Estudo Retrospectivo de Sobrevida de Pacientes

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Arq Bras Cardiol
2002; 78: 545-8.
Moreira
e cols
Artigo
Original
Reanimação cardiorrespiratória
Estudo Retrospectivo de Sobrevida de Pacientes Submetidos à
Reanimação Cardiorrespiratória em Unidade de Tratamento
Intensivo
Daniel Martins Moreira, Guilherme Mariante Neto, Marcelo Wierzynski Oliveira, Letícia Biscaino Alves,
Luís Carlos Chorazje Adamatti, Eliana de Andrade Trotta, Sílvia Regina Rios Vieira
Porto Alegre, RS
Objetivo - Avaliar as características clínicas e evolutivas dos pacientes internados em centro de tratamento
intensivo após reanimação cardiorrespiratória, identificando fatores prognósticos de sobrevida.
Métodos - Estudo retrospectivo de 136 pacientes internados em centro de tratamento intensivo, de 1995 a
1999, avaliados quanto às condições clínicas, mecanismos e causas da parada cardiorrespiratória e relação
com a mortalidade hospitalar.
Resultados - A mortalidade observada foi de 76%
sem diferença entre idades e sexo. A assistolia foi o maior
mecanismo de óbito e a parada respiratória isolada o menor. Insuficiência cardíaca, necessidade de ventilação
mecânica, cirrose hepática e o acidente vascular cerebral
prévio foram condições clínicas significativas (p<0,01)
para o óbito.
Conclusão - Os fatores prognósticos fornecem subsídios aos médicos para decidir se um paciente terá ou não
benefícios se submetido à ressuscitação cardiorrespiratória, cabendo ao médico responsável a decisão de iniciá-la
ou não.
Palavras-chave:
reanimação cardiorrespiratória, parada
cardiorrespiratória, centro de tratamento
intensivo
Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Faculdade de Medicina da UFRGS
Correspondência: Daniel Martins Moreira - Rua Machado de Assis, 673 - 90620-260
Porto Alegre, RS - E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 15/1/01
Aceito em 23/6/01
A reanimação cardiorrespiratória é uma modalidade terapêutica médica que apresenta indicações e contra-indicações 1,2. Apesar de freqüentemente realizada dentro de ambiente hospitalar, sua eficácia não foi bem estabelecida nesse contexto onde existem muitos pacientes graves, com
afecções multissistêmicas e doenças de prognóstico ruim.
A ressuscitação inapropriada destes pacientes pode resultar em um aumento dos custos financeiros e emocionais,
com pequeno ou nenhum benefício para o paciente.
Os resultados insatisfatórios das manobras de reanimação cardiorrespiratória têm sido atribuídos, em sua maioria, ao seu emprego indiscriminado. Há vários fatores individuais que interferem no prognóstico de pacientes recuperados de parada cardiorrespiratória. Contudo, apesar da
predição de desfechos individuais após reanimação cardiorrespiratória provocar grande interesse médico, ético e
socioeconômico, persistem dúvidas quanto à decisão de
ressuscitar ou não determinado paciente e quanto às conseqüências deste ato 3. Tal decisão não deve ser tomada apenas na ocasião de uma parada cardiorrespiratória, mas deve
considerar as condições médicas subjacentes dos pacientes 4. Portanto, as manobras de reanimação cardiorrespiratória devem ser criteriosamente indicadas a pacientes selecionados, levando em conta critérios que possam estar correlacionados a um melhor prognóstico após reanimação cardiorrespiratória. A definição destes critérios é relevante e
inclui as condições dos pacientes pré, trans e pós-parada.
Por este motivo, é importante que conheçamos estas características de nossos pacientes submetidos à reanimação
cardiorrespiratória.
Nosso objetivo é avaliar as características clínicas e a
evolução dos pacientes que são internados no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
após reanimação cardiorrespiratória, buscando identificar os
fatores que possam influir significativamente no seu prognóstico e estimular a reflexão sobre a utilização criteriosa das manobras de reanimação cardiorrespiratória em nosso meio.
Arq Bras Cardiol, volume 78 (nº 6), 545-8, 2002
545
Moreira e cols
Reanimação cardiorrespiratória
Arq Bras Cardiol
2002; 78: 545-8.
Métodos
O presente trabalho consiste na revisão dos prontuários de 136 pacientes internados no centro de tratamento intensivo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, de janeiro/
95 a dezembro/99, após terem sido submetidos, com sucesso, a manobras de reanimação cardiorrespiratória. Foi aprovado pela comissão de ética e pesquisa do grupo de pesquisa do hospital.
Os pacientes foram estudados quanto a sexo, idade,
mecanismos, causas e recorrência da parada cardiorrespiratória, condições clínicas antes e após o evento e mortalidade. Os mecanismos de parada cardiorrespiratória foram classificados em: fibrilação ventricular, taquicardia ventricular
sem pulso, atividade elétrica sem pulso, assistolia ou parada respiratória sem parada cardíaca. As causas foram divididas em: infarto agudo do miocárdio, isquemia ou arritmias
cardíacas, insuficiência respiratória, distúrbios hidroeletrolíticos, hipotensão e outras. As condições clínicas avaliadas
foram: pressão arterial, presença de pneumonia, sepse, câncer, angina, infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva, acidente vascular cerebral, coma, oligúria,
valores elevados de uréia sérica (>100mg/dL), cirrose hepática, uso de ventilação mecânica e confinamento ao leito.
Os pacientes foram avaliados quanto ao desfecho principal: mortalidade hospitalar. Os desfechos secundários foram
os mecanismos e as causas da parada cardiorrespiratória. A
análise estatística foi realizada com o programa SPSS for
Windows 10, utilizando-se teste t de Student para dados quantitativos, teste do quiquadrado para dados qualitativos, regressão logística múltipla para os fatores de risco e prognóstico
e análise de resíduos para o mecanismo de parada cardiorrespiratória. O nível de significância adotado foi de α=0,05.
Resultados
A média de idade da população foi de 60 anos e a distribuição de sexo foi homogênea: 67 homens e 69 mulheres.
A mortalidade geral intra-hospitalar foi 75,7% (103 pacientes) sem diferença significativa entre os sexos. Também não
houve diferença significativa na média de idade nos grupos
que morreram e que sobreviveram (tab. I). As causas presumidas da parada cardiorrespiratória foram: infarto agudo do
miocárdio, isquemia ou arritmia cardíaca em 27 pacientes
(20%), insuficiência respiratória em outros 27 pacientes
(20%), hipotensão em 24 pacientes (17,6%), distúrbios hidroeletrolíticos ou do equilíbrio ácido/base em 10 pacientes
Idade (anos)
Sexo (%)
Masculino
Feminino
546
Tabela II - Causas de parada cardiorrespiratória
Característica
Óbitos
Nº
%
Distúrbio hidroeletrolítico
e/ou ácido-básico
IAM ou arritmia ou
isquemia miocárdica
Hipotensão
Insuficiência respiratória
Outros 1
Ignorado
Total
Não óbitos
Nº
%
p
9
90%
1
10%
0,45
20
18
19
18
19
103
74,1%
75%
70,4%
85,7%
70,4%
75,7%
7
6
8
3
8
33
25,9%
25%
29,6%
14,3%
29,6%
24,3%
0,97
0,86
0,63
0,38
0,63
-
IAM- infarto agudo do miocárdio; outros1 - embolia pulmonar, hemorragia
intracerebral, acidente vascular cerebral isquêmico, intoxicação, disfunção
de marcapasso, infiltração neoplásica do sistema nervoso central.
Tabela III - Mecanismo de parada cardiorrespiratória
Característica
Óbitos
Não óbitos
Nº
%
p
Nº
%
17
13
68%
72,2%
8
5
32%
27,8%
0,61
0,92
4
20
57,1%
95,2%
3
1
42,9%
4,8%
0,37
0,02
11
73,3%
4
27,7%
0,84
7
48
103
43,8%
81,4%
75,7%
9
11
33
56,2%
18,6%
24,3%
0,001
0,19
-
Óbitos
Não óbitos
p
61±16
52 (77,3%)
51 (73,9%)
57±18
15 (22,7%)
18 (26,1%)
0,31
FV e TV sem pulso
Fibrilação ventricular
Taquicardia ventricular
sem pulso
Assistolia
Atividade elétrica
sem pulso
Apenas parada
respiratória
Ignorado
Total
0,69
FV- fibrilação ventricular; TV- taquicardia ventricular.
Tabela I - Perfil dos pacientes submetidos a reanimação
cardiorrespiratória
Característica
(7%), outras causas, como embolia pulmonar, hemorragia
intracerebral, acidente vascular cerebral isquêmico, intoxicação, disfunção de marcapasso, infiltração neoplásica do
sistema nervoso central, em 21 pacientes (15,4%) e causas
desconhecidas em 27 pacientes (20%). Comparando-se os
sobreviventes aos não sobreviventes quanto às causas da
parada cardiorrespiratória, não foram observadas diferenças significativas (tab. II).
O mecanismo de parada cardiorrespiratória predominante foi fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem
pulso que ocorreu 25 pacientes, totalizando 18,3% (13,2% e
5,1%, respectivamente), seguidos por assistolia, observada em 21 pacientes (15,4%), apenas parada respiratória
(11,8%) e atividade elétrica sem pulso (11,1%). Em 59 pacientes (43,4%) não foi possível determinar, pela revisão dos
prontuários, o mecanismo da parada cardiorrespiratória.
Comparando os sobreviventes aos não sobreviventes
quanto ao mecanismo de parada cardiorrespiratória, houve
uma mortalidade significativamente maior no grupo da assistolia (p=0,02) e menor (p=0,001) no grupo de parada respiratória sem parada cardíaca. Não houve diferença significativa entre a mortalidade geral e entre os grupos fibrilação
ventricular, taquicardia ventricular e atividade elétrica sem
pulso (tab. III). Dos fatores de risco relativos ao óbito em
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2002; 78: 545-8.
Moreira e cols
Reanimação cardiorrespiratória
pacientes submetidos a reanimação cardiorrespiratória,
insuficiência cardíaca congestiva, necessidade de ventilação mecânica, acidente vascular cerebral recente e cirrose
hepática aumentaram significativamente o risco para óbito
(tab. IV). A recorrência de parada cardiorrespiratória, que
ocorreu em 27 pacientes (19,9%), também esteve fortemente
associada a pior prognóstico (RR=1,4; IC 95% = 1,18-1,57).
Discussão
A reanimação cardiorrespiratória é freqüentemente
realizada em situações estressantes. Os reanimadores, muitas vezes, não consideram a possibilidade do paciente portar doença crônica em fase final; consideram somente o fato
da parada cardiorrespiratória ser uma situação de emergência. Roberts e cols. 5 concluíram que os médicos e os enfermeiros têm uma expectativa de sobrevivência pós-parada
superior aos valores da realidade. Neste estudo, foi mostrado que os médicos esperavam que 24% das reanimação cardiorrespiratória de adulto e que 41% das pediátricas fossem
eficazes, enquanto que os enfermeiros esperavam índices
de sobrevida de 30% e de 45% para adultos e crianças, respectivamente. Pessoas leigas mostraram um nível de expectativa ainda superior: 52% de reversão de parada cardiorrespiratória para adultos e 63% para crianças. Diversos estudos mostraram que a taxa de alta hospitalar de pacientes
que foram submetidos a reanimação cardiorrespiratória varia de 11 a 39% 1,6. No presente estudo esta taxa foi de 24,3%.
Os possíveis fatores de risco para mortalidade fornecem subsídios aos médicos para decidir se um paciente terá
ou não benefícios se submetido à reanimação cardiorrespiratória. O presente estudo encontrou os seguintes fatores
de risco estatisticamente significativos para óbito: insuficiência cardíaca congestiva, necessidade de ventilação me-
Tabela IV - Fatores de risco para óbito em pacientes com parada
cardiorrespiratória
Fator
Óbitos
Nº
%
PAS <100mmHg
Pneumonia
Uréia >100mg/dL
Câncer
Coma
Angina
IAM
ICC
Oligúria
Sepse
VM
AVC recente
Cirrose
34
22
9
24
14
6
7
21
12
24
17
15
6
33%
21,4%
8,7%
23,3%
13,6%
5,8%
6,8%
20,4%
11,7%
23,3%
16,5%
14,6%
5,8%
Não óbitos
Nº
%
8
6
2
5
2
5
6
2
4
4
0
0
0
24,2%
18,2%
6,1%
15,2%
6,1%
15,2%
18,2%
6,1%
12,1%
12,1%
0%
0%
0%
RR
1,07
1,04
0,88
1,15
0,95
0,95
0,66
1,51
0,89
1,06
1,38
1,28
1,55
p
IC 95%
0,52 0,85-1,35
0,71 0,84-1,28
0,56 0,57-1,34
0,24 0,9-1,46
0,7 0,73-1,23
0,87 0,52-1,72
0,11 0,4-1,1
<0,001 1,22-1,86
0,51 0,63-1,25
0,54 0,87-1,28
<0,001 1,15-1,66
0,003 1,08-1,52
<0,001 1,23-1,95
RR- risco relativo; PAS- pressão arterial sistólica; IAM- infarto agudo do
miocárdio; ICC- insuficiência cardíaca congestiva; VM- ventilação mecânica; AVC- acidente vascular cerebral.
cânica, acidente vascular cerebral prévio e cirrose, de acordo com literatura 3,7,8. Alguns fatores de risco que são estatisticamente significativos na literatura não foram caracterizados neste estudo, tais como sepse 7 e hipotensão 3,9. Um
fator de risco controverso é a idade do paciente. No presente trabalho, não se encontrou diferença significativa entre a
idade média no grupo que faleceu durante a internação hospitalar e no grupo que teve alta. Dados prévios sugerem que
o sexo do paciente não altera a taxa de mortalidade na parada cardiorrespiratória 4, o que está de acordo com os resultados apresentados. Alguns fatores de risco descritos na
literatura não chegaram a ser estudados no presente trabalho como escala de coma de Glasgow, insuficiência aguda
de algum órgão 10, diabetes mellitus 3, escores fisiológicos
incluindo o APACHE 2 4,8 e tempo de reanimação cardiorrespiratória 8,11,12.
Não se encontrou nenhuma causa que tivesse significância estatística relacionada à mortalidade ou à sobrevida
dos pacientes (tab. II). Esses resultados diferem de alguns
dados da literatura, que encontraram a hipotensão e o infarto
agudo do miocárdio como causas de parada cardiorrespiratória que pioram o prognóstico após parada cardiorrespiratória 9. Novos trabalhos devem continuar sendo realizados,
a fim de avaliar melhor sua influência sobre o prognóstico
dos pacientes que apresentem parada cardiorrespiratória.
É importante ressaltar a relação do mecanismo de parada
cardiorrespiratória com a mortalidade. Foram encontrados
somente dois mecanismos estatisticamente significativos:
assistolia associado a pior prognóstico e parada respiratória
sem parada cardíaca a melhor prognóstico. Outros estudos
prévios mostraram redução de mortalidade para os ritmos
cardíacos de fibrilação e de taquicardia ventricular 9,11-13,
resultados não confirmados no presente trabalho. Essa diferença pode ter ocorrido devido ao número menor de pacientes que teve o seu mecanismo de parada cardiorrespiratória
esclarecido a partir da análise retrospectiva dos prontuários
(57% de 136 pacientes).
Apesar da grande importância que o prognóstico do
paciente tem, cabe ressaltar que a decisão de reanimar ou
não a vítima de parada cardiorrespiratória cabe ao médico
responsável. Ele, por sua vez, poderá utilizar os dados encontrados na literatura para ajudá-lo a optar pela realização
ou não das manobras de reanimação cardiorrespiratória. Os
escores prognósticos não substituem a decisão médica.
Caso o médico fique em dúvida sobre qual decisão mais correta, ele deverá optar pela reanimação cardiorrespiratória.
Agradecimentos
Aos Drs. Fernando Procianoy, Jorge Guardiola Meinhardt Júnior, Diego da Fonseca Mossmann, Renan Desimon Cabral, Diego Chemello, Thiago Quedi Furian, Fabiane
Neiva Backes, Leandro de Moura, Alexsandro de Lucena
Theil, Cristiane Paim Rigol pela colaboração prestada.
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Reanimação cardiorrespiratória
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