprio processo hipnótico. O autor
esclarece, entretanto, sobre a habilidade necessária ao hipnoterapeuta quanto à
manipulação dos conteúdos dos sonhos, pois nestes existe a possibilidade de
mecanismos
diversos,
como
deslocamento
(fatos
que
mudam
de
lugar),
dramatização (encenação), condensação (mistura de fatos), simbolismo (simbolismo
conforme o desejo do paciente).
Escrita automática
Usada em indivíduos com dificuldade para falar, esta técnica usa a escrita
para ir à busca de “[...] conflitos ocultos, descobrir talentos latentes, evocar
pensamentos primitivos formados na infância e auxiliar o indivíduo a organizar sua
personalidade mais eficientemente” (MUHL, 1958, apud FERREIRA, 2006, p. 707).
Ainda citando Muhl, Ferreira refere também a utilidade desta técnica para descobrir
nomes de pessoas, endereços, acontecimentos, cidades, placas de carro.
Na visão de Pincherle & Colaboradores (1985, p.71-72) escrita automática
se coloca como
[...] uma dissociação da personalidade que pode também ser observada em
vigília, por exemplos nos rabiscos, desenhos e letras que muitas pessoas
escrevem, de forma às vezes inconsciente, em papéis ao lado de um
telefone, enquanto conversam e recebem recados.
Entre as características apontadas no estudo de Muhl (1958 apud
PINCHERLE & Col, 1985) está a de que na regressão de idade se verificam
mudanças também na caligrafia, onde esta apresenta traços conforme a idade do
indivíduo no momento da regressão.
Já a visão de Erickson, Hershman & Secter (2003) sobre a escrita
automática aponta para a facilitação de o paciente vir a externar conflitos, medos,
ansiedades, que o ajudarão na terapia.
69
Associação de Idéias
Inicia-se o processo hipnótico pedindo ao paciente que vá falando à
medida que as palavras lhe venham, sem critério. O passo seguinte está em o
hipnoterapeuta escolher uma série de palavras, cuidando quanto à velocidade,
entonação, intensidade e altura da voz, palavras estas que devem ter significação
para o paciente. À medida que vai falando cada palavra, dá um tempo para que ele
diga logo a seguir o que lhe parece sobre a palavra. Outra variação desta técnica
está em associar livremente as palavras-teste com o paciente em vigília e depois
fazê-lo repetir sob o efeito da hipnose (FERREIRA, 2006).
Hipnoterapia analítica
Na hipnoterapia analítica, também chamada de psicoanalítica ou
dinâmica, o pensamento retorna à fase pré-verbal, caracterizado como aquele
encontrado nas crianças pequenas, tais como pensamento não-lógico, não
sequencial, uma volta ao faz-de-conta. Nash (1987 apud FERREIRA, 2006, p. 708)
refere uma regressão que se caracteriza por:
a) aumento da disponibilidade de material do processo primitivo do
pensamento; b) sensações não usuais do corpo; c) emoções mais
espontâneas e intensas; d) tendência a deslocar atributos centrais
importantes de outras pessoas para o hipnólogo; e) estar receptivo para as
experiências internas e externas.
Segundo o autor, o que acontece então é a concentração num aspecto
determinado, em que a consciência do se passa ao redor fica diminuída,
considerando-se dois níveis de funcionamento do "Eu”: o participante, que deixa
para o hipnoterapeuta as questões referentes à análise e crítica, ou ainda, sob efeito
de auto-hipnose libera o controle para o “Eu”. O outro é o “Eu” observador, que
apenas observa criticamente o envolvimento do “Eu” participante.
Ferreira (2006) reporta também neste caso a existência da transferência
entre paciente e especialista. Esta se refere a um estado já vivido numa fase anterior
pelo paciente. Presentemente, ele os revive na relação com o hipnoterapeuta.
70
Existem relatos de sentimentos como medo ou vergonha do paciente, relativos ao
sentimento de querer ignorar impulsos inconscientes ou situações que se encontram
reprimidas ou então resistências provocadas pela transferência, que tanto pode ser
positiva quanto negativa no que concerne ao especialista.
Conflito experimental
Utilizando frases adequadamente construídas com o propósito de induzir
angústia no paciente, Ferreira (2006) alerta para a necessidade de o profissional
usar de extrema habilidade, tanto com a hipnose quanto com a psicoterapia. Este
alerta se impõe pelo fato de o hipnoterapeuta trabalhar com material reprimido,
exigindo desse modo um perfeito conhecimento do problema relatado pelo paciente.
Relembrança e Revivificação
Denominada também de terapia de vidas passadas ou vivências
passadas, este recurso se origina a partir do desejo do paciente, tendo em vista a
inexistência de provas científicas sobre este método (FERREIRA, 2003, 2006).
Entretanto, o autor refere esta técnica como um dos modos de se acessar
experiências, pensamentos ou sentimentos reprimidos inconscientemente.
Aqui, a regressão tem como objetivo liberar emoções (catarse), recuperar
memórias, realçar lembranças conscientes, tornar conscientes outros eventos,
agradáveis ou não.
Ferreira (2006) coloca dois modos pelos quais as lembranças podem ser
acessadas: relembrança ou revivificação, pontuando que aquilo que se faz sob efeito
hipnótico também é possível sem hipnose. Para o autor, estes acessos podem
ocorrer naturalmente, como passar por algum lugar que já conhecia, por exemplo.
Assim, ele explica como relembrança quando os acontecimentos dão ao
paciente a impressão de se passarem com outra pessoa, frisando que embora não
se possa modificar o passado, pode-se, contudo modificar as recordações e as
reações do paciente frente a estas lembranças. Morris (apud FERREIRA, 2006, p.
315) diz que “[...] a lembrança de um acontecimento passado é [sic] na verdade, um
ato criativo”.
71
Nesse procedimento, Ferreira coloca que ao terminar lentamente o
processo hipnótico, o especialista não dá ao paciente nenhum tipo de sugestão para
que ele volte à idade atual.
A revivificação, por outro lado, consiste em o paciente experimentar e
reviver outra vez acontecimentos em um tempo passado, observando inclusive o
modo de falar, de escrever, característico da época revivida. É uma volta ao
passado. Na condução deste processo, a sensibilidade do especialista está em usar
habilmente as palavras.
O autor coloca que nesta forma de regressão pode haver uma volta às
condutas anteriores, sem que o paciente consiga recordar os fatos acontecidos
naquela idade. Outras situações relatadas dão conta de que o paciente: (a) deixa de
considerar o hipnólogo na situação regredida; (b) manifesta revivescência de uma
idade na qual não entende a linguagem falada; (c) manifesta revivescência de uma
idade na qual ele só entendia uma língua estrangeira. Nesta situação, Ferreira
(2006) aconselha o estabelecimento de um sinal para a volta do paciente.
Os estudos de Erickson, Hershman & Secter (2003) sobre revivificação
indicam que por este caminho o paciente revive experiências do passado, em que
ele se habilita ao processo de ver, entender e sentir estas emoções. Entretanto,
passa a reconhecê-las enquanto acontecimentos do passado.
Terapia Cognitivo-comportamental
A hipnose se apresenta como forma de reforço nesta modalidade
terapêutica, cujos seguidores entendem que as desordens de origem psicológica
são resultado “[...] de respostas aprendidas e mal adaptadas, sustentadas por
cognições disfuncionais” (FERREIRA, 2006, p. 710), pois entendem que não existe
comprovação a respeito do estado de transe hipnótico. Para eles, a capacidade de
imaginação da mente dos pacientes pode ser alcançada sem hipnose. A teoria
desenvolvida por Amigó (apud FERREIRA, 2006), a terapia de autorregulação, tem
por objetivo expandir a responsividade do paciente ao tratamento. Na hipnoterapia
cognitiva do desenvolvimento, estudiosos como Beck e Ellis (Idem) acreditam na
alteração de pensamentos distorcidos, crenças desarrazoadas e negativas, partindose da busca dessa estrutura de pensamentos para substituí-las por sentimentos
positivos durante a sessão hipnótica (FERREIRA, 2006).
72
A interpretação do autor neste tipo de terapia é que a intervenção do
especialista deve buscar o problema que se encontra no inconsciente do paciente e
assim utilizar a hipnose para dar solução ao caso. Sua indicação de uso está em
casos como a vergonha de falar novas línguas, medo de chegar a uma nova escola,
desempenho num novo trabalho, incapacidade de gestão empresarial, dificuldades
de relacionamento, para tomada de decisões, descuido com aparência pessoal,
vergonha de exigir direitos.
Técnica Fracionada, "Dentro e Fora” (“In and out”)
Esta técnica começa com a indução hipnótica, colocando-se duas
sugestões pós-hipnóticas para acessar rapidamente o estado hipnótico nas
consultas subsequentes: uma ao entrar e outra para sair. Isso acontece várias vezes
ao longo da mesma consulta, cujo foco central está em avaliar as discussões no
estado de vigília (Idem).
Hipnossíntese
Técnica criada por Cohn (apud FERREIRA, 2006), em que o paciente
deve crer na própria capacidade para resolver seus conflitos, mesmo sem orientação
do especialista. O procedimento se faz induzindo hipnoticamente o paciente,
dizendo que a ele é permitido desfrutar do processo como melhor lhe aprouver, em
silêncio ou falando, momento em que o hipnoterapeuta fala ao indivíduo que este é
capaz de encontrar em seu próprio inconsciente a solução para os seus problemas
(Idem). Alakija (1992) também nomeia esta técnica como modalidade que faz uso da
palavra.
Hipnoterapias com outras designações
A hipnoterapia curativa desenvolvida por Cheek e Lecron (apud
FERREIRA, 2006) consiste em usar a hipnose em diversas situações com o uso de
metáforas, regressão parcial, sugestões diretas e indiretas, etc. Sua importância
aponta para a necessidade de se localizar a fonte das desordens acumuladas no
73
inconsciente humano, uma vez que acreditam serem estas que criam os sintomas
(FERREIRA, 2006).
Muito embora o autor mencione este tipo de prática hipnótica, afirma
desconhecer estudos que confirmem sua eficácia, colocando ainda que a
sistematização adotada neste processo é bastante semelhante à sequência utilizada
nos processos hipnóticos.
A seguir, serão descritas algumas técnicas mencionadas por Erickson,
Hershman e Secter (2003) nos trabalhos com hipnose, adaptadas a partir dos
seminários ministrados por Milton Erickson nos Estados Unidos a médicos,
odontólogos e psicólogos. No prefácio, Zeig menciona como uma das características
principais da obra a eficiência da comunicação na prática hipnótica.
Transe Hipnótico Profundo
Com esta técnica, mantém-se o paciente em transe profundo durante
horas ou dias, sendo utilizada em alguns tipos de neurose, azias e gastrites de fundo
nervoso, e em alguns casos de tiques de fundo emocional (ERICKSON,
HERSHMAN & SECTER, 2003).
Sugestão Indireta Permitida
Por este método, os autores consideram mais efetiva a prática de
hipnose, uma vez que motivam o paciente a participar do processo, despertando
uma condição interna no individuo, ao invés de dar ordens diretas. A sugestão
indireta diminui a possibilidade de defesa do organismo, em que o hipnoterapeuta
vai modulando a voz, operando sugestões de forma a “convidar” o paciente a
participar do processo (Idem).
Sugestão Hipnótica Direta
Também chamada de Hipnoterapia Diretiva por Kline, não é considerada
tão eficaz na condução da melhora do paciente, além de provocar resistência
principalmente em pacientes com problemas mais acentuados. Os estudos indicam
que há a necessidade de se aprofundar o transe hipnótico nesse tipo de trabalho e
74
tornar claro ao paciente a relação existente entre a finalidade para a qual se está
fazendo a hipnose e os seus problemas (Ibidem).
Estado Hipnótico Catártico
Terapia com orientação psiquiátrica que consiste em diminuir as inibições
e repressões do paciente de modo a desbloquear conteúdo emocional (Ibidem).
Hipnoanálise
Neste tipo de intervenção, juntamente com a hipnose são utilizadas
técnicas analíticas e são geralmente empregadas em casos psiquiátricos (Ibidem). A
contribuição da Psicanálise baseia-se na utilização dos fundamentos teóricos da
terapia analítica, em que caberia à hipnose o alívio mais rápido da patologia
apresentada (GONSALVES, 1989). Esta modalidade se encontra também
referenciada em trabalhos de George Alakija (1992).
3.5 Fenômenos Hipnóticos
Atividade ideomotora e ideossensora
A atividade ideossensora relaciona-se à capacidade de contemplação
intensa a uma cena ou objeto que produz uma sensação e esta é reproduzida a
cada vez que a imagem é evocada.
Em contrapartida, a atividade ideomotora liga-se à capacidade do
organismo humano reagir com ações concretas frente a uma situação que ou está
presenciando vivamente ou a sentimentos que o impelem, sem sua consciência
plena. Os autores colocam como exemplo de atividade ideomotora a escrita
automática (Ibidem).
75
Alterações sensoriais
Há uma extensa variedade de alterações dos sentidos que podem
produzir alucinações visuais, olfativas, gustativas, auditivas ou anestésicas, tanto
positiva quanto negativamente (Ibidem).
Catalepsia
Entende-se por catalepsia a permanência em uma posição fixa por tempo
indeterminado quando o indivíduo está sob transe hipnótico profundo, mas podendo
se manifestar também em transes leves, médios ou de estupor (Ibidem).
Rapport
Rapport é a interação que se estabelece entre operador e paciente. Este,
uma vez estabelecido, faz com que o paciente busque a se isolar dos
acontecimentos e dos estímulos externos, prendendo-se somente ao hipnoterapeuta
(Ibidem).
Amnésia, amnésia seletiva, hipermnésia
A amnésia consiste na orientação hipnoticamente induzida para que o
paciente esqueça alguma coisa, fato ou situação. Já a amnésia seletiva refere-se ao
esquecimento de determinadas experiências, atitudes ou aprendizados.
Na hipermnésia, que é o aumento da capacidade de lembrar-se das
coisas, pode-se conseguir que o paciente recupere memórias em detalhes (Ibidem).
Ferreira (2006) pontua que a amnésia pode ser visual, auditiva, olfativa,
gustativa, tátil ou verbal. Segundo o autor, ela pode se referir também à perda da
memória de fixação (paciente não fixa os estímulos no reservatório da memória) ou
da memória de conservação (perda das informações já fixadas). Este último caso
geralmente liga-se a “[...] traumatismos cranianos, mal de Alzheimer ou múltiplos
infartos, em intoxicações graves” (p. 271).
Também quanto a esse ponto existem controvérsias entre os autores,
referindo que tanto a amnésia quanto a hipermnésia podem facilitar o acesso a fatos
76
esquecidos. Ferreira (2006) cita a revisão de McConkey e Sheehan (1995), os quais
referem a falta de evidência de que estas técnicas realcem a memória efetivamente.
Supressão e repressão
A supressão consiste no ato de manter afastados do pensamento
sentimentos ruins, negativos (dentro do possível). Entretanto, estes conteúdos, uma
vez reprimidos no inconsciente, podem ser resgatados com o uso de recursos como
“[...] visualizações, alucinações auditivas, alucinações táteis, bem como outros
recursos adequados para esse fim e desenvolvidos pelo próprio paciente”
(ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003, p.68).
Dissociação
Durante o transe hipnótico, sugere-se ao paciente que veja a si mesmo
como se estivesse em outro lugar (ERICKSON, HERSHMAN & SECTER, 2003).
Despersonalização
Os autores referem despersonalização como a perda momentânea da
capacidade de identificar a si próprio durante o transe hipnótico (Idem).
Sonambulismo
Estágio bastante profundo de hipnose em que o paciente dá a impressão
de estar plenamente acordado (Ibidem). O dicionário de Psicologia (1977) trata
sonambulismo como uma ação e reação na consciência primitiva, apontando esta
característica mais em crianças e problemas ligados à neurose. Janet (1889 apud
CHERTOK & STENGERS, 1990) descreveu sonambulismo como “[...] aparecimento
de um campo de consciência comparável ao que caracteriza o estado de vigília, mas
acompanhado de uma modificação da personalidade” (p. 259).
77
Subjetividade e Objetividade
Depois de hipnotizado, o paciente é solicitado a sentir as mesmas
angústias de uma outra pessoa, de quem ele nada sabe. Isto possibilitaria ao
paciente avaliar o sofrimento do outro de forma subjetiva.
No segundo caso, pode-se hipnotizar o paciente induzindo-o a deslocar
os seus problemas para uma terceira pessoa, que o hipnoterapeuta diz ter o mesmo
nome e os mesmos problemas. Desta forma, o paciente discute de forma inequívoca
as suas angústias como se fossem a do outro (Ibidem).
Distorção do tempo
Existem duas situações: uma em que o tempo real é bem maior do que
aquele sonhado ou imaginado, e a outra, em que o tempo real, apesar de muito
curto, dá a sensação de ter durado muito mais do que na verdade durou (idem).
Comparando-se os dois aportes teóricos, é possível tecer algumas
considerações sobre um e outro, sendo em alguns casos bastante próximos nas
explicações. Em outros, diferenciam-se bastante.
Nos dois casos apontados abaixo, muito embora a nomenclatura utilizada
por um e outro seja diferente, pôde-se observar que elas na verdade são práticas
muito similares.
Por exemplo, Ferreira (2006) coloca dissociação (técnica hipnoterápica)
como o ato de separar três “Eus”: um observador, um experienciador e um terceiro
fragmentado em vários processos e funções. Numa outra explicação, o autor coloca
dissociação como a separação entre diferentes processos mentais, ou seja,
enquanto uma parte da mente se ocupa de algum sentimento (por exemplo, dor), a
outra parte, consciente, recebe sugestão para a supressão ou eliminação do foco
doloroso.
Para Erickson, Hershman & Secter (2003), dissociar significa permitir ao
paciente, sob efeito hipnótico, que esteja em dois lugares ao mesmo tempo: um
seria o observador e outro o experienciador, como apontado por Ferreira (sendo que
a dissociação para estes teóricos refere-se a um fenômeno e não técnica).
Outro item coincidente entre os teóricos está no Estado Hipnótico
Catártico referido por Erickson, Hershman & Secter e no Conflito Experimental de
78
Ferreira. Nos dois aportes, há uma catarse do conteúdo emocional reprimido que
deve ser trabalhado sob hipnose para liberar o paciente de suas angústias. Todos os
autores referem-se a este item como técnica de hipnose.
As conclusões destas duas comparações não tiveram outro intuito senão
o de enfatizar o que já havia sido explanado anteriormente pelas referências teóricas
apontadas, ou seja, as evidentes contradições existentes no que se refere a uma
unicidade científica em torno da hipnose, condição é claro que não é prerrogativa
das teorias hipnóticas.
3.6 Técnicas Hipnóticas
•
Técnica com relaxamento muscular
Consiste em convidar o paciente, depois de assegurar-se que ele esteja
confortável e reclinado numa poltrona, a fechar os olhos, mantendo os pés juntos e
os braços ao longo do corpo. Nesse momento é importante explicar as distinções
entre sonolência, sono, sono profundo e relaxamento (FERREIRA, 2006).
•
Técnica Método da Estrela
Com o paciente instalado confortavelmente, pedir que este feche os olhos e
relaxe, evitando associação com as palavras estrela e respiração profunda. Durante
a sessão, perguntar se ele gosta de respirar profundamente e de estrelas, e ir
aprofundando a indução hipnótica com uma fraseologia específica, como ‘visualizar
uma estrela solitária’, dando prosseguimento com sugestões de relaxamento.
Durante o procedimento, ir paulatinamente aproximando e depois afastando a
estrela conforme o desenrolar do trabalho (FERREIRA, 2006).
Esta técnica se encontra também descrita no trabalho de Pincherle e
colaboradores (1985).
79
•
Técnica de Indução com visualização
Indicada para quem tem capacidade imaginativa, pede-se ao paciente
que recrie um lugar de sua preferência, descrevendo-o em detalhes. Observar se o
paciente consegue reproduzir, atentando para quesitos como rapidez, habilidade em
imaginar e intensidade. Aprofundar a indução hipnótica dando sugestões de bemestar, sentimentos positivos e depois continuar com as sugestões específicas do
tratamento (FERREIRA, 2006).
Pincherle
e
Colaboradores
(1985)
colocam
esta
técnica
como
visualização cênica, aplicada em estado sonambúlico, em que o paciente é induzido
a criar alterações de sentido: “Imagine agora que você está na praia, olhando para o
mar. Está passando um barco com a vela ao vento... Você está vendo o barco? Olhe
fixamente para ele” (1985, p. 49).
•
Técnica da Fixação do olhar
Bernheim foi quem desenvolveu esta técnica, sendo mais tarde
aperfeiçoada por Moss (FERREIRA, 2006). Comodamente sentado e relaxado, o
paciente fixa o olhar num objeto brilhante ou no dedo do especialista a uma distância
aproximada de 35 a 45 centímetros. A partir daí, vão sendo dadas sugestões verbais
de relaxamento, aprofundamento da respiração, sensação de peso nas pernas, no
corpo inteiro, até induzi-lo a um sono agradável e profundo, momento em que se
inicia a terapêutica especificamente. Pincherle e colaboradores (1985) mencionam
que Berheim costumava gesticular quando o paciente resistia à sugestão.
•
Técnica da contagem associada aos movimentos oculares
Paciente reclinado de modo confortável, braços sobre as coxas. Como
nas anteriores, explicar o significado das palavras e o exercício a ser feito. O
especialista vai contando a partir do 1, dando tempo ao paciente para abrir e fechar
os olhos até o número 30. Instruí-lo de que com o número 1 ele deve fechar os olhos
e ao dizer o número 2, ele deve abrir, suavemente. Durante o processo, aplicar
sugestões de peso nas pálpebras de modo crescente, assim como sensação de
formigamento, calor, até seu fechamento completo. Estender as sugestões ao corpo
80
inteiro, parte por parte. A volta ao estado normal de vigília se dá com a contagem ao
inverso, até o completo despertar.
Uma variação desta técnica é apontada em Psicoterapias e estados de
transe, de Pincherle e Colaboradores (1985). Nela, os autores descrevem a
sequência inicial, a começar pela contagem do 1 em diante, devendo o paciente
fechar e abrir os olhos a cada número dito, sem esperar pelo número seguinte.
Simultaneamente, o hipnoterapeuta vai aplicando as sugestões diretivas.
•
Abordagem Ericksoniana
A variedade de técnicas de Erickson dá ao paciente liberdade de
“escolher” qual delas melhor se coloca para o sucesso de seus problemas,
favorecendo que ele mesmo desenvolva novas atitudes e crenças. Por esse
procedimento, Erickson obteve considerável sucesso, dado que o paciente age de
modo a suspender em parte as limitações que atuam sobre o consciente e permite
que um novo conjunto de atitudes promova a mudança.
Esta técnica consiste em reduzir o foco atencional do paciente, facilitando
alterações nas condutas normais de direção e controle. Desse modo, ele recebe
melhor as sugestões e coloca em curso o conjunto de respostas adequadas ao seu
caso.
Ferreira (2006) indica o uso de uma fraseologia indireta, vaga, de
analogias e metáforas (características distintivas do trabalho de Erickson),
permitindo ao paciente sentir ou não, dar a ele poder para realizar ou não uma ação.
Esta aparente liberdade é que direciona o trabalho terapêutico. Outro recurso é
apresentar idéias antagônicas quando o paciente responde com ação invertida. No
entanto, o autor sugere que a observação é sempre importante, pois permite que se
incorpore à indução movimentos feitos pelo paciente.
Sobre esta especial habilidade de Erickson, Pincherle e colaboradores
(1985) sustentam que o renomado hipnoterapeuta se permitia dizer que seus
pacientes praticamente não ofereciam resistência ao trabalho hipnótico, haja vista o
bem elaborado rapport que Erickson estabelecia com o paciente.
81
•
Técnica do Levantamento de mão
Outra técnica criada por Erickson e que requer habilidade específica do
hipnólogo, esta vai mudando de momento a momento a fraseologia, baseada na
observação imediata das reações do paciente, em especial as não-verbais. Mais
demorada, esta técnica proporciona a participação ativa do paciente e é indicada a
quem sofre com processos ansiosos com reflexo muscular (FERREIRA, 2006).
Erickson, Hershman & Secter (2003) reportam esta procedimento como técnica
indireta permissiva.
Com as mãos sobre as coxas, induzir o relaxamento, concentrando a
atenção nas mãos, nas sensações e nos movimentos. A cada movimento feito, ir
modificando as frases de modo a ressaltar para o paciente o que ele fez. Ferreira
(2006) menciona a sugestão de Kirsch (1990) nas situações em que o paciente não
executa as sugestões conforme as especificações do hipnoterapeuta. Diante de
situações como essa, deve-se sugerir peso nos braços, ou indicar se braço
esquerdo ou direito. Pode-se também sugerir que o paciente está carregando algo
pesado e por isso não consegue mover o braço. Depois de executados todos os
passos, dar início à sequência terapêutica normalmente.
•
Técnica dinâmica
Inicia com a sessão de relaxamento, pedindo ao paciente que se ajuste
confortavelmente à poltrona e feche os olhos. Pode ser feita também com a
sugestão de preferência do especialista para depois entrar com a técnica dinâmica.
Esta
consiste
em
expor
uma
sequência
de
fatos
como
se
ocorridos
verdadeiramente, tomando por base as respostas do paciente, sempre atento às
defesas que ele pode apresentar, até sua cessação definitiva. Ferreira (2006)
antecipa que se trata de uma técnica bastante complexa, uma vez que não se
podem prever antecipadamente as reações do paciente, exigindo, portanto grande
habilidade do hipnólogo.
82
•
Indução por movimentos alternados repetidos
Indicado para uso com pacientes ansiosos e inquietos (geralmente
pessoas negativistas), nesta técnica Ferreira (2006) aconselha a utilização de
movimentos de extensão e flexão nos braços, embora possam ser usados tanto nos
membros inferiores quanto superiores (observar anteriormente se há limitações por
parte do paciente quanto à mobilidade dos órgãos). A técnica começa por explicar
detalhadamente as partes do corpo, ao mesmo tempo em que fala exatamente o
nome de cada uma, uma vez que é objetivo da técnica dirigir o foco de atenção. As
sugestões são dadas com o consequente movimento do especialista em direção ao
órgão apontado, situação que Ferreira detalha: “Agora eu seguro o seu braço direito
[...] tocando aqui com o martelinho de pesquisar reflexos do neurologista”
(FERREIRA, 2006, p.237). A certo tempo, dar indicação de contagem para que ele
realize algum tipo de movimento até percebê-lo totalmente relaxado e pronto a
seguir com as sugestões terapêuticas.
Esta técnica é também apresentada sob o nome de Fenômenos
Corporais por Pincherle e Colaboradores (1985).
•
Técnica de confusão mental
Técnicas especiais para superar o crivo crítico, em que a consciência do
paciente é orientada para a confusão, Ferreira (2006) aponta que elas são pouco
utilizadas. Ela começa com a orientação ao paciente para que abra e feche os olhos
a partir de sugestões numéricas: números pares abrem os olhos e números impares
fecham. Na sequência do trabalho, começa em ordem decrescente de numeração,
com indicação de abrir e fechar os olhos. Quando percebe que o paciente está
respondendo positivamente, dar sugestões quanto ao aprofundamento do estado
hipnótico, ao mesmo tempo em que o induz ao esquecimento de números pares e
impares. Estas informações visam confundir o inconsciente enquanto a mente se
ocupa da contagem, provocando o que Ferreira (idem) chama de sobrecarga
sensorial.
Já para Erickson, Hershman e Secter (2003), esta técnica é bem indicada
nos casos em que há “[...] uma resistência inconsciente confusa da parte do
indivíduo que conscientemente quer ser hipnotizado” (p. 145). Tal como Ferreira, os
83
autores referem o alto grau de habilidade e experiência por parte do hipnoterapeuta
como condição chave para o sucesso desta técnica.
•
Procedimento de Indução Hipnótica ativa-alerta
Com o uso de uma bicicleta ergométrica fixa, o paciente é orientado a
permanecer de olhos abertos, pedalando, ao mesmo tempo em que recebe
instruções de destacar o estado de alerta, cuja velocidade das pedaladas vai
aumentando e diminuindo respectivamente. Nesta técnica, sugestões que provocam
o relaxamento ou sonolência não são utilizadas. No entanto, Ferreira (idem) refere
que estudos conduzidos por Bányai em estados hipnóticos de ativa-alerta em
Psicoterapia apontam que há um incremento responsivo das sugestões, “[...]
sensação de abandono da planificação do ego, sensação de que a atenção está
altamente focalizada, desvio lateral que facilita o processamento pelo hemisfério
cerebral direito” (FERREIRA, 2006, p. 239). O autor argumenta que em pacientes
com histórico de dispnéia, problemas cardíacos, muito idosos ou com dificuldade de
articulação nos joelhos esta técnica não deve ser utilizada.
•
Técnicas Rápidas
Com o uso de frases curtas e simples, o paciente é levado ao
relaxamento, técnica que Furst (1994) denomina de Técnicas de pouca conversa. O
autor considera que longas conversas e descrições minuciosas do que é e como se
percebe o estado hipnótico é contraproducente. Para ele, é mais válido que o
hipnoterapeuta procure estabelecer desde o início um bom entrosamento com o
paciente. Em seu livro Hipnotismo e auto-hipnotismo de indução rápida, Furst revela
mais de vinte técnicas de indução rápida, utilizando-se de vários mecanismos e
para as mais variadas idades. Contudo, reforça que enquanto algumas são mais
indicadas numa faixa etária, outras são mais precisas quando utilizadas em outra
faixa de idade. A técnica Mancha de Tinta apresentada aqui é indicada para
crianças com idade entre três a seis anos, utilizada anteriormente por Kashiwa
(FURST, 1994) em casos de acidentes com crianças que exigiram pontos.
Com a criança sentada, a mão direita no colo, palmas viradas para baixo,
coloca-se um pingo de tinta nas costas da mão direita, ao mesmo tempo em que o
84
especialista diz para a criança olhar atentamente, pois a mancha de tinta vai subir
devagarinho, até ficar cada vez mais próxima da testa. A sugestão continua com o
hipnoterapeuta dizendo à criança que por mais força que ela faça para deixar a mão
suja de tinta longe da testa, mais rápido ela se aproxima, e à medida que vai se
aproximando, a cabeça vai ficando pesada e os olhos vão se fechando. O autor
comenta que em raras situações a sessão terapêutica não se reproduziu deste
modo, e cujo ponto de checagem ele descreve como “[...] esperar até ver a mão da
criança começar a subir” (FURST, 1994, p. 24).
•
Procedimentos a partir de respostas naturais
Considerada como um fenômeno comum nas tarefas diárias, a hipnose é
facilmente verificável quando a pessoa treinada se depara com a situação na clínica.
Ferreira (2006) assinala como respostas espontâneas mais comuns a modificação
da respiração, do relaxamento muscular (em especial da face), dos músculos das
mãos e braços, o olhar desfocado, movimentos automáticos na cabeça, face,
pálpebras, narinas, extremidades (dedos), tremor nas pálpebras, alterações na
pupila e na cor da pele.
•
Procedimento a partir da conversa de um cenário
Consiste em oferecer ao paciente uma variedade de cenários em que ele
gostaria de estar e que lhe causa bem-estar, descrevendo de forma visual estes
cenários. Numa segunda etapa, descreve-se o cenário usando-se representações
visuais e cinestésicas, sempre observando as reações do paciente, adaptando a
narrativa sob todos os aspectos ao conjunto de respostas observadas. É importante
que o especialista ajuste seu padrão de atividade ao do paciente e quando o
especialista muda, observar se o paciente também muda, um sinal de que o rapport
está estabelecido (Idem).
•
Técnica Subliminar sonora
Mensagem subliminar é uma informação enviada sub-repticiamente ao
inconsciente humano. A técnica subliminar sonora se obtém com o uso de música,
85
palavras, frases, sons ambientais, que articulados, são usados para reprogramar o
subconsciente. Ferreira (2006) salienta que numa gravação criada com a própria
voz, somada a um fundo musical ou ambiental, na qual se associa uma
programação subliminar, esta alcança o inconsciente diversas vezes no decorrer da
audição.
O autor frisa, contudo, a falta de evidências de que as fitas de áudio e
vídeo
comercializadas
com
sugestões
subliminares
produzam
resultados
unicamente pelo teor das palavras ali contidas. Refere ainda que há indícios de que
a expectativa pessoal quanto aos resultados seja responsável por resultados
positivos com seu uso.
3.7 Estágios da hipnose
Os estudos feitos por Ferreira (2006) apontam para uma tendência a não
se determinar o grau de profundidade do estágio hipnótico do paciente por escalas,
tendo em vista a grande variedade de respostas postas em relação a um grande
número de sujeitos. Para ele, tem mais valor chegar à anamnese do paciente e
começar a indução hipnótica a partir disso, treinando-o desde a primeira sessão
para as respostas desejadas no futuro. Ilustra esta questão com um paciente que
queira, por exemplo, deixar de fumar: “[...] iremos sugerir que quando um cigarro
tocar em seus dedos, seus dedos se abrem [sic] e se estendem [sic] e o cigarro cai
[sic] no chão, então já iniciamos com sugestões de rigidez nos dedos de uma ou de
ambas as mãos” (FERREIRA, 2006, p.164).
Como justificativas para este procedimento, o autor coloca, além das
diferenças personalíssimas entre os pacientes, variações também conforme a
natureza da consulta, o tipo de sugestões oferecidas e como estas são
disponibilizadas ao paciente, o modo pelo qual este percebe as sugestões e as
associações que faz a partir delas.
Precisamente por estas diferenças é que Ferreira (2006) prefere avaliar a
profundidade hipnótica a partir da subjetividade do paciente. Assim, é possível
acrescentar informações extras específicas e relacionadas com as experiências da
86
pessoa, bem como apresentar situações contrastantes, orientando o paciente a
perceber que emoções ele associa a cada situação em especial.
Abaixo está representado o quadro de aprofundamento do transe
hipnótico segundo a escala de Torres Norry, modificada por Moraes Passos e
Pincherle & Colaboradores (PINCHERLE & COL., 1985, p. 44).
ESCALA DE TORRES NORRY (mod. Por Moraes Passos)
Fase
Hipnoidal
Hipnose
Leve
Manifestar fenômenos oculares e corporais
• Manifestar catalepsia palpebral
(os fenômenos catalepsia braquial, catalepsia geral e
relaxamento geral estão presentes apenas na escala de
Torres Norry (NATALY, 1999, p.90)
Relativamente
aos
fenômenos
de
catalepsia ocular e
analgesia, podem ser
propostos desafio e
apagamento
Hipnose
Média
• Analgesia
• Surdez eletiva
• Signo-sinal
• Aceitar sugestão hipnótica simples
(Movimento automático, sono e amnésia superficial estão
presentes apenas na escala de Torres Norry (NATALY,
1999, p.90)
Hipnose
• Manter uma conversação estando em estado hipnótico
Profunda
• Abrir os olhos mantendo o estado hipnótico
• Amnésia superficial
(Aceitar sugestões de representações alucinatórias está
presente apenas na escala de Torres Norry (NATALY, 1999,
p.90)
Fase
• Visualização cênica
Sonambúlica • Alucinação
• Anestesia profunda
• Regressão de idade
• Amnésia profunda
• Sugestões pós-hipnóticas
1º
sugestão
hipnótica
pós-
Natural ou induzida
Tabela 10 –
Fonte: Pincherle & Col., 1985
Os autores atentam para a existência de diferentes escalas, não sendo
condição essencial, portanto, a reprodução exata desta sequência, tendo em vista
que as situações variam de acordo com o sujeito/paciente.
O fato de Ferreira (2006) preferir a não-utilização de escalas para medir a
intensidade da indução hipnótica não invalida sua prática por outros profissionais.
É nesse sentido que comenta sobre as escalas desenvolvidas por Morgan
e Hilgard em 1978 – 1979, uma para ser usada em adultos e outra em crianças. Pela
87
Stanford Hypnotic Clinical Scale (SHCL), é possível avaliar, segundo seus criadores,
as habilidades do paciente em mover as mãos juntas, alucinações a partir de
sugestão, regressão de idade, execução de atividades pós-hipnóticas simples e
amnésia parcial ou completa (FERREIRA, 2006).
O autor comenta também sobre as SSTA (sugestões para sintonização,
treinamento e aproveitamento), onde o aspecto subjetivo das experiências é
realçado de modo a se atingir um resultado positivo (Idem).
Os estudos feitos por Erickson, Hershman e Secter (2003) apontam para
as características a serem observadas durante o estado hipnótico, porém
distribuindo-as por estágio de transe: leve, médio, profundo ou pleno (estupor), as
quais se encontram relacionadas no quadro abaixo:
CARACTERÍSTICAS A OBSERVAR NO ESTADO HIPNÓTICO
Transe leve
Transe médio
Transe profundo
Transe pleno ou
estupor
•
•
•
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Relaxamento
Catalepsia das pálpebras
Fechamento dos olhos
Início catalepsia em algum membro
Respiração lenta e profunda
Imobilização dos músculos faciais
Começando catalepsia dos membros
Sensação de peso em várias partes do corpo
Hipnoanestesia glove anesthesia
Aptidão ao desempenho de sugestões pós-hipnóticas simples
Amnésia parcial (alguns indivíduos)
Atividade muscular lenta definida
Aptidão para ilusões e alucinações simples
Aumento da sensação de ‘desprendimento’
Marcante catalepsia dos membros
Aptidão ao desempenho de sugestões pós-hipnóticas simples
Aptidão para manter o transe com olhos abertos
Amnésia total (maioria dos indivíduos)
Aptidão no controle de algumas funções orgânicas (pulso, pressão)
Anestesia cirúrgica
Regressão de idade e revivificação
Alucinações auditivas e visuais positivas e negativas
Aptidão para ‘sonhar’ material significativo
Aptidão para desempenhar tudo ou quase tudo do que está acima do
estado pró-hipnótico
Acentuada lentidão das respostas orgânicas e quase completa inibição
de atividade espontânea (os autores colocam que diferenças podem ser
apresentadas de indivíduo para indivíduo em quaisquer dos estágios de
transe)
Tabela 11 –
Fonte: Erickson, Hersman & Secter, 2003
88
4 O USO DA HIPNOSE NA PRÁTICA CLÍNICA
A hipnose ganhou respeito na medicina principalmente pelos efeitos na
analgesia, cuja abordagem tem sido usada por milênios para tratar problemas
médicos e dermatológicos. Desordens dermatológicas podem ser melhoradas ou
curadas com o uso da hipnose como uma terapia complementar ou alternativa
(SHENEFELT, 2003).
Além disso, recentemente muitos experimentos clínicos controlados
usando a hipnose para regular a dor vêm sendo referidos por Stam (1984), assim
como os de Beng-Yegong e Tih-Shih Lee (2008) sobre a enurese, como também
estudos de Raz, Fan e Posner (2005) e a utilização de imagens para captar
atividades cerebrais durante o processo hipnótico.
4.1 Hipnose na Clínica Médica
Após a referendação pelo Conselho Federal de Medicina, o uso da
hipnose vem ganhando espaço em todas as áreas da clínica médica, em que
inúmeros estudos têm sido produzidos tanto no exterior como aqui no Brasil dando
conta dos efeitos positivos que a hipnose tem alcançado no sentido de dar alívio a
diversas enfermidades de cunho somático e orgânico.
Estudos conduzidos por Shenefelt (2003) na clínica dermatológica têm
demonstrado que sob efeito de indução hipnótica, a maioria dos pacientes
submetidos a procedimentos dolorosos, como tratamento a laser de lesões
vasculares, excisão de pele, microdermoabrasão forte, incisão e drenagem de
abscessos, biópias, lipoaspiração, entre outros, respondem positivamente ao alívio
doloroso, independentemente do tipo de dor referido.
O autor comenta sobre um outro estudo randomizado feito por
Montgomery, Weltz, Seltz e Bovbjerg (2002 apud SHENEFELT, 2003) em um grupo
de 20 mulheres assistidas em cuidados pré-operatórios com indução hipnótica para
biópsia de mama. Neste trabalho, os autores declararam que foram necessários 10
89
minutos de hipnose breve para atingir a redução da dor e angústia relatadas pelas
pacientes, não só antes da cirurgia como também depois dela.
A prática de Shenefelt (2003) evidencia que a liberdade de escolha do
paciente ao autodirigir as imagens parece alcançar um maior estado de relaxamento
nos pacientes durante os procedimentos.
Estudos recentes referidos por Vale (2006) apontam para diversos
fenômenos que podem ser removidos ou produzidos com o paciente sob efeito
hipnótico. Segundo o autor, anestesia, analgesia, paralisia, rigidez de músculos e
alterações vasomotoras estão entre as alterações que se podem induzir. A sugestão
produz alterações na consciência e na memória, aumentando o poder de
sugestionabilidade, cujas reações provocam a produção de neurotransmissores
neurais na base de tais fenômenos.
A curto prazo, o autor indica o tratamento da lombalgia associado à
hipnose e a um relaxamento muscular, sendo que após passada a fase da dor, é
aconselhável um tratamento paralelo com outras técnicas, como quiropraxia,
alertando para o fato de que se deve, contudo, preservar a individualidade do
paciente.
Em pacientes esquizofrênicos, a terapêutica recomenda como o melhor
tratamento aquele prescrito com antipsicóticos. Entretanto, mais estudos vêm sendo
conduzidos no sentido de melhora nos quadros destes pacientes com o uso da
prática hipnótica, pois mesmo com o uso de medicamentos, como bem aponta
Johnstone (1998 apud Izquierdo de Santiago, 2008), “[...] entre el 5% y el 15% de las
personas siguen presentando síntomas a pesar del tratamiento con medicación”
(1998, p.2).
Nesta revisão, Izquierdo (2008) observa que existe por parte do governo
um crescente reconhecimento que beneficia as terapias alternativas na Medicina,
pois entende que os tratamentos à base de medicação nem sempre têm sucesso
com a esquizofrenia, indicando que a hipnose merece um estudo mais profundo. Por
esse motivo, segundo ele, é que “Los usuarios, cuidadores y médicos consideran
cada vez más las terapias alternativas para aliviar los sintomas y mejorar la calidad
de vida en la esquizofrenia” (Idem, p. 10).
Estudos feitos com neuroimagens e a utilização concomitante de
sugestões pós-hipnóticas deram conta de maior efetividade em comportamentos
durante a vigília.
90
Nestes estudos, Raz, Fan e Posner (2005) identificaram o dorso do córtex
cingulado anterior como um elemento-chave para acompanhar conflitos dentro de
uma rede neural. Os autores sustentam que sob efeito da sugestão hipnótica é
possível moderar conflitos, tendo em vista que esta os diminui sensivelmente, tanto
pela modulação precoce do córtex occipital, quanto pela posterior ativação do córtex
anterior cingulado (AAC).
Seus experimentos em um grupo de dezesseis sujeitos fizeram-nos
concluir, mediante exames com neuroimagens aplicados tanto a pacientes
hipnotizados quanto em não-hipnotizados, que a sugestão pós-hipnótica afetou o
processamento visual, embora estas alterações não se reportassem às palavras
visuais mostradas (Idem, p. 9981).
O mérito maior deste trabalho, conclui-se, está na possibilidade de
analisar o cérebro humano sob a influência da hipnose, demonstrando assim o
sensível interesse e as pertinentes contribuições que esta prática vem resgatando
na atualidade.
A figura abaixo demonstra os achados relatados pelos autores:
Fig. 8- Visão das imagens após estimulação do cérebro
Fonte: Raz, Fan e Posner, 2005
4.2 Hipnose na Clínica Odontológica
Prática referendada pelo Conselho de Odontologia no Brasil, a hipnose
tem como mérito maior o de proporcionar um aumento na eficácia terapêutica em
diversas enfermidades físicas e ou somáticas.
91
Fazendo uso da linguagem, a palavra se torna uma poderosa ferramenta
nas mãos do profissional habilitado, capaz de conduzir o paciente a um estado
especial de consciência que o permite utilizar seus recursos internos em seu próprio
benefício.
Condição fundamental para a eficácia de tal procedimento, a relação de
confiança entre paciente e profissional define desde os primeiros contatos a
possibilidade de sucesso do trabalho, uma vez que é com o sistema
representacional do indivíduo que o profissional se depara.
Amparada pela Lei 5081, publicada a 24 de agosto de 1966, em seu
artigo 6, inciso VI, diz que entre as competências do cirurgião-dentista está a de
empregar a analgesia e a hipnose, desde que habilitado e quando constituir
reconhecida eficácia ao tratamento (vide anexo III).
Diversos são os benefícios que a hipnose traz ao paciente em
Odontologia. A possibilidade de tratar o paciente no próprio consultório,
paralelamente ao tratamento e nas diversas especialidades odontológicas, faz com
que o profissional habilitado possa muitas vezes dispensar o uso de medicamentos.
Sua prática proporciona também a capacitação em ouvir o paciente e suas queixas,
o que faz com que o paciente colabore melhor com o tratamento, reduzindo o nível
de estresse de ambos. Entre as competências exigidas para um bom desempenho
em hipnose, pode-se colocar também o discernimento para empregar a técnica
quando realmente ela for indicada.
Neste trabalho, a visão do processo saúde-doença permite interpretar os
aspectos físicos e emocionais do paciente, os quais estão diretamente ligados à
cura (CFO, 2009, Práticas Integrativas).
Em Odontologia, diversos estudos têm sido relatados utilizando a
hipnose. Stam, McGrath e Brooke (1984), em estudos publicados no Journal of
BioBehavioral Medicine, sugerem
os efeitos da hipnose como inibidores no
tratamento da dor temporo-mandibular, nos quais os pacientes relataram expressiva
significação no decréscimo na dor e limitações da mobilidade do maxilar.
No quadro abaixo, as atribuições do profissional odontólogo em hipnose:
92
ATRIBUIÇÕES DO ODONTÓLOGO
Tratamento ou controle da ansiedade, medo ou fobia relacionados aos procedimentos
odontológicos e/ou condições psicossomáticas
• Condicionamento do paciente para mudar hábitos de higiene, adaptação ao tratamento, ao uso de
medicamentos, à reeducação alimentar...
• Tratamento e controle de distúrbios neuromusculares e intervenção sobre reflexos autonômicos;
• Preparação de pacientes para cirurgias
• Preparação de pacientes para serem atendidos por outros profissionais.
• Atuação na adaptação e motivação direcionada ao tratamento odontológico.
• Utilização de anestesia hipnótica em casos pertinentes;
Utilização de hipnose em outros processos / situações relacionados ao campo de atuação do
cirurgião-dentista.
Tabela 12 –
Fonte: Conselho Federal de Odontologia
A Odontologia considera como termos correlatos à hipnose o de
hipnólogo, hipnólogo terapeuta odontológico, hipnólogo clínico, hipnodontista e
hipniatra.
4.3 Hipnose na Clínica Psicológica
Mais antiga do que a neuroanatomia, a fisiologia e a farmacologia
bioquímica, a Psicologia se coloca como a quarta disciplina mais importante para dar
conta da profunda imbricação entre cérebro e comportamento. Contudo, apenas a
partir do século XIX é que os estudos do comportamento foram abordados sob a
forma experimental com os estudos de Charles Darwin, distanciando-se então da
Filosofia (KANDEL, trad. MARIA CAROLINA DORETTO, 2009).
Regulamentada no Brasil como profissão desde julho de 1974, a
Psicologia tem como premissa básica estudar o comportamento humano enquanto
participante de um grupo social, tanto de forma individual quanto coletiva.
Em dezembro de 2000, o Conselho Federal de Psicologia, por meio da
Resolução 013/00, reconheceu e recomendou o uso da hipnose pelos seus
profissionais (vide anexo II).
93
Uma das condições considerada indispensável ao profissional em
psicologia ao trabalhar com hipnose diz respeito à postura que este deve ter quanto
ao papel que desempenha e às possibilidades reais que a hipnose pode
proporcionar, haja vista que para o sucesso desta prática é fundamental a confiança
e a colaboração do paciente.
Entre as indicações da hipnose estão os casos de ansiedade, depressão,
tabagismo, alcoolismo, drogadição, traumas, fobias, medos, compulsão alimentar,
obesidade, distúrbios do sono, estresse, insônia, enxaqueca, etc., os quais podem
ser bastante atenuados ou até mesmo vir à remissão completa dos sintomas, pois é
preciso ter em mente que cada indivíduo possui características específicas e nem
todos respondem ao tratamento por igual.
Problemas relativos a distúrbios do sono com indicação de uso da
hipnose têm sido reportados por Hurwitz et al (1991 apud BENG-YEONG NG e TIHSHIH LEE, 2008). Segundo eles, após indução do transe hipnótico, com posterior
relaxamento e sugestões pós-hipnóticas com o fim de incluir sensação de segurança
e redução da ansiedade para obter um sono reparador, 74 % dos indivíduos
relataram sensível melhora no quadro.
Beng-Yegong e Tih-Shih Lee (2008) referenciam a enurese noturna como
um distúrbio de graves consequências para as crianças, incluindo uma baixa na
autoestima e estresse familiar, sendo que a hipnoterapia tem sido empregada
eficazmente para tratar crianças e adolescentes vítimas de enurese noturna
primária, associada à medicação. Contudo, os autores ressaltam que algumas
estratégias de sugestão hipnótica respondem melhor ao tratamento do que a
imipramina em crianças entre cinco e sete anos de idade (idem).
Hammond (1990 apud CABAN, 2004) demonstrou o uso da hipnose com
reconhecida eficácia para tratamento da depressão, do sofrimento, desordens
relacionadas ao apetite, do abuso de substâncias, baixa da autoestima, fobias.
Estudos conduzidos por Caban (2004) em sua tese de mestrado
procuraram demonstrar a eficiência da hipnose para melhorar o desempenho
acadêmico dos alunos do primeiro ano de graduação. Muito embora suas
conclusões tenham apontado a necessidade de novos estudos em razão de
variáveis distintas que não puderam ser adequadamente mensuradas, a autora
considera, diante do relato de vários participantes do estudo, que a hipnose produziu
efeitos positivos numa parcela expressiva da população amostrada.
94
Muito embora as referências aqui tenham sido feitas a estudos recentes
sobre a hipnose, é pertinente ressaltar que estudos citados por Pincherle e
Colaboradores (1985) com datas variando entre 1973 e 1976, foram publicados no
Brasil reportando os vários usos da hipnose, tanto na clínica médica quanto
psicológica.
Assim, o que estas breves descrições de estudos realizados por
diferentes pesquisados em áreas distintas pretendem demonstrar é que a hipnose
pode e vem sendo empregada em todo o mundo como uma importante ferramenta
de apoio terapêutico nas mais diversas especialidades e doenças, não apenas de
ordem física, mas também e com bastante sucesso na área psíquica.
95
5 METODOLOGIA
Entendendo-se pesquisa exploratória como a definida por Gil (2007), em
que sua principal finalidade está em “[...] desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e idéias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou
hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (p.43), entende-se por extensão
que estas envolvem pesquisa bibliográfica e documental. Entre os objetivos que o
autor pontua está o de proporcionar visão geral sobre um determinado fato, “[...]
especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil sobre
ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis “(Idem).
Assim, o presente trabalho pautou-se por uma pesquisa bibliográfica
exploratória, revisitando o histórico da Hipnose desde a Antiguidade até os tempos
atuais, procurando destacar a crescente importância que a Hipnose apresenta como
coadjuvante na terapêutica, bem como o expressivo volume de trabalhos científicos
produzidos nos últimos tempos.
A revisão de literatura abordou primeiramente o histórico da Hipnose até
os dias atuais, mostrando sua evolução no tempo. Num segundo momento, buscou
esclarecer mais pontualmente o funcionamento do cérebro e como este responde às
sugestões hipnóticas, bem como apontar os métodos de trabalho pertinentes ao
tema, em quais situações ela pode ser usada e sua aplicação nas práticas
medicinais, odontológicas e na psicologia clínica. O presente estudo apresentou
ainda as bases legais que fundamentam esta prática aqui no Brasil e sua evolução
até o momento atual. A presente revisão de literatura visou fornecer elementos
teóricos necessários à compreensão dos objetivos deste trabalho.
96
6 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
À luz de todas as leituras selecionadas, amparadas em evidências
consistentes quanto aos benefícios da prática hipnótica na redução e ou eliminação
de diversas patologias de ordem física e ou somática, percebe-se o quanto a
hipnose avançou nas últimas décadas
Em que pese revisões recentes da literatura de que o que aconteceu na
verdade com os estudos freudianos foi uma interpretação errônea quanto aos ditos
do pai da psicanálise, isto não invalida o fato de que por muitos anos a hipnose foi
largada ao ostracismo em favor de práticas mais aceitas pela classe médica.
Ao relacionar os dados empíricos com aqueles resultantes da prática
diária na clínica, percebem-se mais claramente as dificuldades de se chegar a um
consenso entre os teóricos, visto que a pesquisa em laboratório está circunscrita a
um espaço, a variáveis previamente definidas, em que a tendência do pesquisador é
a de generalizar dados. Na clínica acontece o oposto, pois o cliente já chega
individualizado, com motivações intrínsecas que lhe são próprias.
Também cumpre notar que ao contrário dos estudos iniciais da hipnose,
em que se buscavam mais as explicações sobre o estado hipnótico do que as
alterações produzidas no cérebro humano, percebe-se hoje um aumento no nível de
exigência das pesquisas relativas à hipnose, em que estas têm procurado explicar
mais pontualmente os aspectos que envolvem a ativação do cérebro humano pela
indução hipnótica, os receptores, os circuitos neurais, os neurotransmissores. Isto é
uma grata surpresa para todo aquele que já a conhece pelos referenciais de
Mesmer, Freud, Charcot e Erickson, isso citando apenas os mais notáveis quanto à
prática hipnótica.
No entanto, não obstante os inúmeros estudos experimentais feitos em
laboratório, aliado aos incontáveis estudos de caso produzidos por cientistas
interessados em desvelar a mente humana e assim explicar o funcionamento do
cérebro sob o efeito da hipnose, há ainda um longo caminho a percorrer.
É preciso, ainda, considerar que mais do que a sintomatologia específica
que o paciente apresenta quando vem ao especialista, a atenção deve
obrigatoriamente se voltar para os conceitos que envolvem sofrimento e dor. Isso se
97
revela especialmente pela escuta atenta do terapeuta quando o paciente chega,
uma vez que nem sempre o que ele relata é essencialmente real. Entretanto, esta
realidade é inegável do ponto de vista que ele sofre (grifo meu).
Especialmente nos casos de dor há sempre um aspecto subjetivo que
envolve este conceito e por essa razão Costa (1992 apud BRANT & MYNAIO, 2004)
reputa sofrimento como uma consequência da prática linguística, pois
Somos aquilo que a linguagem nos permite ser, acreditamos naquilo que ela
permite acreditar, só ela pode fazer-nos acreditar em algo do outro como
familiar, natural ou, pelo contrário, repudiá-lo como estranho, antinatural e
ameaçador (COSTA, 1992, apud BRANT & MINAYO, 2004, p. 215).
Por esta linha de raciocínio, é possível supor então que o intelecto seja
capaz de produzir sintomas, e indo um pouco mais além, estes tanto podem se
verificar de forma positiva quanto negativa, ficando a cargo do crivo crítico do
indivíduo decidir para que lado penderá. Se bem equilibrado sob os aspectos que o
compõem na sua natureza humana, é possível predizer que positivamente.
Entretanto, quando desordens de qualquer espécie estiverem se processando na
mente do indivíduo, sejam estas de natureza física ou somática, a mente humana
certamente operará negativamente.
Assim, ao analisar esta capacidade de acreditar naquilo que deseja, é
possível aproximá-la do que a hipnose se propõe enquanto prática terapêutica: ou
seja, pela palavra, pelo som ou pelo gesto, produzir alterações na percepção do
sujeito, levando-o a modificar comportamentos que se traduzem em sofrimento e
assim devolver-lhe uma qualidade de vida plena, objetivo maior do humano
enquanto ser.
98
7 CONCLUSÃO
Tão antiga quanto a própria humanidade, a hipnose está presente na vida
do homem desde o início dos tempos, como atestam diversos estudos aqui
apresentados. No começo, mesmo com uma técnica sem base científica, conquistou
a adesão de leigos e cientistas em cada época, dada a eficácia que demonstrou na
cura e ou melhora de diversos casos de enfermidades do corpo e da mente.
Estudos esses que percorreram o mundo, pois em cada canto dele se
acham vestígios de sua aplicação, longos tratados sobre a prática hipnótica que
serviram de inspiração às gerações que os sucederam.
Não obstante as inúmeras contribuições de Charcot ao campo médico, é
indiscutível a estreita relação que marcou a hipnose com as histéricas de
Salpêtrière, em que estes casos transformaram a prática hipnótica num espetáculo
de variedades. Junte-se a isso a marcada influência que a igreja exercia nos
regimes governamentais da época, nada restou à hipnose senão o esquecimento.
Com o passar dos anos, entretanto, o véu da invisibilidade que se havia
jogado sobre a hipnose foi sendo levantado e novos nomes surgiram no cenário
mundial, produzindo evidências concretas acerca de seus benefícios em favor de
múltiplas enfermidades.
Neste resgate, chega-se ao século XXI com estudos cada vez mais
conclusivos a respeito de sua eficácia, ao mesmo tempo em que o homem também
percebe quanto ainda há por desvendar sobre os mistérios do inconsciente humano.
Cumpre ressaltar, portanto, que em se tratando de ciência, a verdade não
pode ser considerada nem absoluta e muito menos acabada, tendo em vista a
dinamicidade das situações e fenômenos a que a humanidade está sujeita, num
permanente devir.
99
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105
ANEXOS
ANEXO I
Parecer CFM nº 42/99
PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 2.172/97 PC/CFM/Nº42/1999
ASSUNTO: Hipnose médica
INTERESSADO: Plenário do Conselho Federal de Medicina
RELATOR: Cons. Paulo Eduardo Behrens Cons. Nei Moreira da Silva
EMENTA: A hipnose é reconhecida como valiosa prática médica, subsidiária de
diagnóstico ou de tratamento, devendo ser exercida por profissionais devidamente
qualificados e sob rigorosos critérios éticos. O termo genérico adotado por este
Conselho é o de hipniatria.
PARTE EXPOSITIVA
Ao analisarmos consulta feita a este Plenário sobre a utilização de termos
como hipniatria ou hipnoanálise, impressos em receituários médicos, fizemos
considerações acerca da prática da hipnose como valioso elemento auxiliar em
diversos tratamentos. A decisão deste Plenário foi a de apresentar um novo parecer
que pudesse subsidiar os conselheiros na análise da pertinência desta prática, no rol
das atividades médicas. Desta forma, foi constituída uma comissão para estudar o
assunto, composta pelos conselheiros Nei Moreira da Silva e Paulo Eduardo
Behrens, que, após diversas reuniões com médicos praticantes e interessados na
hipnose e juntada de farto material, passam a apresentar, à apreciação do Plenário,
o presente parecer.
PARECER
A hipnose
- Histórico (extraído de trabalho do dr. Mozart Smyth Junior) Com uma grande
variedade de nomes, a hipnose é utilizada por milênios como uma forma de atuar no
comportamento
humano.
Os
antigos
egípcios
(2.000
a.C.)
já
utilizavam
106
empiricamente encantamentos, amuletos, imposição das mãos, sem se darem conta
da imaginação e sugestão envolvidas nesses procedimentos.
Anton Mesmer (1734-1815) desenvolveu a tese do "magnetismo animal" e de que o
realinhamento das forças gravitacionais poderia restaurar a saúde. Seus discípulos
entenderam que o processo essencial envolvido era a "sugestão", algo desenvolvido
pelo próprio indivíduo.
James Braid (1784-1860) criou o termo hipnose, derivado do grego (hypnos = sono)
James Esdaile (1808-1899) realizou várias intervenções cirúrgicas usando somente
a hipnose para produzir efeito anestésico.
Jean Martin Charcot (1825-1893) notabilizou-se pelas curas hipnóticas da histeria, o
que levou ao início do estudo científico da hipnose.
Em 1885, Josef Breuer publicou, juntamente com Freud, o famoso caso Anna O.
como "Estudo sobre a histeria". A partir daí, Freud iniciou a prática da hipnose,
sendo, à época, largamente utilizada na Europa.
O interesse pela hipnose teve seu recrudescimento durante a Primeira e Segunda
Guerras Mundiais como forma de tratamento das neuroses traumáticas de guerra.
A Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo, na expectativa de homogeneizar a
terminologia adotada pelas diversas correntes, definiu a seguinte nomenclatura:
HIPNOSE - Estado de estreitamento de consciência provocado artificialmente,
parecido com o sono, mas que dele se distingue fisiologicamente pelo aparecimento
de uma série de fenômenos espontâneos ou decorrentes de estímulos verbais ou de
outra natureza.
HIPNOLOGIA - Estudo da natureza da hipnose e investigação científica de seus
fenômenos e repercussões
HIPNOTERAPIA - Terapia feita através da hipnose
HIPNOTISTA - Profissional que pratica a hipnose
HIPNIATRIA - Procedimento ou ato médico que utiliza a hipnose como parte
predominante do conjunto terapêutico
DEHIPNOTIZAR - Ato de retirar o paciente do transe hipnótico.
A referida Sociedade observa que o termo mais adequado para o tratamento
médico feito através da hipnose pura ou combinada com fármacos é a hipniatria,
solicitando, deste Conselho, a sua oficialização.
107
Este termo foi criado em 1968 pelos professores Miguel Calille Junior e Antônio
Carlos de Moraes Passos, sendo unanimemente considerado por todas as escolas
de hipnose no Brasil.
Esta nomenclatura deveu-se à demanda do Departamento de Hipnologia, numa
analogia com algumas especialidades médicas (Pediatria, Psiquiatria, Foniatria,
Fisiatria, etc.), onde o sufixo latino "iatria", significa cura.
- A Hipnose no mundo
Atualmente, existem várias sociedades, em todo o mundo, que atuam na prática da
hipnose:
Society for Clinical and Experimental Hypnosis
The American Society of Clinical Hypnosis
International Society of Hypnosis
The Australian Society of Hypnosis
Sociedade Brasileira de Hipnose
Associazione Medica Italiana per lo Studio dell'a Ipnosi
The British Society of Medical and Dental Hypnosis e várias outras.
Há profissionais médicos trabalhando com hipnose em várias universidades:
Cambridge Hospital - Harvard University of Chicago
University of Kansas Regional Burn Center - Dallas Benemerita
Universidad Autonoma de Puebla - México
Alguns Conselhos diplomam e titulam profissionais em hipnose:
American Board of Medical Hypnosis
American Board of Psychological Hypnosis
American Board of Hypnosis in Dentistry
American Hypnosis Board for Clinical Social Work
Algumas instituições internacionais já se posicionaram sobre a Hipnose Médica,
reconhecendo-a como auxiliar terapêutico útil na Medicina:
Associação Médica Americana - 18 de setembro de 1958
108
"A Hipnose é um auxiliar terapêutico valioso e os que a empregam,
devem conhecer os seus fenômenos complexos, seus ensinamentos são privativos
de médicos e do odontólogo. Quem a emprega deve conhecer suas indicações e
limitações. Não se deve aprender apenas a técnica."
Associação Médica Britânica - 23 de abril de 1955
"A Hipnose é útil e pode, em certos casos, ser o tratamento de escolha
dos distúrbios psicossomáticos e das neuroses."
Associação Psiquiátrica Americana - 15 de fevereiro de 1961
"Reconhece-se o valor da Hipnose como auxílio na pesquisa, diagnóstico
e terapêuticas tanto em Psiquiatria, como em outras áreas da prática médica."
Organização Mundial da Saúde - outubro de 1974
"A Hipnose moderna é hoje o maior avanço da Psiquiatria. Atua no campo
terapêutico, enquanto os estudos da bioquímica o são no estudo das etiologias."
Revista Brasileira de Medicina - julho de 1998
"Menosprezar a importância de Hipnose, hoje em dia, representa, além de
opor-se aos diversos relatórios elaborados por comissões especializadas no mundo
inteiro, fechar os olhos aos recursos por ela oferecidos. Se existem (ou existiram)
hipnólogos ou hipniatras mal preparados, também existem profissionais de baixa
qualidade em quaisquer outras especialidades. É a partir da grande parte dos bens
qualificados, porém, que as técnicas ganham cada vez mais adeptos."
- A hipnose no Brasil
No Brasil, além da Sociedade Brasileira de Hipnose (sociedade científica
vinculada à AMB) existe o Departamento de Hipniatria da Associação Médica de
Minas Gerais e a Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo.
109
Em 1961, o então presidente da República, Jânio Quadros, assinou o
Decreto n.º 51.009, ainda em vigor:
"Proíbe espetáculos ou números isolados de hipnotismo e letargia, de
qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio ou de
televisão, e dá outras providências.
Art. 1º - Ficam proibidas, em todo o território nacional, as exibições
comerciais...
Art. 2º - Ficam excluídas da proibição de que trata o presente Decreto, as
demonstrações de caráter puramente científico, sem fito de lucro, direto ou indireto,
executadas por médicos com curso especializado na matéria.
Parágrafo único - As demonstrações a que alude este artigo dependerão
sempre, de aprovação prévia da autoridade competente de cada Estado da
Federação, Distrito Federal e Território onde forem promovidas, salvo quando
realizadas em estabelecimento de ensino e para fins didáticos".
• Aspectos científicos
Um breve sumário da utilização da Hipnose Médica, pode ser apresentado
nos seguintes grupos:
a. Como uma técnica que promove saúde e exercícios profiláticos em indivíduos
sujeitos a estresse;
b. Como um método através do qual o indivíduo pode controlar funções autonômicas
e, deste modo, superar sintomas desagradáveis ou perturbações autônomas;
c. Como um tratamento para uma ampla variedade de condições psicossomáticas;
d. Como um subsidiário na psicoterapia, liberando memória reprimida e sensações,
especialmente produzindo catarse em pacientes que sofrem de sintomas histéricos;
e. Como um método que alivia dor e induz anestesia.
Um outro agrupamento das aplicações da hipnose foi sugerido pelo Dr.
Antônio Carlos de Moraes Passos, da Escola Paulista de Medicina e fundador da
Sociedade de Hipnose Médica de São Paulo:
A hipnose tem sido usada:
a. Para o alívio da dor, produzindo anestesia ou analgesia;
110
b. Nos diferentes setores da clínica e cirurgia, notadamente em obstetrícia;
c. Como tranqüilização [sic] para o alívio dos estados de ansiedade a apreensão,
qualquer que seja a sua causa;
d. Em qualquer condição na qual a psicoterapia possa ser útil;
e. No controle de alguns hábitos (ex.: tabagismo);
f.
Experimentalmente
em
qualquer
pesquisa,
no
campo psicológico
e/ou
neurofisiológico, e outros.
Paralelamente, o mesmo autor indica onde a hipnose não deve ser usada:
a. Na remoção de sintomas, sem primeiro se saber a que finalidade servem [sic];
b. Em qualquer condição onde o estado emocional do paciente não foi determinado;
c. Sem objetivo definido, apenas para satisfazer insistentes pedidos do paciente;
d. Para abolir determinadas sensações, a fadiga [sic] por exemplo, o que pode levar
o paciente a ir além dos limites de sua capacidade física;
e. Em psicóticos, a hipnose só pode ser usada por um psiquiatra experiente, tendo
em conta que não constitui uma boa indicação e pode até ser contra-indicada como
na esquizofrenia, em que pesem opiniões contrárias, como Wolberg, Gordon,
Worpell, entre outros.
Praticada essencialmente por médicos, odontólogos e psicólogos a hipnose
tem suas principais indicações em:
Distúrbios
- Da ansiedade
- - ansiedade em suas diversas formas
- - estresse
- - fobias
- - síndromes pós-traumáticas
- Depressão
- Alimentares
- do sono
- Sexuais
- Do relacionamento conjugal e familiar
- Da personalidade
Drogadição
Doenças psicossomáticas
111
Síndromes dolorosas agudas e crônicas
- Analgesia
- Anestesia
Preparo para exames invasivos e durante sua realização
Preparo pré-operatório, no per e pós-operatório
Na abordagem de patologias diversas, em conjunto com as diversas especialidades
médicas
Diversas publicações científicas, nas mais diversas áreas, corroboram tais
indicações e a eficácia da hipnose como método auxiliar de tratamento:
Disfunções sexuais
1 . A impotência sexual e seu tratamento/ The sexual impotence and its treatment, in
Inf. Psiquiátrico; 14 (3), julho-set. 1995.
2. Influência social. As estratégias Ericksonianas e o fenômeno hipnótico no
tratamento das disfunções sexuais. Stricherz-ME in American Journal of Clinical
Hypnosis. Jan. 1982
Câncer
1 . Impressões sobre o tratamento do câncer pela hipnose. Strosberg-IM in J. Am.
Soc. Psychosom-Dent-Med. 1982.
2 . Controlando os efeitos colaterais da quimioterapia. Redd-WH; Rosenberger-PH;
Hendler-CS in Am. J. Clin Hypn .1982.
3. Dessensibilização hipnótica no tratamento preventivo dos vômitos por
quimioterapia. Hoffman-ML in Am J Hypn. 1982.
Cardiologia
1. A hipnose nos distúrbios cardiovasculares com ênfase na correção da
hiperventilação crônica. Thomas-HM in Act Nerv Super Praha. 1982.
2 . O efeito da hipnose no intervalo RR e na variação da pressão sangüínea. EmdinM; Santarcangelo-EL; Picano-E; Raciti-M; Pola-S; Macerata-A; Michelassi-C;
L'Abbate-A from CNR Institute of Clinical Physiology, Pisa, Italy in Clin Sci Colch.
1996.
112
Gastrenterologia [sic]
1. Tratamento hipnoterápico para disfagia. Kopel-KF; Quinn-M from Baylor College
of Medicine, Houston, Texas, USA in Int J Clin Exp Hypn. 1996.
2. O uso da hipnoterapia nos distúrbios gastrointestinais. Francis-CY; Houghton-LA
from Department of Medicine, University Hospital of South Manchester, UK in Eur J
Gastroenterol Hepatol. 1996.
Dependência de drogas
1. O uso de técnicas de sugestão com adolescentes no tratamento da inalação de
cola de sapateiros e abuso de solventes. O'Connor-D in Hum Toxicolo. 1982.
2. Determinantes da sugestão para o tratamento do alcoolismo. Room-R; Bondy-S;
Ferris-J from Research and Development Division, Addiction Research Foundation,
Toronto, Ontario, Canada in Addiction. 1996.
Outras aplicações
1. Auto-relaxamento hipnótico durante procedimentos radiológicos invasivos. LangEV; Joyce-JS; Spigel-D; Hamilton-D; Lee-KK from Department of Veterans Affairs
Medical Center (DVAMC), Palo Alto, Califórnia, USA in Int J Clin Exp Hypn. 1996.
2. Hipnoterapia e verrugas plantares. Relato de casos. Rowe-WS in Aut N Z J
Psychiatry. 1982.
3. Hipnose no tratamento de pacientes com queimaduras severas. Patterson-DR;
Goldberg-ML; Ehde-DM from Department of Rehabilitation Medicine, University of
Washington School of Medicine, USA in Am J Clin Hypn. 1996
4. Hipnoterapia no controle da dor aguda. Hutt-G in Br J Theatre Nurs. 1996.
5. Redução da reação cutânea à histamina após procedimento hipnótico. LaidlawTM; Booth_RJ; Large-RG from Department of Psychiatry and Behavioral Science,
School of Medicine, University of Auckland, New Zeland in Psychosom Med. 1996.
6. Emprego da hipnoterapia em crianças e adolescentes. Chipkevitch, Eugênio in J.
pediatr. Rio de Janeiro. 1992.
7. Hipnoterapia em um caso severo de bruxismo e dor facial. Relato de caso. Vossz,
Ricardo in Odontol. chil. 1986.
8. Considerações sobre técnica de hipnose utilizada em dois casos de amnésia
retrógrada in RBM psiquiatr. 1984.
113
9. Hipnoanalgesia em gineco-obstetrícia. Acosta Bendek, Eduardo in Unimetro.
1985.
10. Hipnoanestesia em cirurgias ambulatoriais. McCoy-LR in Aana-J. 1982.
CONCLUSÃO
A hipnose é, então, uma forma de diagnose e terapia que deve ser
executada tão somente por profissionais devidamente qualificados. Como terapia,
pode ser executada por médicos, odontólogos e psicólogos, em suas estritas áreas
de atuação. A hipnose praticada pelo médico, com fins clínicos, deve cercar-se de
todos os aspectos legais e éticos da profissão. É, por isso, essencial que haja a
especificação dos objetivos a serem perseguidos, através da informação aos
pacientes, familiares ou responsável legal [sic]. Portanto, sendo reservada a estes
profissionais, e até por encerrar complicações e conter contra-indicações, sua
utilização por pessoas leigas configura-se como curandeirismo, ilícito jurídico
definido no Código Penal, em seu artigo 282, in verbis.
"Exercer curandeirismo:
I - Prescrevendo, ministrando ou aplicando habitualmente qualquer substância;
II - Usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - Fazendo diagnósticos.
Pena: detenção de seis meses a dois anos"
Ainda segundo Moraes Passos: "A divulgação da hipnose, principalmente
a chamada hipnose de palco, destituída de uma metodologia científica e executada
por pessoas sem as qualificações técnicas e sem a necessária responsabilidade
profissional, torna mais perigosa ainda sua aplicação, como tem sido feito
ultimamente nos nossos teatros e estações de televisão.
Nas demonstrações hipnóticas pela TV, foram constatados, de maneira
inequívoca, fenômenos de despersonalização, isto é, sugestão de que o paciente
tinha outra identidade, Hitler, por exemplo, fenômenos este totalmente contraindicado do ponto de vista psiquiátrico, e além do mais, sem o devido apagamento
114
ou volta do estado normal. Correu assim, o paciente, o perigo de continuar crendo
em uma identidade falsa, ou angustiado com uma idéia obsessiva nesse sentido.
Foram comprovados por psiquiatras, hipnose de espectadores de TV em
suas próprias residências, à simples assistência dos referidos espetáculos."
Concluindo este parecer, entendemos que a Hipnose Médica deve ser
considerada prática médica auxiliar ao diagnóstico e à terapêutica, rigorosamente
dentro de critérios éticos.
Entendemos, também, que este Conselho Federal deve recomendar a
todos os Regionais especial atenção ao exercício desta prática por profissionais
não-médicos, principalmente em exibições públicas, tomando as medidas policiais e
judiciais cabíveis.
É nosso entendimento, ainda, que, em suas respectivas áreas de
atuação, a hipnose é uma prática que pode ser utilizada por odontólogos e
psicólogos.
Sugiro que este Conselho atenda à demanda da Sociedade de Hipnose
Médica de São Paulo, adotando, como oficial, o termo hipniatria para definir o
procedimento ou ato médico que utiliza a hipnose no conjunto terapêutico.
É o parecer,
S. M. J. Brasília, 18 de agosto de 1999.
Paulo Eduardo Behrens
Nei Moreira da Silva
Aprovado em Sessão Plenária
115
ANEXO II
RESOLUÇÃO CFP N° 013/00 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2000
Aprova e regulamenta o uso da Hipnose como recurso auxiliar de trabalho
do Psicólogo.
O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições
legais e regimentais, que lhe são conferidas pela Lei n° 5.766, de 20/12/1971 e;
CONSIDERANDO o valor histórico da utilização da Hipnose como técnica de recurso
auxiliar no trabalho do psicólogo e;
CONSIDERANDO as possibilidades técnicas do ponto de vista terapêutico como
recurso coadjuvante e;
CONSIDERANDO o avanço da Hipnose, a exemplo da Escola Ericksoniana no
campo psicológico, de aplicação prática e de valor científico e;
CONSIDERANDO que a Hipnose é reconhecida na área de saúde, como um
recurso técnico capaz de contribuir nas resoluções de problemas físicos e
psicológicos e;
CONSIDERANDO ser a Hipnose reconhecida pela Comunidade Científica
Internacional e Nacional como campo de formação e prática de psicólogos,
RESOLVE:
Art. 1º — O uso da Hipnose inclui-se como recurso auxiliar de trabalho do psicólogo,
quando se fizer necessário, dentro dos padrões éticos, garantidos a segurança e o
bem estar da pessoa atendida;
Art. 2º — O psicólogo poderá recorrer a Hipnose, dentro do seu campo de atuação,
desde que possa comprovar capacitação adequada, de acordo com o disposto na
alínea "a" do artigo 1 o do Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Art. 3º — É vedado ao psicólogo a utilização da Hipnose como instrumento de mera
demonstração
fútil
ou
de
caráter
sensacionalista
ou
que
crie
situações
constrangedoras às pessoas que estão se submetendo ao processo hipnótico.
Art. 6º — Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º — Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília (DF), 20 de dezembro de 2000.
ANA MERCÊS BAHIA BOCK
Conselheira-Presidente
116
ANEXO III
LEI 5.081 DE 24/08/1966
Regula o Exercício da Odontologia.
ART.1 - O exercício da Odontologia no território nacional é regido pelo disposto na
presente Lei.
ART.2 - O exercício da Odontologia no território nacional só é permitido ao cirurgiãodentista habilitado por escola ou faculdade oficial ou reconhecida, após o registro do
diploma na Diretoria do Ensino Superior, no Serviço Nacional de Fiscalização da
Odontologia, sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.
Parágrafo único. (Vetado).
ART.3 - Poderão exercer a Odontologia no território nacional os habilitados por
escolas estrangeiras, após a revalidação do diploma e satisfeitas as demais
exigências do artigo anterior.
ART.4 - É assegurado o direito ao exercício da Odontologia, com as restrições
legais, ao diplomado nas condições mencionadas no Decreto-Lei n.º 7.718 de 9 de
julho de 1945, que regularmente se tenha habilitado para o exercício profissional,
somente nos limites territoriais do Estado onde funcionou a escola ou faculdade que
o diplomou.
ART.5 - É nula qualquer autorização administrativa a quem não for legalmente
habilitado para o exercício da Odontologia.
ART.6 - Compete ao cirurgião-dentista:
I - praticar todos os atos pertinentes à Odontologia, decorrentes de conhecimentos
adquiridos em curso regular ou em cursos de pós-graduação;
II - prescrever e aplicar especialidades farmacêuticas de uso interno e externo,
indicadas em Odontologia;
III - atestar, no setor de sua atividade profissional, estados mórbidos e outros,
inclusive, para justificação de faltas ao emprego;
* Inciso III com redação dada pela Lei n.º 6.215 de 30/06/1975.
IV - proceder à perícia odontolegal em foro civil, criminal, trabalhista e em sede
administrativa;
V - aplicar anestesia local e truncular;
117
VI - empregar a analgesia e hipnose, desde que comprovadamente habilitado,
quando constituírem meios eficazes para o tratamento.
VII - manter, anexo ao consultório, laboratório de prótese, aparelhagem e instalação
adequadas para pesquisas e análises clínicas, relacionadas com os casos
específicos de sua especialidade, bem como aparelhos de Raios X, para
diagnóstico, e aparelhagem de fisioterapia;
VIII - prescrever e aplicar medicação de urgência no caso de acidentes graves que
comprometam a vida e a saúde do paciente;
IX - utilizar, no exercício da função de perito-odontólogo, em casos de necropsia, as
vias de acesso do pescoço e da cabeça.
ART.7 - É vedado ao cirurgião-dentista:
a) expor em público trabalhos odontológicos e usar de artifícios de propaganda para
granjear clientela;
b) anunciar cura de determinadas doenças, para as quais não haja tratamento
eficaz;
c) exercício de mais de duas especialidades;
d) consultas mediante correspondência, rádio, televisão, ou meios semelhantes;
e) prestação de serviço gratuito em consultórios particulares;
f) divulgar benefícios recebidos de clientes;
g) anunciar preços de serviços, modalidades de pagamento e outras formas de
comercialização da clínica que signifiquem competição desleal.
ART.8 - (Vetado).
I - (Vetado).
II - (Vetado).
ART.9 - (Vetado).
a) (Vetado);
b) (Vetado);
c) (Vetado);
d) (Vetado);
e) (Vetado).
ART.10 - (Vetado).
Parágrafo único. (Vetado).
ART.11 - (Vetado).
118
ART.12 - O Poder Executivo baixará Decreto, dentro de 90 (noventa) dias,
regulamentando a presente Lei.
ART.13 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogados o DecretoLei n.º 7.718, de 9 de julho de 1945, a Lei n.º 1.314 de 17 de janeiro de 1951, e
demais disposições em contrário.
(*) Publicado no D.O.U. (Diário Oficial da União) em 26/08/1966.
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