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Revista Filosofia Capital
ISSN 1982 6613
Vol. 1, Edição 2, Ano 2006.
O ENSINO DE FILOSOFIA COMO SUJEIÇÃO
Daniel Matos Alvarenga
[email protected]
Brasília-DF
2006
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Revista Filosofia Capital
ISSN 1982 6613
Vol. 1, Edição 2, Ano 2006.
O ENSINO DE FILOSOFIA COMO SUJEIÇÃO
Daniel Matos Alvarenga1
[email protected]
Resumo
O presente Ensaio lança-se numa abordagem sobre a Escola e seus mecanismos de reprodução
para a perpetuação de indivíduos “sujeitos”, baseado, principalmente, sob a perspectiva
althusseriana nos Aparelhos Ideológicos de Estado – AIE´s. Concomitantemente, busca-se
uma reflexão de como se torna sujeito a partir das relações diárias (concretas), reconhecendo
o indivíduo, sua própria sujeição. Nesta perspectiva, enfatiza-se ainda, a difícil relação:
Escola, Estado e o Ensino de Filosofia na escola reprodutora, abordando os mitos, as
dificuldades, e o papel do ensino de filosofia.
Palavras-Chave: Escola – Sujeição – Reprodução – Ideologia – Estado - Filosofia
A Escola e a Reprodução
Atualmente, a sociedade, proclama com júbilo, o papel que a Escola desempenha
(ou pelo menos se propõe a desempenhar) dentro do Estado. Talvez, nunca a Escola e o
papel que ela cumpre foi tão exaltado como nos dias atuais. E sua “adoração” é mais
intensificada, principalmente, quando há algo que está em crise, quando se verifica o caos
engendrado na sociedade. Neste momento, é ela – a Escola, o antídoto para “resolver” os
males que nos assolam. Seu objetivo intrínseco é a formação do cidadão-sujeito e de sua
reprodução para ocupar competentemente seu lugarzinho na complexa engrenagem
chamada “sociedade”. Assim:
(...) que a força de trabalho disponível deve ser “competente”, isto é, apta a
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Graduado em Filosofia e Pós-Graduando em Filosofia pela UNB.
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ser utilizada no sistema complexo do processo de produção. O
desenvolvimento das forças produtivas e o tipo de unidade historicamente
constitutivo das forças produtivas num dado momento determinam que a
força de trabalho deva ser (diversamente) qualificada e então reproduzida
como tal. Diversamente: conforme as exigências da divisão social-técnica do
trabalho, nos seus diferentes “cargos” e “empregos”. (ALTHUSSER, 2001,
p.57).
Para que uma sociedade possa suprir suas necessidades, principalmente as
econômicas, para que as “peças” possam ocupar seu lugar determinado e através dos
mecanismos instituídos “fabricar” indivíduos sujeitos, é necessário que essa sociedade
detenha os meios para que sejamos “preparados” para tal. Historicamente, a Igreja era a
detentora principal da educação, preparação e reprodução de indivíduos sucumbidos às suas
regras. A Igreja exercia não só seu poder ideológico, mas repressivo. Era o poder Ideológico
dominante. Com o advento burguês e a preconização do capitalismo, houve a necessidade de
retirar tal poder da Igreja, o que conseqüentemente, necessitava-se a entrada de outro
mecanismo que correspondesse não mais as ideologias da Igreja, mas aos novos anseios
verbalizados pelo advento da burguesia. Assim sendo:
Acreditamos, portanto poder apresentar a Tese seguinte, com todos os riscos
que isto comporta. Afirmamos que o aparelho ideológico de Estado que
assumiu a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma
violenta luta de classe política e ideológica contra o antigo aparelho
ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar.
(ALTHUSSER, 2001, p.77).
Há uma multiplicidade de aparelhos ideológicos, mas há um que desempenha
principal e perfeitamente o seu papel de reprodução das relações de produção – das relações
de exploração capitalista, que é a Escola. Instituição universalmente aceita pela sociedade;
além do que, ela cumpre sua função sem precisar usar nenhum mecanismo de força, qualquer
tipo de coerção. Nesta multiplicidade de aparelhos ideológicos, (...) “neste concerto, um
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aparelho ideológico do Estado desempenha o papel dominante, muito embora não escutemos
sua música a tal ponto ela é silenciosa! Trata-se da Escola”.
Sobre a Sujeição e/ou com nos Tornamos Sujeitos
A percepção de mundo, da realidade, das coisas que estão já concretizadas antes
mesmo de nos apresentarmos ao mundo, denuncia que somos desde sempre subordinados à
cultura, à política, a valores e regras determinadas. Uma vez recebidas essas “heranças”,
passa-se a acreditar que são elas mesmas “boas” e que se deve não só aceitá-las, mas também
reproduzi-las. Estabelecido o que se deve herdar, nota-se que mesmo que se queira perceber
ou rejeitar as normas estabelecidas, a capacidade de verificá-las é limitada; justamente porque
aprendemos a enxergar o mundo como a sociedade nos ensinou, através de suas ideologias.
Para Althusser, a ideologia num primeiro momento é uma “representação” da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência. Mas retoma seu
pensamento indagando: “porque os homens ‘necessitam’ dessa transposição imaginária de
suas condições reais de existência, para ‘representar-se’ suas condições de existência reais?”
(p.86). Numa primeira resposta nos diz que é por culpa dos Padres ou dos Déspotas, pois:
Eles “forjaram” Belas Mentiras para que, pensando obedecer a Deus, os
homens obedecessem de fato aos Padres ou aos Déspotas, que na maioria das
vezes aliavam-se em sua impostura: os Padres a serviço dos déspotas ou
vice-versa, segundo as posições políticas dos “teóricos” em questão.
(ALTHUSSER, 2001, p.86).
Num segundo momento, Althusser busca outra reposta, a feuerbachiana, em que os
homens se fazem uma representação (imaginária) de suas condições de existência porque
estas condições de existência são em si alienadas. Entende-se que a incorporação da ideologia,
num primeiro momento, pode acontecer com o indivíduo se representando, de forma
imaginária suas condições reais de existência. Contudo, esta afirmação ainda não satisfaz
Althusser, pois, para ele:
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(...) não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os
“homens” “se representam” na ideologia, o que é nelas representado é, antes
de mais nada, a sua relação com as suas condições reais de existência. (...) É
esta relação que está a “causa” que deve dar conta da deformação imaginária
do mundo real. Ou melhor, deixando de lado a linguagem da causa, é preciso
adiantar a tese de que é a natureza imaginária desta relação que sustenta toda
a deformação imaginária observável em toda ideologia (se não a vivemos em
sua verdade). (ALTHUSSER, 2001, p.87).
Primeiramente, esta incorporação da ideologia pela “imaginação” da qual o indivíduo
se representa nas suas condições reais de existência, abre caminho para uma ideologia não
mais imaginária, mas uma ideologia que se faz representar-se na sua relação com o mundo, ou
seja, na sua existência; assim a ideologia num primeiro momento passa de uma concepção
imaginária para uma existência material. A ideologia tem uma existência material. “Uma
ideologia existe sempre em um aparelho e em sua prática ou práticas. Esta existência é
material.” (Idem, p. 89). Esta “mudança” de Althusser, de uma ideologia imaginária para uma
ideologia material, diz que o indivíduo possui suas ideologias imaginárias, mas que estas
ideologias concomitantemente devem se concretizar nas suas relações, ou seja, nos seus atos.
Não basta aceitarmos a justiça, a pátria, a política, a fé; antes de qualquer coisa é preciso que
as “ideologias” estejam concretizadas materialmente nas nossas ações, assim elas são
materiais. Dessa maneira, é possível presumir o comportamento do indivíduo (sujeito), pois,
seu comportamento dependerá daquilo ao qual aceita “livremente” dentro dos aparelhos
ideológicos. Constata-se, portanto que:
(...) a representação ideológica da ideologia é, ela mesma, forçada a
reconhecer que todo “sujeito” dotado de uma “consciência” e crendo nas
“idéias” que sua “consciência” lhe inspira, aceitando-as livremente, deve
“agir segundo suas idéias”, imprimindo nos atos de sua prática material as
suas próprias idéias enquanto sujeito livre. Se ele não o faz, algo vai mal.
(ALTHUSSER, 2001, p.90).
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A escola, Instituição universalmente aceita, é responsável pela inserção do indivíduo
no “sistema” para que ele possa estar e ser sujeito das mais variadas formas que os aparelho
ideológicos oferecem. Por ela que se aprendem as boas maneiras, a regra, a se comportar, a
escrever bem, a cultuar as descobertas cientificas, a sermos racionais, independentes,
reconhecer o status quo, enfim... É-se formado o cidadão que a sociedade espera que os
mecanismos dominantes de controle, esperam. Nesse pensamento perigoso de Althusser,
nesse golpe dado à instituição mais reconhecida e aclamado universalmente, interessa-me
pensar, o papel da filosofia na escola reprodutora, que “fabrica” cordeirinhos para que o
rebanho não se perca.
O Ensino de Filosofia como Sujeição
“Raciocinai tudo que queirais e sobre
tudo que queirais, mas obedecei!”
Immanuel Kant
Pensando a Escola e seus mecanismos para a reprodução de indivíduos “sujeitos”,
é relevante pensarmos, principalmente no momento atual, o ensino de filosofia, ensinado
na Escola Reprodutora. O que torna a disciplina de filosofia tão especial no Aparelho
Ideológico Escolar? O ensino de filosofia será capaz de superar as regras dos mecanismos
de controle? O próprio ensino de filosofia não é senão mais um meio para nos tornarmos
sujeitos? Vive-se no momento atual uma verdadeira panacéia da inclusão do ensino de
filosofia na escola, enfatizando a importância do mesmo no currículo escolar. É evidente
sua importância no ensino, mas é preciso desfazer alguns mitos que o permeia,
principalmente aos filósofos, pedagogos e as cabeças “pensantes” do Estado que, o ensino
de filosofia por si só é capaz de superar o caos em que se encontra nossa educação. Rotulase a filosofia, pensando dar muito a ela, como uma disciplina que “ensina a pensar”; capaz
de trazer à luz aos que nas trevas vivem. Enfim, é dada a filosofia uma pureza e uma
inocência que ela não tem. Assim:
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(...) a possibilidade de tornar a filosofia, como componente, algo do
cotidiano do ensino médio (...) é absolutamente saudável. Se isso é saudável,
de onde vem o mito? O mito é supor que a presença como componente
curricular da Filosofia dará ao currículo aquilo que muitas vezes ele
necessita que seja de um arejamento do ponto de vista da consciência, da
reflexão. Uma das coisas mais perniciosas para quem deseja dedicar-se à
Filosofia é supor que ela ensina a pensar. É necessário lembrar que pensar é
um atributo atávico da espécie, certo? Não é ensinado. Aí, você diz: “Não,
mas é porque a Filosofia ensina a pensar de forma crítica”. Não
necessariamente. Os nazistas tinham seus filósofos. As ditaduras têm os seus
filósofos. Isso significa que a filosofia não tem a pureza que deseja, ela
precisa ser purificada. Essa purificação vem à medida que a gente retira dela
qualquer marca e tenta ser objetivo, para que nela não haja marca alguma de
autoritarismo. (CORTELLA, 2006, p. 06).
Retirando essa mitificação, é necessário refletirmos mais sobre a relação entre
filosofia (seu ensino) e Estado. Lembremo-nos que nossa educação é institucionalizada.
Sendo ela mediada pelo Estado, necessariamente ela deve compartilhar alguns conhecimentos
em detrimento de outros, alguns valores em oposição a outros valores etc. A filosofia na
Escola Reprodutora pode até gerar sujeitos críticos, mas necessariamente dóceis para assumir
seu papel na sociedade, aquilo que o Estado espera. Nesta relação, Estado, Escola, Filosofia
cabe-nos lembrarmos da figura de Sócrates:
Poderíamos dizer que um dos primeiros encontros entre filosofia, educação e
Estado pode ser visto em torno da figura emblemática do velho Sócrates. (...)
Bem, este contato inaugural entre filosofia e educação, atravessado pelo
Estado, foi, por certo, bastante traumático. A trágica morte do filósofo
sintetiza que o que ali ocorreu foi muito mais que o que o Estado ateniense
de então estava em condições de tolerar. Mas por que o poder político do
século V a.C. encontrou em um ancião, que negava ensinar a verdade e que
reconhecia não saber nada, um perigo radical para suas instituições?
Extrapolando as conhecidas acusações, respondamos com outra pergunta:
poderia admitir-se hoje num espaço escolar – isto é, no âmbito onde um
Estado dispõe da responsabilidade da transmissão e da reprodução de uma
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cultura e de um laço social – a presença de um “corruptor de jovens”, nãocrente nos deuses da polis ou introdutor de novas e estranhas divindades, ou
seja, de alguém que questiona as tradições fundadoras de uma sociedade?
(KOHAN, 2002, p. 15).
Pressupondo-se, portanto, que embora tendo mesmo a disciplina de filosofia o papel
de desencadear a criticidade do aluno (entre as outras disciplinas ela assume esse papel)
concomitantemente ela sofre a limitação de ser institucionalizada, oferecida pelo Estado.
Nesse “nicho” educação, o que o Estado espera no final é a reprodução de sujeitos que
participem da ideologia dominante, críticos sim, mas que estejam adaptados aos anseios
culturais, políticos e ideológicos da sociedade. Sendo a filosofia ensinada (supondo que se
ensine filosofia) dentro da escola reprodutora da qual assume os anseios da classe dominante,
o ensino de filosofia também assume o papel como mais um mecanismo sucumbido às
normas e as regras da sociedade. Uma filosofia da práxis contrária ao mecanismo de controle
dominante, certamente não seria bem-vinda, pois o que se espera do ensino de filosofia é a
formação do cidadão, apto a prestar seus serviços à sociedade. Vê-se, portanto, mais uma
adaptação do ensino de filosofia às normas do que nossa vã pretensão de “corromper” os
indivíduos. E se assim o fazemos (corrompe-los), devemos estar preparados para tomarmos
nossos cálices de cicuta. “Raciocinai tudo que queirais e sobre tudo que queirais, mas
obedecei.” (Kant).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado. Rio: Graal Editora, 2001.
KOHAN, W. Ensino de filosofia - Perspectivas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
CORTELLA, M. S. Filosofia – Ciência e Vida. São Paulo: Editora Escala, 2006.
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