J Bras Nefrol 2000;22(3):157-61 157 Revisão: Efeitos imunomoduladores da vitamina D Dalton L Bertolini e Carmen Tzanno-Martins Resumo A forma ativa da vitamina D3 apresenta efeitos imunomoduladores observados sobre a população de linfócitos, macrófagos e células citotóxicas naturais (natural killer) e sobre a produção e a ação de citocinas tanto in vivo quanto in vitro. Esses efeitos são observados em modelos experimentais de doenças autoimunes através da melhora clínica e histológica das lesões, em neoplasias, nas quais verifica-se a redução do volume de tumores sólidos, e em transplantes, com o aumento da sobrevida dos enxertos, o que torna a vitamina D um possível imunossupressor para futura utilização clínica. )>IJH=?J Laboratório de Investigação Médica (LIM56) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Endereço para correspondência: Av. Dr. Arnaldo, 455, 2 0 andar, sala 2345, Cerqueira César 01246-903 São Paulo, SP Tel.: (0xx11) 3066-7499 Fax: (0xx11) 881-7190 Vitamina D. Imunomodulação. Imunidade celular. Vitamin D. Immunomodulation. Cellular immunity. The vitamin D3 active form acts as an immunomodulator on lymphocytes, macrophages and natural killer cells. In addition, it plays a role in the production and action of cytocines in both in vivo and in vitro. These effects can be demonstrated in experimental models of autoimmune diseases through hystological lesions and clinical recovery, in neoplasias with a reduction of the volume of solid tumors, and in transplantation, with the increased graft survival. All these make vitamin D a possible immunossupressor agent that could be used for clinical purposes. Introdução A produção ectópica de 1,25(OH)2D3 por macrófagos e monócitos ativados em doenças granulomatosas1,2 e a presença de receptores para vitamina D (VDR) em células e tecidos não relacionados ao metabolismo e à homeostase óssea, além da diminuição da atividade antimicrobicida em macrófagos e monócitos observada em indivíduos com raquitismo,3 chamou a atenção para o papel da vitamina D no 4-vitamina.p65 157 sistema imunológico. Estudos experimentais in vivo e in vitro sobre doenças autoimunes, transplantes e neoplasias demonstraram efeitos da vitamina D sobre a resposta imune. Entretanto, observavam-se efeitos secundários relacionados à hipercalcemia. A síntese de análogos da vitamina D com menor efeito hipercalcêmico4-7 possibilitou o estudo do seu efeito imunomodulador, tornando a vitamina D uma droga promissora em esquemas terapêuticos de imunossupressão. 08/01/01, 16:53 158 J Bras Nefrol 2000;22(3):157-61 Bertolini DL & Tzanno-Martins C - Efeitos imunomoduladores da vitamina D Efeitos imunomoduladores da vitamina D A expressão de VDR e sua interação com esse hormônio leva a efeitos anti-proliferativos, pró-diferenciadores e imunossupressivos nas células do sistema imune, o que aproxima a vitamina D3 das citocinas no papel de mediador celular.8 O papel fisiológico da vitamina D no sistema imune ainda não está completamente esclarecido. Animais e seres humanos com deficiência de vitamina D têm um risco aumentado para infecções, provavelmente devido à função macrofágica deficiente,9 enquanto a diferenciação dessas células ou atividade (fagocitose, citotoxicidade e atividade micobactericida) é aumentada pela exposição à 1α,25(OH)2D3,10 assim como a atividade natural killer.11 Paradoxalmente, esse efeito estimulador da defesa imunológica inespecífica contrasta com uma inibição do sistema imune antígeno-específico. A função monocítica como célula apresentadora de antígeno parece diminuir, levando à diminuição de expressão de antígenos HLA classe II e à inibição da produção de IL-1, IL-6 e fator de necrose tumoral,12 o que a torna interessante em esquemas imunossupressores para transplantes, visto que o VDR é expresso em linfócitos T ativados. As células T podem ser alvos diretos da 1,25(OH)2D3 ou dependentes do efeito sobre macrófagos e monócitos. A vitamina D3 inibe a secreção de IL-12 pelos macrófagos, citocina fundamental na ativação linfocitária que promove a diferenciação de células T precursoras em células Th1, e diretamente ativa essas células Th1. Por inibir a produção de IL-12, a 1,25(OH)2D3 direciona a resposta imune para funções Th2 (IL-4 e IL10), inibindo as funções Th1 (IFN-γ e IL-2),13 importantes para os efeitos deletérios causados em rejeição de enxertos e doenças autoimunes. Em geral, a proliferação de linfócitos T induzida por diferentes agentes como antígenos (cultura mista de linfócitos), anti-CD3 ou estimulação com mitógenos é inibida pela 1,25(OH)2D3, principalmente por prevenir a progressão pela fase G1 do ciclo celular.11 A produção de outras linfocinas como IL-2, interferon γ, TNFα, síntese e secreção de GM-CSF é diminuída pela ação do hormônio.14-18 Em contraste, a atividade supressora de células T in vitro e in vivo é estimulada pela vitamina D3.19, 20 A 1,25(OH)2D3 inibe a proliferação de linfócitos B assim como a produção de imunoglobulinas. Contudo, esses efeitos são parcialmente mediados por ação direta do hormônio sobre essas células e também como 4-vitamina.p65 158 conseqüência da regulação de monócitos e macrófagos e da inibição das funções do linfócito T auxiliar.21 A vitamina D e seus análogos têm efeitos farmacológicos sobre a diferenciação e a proliferação de um grande número de células normais e malignas. Queratinócitos possuem a fonte de 7-dehidrocolesterol necessária para a produção fotoquímica de vitamina D3, expressam VDR, possuem as enzimas 24 e 1α-hidroxilases e sintetizam pequenas quantidades de 1α,25(OH)2D3.22 Além disso, a vitamina D e seus análogos também inibem a expressão e a secreção de IL-6 e IL-8, ambas com efeito mitogênico sobre queratinócitos.23 Os efeitos imunológicos de quantidades farmacológicas de 1α, 25(OH)2D3 ou de seus análogos in vivo podem ser observados em modelos experimentais de doenças autoimunes, com melhora clínica e histológica nas diversas patologias (Tabela 1), e de transplantes, prolongando a sobrevida dos enxertos (Tabela 2). Estudos epidemiológicos correlacionam o hormônio com diminuição do risco relativo para câncer de cólon,24,25 mama26 e próstata.27 A estimulação da atividade natural killer11 pode ser um importante meio de atividade antineoplásica da vitamina D3 in vivo, já que representa uma via imunológica de ataque às células cancerígenas (Tabela 3). Experimentos in vitro também relacionam a 1α,25(OH)2D3 e seus análogos a efeitos sobre a proliferação e a indução da diferenciação de células benignas28 e malignas, principalmente em modelos de leuTabela 1 Efeitos imunológicos de análogos da vitamina D3 em modelos experimentais de doenças autoimunes Doença Lupus Tireoidite Encefalite Diabetes Nefrite Modelo camundongo MRL/1 camundongo CBA doença alérgica imunização ativa camundongo NOD ratos BN e Lewis Efeito ↓ lesão cutânea ↓ proteinúria ↓ discreta da doença prevenção da doença ↓ insulite ↓ proteinúria Refs. 11 34,35 36 37 38 19,39 40-42 Tabela 2 Efeitos imunológicos da vitamina D3 em modelos experimentais de transplante na sobrevida do enxerto em camundongos e ratos Tecido Doador→ Receptor Sobrevida Refs. pele CBA → BALB/c 10 → 15 dias 43 pele C57BL → CBA 10 → 16 dias 44 coração Lewis → Buffalo (rato) 6 → 10 dias 45 pâncreas NOD → NOD 8 → 55 dias 46 08/01/01, 16:53 J Bras Nefrol 2000;22(3):157-61 159 Bertolini DL & Tzanno-Martins C - Efeitos imunomoduladores da vitamina D Referências Tabela 3 Efeitos antitumorais da vitamina D3 em modelos experimentais in vivo Modelo de tumor Leucemia Mielóide Mama Animal camundongo camundongo rato camundongo rato camundongo Cólon/Melanoma Cólon Osteossarcoma Resultados ↑ sobrevida ↑ volume ↑ volume ↑ volume ↑ incidência ↑ volume Ref. 47,48 49 50 51 52 53 cemia promielocítica de linhagem de células HL-60 e de leucemia mielóide humana com células U-937.29-31 Entre outros efeitos, a exposição prolongada de HL-60 a 1α,25(OH)2D3 aumenta a concentração de RNAm para TNFα32 e a expressão de marcadores de superfície, como CD14, CD36 e antígenos HLA classe II em monócitos.33 1. 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A diminuição da toxicidade e de efeitos adversos, além de redução dos custos em relação aos atuais imunossupressores, são fatores que estimulam os estudos sobre a vitamina D3 e de seus análogos como drogas mais seguras para futuros esquemas de imunomodulação em substituição aos corticosteróides. Ademais, o uso de vitamina D3 em indivíduos com insuficiência renal crônica pode interferir de forma benéfica sobre alguns aspectos da resposta imune, com a restituição da resposta antigênica54 e a estimulação da atividade natural killer, importantes na defesa contra microrganismos e tumores.4 Tabela 4 Futuras aplicações clínicas dos análogos da Vitamina D Osso Pele osteoporose, osteodistrofia renal, raquitismo psoríase, doenças cutâneas hiperproliferativas prevenção da alopecia induzida por radiação Hiperparatireoidismo secundário Imunologia prevenção de doenças autoimunes prevenção de rejeição em transplantes droga substitutiva ao uso de corticosteróides Câncer leucemia, cólon, mama promove diferenciação celular indução seletiva de apoptose 4-vitamina.p65 159 10. Walters MR. Newly identified actions of the vitamin D endocrine system. Endocr Rev 1992;13:719-64. 11. Lemire JM. Immunomodulatory role of 1,25dihydroxyvitamin D3. J Cell Biochem 1992;49:26-31. 12. 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