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Risco inerente dos medicamentos - Aplicação do CDC e dispositivos legais correlatos
Luciana Goulart Penteado e Pedro Vitor Barros
segunda-feira, 16 de junho de 2014
O CDC está prestes a completar 25 anos. É inegável o avanço que este diploma legal
propiciou na tutela dos direitos consumeristas, sobretudo no que diz respeito à
proteção da saúde do consumidor, direito social previsto no artigo 196 da
Constituição Federal e complementado pelo artigo 2º da lei 8.080/90, que dispõe
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como
sobre a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Nesse
sentido, ao estatuir que os produtos não podem, em regra, gerar riscos à saúde do
consumidor, certamente a sociedade, por meio do Código de Defesa do Consumidor
e legislação correlata, teve como reflexo mais importante o oferecimento, pelos
fornecedores em geral, de produtos dotados de maior qualidade e segurança aos
consumidores.
A regra geral é de que, sempre que o consumidor sofrer danos à sua saúde ou
segurança, decorrentes de vício ou defeito do produto, surgirá o dever de indenizar
por parte do fabricante. No tocante aos produtos farmacêuticos a regra é a mesma:
se determinado medicamento causar dano à saúde do consumidor, o fabricante
deverá indenizá-lo, seja este dano de natureza material (como, por exemplo,
tratamento médico), seja de natureza moral. Trata-se de raciocínio decorrente da
norma contida no artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor, que preconiza que
"Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à
saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis
em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em
qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito".
Contudo, a segunda parte deste dispositivo legal apresenta uma exceção à regra de
que os produtos colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde
dos consumidores. Este comando estatui que os riscos à saúde e segurança dos
consumidores, desde que normais e previsíveis, são legalmente admitidos. Trata-se
do denominado risco inerente do produto. Uma grande incidência destes riscos
normais e previsíveis se dá no âmbito dos produtos farmacêuticos. Alguns
doutrinadores renomados assinalam, com propriedade, que a quase totalidade dos
medicamentos, em razão de sua natureza, ostenta índice normal de nocividade.
Este mencionado índice normal de nocividade dos medicamentos ocorre em razão,
sobretudo, da imprevisibilidade das reações fisiológicas intrínsecas de cada pessoa
ao manter contato com determinada substância química presente na composição do
remédio. Geralmente estes riscos normais e previsíveis são classificados como
"reações adversas" ou "efeitos colaterais" do medicamento. Não podemos excluir,
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ainda, a possibilidade do risco à saúde do consumidor de fármaco ser decorrente de
interações medicamentosas do produto, assim consideradas as alterações nos
efeitos de um medicamento, em razão da ingestão simultânea de outro
medicamento. Seja como for, em nosso entendimento, o fabricante do
medicamento, sob a ótica do direito consumerista, não pode ser responsabilizado
por fatos advindos deste "índice normal de nocividade" do produto, deste que o
consumidor seja devidamente informado acerca da questão.
Importante salientar que, para que a informação acerca dos riscos seja considerada
legítima e adequada, ela deve constar expressamente da bula do medicamento
que, por sua vez, deve seguir os ditames da legislação regulatória sobre o
tema.Nesse ponto, a informação deve estar de acordo com a Resolução nº 47 da
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a qual estabelece regras para a
elaboração, harmonização, atualização, publicação e disponibilização de bulas de
medicamentos para pacientes e para profissionais de saúde. Há quem defenda que,
com o advento do atual Código Civil Brasileiro, o fornecedor passou a ser civilmente
responsável por danos causados ao consumidor, ainda que decorrentes de risco
inerente do produto. Este entendimento tem alicerce no artigo 931 do Código Civil,
que dispõe que "Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários
individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos
causados pelos produtos postos em circulação".
Nos parece equivocado este entendimento pois, pelo princípio da especialidade das
normas, as disposições do Código de Defesa do Consumidor deveriam prevalecer
quando se trata de relação de consumo. Ademais, a aplicação deste dispositivo do
Código Civil nas relações de consumo imputaria ônus exagerado ao fornecedor de
produtos, o que poderia ensejar a falta de incentivo à exploração da atividade
econômica. No âmbito das indústrias farmacêuticas, qual seria a atratividade de
investimentos em desenvolvimento tecnológico e científico de medicamentos, se
houvesse a grande probabilidade de que tal atividade econômica naturalmente
acarretar a existência de passivo indenizatório?
Certamente esse cenário mitigaria os avanços dos estudos científicos de
medicamentos e ocasionaria o desinteresse de investidores neste campo comercial,
prejudicando, reflexamente, o direito social à saúde. Por conta disso, entendemos
que as indústrias farmacêuticas não poderiam ser responsabilizadas por fatos
advindos de risco inerente ao medicamento, desde que tais fatos fossem válida e
licitamente informados na bula do produto. Nesse contexto, o risco inerente
deveria ser considerado como uma causa excludente de responsabilidade do
fabricante do produto.
A grande questão que gera polêmica e controvérsia a respeito do assunto, refere-se
aos conceitos de normalidade e previsibilidade contidos no Código de Defesa do
Consumidor, os quais ensejariam a aplicação da causa excludente de
responsabilidade. No âmbito judicial, pode-se dizer que somente uma prova robusta
de natureza técnica, levada a efeito por profissional especializado na área
farmacológica ou médica, estará apta a estabelecer se o risco pode efetivamente
ser considerado normal e previsível ante a natureza do produto.
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* Luciana Goulart Penteado e Pedro Vitor Barros são, respectivamente, sócia e
advogado do Demarest Advogados.
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