PARADIGMA OU MÉTODO: UMA DISCUSSÃO POSSÍVEL NO ÂMBITO DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO PROENÇA, Kátia Aparecida Poluca Proença1 - UFPel OLIVEIRA, Neiva Afonso2 - UFPel Grupo de Trabalho – Formação de professores e profissionalização docente Agência Financiadora: CNPq Resumo O presente artigo apresenta dois eixos de discussão. Um dos eixos retoma a discussão sobre a relação Filosofia e Educação e tem por finalidade mencionar o debate caro às duas áreas, que é o da intersecção dos caminhos existentes entre elas. O texto aborda o modo como Filosofia e Educação trabalham com o mesmo tema – a obtenção do conhecimento – por meio de formas diferentes. A Filosofia, quando se debruça sobre um tema, objetiva discutir as fontes já existentes fazendo uma reflexão crítica sobre elas. Nessa direção, os filósofos questionam temas emergentes, fazendo uma teorização reflexiva sobre o assunto. A Educação, por meio de seu viés teórico-prático, procura encontrar novos temas a fim de implementar as lides pedagógicas. Esse seu envolvimento, porém, com as práticas pedagógicas a fez (a pedagogia) abrir mão de seu caráter de ciência da educação. No segundo eixo temático, são trazidos os paradigmas da Fenomenologia e da Dialética pelo fato de os considerarmos modelos e métodos de pensamento clássicos e adequados para pensarmos a Filosofia, a Educação e seus imbricamentos. A retomada conclusiva do texto acontece pela reflexão sobre as duas áreas. Apesar do fato de compreendermos que as duas trabalham com a mesma finalidade (transmitir conhecimento), podem divergir quanto à utilização de distintos paradigmas e métodos. Nesse contexto, entendemos que suas ideias conversam e possuem horizonte semelhante (formação humana), porém com práticas diversas no campo de conhecimento. É inegável, entretanto, que a Fenomenologia e a Dialética são caminhos através dos quais a reflexão pedagógica e filosófica acontecem. Palavras – chave: Filosofia, Educação, Dialética, Fenomenologia 1 Acadêmica do 7º Semestre do Curso de Matemática Instituto de Matemática e Física da Universidade Federal de Pelotas. E-mail: [email protected]. 2 Acadêmica do 7º Semestre do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas, Bolsista PIBIC/UFPel/CNPq, integrante do Grupo de Pesquisa em Filosofia, Educação e Práxis Social (FEPráxiS) e do Núcleo de Estudos Paulo Freire. E-mail: [email protected]. Orientadora: Profª. Dra. Neiva Afonso Oliveira, e-mail: [email protected] 11287 Introdução No âmbito da Filosofia da Educação, quando cogitamos buscar conhecer uma forma de pensamento/conhecimento ou uma prática educativa, indagamo-nos, entre outros aspectos, a respeito da possibilidade de pensar o quanto é relevante à experiência de um determinado autor que trata daquela temática, caso pretendamos optar por um ou por outro modo de pensar e caso tenhamos a finalidade de buscar fundamentos nas ideias e reflexões daquele pensador. Normalmente, nos deparamos com as denominações paradigma, modelo de pensar e/ou método ou procedimento de pesquisa. e nos questionamos sobre qual a melhor forma de nos apropriarmos das ciências produzidas durante séculos. De como podemos trabalhar com essas denominações que nos parecem tão similares e tão divergentes? A gênese da palavra paradigma – do grego parádeigma – ganha corpo e é trabalhada como o “aparecer” das revoluções do pensamento científico que desembocam em transformação do mesmo e de sua prática correspondente. Essa linha de pensamento representa a contribuição que Thomas Kuhn (1922-1996) propiciou-nos como pioneiro na literatura científica a estruturar o conceito de “Paradigmas” para explicar o processo histórico das ciências. “Um paradigma pode ser compreendido como um modelo ou parâmetro, dignos de serem seguidos”. De modo geral, podemos dizer que um paradigma é uma percepção geral sobre algum assunto – podendo não ser a melhor – com o objetivo de estruturar algo de modo a validar as demais formas adotadas. Compreendemos que um paradigma sustenta uma determinada concepção diante do mundo em uma determinada época. Segundo Kuhn, um paradigma pode ser considerado uma aquisição ou uma “conquista” conceitual. E, para ele, a conquista ou o ponto que marca o nascimento de um paradigma possui duas características centrais: (1) exerce atração sobre um conjunto duradouro de adeptos de modelos de atividade científica concorrente; e (2) o próprio modelo é razoável e suficientemente aberto para permitir que o grupo redesenhado de praticantes solucione todos os tipos de problemas (“Posfácio)” (PROENÇA, 2011). Várias alternativas são oferecidas à Filosofia da Educação, diante da possibilidade que apontamos, qual seja a de olhar para as diferentes posições filosóficas e, partindo delas, orientar nossa prática como educadores. Uma das alternativas é o que a Filosofia como pensar crítico e reflexivo nos propicia. Em outras palavras, se entendermos a Filosofia como Saviani (1996) a compreende, enquanto reflexão radical, rigorosa e de conjunto (p.16), sem 11288 equiparação à ciência, estaremos exercitando uma atividade própria do homem, qual seja a de olhar para a realidade como um problema filosófico. É o próprio Saviani que destaca o fato de os problemas não serem filosóficos, científicos, tampouco sociológicos. São os homens e suas atitudes filosóficas, científicas ou sociológicas que geram os referidos problemas a exigirem respostas. Uma outra alternativa, paralela a da postura filosófico-crítico-reflexiva é aquela que nos aproxima da História da Filosofia. Por exemplo, quando ensinamos Filosofia, frequentemente, optamos pela transmissão dos conhecimentos filosóficos, por meio da História da Filosofia.3Sem obstruir ou travar uma reflexão crítica, esta opção evoca uma certa linearidade no estudo da Filosofia, linearidade esta não só temporal ou etapista, mas de acompanhamento do desenvolvimento das ideias filosóficas ao longo da História do pensamento. Em linguagem adequada ao debate sobre Ensino de Filosofia, podemos dizer que a terceira alternativa com a qual a Filosofia da Educação precisa ocupar-se (em termos do Ensino de Filosofia) é a de trabalhar com temas da atualidade. Obviamente, a Educação, de uma maneira geral, e a Pedagogia como ciência, tomadas a partir de seus corpus e estrutura de conhecimentos são preocupações da Filosofia da Educação e da História da Educação. Impossível não notar que, ao nos referir a “preocupações”, estamos pretendendo mencionar zonas de intersecção entre elas e metodologias de trabalho similares nas áreas. Isso tem a ver com o que mencionamos no resumo do nosso texto: que os filósofos questionam temas emergentes. Evidentemente, a Educação e seus processos é um desses temas. Não é demais recordar que a Filosofia reflete sobre as questões da Educação, a partir de uma metodologia e não é só porque uma filosofia radical, rigorosa e de conjunto não se viabiliza sem a adoção de um método, mas também pelo fato de que seria severamente cobrada pela Pedagogia por esta falha. Analisando a denominação “método”, vocábulo de origem latina, methodus, que significa “caminho e instrumentos para fazer pesquisa” (Gamboa, 2007, p.24), procuramos o conceito em um dicionário de Filosofia e no dicionário da Língua Portuguesa. Encontramos, então, as seguintes definições: “Este termo tem dois significados fundamentais: 1" qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa; 2" uma técnica particular de pesquisa. No primeiro significado, não se distingue de "investigação" ou "doutrina". O segundo significado é mais restrito e indica um procedimento de investigação organizado, repetível autocorrigível, que garanta a obtenção de resultados válidos” (ABBAGNANO, 2000, p. 668). 3 Sobre este tema, ver Ensino de Filosofia: um estudo de caso, de autoria de Letícia Maria Passos Corrêa. O livro é uma publicação da Editora e Gráfica da UFPel. 11289 “método: s. m: 1. Ordem pedagógica na educação. 2. Tratado elementar. 3. Processo racional para chegar a determinado fim. 4. Maneira de proceder. 5. Processo racional para chegar ao conhecimento ou demonstração da verdade “(Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Consideraremos que o “método” é uma forma para se chegar a uma determinada finalidade, ou seja, a Educação busca um “método” para as aplicações de suas teorias sem ter o comprometimento da reflexão sobre a aplicação deste método dentro do âmbito educacional, prevalecendo o intuito de alcançar resultados favoráveis a seus objetivos. O “método”, por ser mais do que uma ferramenta, por sua qualidade enquanto maneira de proceder possui a característica de fazer processar e acontecer o conhecimento, de facilitar o acontecimento dos resultados de investigações. Entretanto, à metodologia escolhida pelo pesquisador não cabe avaliações ou o procurar saber se realmente é válida sua aplicação. Mesmo porque nem todos conseguem enquadrar-se dentro dos critérios e o objetivo do método é apenas facilitar a aquisição do resultado desejado. Com isso, entendemos que a Filosofia busca ir muito além de um praticismo e a fim de considerar algo válido e próprio para ser investigado, procura investigar toda uma cadeia de pensamentos vigentes e busca estruturar suas ideias. Faz, para a obtenção de seus fins, uma opção metodológica, mas não se fixa tão somente no método. Por isso, a palavra “paradigma” acomoda melhor o anseio da Filosofia. Falarmos em paradigmas filosóficos, portanto, representa melhor as diversas visões ou concepções filosóficas, com seus métodos diversos. Assim, quando tratarmos da Filosofia, em razão de seu claro rigor para versar sobre qualquer tema, devemos levar em conta ou analisar as diversas correntes filosóficas que compõem ou fazem parte da História da Filosofia. Em contraposição, na Pedagogia, pelo fato de ser consensualmente4 considerada uma “ciência prática”, busca-se privilegiar metodologias ou formas de realização de um determinado conhecimento funcional, ou seja, não se valoriza a reflexão, infelizmente, com tanta propriedade a reflexão, mas a praticidade de suas ações. A pesquisa dialogando com a Filosofia e com a Educação 4 Gamboa (2007, a respeito dessa negligência da Pedagogia, afirma: “Um indicador da crise da Educação que, sendo mãe e berço do método científico, refere-se ao fato de ter aplicado pouco de si mesma a seus próprios assuntos, tais como a crise de sua natureza, do seu estatuto epistemológico e do seu próprio método. Tais assuntos são deslocados para outros campos como a filosofia, a epistemologia e a gnosiologia” (p.24). 11290 O projeto de pesquisa: “Paradigmas Filosóficos na educação: perspectivas para pensar a educação e formação humanas”5, inicialmente dedicou-se a conceituar “Paradigmas” e a discriminar a maneira como trabalhar com esse conceito na pesquisa. Partimos, então, do livro A estrutura das revoluções científicas (1962), cujo autor, o físico norte-americano, Thomas Kuhn retoma o termo e dele serve-se para mostrar como a ciência progride e avança. Kuhn ressalta que um paradigma possui como base apoiadora uma comunidade científica, que analisa determinado viés de um problema científico, propõe novas ideias quando o antigo conceito torna-se falho diante dos novos questionamentos da comunidade científica. Alguns autores, na esteira de Kuhn, defendem que é fundamental a explicitação do paradigma. Ou seja, para que se possa conversar sobre as diferentes ideias, de forma que não se tornem antagônicas como ocorre na maioria das vezes, dificultando o diálogo entre os especialistas, torna-se necessária a explicação do paradigma livre de ambiguidades. Com isso, compreendemos que um paradigma nada mais é do que um modo diferente de olhar um mesmo objeto, em uma situação de concordância dos pares de uma determinada comunidade científica em relação ao mesmo objeto. Um paradigma é uma teoria que obteve sucesso em uma disputa por um certo tempo contra outras teorias competidoras, porém, sem esgotar todas as suas ideias. Quando um paradigma se estabelece, tanto o campo que ele abrange quantos os participantes, estão firmemente definidos e suas contestações, dentro da pesquisa, encontram-se claramente estabelecidas. Dessa forma, segundo Kuhn, a “ciência normal” encontra-se em constante progressão. Já que de um lado, um paradigma surge em um momento de crise no qual se torna difícil acomodar todos os fenômenos encontrados dentro da pesquisa por ele defendida ou, no caso de os fenômenos tornarem-se tão valiosos ou suficientemente numerosos que não podem ser mais ignorados pelo pesquisador. Advertindo sobre o desfecho ou ponto de chegada de crise de um paradigma, Kuhn adverte: “O significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos” (2011, p.105). A fenomenologia conversa com a Filosofia e a Educação 5 Projeto de Pesquisa financiado com bolsas e recursos CNPQ e FAPERGS. 11291 A fenomenologia como um paradigma a partir de leituras de Edmund Husserl (18591938) e Stephan Strasser (1905-1991) foi o que nos ocupou em passos subsequentes da pesquisa. Nos debruçamos sobre a obra Fenomenologia e ciências do homem, uma publicação do Grupo de Pesquisa FEPraxiS, da Faculdade de Educação da Universidade de Pelotas. De modo a estabelecer que, na Filosofia, a fenomenologia é um método por meio do qual podemos estudar muito mais do que os fenômenos que ocorrem no mundo, percebemos o quão interligados à nossa subjetividade estão esses fenômenos. A partir de uma análise fenomenológica, ou desde um estilo fenomenológico como diria Merleau-Ponty6, a educação, fenômeno que diz respeito aos sujeitos, “... aparece como processo-projeto de humanização do sujeito” (REZENDE, 1990, p.69). O autor defende que a visão histórica pode se definir como um pensamento da humanidade que se elevou à pluralidade de “natural” dentre dois tipos de civilização à uniformidade artificial da civilização universal das ciências, a qual tende a arriscar um salto dentro dessa pluralidade de ideias que são aceitas pela metafísica. Mesmo que seja compreendido um risco, um novo caminho deve ser assumido já que não há outro caminho para o saber supremo. Nesse contexto, para Husserl, as ciências modernas vivenciam uma crise de identidade, ou seja, não sabem como trabalhar com a pluralidade devido à cegueira diante dos sábios da metafísica que não permite uma análise profunda nos problemas. As ciências modernas ignoram a origem do problema e trabalham pura e simplesmente com os resultados de sua intervenção com o objeto, resultados esses que não se encontram interligados ao contexto social. Em Fenomenologia e Ciências do Homem, encontramos a filosofia fenomenológica distinguindo-se em três caminhos: a hermenêutica (lidando com a ontologia do problema), a dialética (que trabalha com situações da realidade para solucionar o problema) e a intuitiva (que fornece sentido à visão do homem). O pensamento humano orienta-se em direção a três fases da objetividade: a evidência que corresponde aos resultados das experiências; a intuição que nos permite ver e perceber os resultados alcançados das pesquisas e a experiência que nos permite validar as ideias que angariamos sobre o problema/pesquisa. Numa situação de enaltecimento aos procedimentos fenomenológicos e existenciais, a fenomenologia é afirmada pelo autor como sendo uma filosofia que descreve e interpreta a 6 Merleau-Ponty (1908-1961), filósofo fenomenólogo. 11292 existência humana diante de sua relação dialética com outros existentes, pois para ser considerada uma filosofia, a fenomenologia precisa esclarecer uma estrutura universal de suas experiências para com isso obter um alcance filosófico. Em termos das tarefas da educação e da pedagogia, a fenomenologia pode atender ao anseio de compreender as práticas/ações de alunos e professores no contexto escolar. Ou seja, mostra/descreve o motivo pelo qual os alunos veem a escola como um lugar/tempo perdido, já que nada há de atrativo, pois tudo na escola está pronto, cabendo ao aluno apenas incorporar falas dos professores e reproduzir conhecimentos que adquire. Encontramos, na fenomenologia, uma forma de compreensão das atitudes dessa prática de alunos e professores. Quando consideramos a educação um fenômeno, partimos da concepção de que se trata de uma experiência profundamente humana. Compreendemos que a educação é uma das formas mais primitivas e típicas do fenômeno humano, pois todos os homens se educam e essa é uma especificidade humana. A educação não é uma exclusividade da escola, pois a aprendizagem é passada/transmitida no seio familiar, em meio a grupos de convivência, da própria sociedade em que o indivíduo esta inserido. Todo entorno encontra-se implícito em uma estrutura fenomenológica educacional. Partimos do fato de que a “educação nos parece, desde logo, como sendo o fenômeno da aprendizagem da cultura (REZENDE, 1990, p. 46).” Nesse contexto, compreendemos a fenomenologia como um método a ser analisado no âmbito educacional, ou seja, quando compreendermos a educação como um fenômeno sócio- histórico e cultural, a fenomenologia torna-se ferramenta indispensável para justificar suas percepções. Mais profundamente ainda, o que falta às teorias comportamentalistas é a compreensão da estrutura do comportamento humano. Na verdade, a estrutura do fenômeno humano integra e reestrutura os outros níveis, de tal forma que, sem desaparecerem, eles se transformam numa outra realidade. Em sua complexidade estrutural, o homem é fisiológico, biológico, psicológico, antropológico. Mas a fisiologia do homem não e a mesma dos outros corpos; sua biologia não é a mesma dos outros seres vivos; sua psicologia não é a mesma dos animais superiores. É tudo isso que está presente na noção fenomenológica de corpo-sujeito (REZENDE, 1990, p.48). A fenomenologia permite-nos trabalhar em sala de aula com todas as crianças, sem fragmentação ou segregação, ou seja, “... a fenomenologia fala sempre de estruturas concretas: o homem não aprende somente com sua inteligência, mas com seu corpo e suas vísceras, sua sensibilidade e imaginação (REZENDE, 1990, p. 49)”. Esta perspectiva permitenos ir além da concepção intelectual do indivíduo em direção a uma integração plurilateral, ou 11293 seja, em sala de aula, deve ser trabalhado todo o conteúdo do corpo e dos sentidos a fim de proporcionar a aprendizagem do aluno. Como se vê, a questão da aprendizagem em filosofia da educação não deixa de ser também uma questão epistemológica, e, em qualquer hipótese, nunca será adequadamente tratada por uma ciência isolada ou por uma filosofia reducionista. Para a fenomenologia, ao falar de aprendizagem humana, queremos dizer que se trata, finalmente, de aprender de maneira humana a ser homens para existirmos como tais. É o que se torna ainda mais claro quando dizemos que ela deve ser também uma aprendizagem significativa (REZENDE, 1990, p. 50). No âmbito educacional, a fenomenologia traz o aspecto de contemplar um ensino– aprendizagem que não se efetiva a partir de um aluno/sujeito envolto em fragmentações, mas que parta dos fenômenos sociais, históricos, culturais e diários para trazer métodos que envolva esse aluno de uma maneira significativa. Assim, o não reducionismo do aluno e suas circunstâncias tão aclamado pelos fenomenólogos fica evidente na prática de ensino, com prejuízo de uma visão unilateral. Dialética na Filosofia e na Educação Outro paradigma a que vimos nos dedicando é a dialética que, no campo da Filosofia, vem sendo abordada antes mesmo de Platão (428-328 a.C) como uma forma primeira de tornar-se filosofia. A partir de Kant (1724-1804), foi estruturada na lógica que trabalhamos, principalmente na teoria de Karl Marx (1818-1883). Na base teórica da pesquisa, buscamos contextualizar as diversas fases em que a dialética obteve destaque para, além de cumprir um rigor teórico, mostrar o quão paradoxal é a teoria. No âmbito da filosofia moderna, a lógica dialética permite-nos questionar a identidade do objeto de estudo, “ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, igual e diferente de si mesmo (SEVERINO, 1993, p. 135)”. Nessa perspectiva, temos a teoria da contradição como uma ferramenta que proporciona novas teorias. Este movimento de evolução e transformação por contradição é o processo dialético que permite assim vencer as próprias contradições. E, para Hegel, este era um movimento presente tanto no real como no pensamento. É que, como filósofo e metafísico idealista, Hegel fundia ser e pensar numa unidade. Com efeito, entendia que a substância da realidade era o próprio espírito, a razão, a Ideia. Tudo o que existe é manifestação da Ideia que está evoluindo rumo ao Espírito. Por isso, a natureza física assim como a sociedade humana são apenas figuras do Espírito. É que a totalidade do real, num primeiro momento, é a Ideia (tese); um segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Ideia; num terceiro momento, é o 11294 Espírito (síntese), negação/ retomada/superação da Ideia e da Natureza (SEVERINO, 1993, p. 136)”. Na filosofia contemporânea, há uma crítica às ciências que se apoiam exclusivamente nas teorias positivistas. Encontramos, no modo dialético de pensar, as estruturas, teorias pertencentes a uma tradição filosófica de ação e pensamento crítico. Isto quer dizer que a realidade não é mais vista nem como um conjunto de entidades metafísicas, eternamente determinadas, nem como um conjunto de entidades naturais, determinadas, nem como natureza física. Em verdade, ela é tudo isso, mas é ainda muito mais: ela vai se constituindo num processo histórico resultante, a casa momento, de múltiplas determinações e esse movimento de constituição decorre de forças contraditórias que atuam no interior dessa própria realidade” (SEVERINO, 1993, p.133). No âmbito da Educação, encontramos certa resistência quando falamos em dialética pois, por algum tempo, assimilamos que, enquanto método de análise da realidade social, foi considerada ultrapassada. Entretanto, quando analisamos os elementos que compõem o processo de ensino-aprendizagem que mais favorecem a aprendizagem dos alunos, encontramos ou nos deparamos com o ensino em espiral, que, ancorado no princípio de ‘desacomodar’ o aluno, mostra o processo o conhecimento sistematizado (conhecimento científico), conforme se observa na Figura 1. O aluno reflete a partir de suas próprias concepções (senso comum), ou seja, contrapõe os conhecimentos (senso comum e conhecimento cientifico) e, após sua síntese/reflexão sobre o que lhe foi ensinado e o que sabia previamente, eleva-se no interior da espiral o conhecimento adquirido pelo aluno, ou seja, o aluno aprende frações no 5º ano; no 6º ano, revê as frações aprendendo suas propriedades ... Assim, o aluno recorda o aprendido na etapa anterior e assimila um elemento novo, de modo que, por todos os anos, recorrerá ao mesmo tema, sempre recordando e tendo novos conceitos. Figura 1 – Ensino em espiral Fonte: Internet - <http://pt.dreamstime.com/auris_portfolio> Na lógica proposta nos currículos escolares, em que os alunos devem, todos os anos, ter acesso ao conteúdo ensinado no ano anterior e ter novos elementos que o tornem 11295 interessante sua aprendizagem, fica, de certa forma, implícita a metodologia dialética no âmbito da educação brasileira. Assim, nesse contexto, compreendemos que a dialética é um método presente, aprimora a aprendizagem do aluno e está na práxis dos professores. Considerações Finais Com a análise e reflexões empreendidas até aqui, assimilamos a importância de que a Filosofia e a Educação mantenham diálogos a fim de que haja um aprimoramento de suas teorias e práticas. A filosofia tem como objetivo principal desacomodar as coisas, fazendo com que as pessoas reflitam de forma crítica diante do que acontece a sua volta. A educação, por sua vez, surge como um dos fenômenos com o qual se ocupa a filosofia. “A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isso é, um dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos prejuízos, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, isso é, uma interrogação sobre o que são as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores, nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós e uma interrogação sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as indagações fundamentais da atitude filosófica. A face negativa e a face positiva da atitude filosófica constituem o que chamamos de atitude crítica e pensamento crítico” (1997, p.12 Apud Pereira, 2009, p. 96). Nessa linha, a Educação, ao dialogar com a Filosofia, possui mais propriedade ao aplicar suas práticas saindo do seu praticismo e indo além de um pensamento do modismo. Referimo-nos a “modismo como o lugar-comum que dita padrões comportamentais e acaba por alienar as pessoas” (Azevedo, 2009, p.100). Nesse sentido, a aproximação das duas ciências é fundamental para a evolução do sistema educacional. Nas palavras de Paviani (2008), “a filosofia e a educação são por natureza projetos transversais, nos sentidos éticopolítico e epistemológicos” (p.13). Apesar do fato de compreendermos que as duas ciências trabalham com as mesma finalidade (transmitir conhecimento), elas podem divergir quanto à utilização de distintos paradigmas e métodos. Nesse contexto, entendemos que as ideias abordadas por ambas conversam entre si e possuem o mesmo horizonte (formação humana), porém com práticas e utilizações bem diversas no campo de conhecimento. De qualquer modo, não é difícil concordar com a afirmação de que “o filosofar é uma espécie de ascese pedagógica para a conquista da verdade” (Paviani, 2008, p.14). 11296 Não é suficiente, entretanto, afirmar que a tarefa da filosofia é a reflexão sobre o fenômeno da educação. Ela necessita orientar uma reflexão radical a respeito do processo cognitivo e as grandes escolas filosóficas (paradigmas) caracterizam-se por essa postura reflexiva imprescindível e que acaba influindo na educação e nas demais ciências. A busca por esta reflexão tende a viabilizar “uma auto-organização do conhecimento que pertence, simultaneamente, à filosofia e à ciência” (Paviani, 2008, p. 12-13). REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. AZEVEDO, Heloísa Helena Duval de, OLIVEIRA, Neiva Afonso, GHIGGI, Gomercindo (Orgs.). Interfaces: temas de Educação e Filosofia. Pelotas : Editora Universitária/ UFPel, 2009. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Método <http://www.priberam.pt/dlpo/default.as?pal=m%C3%A9todo> acessado dia 01 de fevereiro de 2013. GAMBOA, Silvio Sánchez. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 2007. KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1998. 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