1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE JULIANA GIOIA NEGRÃO WORMS DE BRISAC COMPARAÇÃO DO DESEMPENHO ENTRE INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS, COM ESQUIZOFRENIA E COM TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO EM TAREFAS DE COGNIÇÃO SOCIAL São Paulo 2015 2 JULIANA GIOIA NEGRÃO WORMS DE BRISAC COMPARAÇÃO DO DESEMPENHO ENTRE INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS, COM ESQUIZOFRENIA E COM TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO EM TAREFAS DE COGNIÇÃO SOCIAL Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento. Orientador: Prof. Dr. José Salomão Schwartzman Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Alexandra Caldas Osório São Paulo 2015 3 B859c Brisac, Juliana Gioia Negrão Worms de. Comparação do desempenho entre indivíduos saudáveis, com esquizofrenia e com transtornos do espectro do autismo em tarefas de cognição social. / Juliana Gioia Negrão Worms de Brisac. – 2015. 155 f. : il. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Referências bibliográficas: f. 114-151. 1. Transtorno do Espectro do Autismo. 2. Esquizofrenia. 3. Cognição social. 4. Rastreio ocular. I. Título. CDD 616.8982 4 5 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador e querido chefe, prof. Dr. José Salomão Schwartzman, que, todos os dias, compartilha seus conhecimentos. Obrigada por, diariamente, repartir sua sabedoria, generosidade, parceria e alegria. Estes ingredientes me contagiam e motivam a sempre querer melhorar. Sem seu direcionamento e apoio, este trabalho não teria sido realizado. Ao prof. Dr. Rodrigo Bressan, por acreditar em mim, auxiliar-me e dar início a todo este processo. À profa. Dra. Ana Alexandra Osório, por sua paciência e observações substanciais em todo o processo desta dissertação. Ao Prof. Dr. Decio Brunoni e à Prof. Dra. Eloisa D´Antino, pelos ensinamentos durante o processo deste projeto. Aos doutores Ary Gadelha, Marcelo Hoxter e à doutora Alessandra Seabra, pela disponibilidade em me auxiliar nos momentos em que precisei. Aos grandes amigos que fiz neste grupo, que, durante este processo, apoiaram-me e ajudaram-me: Talita Cicuti, Renata Velloso, Cintia Peres Duarte, Vivian Lederman, Tally Tafla, Karen Heloyse, Laura Mariotto Prado, Lucas Murrins Marques, Gabriel Gaudencio Rego, Fernanda Pierin, Marina Trunci, Camila Chiquetto, Luciana Coutri e Naiara Silva. À Candida Magalhães, por me mostrar caminhos, mesmo quando tudo parecia difícil. Aos meus irmãos de vida: Juliana Corsi, Donato Holtz, Olivia Messa, Alexandre Negrão e Candida Alcantara, por me apoiarem com suas palavras. Ao meu pai, Wilson por sempre estar ao meu lado, mesmo nos momentos mais difíceis, e me dar forças para continuar. Ao meu marido Gustavo, ao meu filho Felipe e a todos os meus cachorros e gatos, por aquecerem meu coração todos os dias. Por fim, a todos os indivíduos participantes deste estudo, pois, sem eles, este projeto não teria sido possível. 6 RESUMO NEGRÃO, J.G. Comparação do desempenho entre indivíduos saudáveis, com Esquizofrenia e com Transtornos do Espectro do Autismo em tarefas de cognição social. Dissertação de Mestrado, Programa de Pés-Graduação em Dirsúrbios do Desenvolvimento. Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015. Déficits na cognição social são características nucleares nos Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e na Esquizofrenia. Estes estão associados a prejuízos na funcionalidade do indivíduo, que engloba um desempenho laboral ou escolar adequado, uma vida independente e a manutenção de suas relações interpessoais. Embora a literatura aponte prejuízo nestas habilidades em ambos os transtornos, ainda ocorrem muitas divergências na definição do perfil desses déficits. Este estudo tem como objetivo a comparação de perfis da cognição social em indivíduos masculinos, com faixa etária entre 18 e 35 anos, com Transtornos do Espectro do Autismo (n=15), Esquizofrenia (n=16) e controles saudáveis (n=20) e estabelecer perfis comparativos de déficits em cognição social. Como métodos, foram utilizados a avaliação transversal de indivíduos com o Transtornos do Espectro do Autismo, Esquizofrenia e controles saudáveis nos domínios da cognição social (uma medida de percepção de face emocional estática, rastreio ocular, uma medida de percepção corporal dinâmica, e uma medida de atribuição de estados mentais com base em informação contextual estática), duas medidas de QI, englobando verbal e de execução (Procurar Símbolos e Vocabulário), uma medida de funcionalidade (Escala de Avaliação Global do Funcionamento - GAF) e duas escalas de rastreio (Autism Behaviour Checklist - ABC, Structured Clinical Interview for DSM-IV). Resultados: Os perfis dos indivíduos com TEA e esquizofrenia não apresentaram diferenças significativas quanto às tarefas de cognição social e rastreio ocular. No entanto, ambos distinguiram-se do grupo controle apresentando, na maior parte das vezes, um desempenho inferior. Palavras-chave: Transtorno do Espectro do Autismo, Esquizofrenia, Cognição Social, Rastreio Ocular 7 ABSTRACT NEGRÃO, J.G. Comparação do desempenho entre indivíduos saudáveis, com Esquizofrenia e com Transtornos do Espectro do Autismo em tarefas de cognição social. Master’s Thesis, Post-Graduation Program in Developmental Disorders. Presbyteryan Mackenzie University, City of São Paulo - Brazil, 2015. Impairments in social cognition are main characteristics in Autism Spectrum Disorders and Schizophrenia cases. They are associated with deficits in the patient's functionality, which includes a suitable work or school performance, independent living and maintaining their interpersonal relationships. Although the literature registers impairments in these skills in both disorders, there are still many differences in the definition of the profile in these deficits. This study aims to compare the profiles of social cognition in male individuals, aged between 18 and 35 years old, with Autism Spectrum Disorders (n = 15), Schizophrenia (n = 16) and healthy controls (n = 20) and establish comparative profiles of deficits in social cognition. As methods, cross- evaluation of individuals with Autism Spectrum Disorders, Schizophrenia and healthy controls have been used in the areas of social cognition (a static emotional face perception measure, eye gaze, a measure of dynamic body awareness and an assignment of measurement mental states based on static background information), two measures of IQ, involving verbal and performance (Find Symbols and vocabulary), a feature measure (Global Assessment Scale Operation - GAF) and two screening scales (Autism Behaviour Checklist - ABC, Structured Clinical Interview for DSM-IV). Results: The profiles of individuals with ASD and schizophrenia showed no significant differences in social cognition tasks and eye tracking. However, both distinguished themselves in the control group presenting, mostly, a lower performance. Keywords: Autism Spectrum Disorder, Schizophrenia, Social Cognition, Eye Gaze 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................. 12 2.1 TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO .......................................... 15 2.2 ESQUIZOFRENIA ........................................................................................... 18 2.3 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INDIVÍDUOS COM TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO E ESQUIZOFRENIA, EM RELAÇÃO A ANATOMIA, NEUROLOGIA, LATERALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO .......... 32 2.3.1 O tamanho do cérebro, peso ao nascimento, crescimento e placentação. .......................................................................................................................... 34 2.3.2 Tamanho do hipocampo e amígdala ........................................................ 35 2.3.3 Lateralização Cerebral ............................................................................. 36 2.3.4 Tamanho do corpo caloso e conectividade cerebral ................................ 37 2.3.5 Desenvolvimento do sistema nervoso central .......................................... 39 2.3.6 Apoptose .................................................................................................. 42 2.3.7 Esquizofrenia com início precoce e Transtornos do Espectro do Autismo 44 3 COGNIÇÃO SOCIAL ............................................................................................. 46 3.1 EMPATIA ........................................................................................................ 51 3.2 ALTERAÇÕES EM COGNIÇÃO SOCIAL NOS TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO E NA ESQUIZOFRENIA ........................................... 54 3.3 CARACTERÍSTICAS DA COGNIÇÃO SOCIAL EM INDIVÍDUOS COM TEA E ESQUIZOFRENIA ................................................................................................. 57 3.4 OS ESTUDOS DE COGNIÇÃO SOCIAL NOS TEA E ESQUIZOFRENIA ...... 62 4 OBJETIVOS .......................................................................................................... 75 4.1 OBJETIVO GERAL ......................................................................................... 75 4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................................................... 75 5 MÉTODO ............................................................................................................... 75 5.1 PARTICIPANTES............................................................................................ 75 5.1.1 Critérios de Inclusão ................................................................................. 77 5.2.2 Critérios de Exclusão................................................................................ 78 5.2 INSTRUMENTOS .......................................................................................... 78 5.2.1 Instrumentos de Diagnóstico .................................................................... 78 5.2.2 Instrumentos de Avaliação da Cognição Social ....................................... 80 9 5.2.3 Equipamento ............................................................................................ 84 5.3 PROCEDIMENTOS ........................................................................................ 84 5.3.1 Critérios de Seleção e Recrutamento dos Participantes .......................... 84 5.3.2 Procedimento de Coleta e de Análise de Dados ...................................... 85 5.4 ASPECTOS ÉTICOS ...................................................................................... 85 6. ANÁLISE ESTATÍSTICA ...................................................................................... 85 6.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS TESTES ............................................... 86 6.2 ANÁLISE DE RASTREIO OCULAR ................................................................ 87 7. RESULTADOS ..................................................................................................... 88 7.1 VARIÁVEIS SOCIOECONÔMICAS ................................................................ 88 7.2 ESCALA DE FUNCIONALIDADE ................................................................... 89 7.3 HABILIDADE INTELECTUAL ......................................................................... 90 7.4 TESTES DE COGNIÇÃO SOCIAL.................................................................. 91 7.4.1 Resultados da análise dos testes de Cognição Social ............................. 92 7.4.2 Resultados da análise do rastreio ocular .................................................. 96 8 DISCUSSÃO ......................................................................................................... 98 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 108 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 109 11 APÊNDICES ...................................................................................................... 146 10 1 INTRODUÇÃO O ser humano é um ser essencialmente social e depende fortemente da interação com seus pares para sua sobrevivência. Tais interações são possíveis devido a um conjunto de habilidades que possibilitam aos indivíduos perceber, compreender, interpretar e gerar respostas adequadas a estímulos socialmente relevantes, como as ações, estados emocionais e mentais, e intenções de outros indivíduos (BROTHERS, 1990; GALLESE, KEYSERS, RIZZOLATTI, 2004; GREEN et al., 2011). Ostrom (1984, p.176) define cognição social como o “domínio da cognição que envolve a percepção, a interpretação e o processamento de informações sociais”, enquanto Fiske e Taylor (1991, p.1), como o “modo com o qual pessoas fazem sentido de outras pessoas”. Brothers (1990) ainda a define como operações mentais sublinhando interações sociais, que incluem a habilidade e a capacidade humanas de perceber as intenções e disposições do outro”. Estas habilidades, agrupadas sob o termo de cognição social, são fundamentais para a compreensão de informações sociais e essenciais para que as interações ocorram de forma adequada (FRITH e FRITH, 2007; HORAN, 2009; ADOLPHS, 2011). É possível destacar diferentes subdomínios ou habilidades dentro da cognição social, que englobam um conjunto de processos mentais voltados para uma mesma finalidade. Entre eles, é possível destacar o Processamento Emocional, a Percepção Social, a Teoria da Mente e o Estilo de Atribuições (COUTURE, PENN, ROBERTS, 2006). O Processamento Emocional, também conhecido como reconhecimento de emoções ou percepção de afeto, é a habilidade de inferir uma informação emocional do outro por meio de expressões faciais, expressões corporais, tom de voz ou a combinação desses elementos. Já a Percepção Social diz respeito à habilidade de identificar e orientar o comportamento dadas regras e convenções sociais dentro de um contexto. A Teoria da Mente versa sobre a habilidade de entender que pessoas têm estados mentais diferentes e de fazer deduções sobre eles, o que inclui a assimilação de crenças falsas, sugestões, intenções, dissimulação, metáforas, ironias e gafes. Por fim, o Estilo de Atribuições diz respeito à capacidade do indivíduo de explicar causas e eventos de sua própria vida, positivos e negativos (COUTURE, PENN, ROBERTS, 2006). 11 Diversos estudos, especialmente nas últimas décadas, têm revelado os mecanismos fisiológicos e os padrões comportamentais subjacentes às habilidades de cognição social (FAZIO e OLSON, 2003). Essas pesquisas têm possibilitado a percepção de um padrão de desenvolvimento característico das capacidades relativas à cognição social, assim como revelado quais são as alterações delas em quadros clínicos como a esquizofrenia e o (TEA) Transtorno do Espectro do Autismo (SUGRANYES et al., 2011). A dificuldade em reconhecer e decifrar os signos que os seres humanos utilizam subjetivamente entre si é um sintoma comum entre pacientes com esquizofrenia e transtorno do espectro do autismo. Em ambos os casos, pesquisas científicas comprovam dificuldades evidentes em relação à cognição social, o que interfere em sua convivência em sociedade, por conta de prejuízos no funcionamento diário, na interação social e, consequentemente, em sua convivência em sociedade. Assim, é de fundamental importância a compreensão dos transtornos, bem como de seus aspectos históricos, para o entendimento dessas características. William P. Horan, Junghee Lee e Michael F. Green (2013) citam a declaração de um paciente de 48 anos, diagnosticado com esquizofrenia, que diz ter dificuldade em lidar com sinais corporais. Se eu vejo alguém falando de um jeito amigável e sorrindo, mas tem seus braços cruzados à frente do corpo, isso me confunde. Tira-me do eixo – como uma mensagem mista. Fico emperrado, e não sei como aquela pessoa se sente – como você resolve isso? (HORAN; GREEN, In: ROBERTS; PENN, 2013, p.151) Trata-se de um exemplo dessa dificuldade. Segundo o DSM-5, os prejuízos sócio-cognitivos, na esquizofrenia, costumam persistir mesmo durante a remissão dos outros sintomas. Alguns indivíduos com esquizofrenia mostram déficits na cognição social, incluindo déficits na capacidade de inferir as intenções dos outros (teoria da mente), podendo atender a eventos ou estímulos irrelevantes e depois interpretá-los como significativos, talvez levando à geração de delírios explanatórios (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013, p.101). 12 No caso do TEA, estudos da funcionalidade em relação à percepção social demonstram que há uma hipoativação na percepção de faces e, consequentemente, na cognição social (ZILBOVICIUS, 2006) 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA) O termo autismo foi utilizado pela primeira vez, em 1911, pelo psiquiatra suíço Bleuler no livro “Dementia praecox oder Gruppe der Schizophrenien”, associando-o à esquizofrenia para descrever a perda de contato com a realidade e alienação, o que gerava uma grande dificuldade ou impossibilidade de comunicação. O autismo foi citado por Bleuer entre os sintomas possíveis para os tipos de esquizofrenia que apontava, também, distúrbios das associações do pensamento, ambivalência, embotamento afetivo, distúrbios da atenção e avolição. Outros sintomas, como delírios, alucinações, distúrbios do humor ou catatonia não eram considerados fundamentais ao diagnóstico e, por isso, apenas acessórios. O próprio autor considera em seu trabalho que os outros sintomas são ‘funções simples alteradas’, enquanto que o TEA é uma ‘função complexa’ (Eugen Bleuler, 1911). O termo cunhado por Bleuler foi utilizado por Kanner (1943) e por Asperger (1944) independentemente e quase que simultaneamente, para se referir a crianças com deficiências no desenvolvimento e um profundo déficit de relacionamento interpessoal (TUCHMAN, RAPIN, 2009). O conceito do autismo foi descrito pelo psiquiatra infantil Leo Kanner, inicialmente, através do relato de onze crianças que tinham algumas características em comum, como a incapacidade de se relacionar com outras pessoas, distúrbios de linguagem e preocupação obsessiva pelo que é imutável (KANNER, 1943). Após este primeiro estudo, Kanner nomeou esse problema como Distúrbio Autístico do Contato Afetivo. Segundo ele, esse distúrbio era causado por problemas no relacionamento familiar, por progenitores emocionalmente frios, que geravam em seus filhos dificuldade no estabelecimento do contato afetivo. Anos depois, essa 13 noção foi considerada errônea, passando a ser vista como uma síndrome com bases genéticas e neurológicas. O estudo publicado em 1944 pelo psiquiatra austríaco Hans Asperger apresenta um distúrbio chamado de Psicopatia Autística, através do estudo e análise dos casos de quatro meninos que manifestavam uma perturbação na personalidade. Segundo Asperger, eles tinham dificuldade de interação social e em fazer novas amizades. A partir do estudo etiológico realizado por Kanner, duas abordagens teóricas surgiram em relação ao Autismo Infantil, sendo uma delas a teoria afetiva, que considera o autismo como um quadro clínico de Psicose Infantil (TAMANAHA, PERISSINOTO e CHIARI, 2008). Apenas em 1976, Juan Ritvo altera a concepção determinada por Kanner e passa a considerar o Autismo como um distúrbio de desenvolvimento, e não uma psicose. Na década de 1970, tentou-se fazer uma aproximação dos primeiros dois estudos, de Kanner e Asperger, e assim o termo Psicopatia Autística foi descartado, passando a ser conhecido como Síndrome de Asperger, mas que, ainda assim, era considerada uma forma de diagnóstico do autismo. No início, muitos cientistas rejeitaram essa nova síndrome, mas ao longo dos anos, e com os estudos contínuos na área, permitiram uma maior aceitação da Síndrome de Asperger. Outro aspecto importante relacionado à evolução do termo Autismo são os sistemas diagnósticos, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Manual Diagnístico e Estatístico de Transtornos Mentais) e a CID (Classificação Internacional de Doenças). A primeira versão do DSM foi publicada em 1952 e é considerada uma variação da sexta versão da CID. Conforme novas versões do DSM foram publicadas, o termo Autismo também sofreu alterações: no DSM-I, o Autismo era apresentado como “Reação Esquizofrênica, tipo infantil”, e dessa forma o Autismo não era classificado como uma doença nosográfica; já no DSM-II, o termo usado passa a ser “Esquizofrenia tipo infantil”. A partir da terceira versão, notam-se grandes mudanças nessa classificação, pois o Autismo aparece como uma entidade nosográfica, e é criado o termo TID (Transtornos Invasivos do Desenvolvimento) e seus subgrupos. Assim, o Autismo passa a ser nomeado no DSM-III como “Transtorno Autístico”. Já no DSM-IV, novas categorias são incluídas, como a Síndrome de Asperger e Síndrome de Rett no TGD. 14 No DSM-5, há a criação de uma única categoria para os casos de autismo: o “Transtorno do Espectro do Autismo”. Entre os critérios diagnósticos, o Manual indica déficits persistentes na comunicação e na interação sociais, como dificuldades para iniciar ou responder a interações sociais, além de dificuldades nos comportamentos comunicativos não-verbais usados para interações sociais (ver Tabela 1). (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013). Indivíduos com Transtornos do espectro do autismo (TEA) apresentam um distúrbio do desenvolvimento que afeta diversos aspectos de seu funcionamento, mais evidentemente na tríade interação social, comunicação e comportamento (HOWLIN ET AL., 2003; SCHWARTZMAN E ARAÚJO, 2011, HAMILTON, 1978, KANNER, 1943; WING E GOULD, 1979). Para Walters, os prejuízos na interação social recíproca são justamente os aspectos clínicos característicos que diferem o autismo de outros transtornos da comunicação e do comportamento. (Walters, 1990). Segundo o DSM-5, a gravidade do transtorno se baseia em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos (ver Tabela 4). Tabela 1 - Critérios Diagnósticos dos Transtornos do espectro do autismo A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia - exemplos ilustrativos: 1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal, dificuldade para estabelecer uma conversa normal e compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. 2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, entre comunicação verbal e não verbal pouco integradas, anormalidade no contato visual e linguagem corporal, déficits na compreensão e uso gestos e ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3. Déficits para desenvolver manter e compreender relacionamentos, que incluem, por exemplo, dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos, dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos e a ausência de Interesse por pares. Fonte: APA (2013) 15 No entanto, para Tuchman e Rapin (2009), sob uma perspectiva neurológica, é importante delinear construtos básicos, que permitam determinar o fenótipo social distinto de cada indivíduo diagnosticado com Transtornos do Espectro do Autismo. Os autores propõem as seguintes questões: “Como a cognição social no autismo difere da população em geral?”; “Como déficits iniciais na comunicação social levam ao fenótipo clínico de transtornos cognitivos sociais e, em particular, do TEA?” e “Quais os mecanismos celulares e neurais que definem os construtos sociais determinantes da cognição social?”, considerada esta última, pelos autores, a mais interessante para os neurologistas. (TUCHMAN E RAPIN 2009). Alberto Tuchman e Isabelle Rapin ainda apontam que isolamento social ou comportamento social inadequado podem ser manifestações dos déficits na interação social, com vários prejuízos sociais recíprocos. Entre eles, estão comportamentos como evitar o contato visual direto, não responder quando chamado, não participar de atividades em grupos, não tomar consciência dos outros, mostrar indiferença a afeições ou afeição inapropriada e ausência de empatia social ou emocional (TUCHMAN, RAPIN, 2009) Lord (1991), em seu Methods and measures of behavior in the diagnosis of autism and related disorders, ressalta que o tipo de ambiente social em que ocorre a avaliação pode influenciar as habilidades sociais que se expressam fenotipicamente – se são, por exemplo, estruturadas ou desestruturadas. No que diz respeito à interação social, em alguns casos, há falta de interesse pelo outro, tendendo ao isolamento. Em outros, nota-se uma dificuldade de fazer amizades. Um dos principais prejuízos é no domínio da Teoria de Mente, sendo este déficit uma importante característica desse grupo (BARON-COHEN, 2000). Indivíduos com TEA apresentam também um déficit na habilidade de identificar emoções, com prejuízo na percepção e reconhecimento de emoções tanto por estímulos verbais como visuais (BARON-COHEN et al., 2000. Na comunicação, há um prejuízo na linguagem verbal e não verbal, apresentando ou não ausência de fala, responder de forma inadequada em conversas, interpretando mal as interações não-verbais. Além disso, podem ser excessivamente dependente de rotinas, altamente sensíveis a mudanças em seu ambiente, ou intensamente focados em itens inadequados (APA, 2011). 16 Quanto ao comportamento, nota-se uma ausência de atividades imaginativas, que são substituídas por comportamentos repetitivos e estereotipados (WING E GOULD, 1979). Estas características definem o TEA como um transtorno com diferentes perfis heterogêneos de habilidades e prejuízos (APA, 2011; SCHWARTZMAN, 2011). Estes sinais podem ser identificados antes dos três anos de idade (APA, 2011). Cerca de um terço das crianças diagnosticadas com autismo possuem uma evolução da linguagem e do comportamento até dezoito meses, sendo que no período entre dezoito e vinte e quatro meses, é relatada uma regressão precoce destas habilidades. 17 Figura 3. Visualização do Transtorno do espectro do autismo em 3 tipos de traços, que se sobrepõem parcialmente. Fonte: CRESPI; BADCOCK, 2008 (tradução e adaptação) Sua etiologia é multifatorial, envolvendo aspectos ambientais e genéticos, sendo a herdabilidade de aproximadamente 50% segundo o estudo de coorte de Sandin et al. (2014) (SCHAEFER; MENDELSOHN, 2008; SANDIN et al., 2014). O Manual do Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – quinta edição (DSM-5) utiliza o termo TEA para se referir a um continuum de quadros 18 psicopatológicos com variação de sintomas: alguns indivíduos apresentam sintomas leves, ao passo que outros apresentam sintomas mais graves (APA, 2011). O Manual DSM-5 ainda relata que a deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) – apesar de se tratar de um outro diagnóstico - costuma ser comórbida aos transtornos do espectro do autismo (APA, 2011). Chamamos de comorbidades um fenótipo complexo que possui expressão conjunta. Alguns sinais característicos dos TEA estão presentes em diversos casos, apesar de não serem descritos nos critérios diagnósticos do DSM-5 ou CID-10. Tuchman e Rapin apontam uma série destes sinais classificados como coexistentes ou comórbidos aos TEA. Marcha na ponta dos pés e descontrole motor, problemas de sono e aumento da ansiedade: “são tão frequentes que passaram a ser vistos como partes coexistentes do fenótipo autista”, afirmam. Outros déficits neurológicos manifestam-se em indivíduos com TEA tão frequentemente que podem ser, plausivelmente, considerados coincidentes: a epilepsia, a síndrome de Tourette, o transtorno de déficit de atenção e o retardo mental (TUCHMAN, RAPIN, 2009). Diante de tantas evidências coincidentes, os autores questionam se tais déficits deveriam ser considerados como transtornos comórbidos individualmente ou se não passariam de mais manifestações da causa subjacente, na maior parte das vezes, multideterminada. Tuchman e Rapin (2009) estabelecem uma correlação entre o TEA e a rubéola intra-uterina ou a esclerose tuberosa, por exemplo. Embora essas duas condições não causem a doença, a maioria dos indivíduos afetados apresentam algum tipo de transtorno do espectro do autismo. 2.2 ESQUIZOFRENIA Desde a Antiguidade, existem relatos de quadros psiquiátricos que resultaram em deteriorações da cognição em geral. No entanto, a partir do século XIX, começaram a surgir registros mais formais a partir das publicações de Haslam (1810), Hecker (1871) e Kalhbaum (1874). Haslam (1810) fala, em Illustrations of Madness, sobre James Tilly Matthews, um empresário britânico do ramo de chás que foi interno do Bethlem Psychiatric Hospital, de uma forma que encaixa seu caso nos conceitos modernos da esquizofrenia. Matthews é, frequentemente, reconhecido como primeiro 19 caso documentado de esquizofrenia paranoide (CARPENTER, 1989). Antes mesmo da publicação de Haslam, um relatório detalhado do seu caso, de 1797, e notas feitas pelo médico francês Philippe Pinel, em 1809, são considerados os primeiros registros da esquizofrenia nas literaturas médica e psiquiátrica. Em 1860, Benoit Morel explorou o conceito e passou a diferenciar as degenerações cognitivas de quadros demenciais através da nomenclatura “démence precoce” ou “dementia preacox”, termos também utilizados por Kraepelin, em 1896, em seu Tratado de Psiquiatria, uma das bases de fundação da psiquiatria moderna. A publicação de Kraepelin é considerada a definição mais antiga do distúrbio: ele descreveu a “démence precoce” como uma doença única, que engloba três entidades: catatonia, hebefrenia e paranóia. Kraepelin foi o primeiro a relatar quadros clínicos em que jovens, após um período psicótico, não se tornavam demenciados, necessariamente, mas sofriam do que posteriormente chamou de “enfraquecimento psíquico”. Sua descrição foi essencial para o entendimento do quadro como “degenerativo”, diferentemente de doenças endógenas. Além disso, listou sintomas que, ainda hoje, são utilizados no diagnóstico de esquizofrenia (Elkis, 2012). O psiquiatra suíço Bleuler modificou o conceito de “démence precoce” quando notou que nem todos os pacientes observados deterioravam, e, por isso, não era correto denominar o quadro generalizando-o como uma demência (Bleuler, 1950). Apesar de encontrar dificuldades em denominar um conceito que acabara de ser descoberto, Bleuler alterou seu nome para esquizofrenia, nomenclatura que incluiu no título da sua obra: Dementia Praecox oder Gruppe der Schizophrenien, publicada em 1911. Etimologicamente, a palavra “esquizofrenia” vem do grego, onde “esquizo” representa divisão, e “frenia”, a mente ou as diferentes funções psicológicas (GREEN, 2001). Bleuler caracterizou a esquizofrenia como a ruptura de diversas funções psíquicas e definiu sintomas essenciais, como distúrbios das associações do pensamento, autismo, ambivalência, embotamento afetivo, distúrbios da atenção e avolia; e excluiu da essencialidade do diagnóstico sintomas como delírios, alucinações, distúrbios de humor ou catatonia. Além disso, elencou sintomas primários e secundários da esquizofrenia (Elkis, 2012). Schneider (1948) identificou a necessidade de identificar sintomas característicos da esquizofrenia. Publicou a descrição de alguns sintomas, como ouvir 20 os próprios pensamentos, escutar vozes na forma de argumento e contra-argumento, que acompanham as próprias atividades, vivências de influência corporal, “roubo de pensamento” e outras formas de influência no pensamento, como se o paciente sentisse que estivesse sendo influenciado por outros indivíduos e, também, tendo uma percepção delirante. Os sintomas apontados por Schneider influenciaram a psiquiatria e contribuíram para a compreensão de um quadro mais abrangente da esquizofrenia (Elkis, 2012). Os conceitos sintomatológicos de Kraepelin, Bleuler e Schneider citados formaram a base dos sintomas da esquizofrenia, conforme representado na Tab. 2. 21 Tabela 2 - Conceitos da esquizofrenia adotados por Kraepelin, Bleurer e Schneider Kraepelin (1913) Bleuler (1911) Fundamentais (6 “As”): Avolicional “O enfraquecimento das atividades emocionais que formam as molas propulsoras da volição”. Síndrome da unidade interna perda da “A perda da unidade interna das atividades do intelecto, emoção e volição”. Distúrbios das Associações do pensamento Autismo Ambivalência Embotamento Afetivo Distúrbio da Atenção Avolia. Acessórios: Delírios Alucinações Sintomas do humor Sintomas catatônicos Schneider (1948) Sintomas de primeira ordem (SPOs) Sonorização do pensamento Escutar voz sob a forma de argumento e contraargumento Escutar vozes que comentam atos Vivência de influência corporal Roubo de pensamento Sensação de influência Percepção delirante. Fonte: ELKIS (2012, p. 4). Em 1968, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSMIII), classificação de transtornos mentais feita pela American Psychiatric Association (APA, 1968), definiu a esquizofrenia de forma ampla, e os psicóticos, como indivíduos impossibilitados de atender às demandas da rotina diária. Na quarta edição do mesmo Manual, (DSM–IV) (APA, 1994), entre os sintomas positivos, estavam distorções do pensamento e da percepção e, como sintomas negativos, diminuição na amplitude e intensidade da expressão emocional, fluência e produtividade do pensamento. Já na sua versão mais atual, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM–5) (APA, 2013) relata delírios, alucinações, discurso desorganizado e comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico como sintomas positivos, sendo necessária a ocorrência de pelo menos um dos três primeiros deles para o diagnóstico da doença. Como sintoma negativo, o Manual inclui, como exemplo diagnóstico, a expressão emocional diminuída ou avolia. Na tabela 3, é possível identificar um panorama do desenvolvimento dos conceitos de esquizofrenia. 22 Tabela 3 - Cronologia do desenvolvimento de conceito de esquizofrenia Ano Evento 1893 Emil Kraepelin descreve o quadro clínico da demência precoce na edição de seu “Tratado de Psiquiatria" 1908/1911 Eugen Bleuler publica um artigo sobre o prognóstico da demência precoce seguido do livro “Demência Precoce: o grupo das esquizofrenias" 1913 Publicação da 8ª e última edição do tratado de Kraepelin com a descrição dos dois principais componentes da demência precoce 1930-1940 Descrição de vários subtipos de esquizofrenia na Europa e nos Estados Unidos 1948 Kurt Schneider publica a “Psicopatologia Clínica" descrevendo os “sintomas de primeira ordem" 1965 (até 1970) Projeto colaborativo EUA-Reino Unido 1966 (até 1973) Estudo Piloto Internacional da Esquizofrenia 1968 2ª edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM II) (Associação Psiquiátrica Americana) 1972 Critérios diagnósticos da Universidade de Washington 1974 Sintomas positivos e negativos 1975 9ª edição da Classificação Internacional das Doenças (CID, Organização Mundial de Saúde) 1978 Research Diagnostic Crileria (RDC) 1980 Conceito de duas síndromes da esquizofrenia (Crow) Publicação da DSM III 1993-4 CID 10 e DSM IV Fonte: ELKIS (2000, p. 23-26) O impacto dessas alterações na vida funcional do indivíduo também é considerado um critério diagnóstico pelo DSM-V – embora não precise necessariamente ser satisfeito para definir o diagnóstico. A publicação considera como sintoma quando, por período significativo de tempo desde o aparecimento da perturbação, o nível de funcionamento em uma ou mais áreas importantes do funcionamento, como trabalho, relações interpessoais ou autocuidado, está acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou, quando o início se dá na infância ou na adolescência, incapacidade de atingir o nível esperado de funcionamento interpessoal, acadêmico ou profissional (APA, 2013). 23 As consequências sintomáticas são capazes de influenciar a vida do indivíduo dessa forma, pois a esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico complexo, que limita, em diversos aspectos funcionais, a vida do diagnosticado e de sua família (Barlow, Durand, 2008). É um transtorno que pode se tornar crônico e se caracteriza tanto pelo predomínio de sintomas denominados positivos (produtivos) como pelo de sintomas negativos (empobrecimento, embotamento). Importantes perdas cognitivas também ocorrem na esquizofrenia (Zanetti, Elkis, 2008). O (DSM-5) apresenta, entre os itens considerados para o diagnóstico (ver tab. 4, página seguinte), elementos relacionados a disfunções de capacidades cognitivas e sociais. 24 Tabela 4 - Critérios e características associadas para o diagnóstico de esquizofrenia, segundo o DSM-5 Critérios Diagnósticos Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico • Afeto inadequado (p. ex., rir na ausência de um estímulo apropriado); • Humor disfórico que pode assumir a forma de depressão, ansiedade ou raiva; • Padrão de sono perturbado (p. ex., sono durante o dia e atividade durante a noite); Falta de interesse em alimentar-se ou recusa da comida; • Despersonalização, desrealização e preocupações somáticas podem ocorrer e por vezes atingem proporções delirantes; B. Nível de funcionamento em uma ou • Ansiedade e fobias são comuns; mais áreas, como trabalho, • Déficits cognitivos e fortemente associados a prejuízos relacionamentos interpessoais e profissionais e funcionais (incluindo diminuições na autocuidado, acentuadamente memória declarativa, na memória de trabalho, na função abaixo do alcançado antes do da linguagem e em outras funções executivas, bem como aparecimento da perturbação (se na velocidade de processamento mais lenta); infância ou na adolescência, • Anormalidades no processamento sensorial e na incapacidade de atingir o nível capacidade inibitória, bem como redução na atenção; esperado). • Déficits na cognição social, incluindo na capacidade de inferir as intenções dos outros; Carência de insight ou consciência de seu transtorno (i.e., anosognosia); C. Sinais contínuos de perturbação • Hostilidade e agressão podem estar associadas a persistem por, pelo menos, seis esquizofrenia, embora agressão espontânea ou aleatória meses. não seja comum. D. Descarte de diagnósticos de Transtorno Esquizoafetivo, Transtorno Depressivo e Transtorno Bipolar com características psicóticas. A. 1. Delírios; 2. Alucinações; 3. Discurso desorganizado; 4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico; 5. Sintomas negativos (i.e., expressão emocional diminuída ou avolição). E. Perturbação pode ser atribuída a efeitos fisiológicos de substâncias, como drogas de abuso ou medicamentos, ou a outra condição médica. F. Se há histórico de transtornos do espectro do autismo ou da comunicação iniciado na infância, o diagnóstico de esquizofrenia se dá apenas se houver delírios ou alucinações proeminentes, além dos demais sintomas exigidos, por pelo menos um mês (ou menos, se tratados com sucesso). Fonte: APA (2013) 25 O funcionamento social é um dos principais parâmetros para a identificação do transtorno esquizofrênico, conforme descrito pela Associação no Manual: Os sintomas característicos da esquizofrenia envolvem uma gama de disfunções cognitivas, comportamentais e emocionais, mas nenhum sintoma patognomônico do transtorno. O diagnóstico envolve o reconhecimento de um conjunto de sinais e sintomas associados a um funcionamento profissional ou social prejudicado. Indivíduos com o transtorno apresentarão variações substanciais na maior parte das características, uma vez que a esquizofrenia uma síndrome clínica heterogênea. [...] A esquizofrenia envolve prejuízo em uma ou mais das principais áreas do funcionamento (Critério B). Se a perturbação iniciar na infância ou na adolescência, o nível esperado de funcionamento não é alcançado. A comparação do indivíduo com os irmãos não afetados pode ajudar. A disfunção persiste por período substancial durante o curso do transtorno e parece ser um resultado direto de uma única característica. A avolição (i.e., disposição reduzida para manter comportamento voltado a metas; Critério A5) está ligada disfunção social descrita no Critério B (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013, p.101). Crespi e Badcock (2008) ainda apontam algumas outras características que podem fortalecer o diagnóstico de esquizofrenia (vide figura na página seguinte): 26 Figura 1 – Visualização de termos de condições da Esquizofrenia. Fonte: Crespi; Badcock, 2008 (tradução e adaptação) Já Andreasen e Black (1982) dividem a esquizofrenia em cinco grupos de sintomas: positivos, negativos, desorganizados, depressivos e cognitivos. Sintomas positivos são delírios proeminentes, alucinações, alterações de pensamento positivo formal e comportamento bizarro. Os negativos incluem rebaixamento afetivo, avolia, anedonia e dificuldade em manter a atenção concentrada. Sintomas desorganizados envolvem alteração na contextualização de ideias, comportamentos e pensamentos desorganizados. Os sintomas depressivos podem ocorrer na fase aguda ou ocorrer 27 de forma episódica durante o curso da doença, e os déficits cognitivos ficam presentes durante as diversas fases da doença, podendo se tornar crônicos durante o curso evolutivo da esquizofrenia. O risco de desenvolver a esquizofrenia é estimado entre 0,5% e 1% na população geral, com maior prevalência na população masculina (ALVARENGA; ANDRADE, 2008). De acordo com o Censo de 20111, isso pode representar algo em torno de 983.276 a 1.966.550 pessoas em nosso país. Considerando a evolução e a cronicidade do quadro, esse aspecto já justifica a realização de estudos que possam melhorar o prognóstico de indivíduos acometidos. Os fatores etiológicos da esquizofrenia têm sido amplamente discutidos. Hoje se reconhece que a causa da doença é multifatorial pode incluir aspectos genéticos, ambientais e psicossociais (BERBERIAN; SCARPATO, 2012). Geralmente, a doença não se manifesta até o final da adolescência e o começo da idade adulta (CANNON et al., 2003). O início precoce associa-se a um pior prognóstico e, geralmente, um prognóstico melhor é observado entre pacientes com idade inicial superior a 20 ou 25 anos (DALTIO et al., 2007). Quando manifestada já na juventude, a doença amplifica seus impactos negativos, pois o indivíduo mostra-se incapacitado para atuar profissional e socialmente, o que impacta não só no próprio paciente, mas também em sua família e círculo social, gerando custos sociais e financeiros (DALTIO et al., 2007). Daltio et. al. (2007) conduziram um estudo em três países desenvolvidos (Canadá, Estados Unidos e Inglaterra), que resultou em um levantamento dos valores que haviam sido gastos em 2002 relativos à esquizofrenia. O cálculo considerou custos diretos, como gastos médicos privados e públicos, medicações, internações, pesquisas e treinamentos; e indiretos, como desemprego, perda de produtividade profissional, mortalidade prematura, suicídios e, até, custos com cuidadores. O valor a que os pesquisadores chegaram foi de US$ 62,7 bilhões. Stahl (2011) ressalta que os custos diretos e indiretos da esquizofrenia repercutem significativamente em diferentes países e culturas. Esses dados ressaltam, ainda, a importância de se conhecer profundamente a doença e propor formas para que se possam minimizar 1 Disponível em: www.ibge.gov.br. (07/09/2013) 28 alguns de seus impactos e, também, favorecer a reinserção social dos indivíduos acometidos pela mesma. Stahl (2011) sintetiza os sintomas positivos (Quadro 1) e negativos (Quadro 2). Os sintomas positivos têm surgimento súbito e são mais eficazmente tratáveis com medicações antipsicóticas. Entre esses sintomas, destacam-se: delírios, interpretações incorretas de vivências ou percepções (inclusive de referência, em que o indivíduo acredita erroneamente que algo se refere a si próprio); alucinações, que podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial (auditivas, visuais, olfativas, gustativas e táteis); distorções ou exageros na linguagem e comunicação e monitoramento comportamental. Os sintomas negativos podem ser considerados como reduções das funções normais e suas características são: embotamento afetivo, retraimento emocional, relacionamento pobre, passividade e retraimento social apático, dificuldade do pensamento abstrato, pensamento estereotipado e falta de espontaneidade. Tradicionalmente, a forma negativa de manifestação da esquizofrenia pode ser observada por cinco tipos de sintomas: alogia, disfunção da comunicação, restrições da fluência e na produtividade do pensamento e da fala; achatamento ou embotamento afetivo, restrições na amplitude e na intensidade da expressão emocional; associabilidade, redução do interesse e interação social; anedonia, redução da capacidade de sentir prazer; abulia (dificuldade em tomar decisões voluntárias, irresolução), redução do desejo, da motivação ou persistência. (STAHL, 2010) QUADRO 1. Sintomas positivos de psicose e esquizofrenia. Delírios Alucinações Distorções ou exageros da linguagem e da comunicação Fala desorganizada Comportamento desorganizado Comportamento catatônico Agitação Fonte: STAHL, 2011, p. 170. 29 QUADRO 2. Sintomas negativos da esquizofrenia. Embotamento afetivo Retraimento emocional Contato pobre Passividade Retraimento social apático Dificuldade do pensamento abstrato Falta de espontaneidade Pensamento estereotipado Falta de espontaneidade Alogia: restrições na fluência e na produtividade do pensamento e da fala Anedonia: ausência de prazer Perturbação da atenção Fonte: STAHL, 2011, p. 171. A esquizofrenia pode ser dividida em quatro fases: pré-mórbida, prodrômica, progressão e estabilização. Na fase pré-morbida, há um início de alteração cognitiva, quando a sociabilidade do indivíduo sofre uma queda. Já a prodômica é considerada uma transição entre significação normal e delirante, e geralmente ocorre durante alguns meses antecedendo a eclosão da psicose franca. Nesse período, nota-se alteração de comportamento do indivíduo, que pode apresentar estado de apreensão e perplexidade sem razão aparente. É possível, ainda, a ocorrência de sintomas psicóticos breves e transitórios. Nota-se o isolamento do indivíduo, que pode apresentar atitudes peculiares e excêntricas. A fase de progressão é o período decorrente do primeiro surto e, por fim, pode ocorrer a estabilização, momento em que o indivíduo evolui para a estabilidade, o que não exclui a possibilidade de recaídas (ALVARENGA; ANDRADE, 2008). 30 FIGURA 2. Histórico natural da esquizofrenia. Fonte: ALVARENGA; ANDRADE, 2008, p. 197 Atualmente, existe um interesse crescente na busca de marcadores específicos do curso inicial da fase que antecede a esquizofrenia. O objetivo dessa ação é a tentativa de implementar estratégias para uma intervenção precoce. Segundo Cannon et al. (2007), a pesquisa com pródromos cresceu muitos nos últimos 15 anos e tem produzido resultados encorajadores. As pesquisas mesmo que aplicadas em pequenas amostras, têm gerado altas taxas de resgate. Há, ainda, no entanto, carência de métodos confiáveis que identifiquem precisamente pessoas que provavelmente desenvolverão uma psicose (KIM et al., 2011). De qualquer forma, de acordo com a literatura, doenças psiquiátricas como a esquizofrenia parecem estar relacionadas a um certo número de fatores de risco genéticos e ambientais (TSUANG et al., 1997). Em estudos realizados com familiares de indivíduos com o distúrbio, observaram-se padrões específicos de comportamento (TSUANG et al.,1991). Cannon et al. (2003) destacam a presença de alterações cerebrais, que podem ter seu desenvolvimento inicial ainda no período intrauterino e nos primeiros anos da infância. Isso demonstra que, em parte, o potencial para desenvolver a esquizofrenia pode estar presente antes mesmo do nascimento. Apesar dessa possibilidade, 31 usualmente a doença não se manifesta, como já foi mencionado, até o final da adolescência e o começo da idade adulta. Outro fator a ser considerado em relação à esquizofrenia são os déficits cognitivos que parecem surgir antes mesmo dos sinais característicos que determinam seu diagnóstico (CORNBLATT et al., 1988). Esses prejuízos são características nucleares da doença, e não simples consequências dela. Apesar do distúrbio ser conhecido desde o fim do século XIX, o número de pesquisas na área cresceu consideravelmente a partir de 1990, o que tem auxiliado a melhorar o desfecho funcional dos pacientes, ou seja, sua adaptação ao ambiente (FUENTES et al., 2008). Cannon et al. (2000) sugerem, de acordo com estudos da literatura, que a maioria dos pacientes prodrômicos possuem inteligência significativamente baixa em comparação a indivíduos clinicamente normais. Green et al. (2004) identificaram que algumas alterações neuropsicológicas podem surgir no período pré-mórbido, assim como nos parentes de primeiro grau do paciente. Observa-se que esses déficits não têm relação com os sintomas positivos; e sua correlação com os sintomas negativos é insuficiente para afirmar que existe uma resultante interligada. Lesh et al. (2011) estudaram parentes de primeiro grau saudáveis de indivíduos com esquizofrenia e notou alterações cognitivas comparados com indivíduos clinicamente saudáveis. Já Mednick e Schulsinger (1968) pesquisaram o funcionamento de crianças com mães portadoras de esquizofrenia, e as comparou com outras clinicamente saudáveis. Seus achados mostraram alterações entre os dois grupos. O grupo controle deu significativamente maior número de respostas, teve maior número de cadeia de associações e repetições da palavra de resposta, o que sugere que o grupo de ultra-alto risco já possui déficits. Outras pesquisas obtiveram os mesmos resultados (CANNON et al., 2000; JABBEN et al., 2010). Keefe et al. (2005) afirmam que cerca de 80% dos pacientes com esquizofrenia apresentam perfil neuropsicológico deteriorado quando pareados com controles saudáveis e observam que os pacientes crônicos geralmente têm desempenho de um e meio a dois desvios-padrão abaixo dos controles. Kurtz (2005) observou deterioração dos pacientes durante o período de internação. O declínio ocorre após o primeiro surto e durante os dois primeiros anos tende a se estabilizar.No entanto, esses resultados podem ser variáveis. 32 Apesar dos déficits neuropsicológicos e sintomas depressivos e agressivos não alterarem o diagnóstico da doença, eles prejudicam muito a qualidade de vida do indivíduo e sua possível reinserção. A literatura indica que a deficiência na esquizofrenia é heterogênea, no entanto, existem estudos que caracterizam as áreas mais prejudicadas na esquizofrenia. Nuechterlein et al. (2004) determinam sete funções que podem ficar comprometidas pela doença: memória de trabalho, aprendizado/memória visual, aprendizado/memória verbal, velocidade de processamento, funções executivas, atenção/vigilância e cognição social. 2.3 ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS INDIVÍDUOS COM TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO E ESQUIZOFRENIA, EM RELAÇÃO A ANATOMIA, NEUROLOGIA, LATERALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO O Transtorno do Espectro do Autismo e a Esquizofrenia compartilham, historicamente, a mesma nosologia. Kanner (1953) abrangeu conceitos do TEA sob diferentes pontos de vista. Em um de seus primeiros estudos a respeito, fez uma distinção terminológica entre o autismo, a esquizofrenia e a psicose infantil. Para isso, levantou diferenças existentes entre abordagens psicogênicas e orgânicas (esta através do estudo do sistema nervoso central), levando a uma discussão sobre origens genéticas do autismo infantil e enfatizando a necessidade de uma avaliação das alterações de linguagem e de outras anormalidades perceptuais presentes nos indivíduos participantes. Segundo ele, muitas das manifestações podem ser explicadas pelas falhas cognitivas e de percepção. (TAMANAHA, PERISSINOTO, CHIARI, 2008). Historicamente, nos anos 70, o TEA ainda era associado à esquizofrenia pela CID–9 (1979) e tinha como nomenclatura Psicose Infantil ou Síndrome de Kanner. Os sintomas apareciam desde o nascimento e continham muitas das características do quadro clássico relativo à fala e comunicação: linguagem tardia, comunicação restrita, ecolalias, inversão de pronomes, estrutura gramatical imatura e inabilidades em usar termos abstratos. Na CID-9, um dos critérios de exclusão caracteriza-se pela Esquizofrenia Infantil (OMS, 1978). 33 Entretanto, a partir dos anos 70 e 80, estes transtornos foram desvinculados por reformulações em termos de classificação e compreensão. As pesquisas encontraram mais déficits cognitivos que afetivos, resultando em uma tríade de comprometimentos. Atualmente, enquadra-se como um transtorno do desenvolvimento (RUTTER, 1979 e 1983; WING, 1979; ORNITZ; RITVO, 1976). No caso de indivíduos com TEA, as perdas cognitivas geralmente ocorrem antes dos 30 meses de idade. É possível obter ganhos nos desenvolvimentos de habilidades cognitivas com tratamentos e intervenções bem administrados, no entanto, existem casos em que a funcionalidade mostra-se por demais prejudicada, apesar de, atualmente, o diagnóstico ser realizado precocemente em grande parte dos casos. Parentes de primeiro grau não afetados podem apresentar características do transtorno. Já nos casos de esquizofrenia, as perdas geralmente começam a ocorrem mais tardiamente, na adolescência ou enquanto um jovem adulto. Apesar disto, os prejuízos observados aparecem antes do início da doença, permanecem após a remissão dos sintomas e também podem ser frequentemente encontrados em parentes de primeiro grau não afetados. As evidências reforçam, assim, a teoria de que os prejuízos neurocognitivos constituem um traço da esquizofrenia. Os déficits neurocognitivos interferem nas habilidades sociais e interpessoais, levando a um comprometimento da cognição social e, até, a um comprometimento funcional. Por isso, o comprometimento funcional chega a ser tratado como uma marca da esquizofrenia. Logo, os déficits neurocognitivos podem ser considerados como uma característica chave da doença (GREEN, 2003). Quanto mais precoce é o início das crises psicóticas, maiores são as dificuldades em relação às capacidades cognitivas. Isto porque o indivíduo teve menos tempo de adquirir habilidades e, a partir das crises, começará a apresentar uma perda do que já adquiriu em seu desenvolvimento anterior mais normalizado. Portanto, apesar dos dois transtornos possuírem graves impactos sobre seu funcionamento, enquanto nos TEA pode haver um ganho de habilidades com o tratamento adequado, os indivíduos com esquizofrenia tendem a sofrer perdas cognitivas e sociais a cada surto psicótico. 34 2.3.1 O tamanho do cérebro, peso ao nascimento, crescimento e placentação. Crespi e Badcock (2008) descrevem uma nova hipótese para unir os conceitos e as análises de psicose e autismo. A teoria proposta embasa-se na ideia de que, embora ambas as condições apresentem alterações significativas, a psicose e o autismo representam dois extremos de um espectro cognitivo, sendo que a normalidade fica em seu centro. A cognição social seria, portanto, subdesenvolvida nos TEA, mas hiperdesenvolvida na psicose. Estudos recentes têm descrito uma espécie de cascata de déficits sociais nos indíviduos com TEA. Isto seria causado pelo desenvolvimento precoce prejudicado de componentes do cérebro social. Da mesma forma, muitas das características centrais da esquizofrenia também podem ser entendidas em termos de desregulação em vários aspectos da cognição social (ARBIB e MUNDHENK, 2005; BARON-COHEN e BELMONTE, 2005; BENES e BERRETTA, 2001; BURNS, 2004 e 2006a). Burns (2006a) também defende que os avanços nas pesquisas têm sugerido que o autismo e a esquizofrenia tenham relação entre um ao outro em alguns aspectos conceituais e etiológicos, pois ambos têm como características centrais alterações nos comportamentos sociais. Quanto ao crescimento da neuroanatomia, pacientes com esquizofrenia possuem, desde o nascimento, uma redução da massa cinzenta, redução e alteração da massa branca e da espessura cortical inferior, resultando em um tamanho menor do cérebro. Também foi observada neles uma variedade de deficiências de crescimento, incluindo baixo peso no nascimento, atraso de maturação e redução do tamanho do cérebro. (CANNON et al., 2002; GUR et al., 2007; MCINTOSH et al., 2006; TAMMINGA; HOLCOMB 2005). Uma das descobertas anatômicas mais consistentes entre os estudos propostos é o aumento do diâmetro cerebral nos TEA, em quem a espessura cortical também é aumentada. O cérebro tem relevante crescimento entre o nascimento e quatro anos de idade (CODY et al., 2002; COURCHESNE e PIERCE 2005a e 2005b; COURCHESNE et al., 2004; HERBERT, 2005; LAINHART et al., 2006; Penn, 2006; REDCAY e COURCHESNE, 2005). 35 As diferenças cerebrais (de tamanho e desenvolvimento) entre indivíduos com TEA e esquizofrenia são comumente acompanhadas por diferenças no peso ao nascer e no crescimento corporal. No caso do TEA, muitos estudos identificaram indivíduos nascidos com maior peso e crescimento mais rápido em comparação aos controles, embora existam estudos que identificaram crianças com TEA e peso similar ao dos controles (ou, até mesmo, abaixo do peso médio). O estudo mais consistente nesses quesitos é o de Mills et al. (2007), que relataram um aumento significativo de diversos itens em crianças com TEA, como o tamanho da cabeça, peso corporal, índice de massa corporal e os níveis de hormônios de crescimento. Por outro lado, o baixo peso ao nascer dos esquizofrênicos é um resultado mais constante e consistente. Outro fator importante é o desenvolvimento do feto, que depende da placentação. Nos TEA, esse processo é aumentado em cerca de três vezes, mostrando-se altamente significativo. Por outro lado, o risco de esquizofrenia diminui com o aumento de peso da placenta (CRESPI; BADCOCK, 2008). 2.3.2 Tamanho do hipocampo e amígdala O hipocampo é personagem central nos papéis de aprendizagem e consolidação da memória, com o lado direito dedicado à cognição espacial, e o lado esquerdo, aos aspectos de memória. A amígdala é responsável por valência social e percepções sensoriais emocionais, como o reconhecimento de situações que geram de medo. Os TEA e pessoas com esquizofrenia apresentam alterações na estrutura e função da interação entre amígdala, hipocampo e córtex pré-frontal. A área do hipocampo e a amígdala dos TEA são maiores em comparação aos controles (pelo menos durante o desenvolvimento precoce), segundo as evidências disponíveis. Na maioria dos estudos, mostram-se menores em indivíduos com esquizofrenia. O tamanho e a forma alterada do hipocampo podem ter relação funcional com sintomas positivos da esquizofrenia, enquanto no TEA, o hipocampo aumentado pode estar relacionado a capacidades hiperativadas, como visuais, espaciais, matemáticas e mecanicistas aprimoradas (BARON-COHEN et al., 2001; MINSHEW et al., 1997), e a 36 habilidades de cálculo e memória (HEATON e WALLACE, 2004; PRING, 2005; YOUNG et al., 2004 In: In: CRESPI; BADCOCK, 2008). 2.3.3 Lateralização Cerebral A esquizofrenia é associada a uma assimetria estrutural e funcional cerebral reduzida, além de aumento da incidência de lateralidade mista ou inconsistente. Pesquisas com exames de imagem da neuroanatomia focaram em regiões relacionadas ao idioma, como o plano temporal, e identificaram assimetrias na atividade dos neurotransmissores e imparidades mais elevadas na capacidade verbal para os indivíduos menos lateralizados (CHANCE et al., 2005; COLLINSON et al., 2003; CROW 1997; 1998; 2000; CROW et al., 1998; DELISI et al., 2002. HONEA et al., 2005. LEASK e CROW 2005; MITCHELL e CROW 2005; SCHIFFMAN et al., 2005. SHIRAKAWA et al., 2001. SOMMER et al., 2001; WEISS et al., 2006). Essa lateralização reduzida e menor grau de torque na esquizofrenia é aparentemente associada ao desenvolvimento mais lento do cérebro (CROW et al., 1996. 1998; SAUGSTAD 1998; 1999), disfunção avançada dos componentes do hemisfério esquerdo comparado ao direito (e.g., HONEA et al., 2005; KASAI et al., 2003a; 2003b. MUCCI et al., 2005), diminuição da especialização para linguagem do hemisfério esquerdo (Dollfus et al., 2005; Crow e Mitchell, 2005), e um aumento da extensão dos sintomas positivos, como alucinações e delírios (Verdoux et al., 2004). Padrões semelhantes foram notados em controles saudáveis, em que a lateralidade mista e a outras características de lateralização cerebral reduzida estão associadas ao grau de cognição esquizotípica (BARNETT e CORBALLIS, 2002; JASPERS-FAYER e PETERS, 2005; PRETI et al., 2007; SHAW et al., 2001). O processamento no hemisfério direito de alguns elementos do pensamento e da linguagem passa a ser mais crucial quando há, no hemisfério esquerdo, uma função da linguagem prejudicada ou reduzida na esquizofrenia e na esquizotipia (FISHER et al., 2004; MOHR et ai. 2005; TAYLOR et al., 2002). Como resultado dessa transferência, pode ser notado um processamento semântico mais “grosseiro”; associações entre eventos e pensamentos “soltas”, sem conectivos, e mais distantes (Pizzagalli et al., 2000); supervalorização de significado de coincidências que ocorrem naturalmente; aumento 37 da ideação paranormal e, em casos mais extremos, alucinações, paranoia e outros sintomas da esquizofrenia (BRUGGER, 2001; BRUGGER e GRAVES, 1997a; 1997b; LEONHARD e BRUGGER, 1998). Crespi e Badcock (2008) também ressaltam que a modelagem de redes neurais serve como base para uma variedade de estudos que reiteram essa hipótese (HOFFMAN et al., 2004), além de análises cognitivas e psicológicas de características relativas à esquizotipia (CLARIDGE, 1997 In: CRESPI; BADCOCK, 2008). Uma explicação neuroanatômica e neurofisiológica também é proposta pela hipótese apresentada, solucionando as ligações entre a criatividade e a psicose como um estilo cognitivo que liga componentes de pensamento com mais distantes e mais novas associações (BARRANTES-VIDAL, 2004; BRUGGER, 2001; GIANOTTI et al., 2001). As conexões entre imaginação e criatividade com psicose (CLARIDGE et al., 1990. NETTLE, 2001. SACK et al., 2005) contrastam com baixos níveis de brincadeira e criatividade simbólica, assim como um aumento de comportamento repetitivo e compulsivo, no TEA (ATLAS E LAPIDUS, 1987; BLANC et al., 2005. BOUCHER 2007; FRITH, 2004; MEL et al., 2006. TURNER, 1999). Considerando que a esquizofrenia está ligada a uma menor assimetria, o Transtorno do Espectro do Autismo tende a hiperdesenvolver, em critérios de tamanho, algumas estruturas corticais do hemisfério direito (uma assimetria invertida em relação ao normal) (BIGLER et al., 2007; DE FOSSE et al., 2004; ESCALANTE-MEAD et al., 2003; FLAGG et al., 2005. HERBERT et al., 2002. 2005; RINEHART et al., 2002b. SUTTON et al., 2005). Como o hemisfério direito se desenvolve mais cedo do que o esquerdo nas fases fetal e neonatal (CHIRON et al., 1995; RINEHART et al., 2002b), o padrão de assimetria direita no TEA pode ser simplesmente uma decorrência de um padrão anterior mais acelerado de desenvolvimento cerebral, como uma mudança do tempo em que os eventos ocorrem levando à mudança de tamanho e forma, oposta a um desenvolvimento mais lento de perfil na esquizofrenia (SAUGSTAD, 1999). Assim, tanto a característica do TEA e, ter um desenvolvimento cerebral inicial mais acelerado quanto da esquizofrenia, com um desenvlvimento relativamente lento, podem resultar em uma lateralização anormal das funções cognitivas. (CRESPI; BADCOCK, 2008). 2.3.4 Tamanho do corpo caloso e conectividade cerebral 38 Crespi & Badcock (2008) ainda apontam que, nos TEA, o corpo caloso é proporcionalmente pequeno em relação ao tamanho do cérebro e em comparação com os indivíduos-controle (CODY et al., 2002. EGAAS et al., 1995; NYDE'N et al., 2004; PIVEN et al., 1997; SHERR et al., 2005; STANFIELD et al., no prelo; WAITER et al., 2005). Uma das hipóteses centrais para a arquitetura cognitiva do autismo, segundo os autores, está na conectividade inter-hemisférica, que é reduzida nesses indivíduos (BELMONTE et al., 2004a; 2004b; NYDE'N et al., 2004). Ela implicaria em um processamento global de informações local e reduzido, e em uma conectividade cerebral geral diminuída. (BARON-COHEN e BELMONTE, 2005; BELMONTE et al., 2004a; 2004b; HAPPE e FRITH, 2006; JUST et al., 2004). Courchesne e Pierce (2005b) têm se referido à neurocognição nos TEA como o córtex frontal, inconscientemente, "falando consigo mesmo", associadamente à perda da linguagem e de outros elementos de cognição social. Informações sobre o tamanho do corpo caloso na esquizofrenia ainda são inconsistentes, aparentemente porque os estudos feitos nesse sentido contam com variação nos participantes em termos de idade, sexo, lateralidade e perfil clínico (BACHMANNETAL. 2003; BRAMBILLA et al.2005. DOWNHILL et al., 2000; HIGHLEY et al., 2003; LUDERS et al., 2003; TUNCER et al., 2005). A conectividade do cérebro na esquizofrenia ainda deve chegar a um consenso entre os pesquisadores, o que ainda não aconteceu, talvez, devido à elevada heterogeneidade clínica nos pacientes com o transtorno. Evidências sugerem que ele envolva alterações nas conectividades intra e inter hemisféricas, mas tais alterações possuem formas específicas, como uma transferência modificada de informação verbal entre os hemisférios (BARNETT e KIRK, 2005; BARNETT et al., 2005; ENDRASS et al., 2002), são complexas para a interpretação sem que haja um modelo cognitivo de seu significado. Uma possibilidade de acordo com o aumento do tamanho do corpo caloso relativo, é que a esquizofrenia envolveria conexões locais reduzidas (SIEKMEIER e HOFFMAN, 2002), que fazem um contraste com conectividade local e processamento melhorados encontrados no TEA (COURCHESNE & PIERCE 2005a; 2005b; HAPPÉ e FRITH 2006). Essa hipótese é apoiada por várias descobertas, como os resultados de Whalley et al. (2005), que revelou aumento da conectividade parietal esquerda com regiões pré-frontal do mesmo lado em indivíduos com alto risco de esquizofrenia; 39 hiperconectividade entre regiões cerebrais para algumas frequências EEG na esquizofrenia (SRITHARAN et al., 2005; STRELETS et al., 2002; MCCREERY & CLARIDGE 1996); coativação das regiões de fala e linguagem internos, normalmente ativados em seqüência (HUBL et al., 2004) e uma ativação mais ampla de regiões cerebrais específicas em esquizofrenia (CHANCE et al., 2005) e esquizotipia (PIZZAGALLI et al., 2001; NIEBAUER, 2004). Sumich et al. (2005) fornecem evidências, através da ressonância magnética, de que a irrealidade e as alucinações na esquizofrenia envolvem disfunções no giro de Heschl; e Carter et al. (1996), Granholm et al. (1999), e Bellgrove et al. (2003) demonstraram que a esquizofrenia possui maiores impedimentos no local e vantagens de processamento global em algumas tarefas. Por fim, as correlações neuroanatômicas e cognitivas da dislexia são notavelmente semelhantes aos encontrados na esquizofrenia e esquizotipia (BERSANI et al., 2006; BRADSHAW e NETTLETON, 1983, p. 242-54; EDGAR et al., 2006; HEIM et al., 2004. RICHARDSON, 1994), e que dislexia também tem sido relacionada a uma "maior capacidade de processar a informação visual-espacial global (holística), em vez de localmente (part by part)" (VON KÁROLYI et al., 2003). Por outro lado, características de dotação como a hiperlexia (Condição do desenvolvimento. Características: Capacidade precoce de leitura, dificuldade de processamento de linguagem oral e comportamento social atípico) e o domínio espontâneo e precoce da leitura em crianças (GRIGORENKO et al., 2003; SILBERBERG e SILBERBERG 1967; 1971), encontram-se quase exclusivamente nos indivíduos com TEA (BURD & KERBESHIAN 1988; JUST et al., 2004; TURKELTAUB et al., 2004). Um estudo de caso único utilizou ressonância magnética para investigar a hiperlexia e sua base neural. Concluiu-se que a leitura hiperléxica está associada à hiperativação do córtex temporal superior esquerdo, uma região que é justamente hipoativada na dislexia (TURKELTAUB et al., 2004). 2.3.5 Desenvolvimento do sistema nervoso central Crespi e Badcock (2008) apontam que muitas das diversas características neurológicas consideradas típicas em indivíduos com TEA e esquizofrenia (ver Tabela 5, página 43) têm relação com funcionalidade e desenvolvimento, com influência sobre o desenvolvimento do tamanho do cérebro, tamanhos relativos das regiões 40 cerebrais, massas branca e cinzenta, conectividades intra e inter-hemisféricas, tamanho do corpo caloso e assimetria cerebral (BURNS, 2006a). Assim, o TEA envolve uma aceleração do desenvolvimento cerebral, resultando em um aumento do seu tamanho durante a infância (principalmente no lobo frontal), e matéria branca aumentada (CARPER et al., 2002; COURCHESNE 2004; COURCHESNE e PIERCE 2005a; 2005b; MCCAFFERY e DEUTSCH, 2005; SCHUMANN et al., 2004). Os autores ressaltam que, nos seres humanos e em outros primatas, o aumento do tamanho do cérebro relaciona-se com o aumento da proporção relativa de massa branca (SCHOENEMANN et al., 2005), conectividade intra-hemisférica relativamente aumentada (em comparação com a inter-hemisférica) (BURNS, 2006a), e um corpo caloso pequeno em relação ao tamanho do cérebro (RILLING e INSEL, 1999; VIDAL et al., 2006). “A aceleração do crescimento cerebral no autismo pode também gerar um crescimento mais rápido do hemisfério direito, em liderança no desenvolvimento, antes dos três anos de idade (CHI et al., 1977; CHIRON et al., 1995; PILCHER et al., 2001; SELDON 2005)” (CRESPI; BADCOCK, 2008), resultando em uma reversa assimetria (para a direita) mais frequente, principalmente em áreas como o plano temporal, relativas à linguagem, e contribuindo para o padrão geral no autismo de aparentes déficits relativos em tarefas do hemisfério direito e relativamente globais. (GUNTER et al., 2002; PREVIC 2007). A esquizofrenia, por sua vez, com o desenvolvimento inicial aparentemente mais lento e menor tamanho do cérebro, além de reduções relativas na matéria branca, pode resultar em um desenvolvimento prejudicado do hemisfério esquerdo, mais lentamente desenvolvido. (CROW, 1997; FLOR-HENRY, 1969; GALABURDA, 1984; HARRISON 1999; HULSHOFF POL et al., 2006; MOHR et al., 2001). O contraste entre a disfunção relativa do hemisfério esquerdo na esquizofrenia (com deficiências relativas em tarefas de codificação e processamento sequencial, de série e mais locais) contra o relativo déficit do hemisfério direito no TEA (com potencialidades relativas em algumas tarefas de processamento local e linear, mas déficits em tarefas gestalt, holísticas, e mais globais, como interação social) (BRADSHAW e NETTLETON, 1983) pode ser uma visão reducionista, mas possivelmente ajuda a ligar as taxas de crescimento do cérebro com aspectos importantes da cognição lateralizada (HAN et al., 2002). É importante ressaltar que tanto o TEA quanto a esquizofrenia apresentam déficits absolutos em funções 41 atribuídas a ambos os hemisférios. Os pacientes com esquizofrenia, por exemplo, mostram pragmáticas da linguagem prejudicadas (LANGDON et al., 2002 in: Crespi e Badcock, 2008). Tab. 5 - Metanálise de estudos dos espectros autista e esquizofrênico Traço Espectro Autista Espectro Psicótico Placentação Inclusões placentárias, associadas com hiperdesenvolvimento (1) Restrição do crescimento intrauterino, subdesenvolvimento placentário e hipoxia fetal (2,3) Crescimento, anatomia Peso elevado ou o mesmo o nascimento, comprimento (misto) (4-6) Desenvolvimento corporal mais rápido na infância (5,10,11) Baixo peso ao nascer, comprimento (mista) (7) Proporção abaixo de 2:4 dígitos (14,15) Níveis elevados de BDNF, IGF2 e de outros fatores de crescimento (18,19) Crescimento lento, tamanho pequeno na infância (misto) (2,12,13) Maior proporção de 2:4 dígitos (16,17) Baixos níveis de BNDF e de outros fatores de crescimento (20-22) Menor tamanho do cérebro, menos matéria cinzenta e branca, córtex mais fino (2630) Acelerada perda de massa cinzenta (32) Amígdala menor, menos reativa (misto) (35,36) Neuroanatomia e função neurológica Maior tamanho do cérebro, mais matérias cinzenta e branca, córtex mais espesso (23-25) Falta de perda de massa cinzenta (31) Amígdala maior (desenvolvimento precoce) , mais reativa (33,34) Corpo caloso menor (34,36) Lateralização anômala (39,40) Relativa disfunção do hemisfério direito (43) Sistema de neurônios-espelho subdesenvolvido (46.47) Corpo caloso maior (misto) (37,38) Menos lateralizado (41,42) Disfunção relativa do hemisfério esquerdo (44,45) Sistema de desregulado (48) neurônios-espelho Alta sensibilidade do rastreio, paranoia (50,51) Delírios (53,54) de perseguição, erotomania Delírios de conspiração (53) Delírios de referência, megalomania (53) Teoria da Mente hiperdesenvolvida na esquizofrenia (60); Teoria da Mente melhorada em esquizotipia saudável (6163) Hiperativação em BA8,44,46 (68-70) Referências: (1) Anderson et al., 2007; (2) Wahlbeck et al., 2001a; (3) Rees & Inder (2005); (4) Sugie et al., 2005; (5) Mraz et al., 2007; (6) Dissanayake et al., 2006; (7) Nilsson et al., 2005; (8) Niemi et al., 2005; (9) Cannon et al., 2002; (10) Sacco et al., 2007; (11) Fukumoto et al., in press; (12) Gunnell et al., 2003; (13) Haukka et al., in press; (14) Manning et al., 2001; (15) Milne et al., 2006; (16) Arato ´ et al., 2004; (17) Walder et al., 2006a; (18) Mills et al., 2007; (19) Connolly et al., 2006; (20) Moises et al., 2002; (21) Weickert et al., 2005; (22) Palomino et al., 2006; (23) Herbert et al., 2004; (24) 42 Lainhart et al., 2006; (25) Hardan et al., 2006; (26) Kieseppa ¨ et al., 2003; (27) McDonald et al., 2005; (28) Tamminga & Holcomb 2005; (29) McIntosh et al., 2006; (30) Goghari et al., 2007; (31) McAlonan et al., 2002; (32) Rapoport et al., 2005; (33) Schumann et al., 2004; (34) Stanfield et al., in press; (35) Aleman & Kahn 2005; (36) Alexander et al., 2007; (37) Brambilla et al., 2005; (38) Tuncer et al., 2005; (39) Herbert et al., 2002; (40) Herbert et al., 2005; (41) Leask & Crow 2005; (42) Weiss et al., 2006; (43) Gunter et al., 2002; (44) Mohr et al., 2001; (45) Hulshoff Pol et al., 2006; (46) Williams et al., 2001; (47) Hadjikhani et al., 2007; (48) Arbib & Mundhenk 2005; (49) Ristic et al., 2005; (50) McKay et al., 2005; (51) Langdon et al., 2006b; (52) Gallese 2006; (53) Kimhy et al., 2005; (54) Kennedy et al., 2002; (55) Tomasello et al., 2005; (56) Toichi et al., 2002; (57) Grandin 2004; (58) Baron-Cohen & Belmonte 2005; (59) Frith 2003; (60) Harrington et al., 2005a; 2005b; (61) Rim 1994; (62) Pilowsky et al., 2000; (63) Dinn et al., 2002; (64) Happe ´ et al., 1996; (65) Luna et al., 2002; (66) Dapretto et al., 2006; (67) Silk et al., 2006; (68) Quintana et al., 2001; (69) Whalley et al., 2004; (70) Seidman et al., 2006; (71) Kennedy et al., 2006; (72) Garrity et al., 2007; (73) Harrison et al., 2007; (74) U. Frith 2004; (75) Camisa et al., 2005; (76) Losh & Capps 2003; (77) Blanc et al., 2005; (78) Honey et al., 2006; (79) Claridge et al., 1990; (80) Nettle 2001; (81) Happe ´ 1994; (82) Landry & Bryson 2004; (83) Brugger & Graves 1997a; (84) Brugger & Graves 1997b; (85) Mathes et al., 2005; (86) Whitehouse et al., 2006; (87) Jones & Fernyhough 2007; (88) Baron-Cohen et al., 2001; (89) BaronCohen et al., 2005; (90) Toulopoulou et al., 2005; (91) Kravariti et al., 2006; (92) Happe ´ & Frith 2006; (93) Bellgrove et al., 2003; (94) Sumich et al., 2005; (95) Just et al., 2004; (96) Turkeltaub et al., 2004; (97) Bersani et al., 2006; (98) Edgar et al., 2006. Fonte: Crespi; Badcock, 2008 (tradução e adaptação) 2.3.6 Apoptose A apoptose, também conhecida por morte celular programada, é um mecanismo regulado e geneticamente determinado que resulta na morte da célula sem uma resposta inflamatória (ARANTES-GONÇALVES; SOARES-FORTUNATO, 2004). Esse mecanismo tem sido mais estudado especialmente nos séculos XX e XXI, em busca de encontrar relações entre ele e neuropatologias, como a esquizofrenia e o Transtorno do Espectro do Autismo, já que a apoptose pode funcionar como uma espécie de “poda neuronal”, de forma a permitir que o sistema nervoso se organize. Muitos estudos indicam que o autismo e a esquizofrenia estão relacionados a um menor número de apoptoses, ou seja, essas “podas” aconteceriam em menor frequência e, também, com conexões errôneas entre neurônios. Essa associação foi feita, principalmente, pelas fases do desenvolvimento em que são mais comuns os aparecimentos de evidências mais amplas tanto de um como de outro transtorno: o autismo, em torno dos dois anos de idade; e a esquizofrenia, durante a adolescência. Ocorre que são justamente dois períodos em que ocorrem grandes podas neuronais (HENNEMANN, 2012). Lage (2006) ressalta que, nessas fases, há essa "poda neural", com o objetivo de reestruturar o cérebro. Há a suspeita de que, nos autistas, 43 essa poda seja diferente, e que altere alguns circuitos cerebrais. Por esse motivo, crianças autistas podem regredir e até parar de falar nessa idade (LAGE, A., 2006). Filipe Arantes-Gonçalves, João Gama Marques e Rui Coelho (2012) fizeram algumas associações entre a apoptose e a esquizofrenia. Segundo eles, a apoptose parece acontecer apenas nas fases iniciais da doença e, por isso, não era detectada nos estudos post-mortem. “Por outro lado, especula-se que a apoptose tenha implicações na patogênese da esquizofrenia, ao nível das sinapses, processo que é denominado por apoptose sináptica” (Arantes-Gonçalves; Gama Marques; Coelho, 2012, p. 10) afirmam. Portanto, se proteínas apoptóticas possibilitam a perda de sinapses na doença, e se ela for eventual e não contínua, os autores presumem que “os níveis de caspase-3 podem estar aumentados, apenas episodicamente para depois regressarem ao nível basal” (Arantes-Gonçalves; Gama Marques; Coelho, 2012, p. 10). Segundo eles, tais fatos indicariam uma possível hipótese do desenvolvimento do sistema nervoso central, na qual estímulos nocivos, próapoptóticos, tais como a isquemia, hipóxia e citocinas pró-inflamatórias, aumentariam o risco de esquizofrenia em decorrência da desregulação da apoptose perinatal como consequência dos estímulos precoces adversos. Os autores ainda destacam que já está provado que a apoptose ocorre em maior quantidade, em termos de sistema nervoso, na infância e, depois, na adolescência. Relativamente a esta hipótese neurodesenvolvimental e na sua relação com a hipótese dopaminérgica, a apoptose induzida na substância negra pode ser consequência do efeito tóxico direto a partir do órgão-alvo. (ARANTES-GONÇALVES, MARQUES, COELHO, 2012, p.10) A última explicação apresentada parece, segundo os autores, ser a hipótese mais viável, indicando a existência de um período crítico, precoce e estreito de dependência do órgão-alvo. No entanto, alguns trabalhos sobre apoptose e esquizofrenia têm sugerido uma aparente diminuição da atividade apoptótica a nível cortical. Esse fenômeno poderá ser interpretado como uma falha fisiopatológica para estabelecer resposta apoptótica efetiva perante um estímulo definido ou, por outro lado, uma resposta compensatória a uma agressão apoptótica prévia (ARANTESGONÇALVES, MARQUES, COELHO, 2012, p.10-11) 44 Arantes, Marques e Coelho acreditam que, quanto mais for sabido sobre o significado biológico da apoptose e sobre as suas vias moleculares na esquizofrenia, mais se tornará viável o tratamento da doença através da melhoria na síntese de fármacos anti-psicóticos. 2.3.7 Esquizofrenia com início precoce e Transtornos do Espectro do Autismo A literatura aponta um tipo de esquizofrenia com início precoce, onde mostrase uma forma rara e grave da doença, definida com sintomas psicóticos antes dos 13 anos. O início é geralmente após 7 anos de idade com sintomas positivos e negativos proeminentes, e geralmente apresenta um pobre prognóstico. Alguns estudos sistemáticos sobre esquizofrenia com início precoce (EIP) mostram alta comorbidade entre estes e os TEA. No DSM-II (1968), os TEA foram referidos como esquizofrenia infantil, e foram identificados por um "comportamento atípico e retraído", "incapacidade de desenvolver a identidade separada da mãe," e "desigualdade geral, imaturidade e inadequação no desenvolvimento". O trabalho conduzido por Kolvin et al., orientado para o contraste entre a esquizofrenia de início precoce (com início típico após 7 anos) e os TEA trouxe distinção entre ambos no DSM III. A fenomenologia EIP foi descrita por Kolvin et al., em um estudo com 33 crianças britânicas. Além disso, os investigadores ressaltaram a gravidade e a frequência de transtornos de desenvolvimento pré-psicótico em EIP, caracterizados por anormalidades do desenvolvimento, principalmente para a comunicação, alterações motoras e/ ou relacionamento social. Em um relatório de UCLA observou-se 39% de EIP em uma amostra de 33 pacientes, que já possuíam sintomas de TEA anos antes do início da esquizofrenia. Destes, 28 (55%) tinham histórias que preencheram os critérios do DSM III-R para TEA, com alta correlação entre os sintomas de ambos. Um dos maiores estudos incluiu 101 crianças e adolescentes com início da EIP pelo DSM IV (1994). Destes, 1% preencheram os critérios para autismo clássico, 2% para a Síndrome de Asperger e 25% para autismo sem outra especificação, perfazendo um total de 28% com TEA. 45 O diagnóstico de autismo sem outra especificação foi persistente e estável nestes casos, com início nos primeiros cinco anos de vida, enquanto os sintomas psicóticos ocorreram tipicamente de 3 a 5 anos mais tarde. Grandes estudos de coorte dos antecedentes da esquizofrenia têm documentado atrasos sutis de desenvolvimento ao longo dos anos anteriores ao início da psicose. Em um estudo prospectivo da população pediátrica, foi encontrado um padrão relativamente específico de distúrbio do desenvolvimento infantil que consiste em prejuízo neuromotor, linguagem receptiva, e desenvolvimento cognitivo entre os filhos que mais tarde foram diagnosticados com transtorno esquizofreniforme. Outro estudo de coorte relatou crianças com deficiências de desenvolvimento associadas aos sintomas psicóticos posteriores relatados aos 11 anos de idade. Portanto, notaram-se dois conjuntos relativamente diferentes de distúrbios iniciais de desenvolvimento. Um conjunto incluiu membros da amostra EIP que preenchiam os critérios para um DSM-IV-TR para autismo sem outras especificações (n = 28); e outro conjunto (n = 39), que apresentou a linguagem, o desenvolvimento motor ou os prejuízos sociais decorrentes da impulsividade ou ansiedade. Os estudos apontaram também padrões demográficos de TEA e EIP como indivíduos primordialmente do sexo masculino (p = 0,04) e que não eram da raça negra (p = 0,02), todos com incapacidade de desenvolver comportamentos sociais recíprocos como definindo sua característica comum, que foi temporalmente e clinicamente distinto do seu posterior desenvolvimento de sintomas psicóticos. Rapoport, Greendtein, Addington e Gogtay (2009) conduziram uma análise à procura de evidências que ligassem o TEA à esquizofrenia de início precoce. Para tanto, utilizaram dados clínicos, demográficos, de desenvolvimento cerebral, além de dados familiares, de imagem e genéticos provindos de estudos dessas categorias. Como resultado, os autores identificaram que a EIP é precedida pelo TEA, e comórbido a este, em entre 30 e 50% dos casos. Além disso, tanto um como outros transtornos têm ligações com crescimento anatômico cerebral acelerado em idades próximas às da manifestação da doença. Os pesquisadores também acrescentaram que há “um número crescente de genes de risco e/ou pequenas variações cromossômicas [...] compartilhadas por esquizofrenia e TEA” (RAPOPORT, GREENDTEIN, ADDINGTON E GOGTAY, 2009, p. 10) 46 3 COGNIÇÃO SOCIAL Os processos cognitivos, emocionais e de comportamento pelos quais as pessoas entendem a si mesmas e outras no mundo social são englobadas no conceito de cognição social, segundo a autora Kristjen Lundberg (2013). A cognição social, como uma construção dentro da psicologia, é usada para descrever um amplo paradigma teórico generalizado, focando em como as pessoas processam informação em contextos sociais (LUNDBERG, K., in: ROBERTS, D., PENN. D, 2013). Lundberg ressalta que mesmo adultos considerados normais têm dificuldade em navegar por um complexo mundo social, se envolvendo em interpretações errôneas de intenções e ações de outros indivíduos. Segundo Sperry (1993), o estudo da cognição social se originou dentro da própria psicologia durante a “revolução cognitiva” das décadas de 1960 e 1970. Diversas definições do termo foram moldadas desde então (tabela 6). Tabela 6 – Definições de cognição social Autor Ano Conceito Lamb e Sherrod 1981 A cognição social refere-se à forma pela qual o indivíduo percebe e compreende outras pessoas. Fu, Goodwin, Sporakowki e Hinkle 1987 O próprio conceito inclui a capacidade de integrar perspectivas Adolphs 1999 Cognição social é a soma dos processos que permitem que os indivíduos da mesma espécie interajam uns com os outros. Tal interação é questão de sobrevivência, tanto para os indivíduos como para sua espécie como um todo e, essencialmente, depende da troca de sinais. Enquanto que, para caracterizar a comunicação social em humanos, o sinal de fala é mais óbvio, existem muitos outros sinais mais básicos, que os seres humanos compartilham com outros animais sociais. Por exemplo, a expressão facial e postura corporal dizem o que alguém pode estar sentindo. Flavell, Miller e Miller 1999, p.145 “A cognição social toma os humanos e seus afazeres como sujeitos; ela significa a cognição sobre pessoas e suas ações. As máquinas, a matemática e os julgamentos morais são objetos e produtos da cognição humana, por exemplo, mas somente os últimos seriam 47 considerados um tópico dentro da cognição social humana. A cognição social lida com o mundo estritamente social, não com os mundos físicos e lógicomatemático, embora todos os três tenham as marcas do engenho humano”. Ramires 2003 A cognição social reconhece a criança ativa e interativa, contando com um papel construtivo nesse processo. Afirma que pesquisas relevantes nesse campo abordam o próprio desenvolvimento da capacidade de identificar, recordar e reconhecer objetos sociais, fazendo distinção com os objetos inanimados do ambiente. Moskowitz 2005 A capacidade de raciocinar sobre as causas e razões de um determinado evento é um dos elementos mais importantes na caracterização da natureza humana e uma das premissas básicas de estudo da cognição social. Couture 2006 Consiste em uma operação mental, na base do funcionamento social. Envolve a capacidade humana de perceber a intenção e a disposição do outro em um determinado contexto. Isto inclui as habilidades nas áreas da percepção social, atribuição e empatia e reflete a influência do contexto social. Frith e Frith 2007 Cognição social diz respeito aos vários processos psicológicos que permitem aos indivíduos tomar vantagem de ser parte de um grupo social, pelos quais criaturas entendem e fazem sentido do mundo. Augoustinos, Walker e Donaghue 2014 Cognição social é uma área da psicologia social, com o objetivo de entender como humanos compreendem sua posição no mundo social. Fiske e Taylor 2013 É a preocupação com o que outras pessoas pensam sobre o “eu” e, também, em compreender o outro. A cognição social explica ambos os processos. e captura uma notável gama de fenômenos úteis a indivíduos e à condição humana Os processos implicados na cognição social nos permitem o desenvolvimento da linguagem, e que geralmente consideramos sob o rótulo da cultura. A cognição social também emprega sinais que são processados automaticamente, bem como 48 aqueles processados deliberadamente, sendo que predominantemente ocorrem os sinais processados sem consciência (Frith & Frith, 2007). Os signos nos fornecem informações sobre a pessoa do qual emana o sinal (o emissor), onde, nem o remetente nem o receptor precisam estar cientes de que eles estão trocando de sinais. A partir deste processo, as pessoas são classificadas como perigosas ou confiáveis, emanando ou não informações verdadeiras ou falsas. Uma expressão de nojo, por exemplo, nos diz que devemos evitar qualquer interação com o que o emissor está comendo (FRITH e FRITH, 2007). Os sinais também nos dizem muito da interação de dois indivíduos. Quando interagimos com alguém, muitas vezes, ocorrem movimentos espelhados involuntários bem como maneirismos de cada um. Quando estes movimentos ocorrem, criam a sensação de que temos bom relacionamento uns com os outros - o efeito camaleão. No entanto, se este efeito é criado propositalmente e o indivíduo passa a ter esta percepção, pode-se criar o sentimento de estar sendo zombado (CHARTRAND e BARGH, 1999). A capacidade de julgar expressões faciais e derivar outras informações socialmente relevantes a partir de rostos, percepção corporal e pela voz são requisitos fundamentais para estabelecer uma recíproca social. Para que ela ocorra, o indivíduo deve processar adequadamente pistas emocionais recebidas de outros (HUDEPOHL et al., 2013; PELPHREY et al., 2002; EKMAN, 2011). Entre estas pistas, as expressões faciais se sobressaem, considerando que o rosto é um foco de interesse nas relações interpessoais. Ekman (1972) identificou seis expressões faciais universais: raiva, felicidade, surpresa, nojo, tristeza e medo. Posteriormente, Biehl et al. (1997) documentaram a alta concordância em julgamentos de expressões faciais de emoção em mais de 30 culturas diferentes. Esta posição não nega a importância do papel dos processos de cultura e de aprendizagem social em todos os aspectos da emoção, mas revela que ele não é um sistema totalmente maleável (EKMAN, 1972). Outro aspecto importante na emoção é a comunicação corporal. Através dos movimentos do corpo e da postura corporal de um indivíduo ocorre uma importante parte da comunicação (NOOIJER et al., 2013, DAEL et al., 2012). Premack (1990) identifica que bebês com até seis meses de idade com desenvolvimento típico detectam a intencionalidade de outro indivíduo através de uma variedade de estímulos 49 associados à linguagem corporal: um toque, um pulo, um empurrão, entre outros. O bebê é capaz de identificar emoções a partir da interpretação dos estímulos decorrentes da postura corporal do outro (PREMACK, 1990). Couture et. al. (2006) propôs um modelo de composição da cognição social, que a subdividia em Percepção Emocional, Percepção Social, Teoria Da Mente E Estilo De Atribuição (tabela 7) Tabela 7 - Composição da cognição social, por Couture et al. (2006) Percepção emocional (PE) A capacidade de inferir informação emocional a partir das expressões emocionais, das inflexões vocais e/ou da prosódia (ritmo, entonação e outros atributos na fala). Percepção Social (PS) Capacidade de extrair impressões do comportamento manifestado em um contexto social. Também inclui a compreensão de regras e convenções sociais. Teoria da Mente (ToM) Entendimento de que os demais possuem estados mentais diferentes dos nossos e de fazer inferências a partir dos conteúdos desses estados mentais. Estilo de Atribuição (EA) Tendência característica a explicar as causas dos acontecimentos internamente ou externamente, se serão persistentes ou transitórios e se abrangerão algumas ou muitas situações. . Fonte: Couture et. al., Vol. 32, S1, 2006 p. S46 (tradução e adaptação) Para representar o modelo proposto de cognição social, Couture e seus colaboradores (2006) criaram um esquema gráfico para representá-lo, assim como seu resultado funcional (Fig. 3, abaixo). Ele inclui como exemplo uma situação social – uma expressão facial de, segundo os autores, um colega de trabalho que passou sem dizer “olá”– e as reações de um paciente com esquizofrenia. Em primeiro lugar, 50 o paciente pode perceber de forma errônea a expressão emocional do colega, como sendo de raiva em vez de perturbação ou estresse, sem associá-la a informações adicionais presentes na situação, como o passar apressado do colega. Essas interpretações equivocadas podem resultar, em seguida, em uma conclusão de que o colega está com raiva. Consequentemente, na fase seguinte, o paciente busca o porquê da raiva do colega. Desvios no Estilo de Atribuição, assim como uma personalização, o levam a crer que o colega está bravo consigo, um viés errôneo, pois o paciente tem dificuldade de se colocar na posição do colega de trabalho (ou seja, déficits em TdM). Assim, o paciente é incapaz de compreender o contexto emocional e social do comportamento do outro, resultando em sentimentos negativos como raiva e ressentimento, o que fez com que agisse de forma hostil com o colega – ou seja, um comportamento social impróprio (COUTURE et al., 2006) Figura 3 – Esquematização conceitual para entendimento das interações entre cognição e funcionamento social. Fonte: Couture et. al., Vol. 32, S1, 2006 p. S46 (tradução e adaptação) 51 Segundo Premack e Woodruff (1978), dizer que um indivíduo tem “Teoria da Mente” (TdM) significa que este atribui estados mentais para si mesmo e para os outros (tanto para indivíduos da mesma espécie ou de outras espécies). Trata-se, segundo os autores, de uma habilidade que nos permite desenvolver uma medida, um sistema de referências que viabiliza comparações entre nosso mundo interno, subjetivo, e o mundo externo, dos outros, sobre o que os outros pensam, sentem, desejam, acreditam, duvidam. (PREMACK e WOODRUFF, 1978). 3.1 EMPATIA Inferir corretamente estados emocionais e intenções através da observação do comportamento dos outros é um pré-requisito para a interação social bem sucedida e aumento da coesão social. Como um fenômeno interpessoal fundamental, a empatia desempenha um papel vital em todas as interações sociais e, assim, déficits no comportamento empático podem levar a disfunções sociais, incluindo aqueles que caracterizam os principais transtornos psiquiátricos (SEGRIN, 2000; BLAIR, 2005;. HENRY et al., 2008, DEVIGNEMONT e SINGER, 2006). Segundo Decety e Jackson, (2004) a maioria dos modelos diferencia três componentes fundamentais da empatia: 1) reconhecimento de emoções em expressões faciais, discurso ou comportamento (gestos); 2) resposta afetiva a estados emocionais dos outros (empatia afetiva); e 3) assumir a perspectiva de outra pessoa, embora a distinção entre o eu e o outro permaneça intacta (empatia cognitiva, por exemplo) (ICKES, 2003). 52 Reconhecimento de Emoção Perspectiva do outro Resposta afetiva Figura 4 - Três componenentes da empatia Fonte: Decety e Jackson, 2004. Para Baron-Cohen (2002), o processo da empatia envolve dois elementos: a capacidade de atribuir um estado mental a si próprio e a outros indivíduos e uma reação emocional apropriada para o estado mental da outra pessoa. O conceito compreende o significado do termo atribuição do estado mental (Teoria da Mente), mas vai além, ao incluir também uma reação afetiva. Para que essa empatia ocorra, é necessário que o indivíduo desenvolva certas características, como ser capaz de julgar se algo ou alguém é um agente; ser capaz de julgar se um outro agente está olhando para você; ser capaz de julgar se um agente está expressando uma emoção básica e, em caso afirmativo, qual o tipo de emoção; envolver-se em atenção compartilhada, mostrar preocupação ou empatia básica na angústia de uma outra pessoa ou responder de forma apropriada a de outro estado emocional básico e ser capaz de julgar a meta de um indivíduo ou intenção básica (BARON-COHEN et al., 2003; JOHNSON, 2000). Na medida em que a criança se desenvolve, outras características da empatia são necessárias: atribuição de estados mentais a si e aos outros, incluindo faz-deconta, decepção e crenças; reconhecer e responder adequadamente às emoções complexas; vincular estados mentais à ação, incluindo a linguagem, e, portanto, a compreensão e produção de linguagem pragmaticamente adequada; compreender o comportamento dos outros, prevê-lo, e até mesmo manipulá-lo; julgar o que é apropriado em diferentes contextos sociais, com base na projeção do que os outros 53 vão pensar de nosso próprio comportamento; compreensão empática de outra pessoa (BARON-COHEN et al., 2003) A sistematização é a capacidade de construir sistemas e compreender funcionamentos de objetos inanimados (por exemplo: postes de eletricidade, alarmes, aspiradores, máquinas de lavar, aparelhos de vídeo, trens, aviões e relógios). Esta competência envolve uma análise inicial do sistema até o seu menor nível de detalhe para identificar parâmetros potencialmente relevantes que podem desempenhar um papel causal no comportamento do sistema (LAWSON, 2004; BARON-COHEN et al., 2003). A empatia e a sistematização são sistemas independentes, e para indivíduos com diagnostico do TEA possuir uma sistematização bem desenvolvida não lhe garante relações afetivas adequadas. Um déficit de empatia pode explicar anormalidades sociais, de comunicação, e até mesmo dificuldades em imaginar os estados mentais de outras pessoas, aspectos característicos do diagnóstico de TEA (BARON-COHEN et al., 2003). Em contrapartida, as características presentes nos indivíduos com TEA, tais como interesses obsessivos, comportamentos repetitivos e ilhas de interesses, podem ser mais bem compreendidas através de uma habilidade preservada e muitas vezes superior que possuem. Esta é particular de um processo chamado de sistematização (Baron-Cohen et al., 2003). Falcone (1999) divide o processo empático em dois: a compreensão, em que é necessária a atenção e sentidos do indivíduo ao evento; e a comunicação, que envolve o retorno, o feedback ao outro, evidenciando que houve compreensão. A capacidade de entendimento do estado do terceiro e a de se colocar em seu lugar a partir das informações observadas compõem a resposta empática, que, para isto, deve permitir a percepção de emoções e sensações tanto negativas como positivas do outro. Moya-Albiol et. al. (2010) definem, portanto, sua relação com a cognição social: por ter papel importante na interatividade social e, consequentemente, na sobrevivência, a empatia pode ser considerada parte da cognição social. 54 3.2 ALTERAÇÕES EM COGNIÇÃO SOCIAL NOS TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO E NA ESQUIZOFRENIA Tendo em vista que tanto os indivíduos com TEA como os com esquizofrenia apresentam alterações na cognição social, estudos mais recentes têm buscado compreender em maior detalhe as semelhanças e diferenças entre os dois grupos, assim como descobrir se tais alterações se devem a causas comuns ou distintas (PINKHAM et al., 2008). Apesar dos dois grupos apresentarem déficit em habilidades de Teoria da Mente e processamento de emoção através de pistas faciais, em dois estudos o grupo do autismo apresentou maior prejuízo nas duas habilidades (PILOWSKY et al., 2000; BOLTE e POUTSKA, 2003). Contudo, ainda existe grande dificuldade em aferir tais diferenças dado que os dois transtornos envolvem um espectro de casos muito variado, com diferentes gravidades nos sintomas e prejuízos (SASSON et al., 2007). Baron-Cohen (1995) utilizou o termo “cegueira mental” (mind blindness) para descrever as dificuldades apresentadas pelos indivíduos com TEA na capacidade de inferir ou de atribuir estados mentais a terceiros, comprometendo sua capacidade de interagir socialmente, ou seja, déficits de ToM. Uta Frith (1996) e Simon Baron-Cohen (1985) assinalaram os déficits nas habilidades cognitivas como prejuízos primários no desenvolvimento do indivíduo com TEA. Os autores atribuíram a dificuldade de relacionamento ao prejuízo na compreensão do ponto de vista do outro, na mentalização, na impossibilidade de formar uma metarrepresentação da realidade. O indivíduo apresenta um distúrbio de interação social, diferentemente da incapacidade de percepção para qualquer situação, não consegue atribuir estados mentais aos outros, e é incapaz de interpretar o comportamento alheio. Este modelo é denominado de déficit de Teoria da Mente, ou seja, as dificuldades apresentadas em jogos interativos e simbólicos e na atenção compartilhada são decorrentes do prejuízo no processo de metarrepresentação de reconhecimento e de atribuição de estado mental ao seu interlocutor e a si próprio (BARON-COHEN et al., 1985; FRITH, 1996). Indo além dos estudos comportamentais, as pesquisas agora têm focado em compreender as diferenças no processamento da informação social em níveis 55 divergentes, como no processamento cerebral subjacente (PINKHAM et al., 2008) e em mecanismos comportamentais, como, por exemplo, no rastreio visual de estímulos como vídeos, faces e desenhos para descobrir alterações de ordem mais básica (SASSON et al., 2007). Em um estudo utilizando eye-tracking (tecnologia utilizada para aferir rastreio visual) com TEA e esquizofrenia em tarefa de reconhecimento de emoções, Sasson et al. (2007) encontrou alterações semelhantes no rastreio visual para ambos os grupos. As pessoas com TEA e com esquizofrenia apresentaram menor tempo de fixação nos estímulos visuais de face em comparação ao grupo controle (pessoas saudáveis). Contudo, o resultado comportamental de acurácia nos testes utilizados foi similar ao do grupo controle, demonstrando a importância da utilização do eye-tracking para a detecção de alterações comportamentais. Apesar da existência deste estudo com eye-tracking investigando a diferença no rastreio ocular entre pessoas com TEA e esquizofrenia em tarefa de reconhecimento de emoções, mais estudos são necessários para replicar estes achados. A investigação do desempenho de pessoas com TEA e esquizofrenia em tarefas de habilidade social é de grande relevância, uma vez que a literatura indica que este desempenho está correlacionado com o prognóstico e com a capacidade de reinserção social destes indivíduos. Isto se dá em razão da cognição social nesses transtornos estar relacionada com a adaptação do indivíduo ao ambiente e com sua capacidade de adquirir novas habilidades e de adaptar-se às tarefas sociais e laborais (DAVIDSON e KEEFE, 1995; GANZ et al., 2013; GREEN, 1996; GREEN et al., 2000; GREEN et al., 2004; HOFF e KREMEN, 2003; MASON et al., 2012; SZÖKE et al., 2006). Como já mencionado, o fato desses transtornos atingirem pessoas durante fases do desenvolvimento resulta em impactos significativos não só em relação ao paciente, mas também em relação às famílias e ao sistema de saúde, pois o indivíduo frequentemente torna-se incapacitado para atuar adequadamente nos âmbitos profissional e social (DALTIO; MARI; FERRAZ, 2007). Por ser uma medida intimamente ligada com a funcionalidade do indivíduo, a compreensão do processamento visual no reconhecimento de emoções de indivíduos com TEA e esquizofrenia pode auxiliar em futuras medidas de intervenção que podem, por 56 consequência, diminuir os custos econômicos, bem como o sofrimento das famílias (HOWLIN, BARON-COHEN, HADWIN, 2003) Indivíduos com TEA possuem um déficit nesta habilidade: carecem ora de perceber, ora de reconhecer o sentido dos estímulos emocionais emitidos pelo outro. Estudos com eye-tracking focados em estratégias de exploração de rostos, por exemplo, mostraram que seu rastreamento ocular é menor. Seu olhar é menos direcionado para a área dos olhos, associado em alguns casos, a uma maior exploração da boca (GUIMARD-BRUNAULT, et al., 2013; PELPHREY et al., 2002). Assumpção (1999) realizou um estudo comparando crianças típicas com crianças com TEA em tarefa de reconhecimento de expressões faciais. Foram apresentadas quatro figuras com expressões faciais de alegria, tristeza, raiva e surpresa, encontrando-se diferenças significativas entre os dois grupos, com melhor desempenho apresentado pelas crianças típicas. Em casos de esquizofrenia, os prejuízos de capacidades sócio-cognitivas já eram apontados por Kraepelin (1896) e Bleuler (1911), praticamente como evidências centrais da ocorrência da doença. Desde então, a extensão desses prejuízos vem sendo amplamente estudada (Sharma e Antonova, 2003). Monteiro e Louzã (2007) relatam que os déficits cognitivos, segundo os estudos conduzidos no primeiro episódio com pacientes não-tratados, parecem ser prévios ao desenvolvimento da doença. Em um estudo de revisão realizado por Torrey (2002) sobre pacientes nunca tratados com medicação antipsicótica, os achados neuropsicológicos indicaram déficits de memória e de aprendizagem, atenção, abstração, linguagem, funcionamento executivo e velocidade psicomotora. Os resultados dos pacientes nunca tratados, comparados aos dos pacientes medicados previamente, foram similares. Alterações neuropsicológicas, que podem ser observadas já no primeiro episódio psicótico, sugerem prejuízos quanto ao desenvolvimento do sistema nervoso central, segundo O’Carroll (2000). Mas ainda não existe um consenso sobre o curso do declínio das capacidades ao longo da doença, pois há exceções: alguns estudos relatam uma aparente estabilidade das alterações cognitivas. 57 Na metanálise feita por Fioravanti et al. (2005), 1.275 artigos, e 113 estudos foram revisados, com a investigação específica de cinco domínios cognitivos: QI, memória, linguagem, funções executivas e atenção. Em todos eles, os indivíduos com esquizofrenia tiveram pior desempenho nos testes neuropsicológicos quando comparados aos resultados do grupo-controle. A metanálise feita por Sitskoorn et al. (2004) mostrou também um pior resultado cognitivo em relação à memória verbal e a funções executivas em parentes não afetados de indivíduos com esquizofrenia, reforçando a ideia de que os prejuízos podem significar uma predisposição para a doença, ou seja, um endofenótipo para a esquizofrenia (Sitskoorn et al., 2004). É possível também que as alterações sejam prévias ao aparecimento da doença, hipótese que ganha força com os estudos realizados em grupo de alto risco para psicose - pessoas que ainda não apresentaram a doença, mas já manifestaram sintomas característicos ou fatores de risco. Essa população mostrou uma performance pior em testes neuropsicológicos quando comparados aos da população normal (HAWKINS et al., 2004; NIENDAM et al., 2006). Apesar de alterações cognitivas na esquizofrenia estarem presentes em um grande número de pesquisas, ainda há uma discordância em relação aos aspectos qualitativos e quantitativos desses sintomas. Diferenças das amostras e dos instrumentos de avaliação e interpretação dos resultados levam, com freqüência, a conclusões divergentes sobre o assunto (O’Carroll, 2000; Fioravanti et al., 2005). 3.3 CARACTERÍSTICAS DA COGNIÇÃO SOCIAL EM INDIVÍDUOS COM TEA E ESQUIZOFRENIA Diversas hipóteses têm sido propostas para explicar como as funções neurológicas são alteradas em condições dos espectros psicótico e autista (BARONCOHEN et al., 2005; BRUNE 2004; BURNS, 2004; GREY, 1998; HAPPÉ e FRITH 2006; JOHNSON, 2005). Um ponto de quase consenso nessas ideias é que disfunções cognitivas são movidas por interações alteradas entre e dentro dos componentes do cérebro social humano, que compreende a amígdala, sulco temporal superior, o córtex orbito frontal, o córtex cingulado anterior, junção temporoparietal, pólos temporais, córtex pré-frontal medial, e os sistemas de neurônios-espelho (BRUNE 2004; BURNS, 2004, 2006a; HAPPÉ e FRITH 2006). A hipótese proposta 58 por Crespi e Badcock (2008) prevê que sistemas integrados do cérebro social são interrompidos de forma diametralmente oposta em condições do espectro autísticopsicótico. Esta hipótese pode ser avaliada através da análise de como os aspectos do olhar, a intencionalidade, a agência, a teoria da mente e os sistemas de neurôniosespelho são subdesenvolvidos ou desregulados no autismo e na esquizofrenia, a condição com mais informação disponível (CRESPI; BADCOK, 2008), como descrito na tabela 8. Tabela 8 - Estudos dos espectros autista e esquizofrênico em relação às funções neurológicas na cognição social Traço Cognição Espectro Autista Déficits relacionados com rastreio (49) Déficits na interpretação de intenções (52) Déficits em atenção compartilhada (55) Déficits na agência pessoal (56-57) Teoria da Mente subdesenvolvida (58,59) Hipoativação em BA8,4446 em estudos de imaginação funcional (64) Redução da desativação da rede de descanso (71) Literalidade e incapacidade para ludibriar (74) Redução da imaginação e de jogos simbólicos (76-78) Filtragem anormal de estímulos sensoriais, comportamento repetitivo, e foco em um ou alguns aspectos do ambiente (81,82) Sem linguagem em alguns dos casos de autismo de Kanner; Discurso interior ausente ou reduzido (86) Habilidades visuais e espaciais melhoradas em relação às habilidades verbais (88,89) Aumento de processamento local (em relação ao global) (92) Hiperlexia (95,96) Espectro Psicótico Aumento de desativação da rede de repouso; mais regiões em rede (72,73) Mentalidade delirante, autoengano, ideação mágica (53,75) Complexos delírios sociais, imaginação melhorada (79, 80) Redução da filtragem de relevância de estímulos; associações entre palavras e entre aspectos ambientais “solta”, criatividade aprimorada (83-85) Alucinação auditiva e a inserção de pensamento (87) Déficits em algumas habilidades visuais e espaciais relativas a habilidades verbais (90,91) Aumento de processamento global (93,94) Dislexia (97,98) Referência: (49) Ristic et al., 2005; (52) Gallese 2006; (53) Kimhy et al., 2005; (55) Tomasello et al., 2005; (56) Toichi et al., 2002; (57) Grandin 2004; (58) Baron-Cohen & Belmonte 2005; (59) Frith 2003; (64) Happe et al., 1996; (71) Kennedy et al., 2006; (72) Garrity et al., 2007; (73) Harrison et al., 59 2007; (74) U. Frith 2004; (75) Camisa et al., 2005; (76) Losh & Capps 2003; (77) Blanc et al., 2005; (78) Honey et al., 2006; (79) Claridge et al., 1990; (80) Nettle 2001; (81) Happe ´ 1994; (82) Landry & Bryson 2004; (83) Brugger & Graves 1997a; (84) Brugger & Graves 1997b; (85) Mathes et al., 2005; (86) Whitehouse et al., 2006; (87) Jones & Fernyhough 2007; (88) Baron-Cohen et al., 2001; (89) Baron-Cohen et al., 2005; (90) Toulopoulou et al., 2005; (91) Kravariti et al., 2006; ((93) Bellgrove et al., 2003; (94) Sumich et al., 2005; (95) Just et al., 2004; (96) Turkeltaub et al., 2004; (97) Bersani et al., 2006; (98) Edgar et al., 2006. Fonte: Crespi & Badcock: Psychosis and autism as diametrical disorders of the social brain in: BEHAVIORAL AND BRAIN SCIENCES p.248 (2008) A fim de identificar os componentes específicos neurobiológicos da cognição social, Veluw e Chance (2013) propuseram uma meta-análise sobre a percepção de si e dos outros. Com base em paradigmas bem-definidos; reconhecimento da própria face e na falsa crença da TdM, confirmou-se que certas regiões distintas de ativação são importantes para a auto-consciência e ToM. As principais regiões foram o córtex medial pré-frontal (CMPF), junção temporo-parietal (JTP) bilateral, pré-cúneo e giro temporal medial bilateral para ToM e giro temporal superior direito, giro parahipocampal direito, giro inferior direito frontal/córtex anterior cingulado e o lobo inferior parietal (LIP) esquerdo para auto-consciência. Áreas que estavam envolvidas em ambas as tarefas foram o giro temporal superior, e as partes mais ventrais do CMPF. O envolvimento de JTP e CMPF tanto em falsa crença quanto no reconhecimento da própria face sugere seu envolvimento tanto em diferenciações si dos outros tanto de alto como de baixos níveis, embora inspeções mais minuciosas das áreas ativadas do córtex pré-frontal e do giro supra temporal para os dois níveis de tarefa revelou que eles estão em subáreas intimamente relacionadas, mas nem sempre idênticas. Estes resultados embasam a noção de que a percepção de si e dos outros envolve uma rede composta por vias neurais separadas, mas também inclui regiões que se sobrepõem, de maior ordem do córtex pré-frontal em que estes processos podem ser combinados para contribuir para uma integração mais global que apoia os processos de integração metacognitivos. Insights provenientes da neurobiologia dos transtornos, tais como o autismo e a esquizofrenia, são consistentes com essa noção, indicando que percepções atípicas de si e dos outros referem-se a uma conectividade alterada em vias neurais similares semelhantes e sobrepostas. (COOK et al., 2012). Veluw e Chance (2013) ainda identificaram semelhança entre as redes, apesar das diferenças de tarefas, podem indicar uma distinção subjacente de si e dos outros 60 em comum, que poderia ser investigada em estudos futuros em nível perceptual. Por exemplo, estimulação tátil do eu/outro, (BLAKEMORE et al., 1999), a falsa ilusão da mão na caixa de espelho (EGSGAARD et al., 2011) ou o efeito MCGURK e a ilusão da 'mão de borracha" (ZHENG et al., 2011) oferecem ao eu/outro outras distinções em diferentes modalidades que podem ser testados em adição ao teste da própria face. Estudos futuros podem também investigar como a modulação dessas distinções perceptuais de si/outro depende da conectividade de regiões de pré-frontais, como o CMPF com regiões posteriores, incluindo o JTP (Veluw e Chance, 2013). Tab. 8 – Artigos incluídos na metanálise de Veluw e Chance (2013) Estudos incluídos na busca da literatura por reconhecimento da própria face Estudo Objetos Tarefa Áreas do cérebro X* Y* Z* Devue et al., 2007 N=20 Própria face intacta > Insula direita 38 22 16 Idade média 22.1 anos Face intacta do Giro direito frontal inferior colega 48 32 14 Idade 18–27 anos 20 mulheres Kircher et al., N=6 2000 6 homens Própria face > Ínsula anterior direita 53 −2 1 Face desconhecida Ínsula direita meioposterior 50 -2 -6 Giro fusiforme esquerdo −20 -87 -12 Lenticular Direita / núcleo subtalâmico 14 -11 -5 Giro temporal direito superior / meio 53 -2 -11 Giro frontal inferior esquerdo - 33 35 16 Giro frontal inferior esquerdo 39 33 -1 Cerebelo direito 11 -50 -20 Cingulado anterior 1 10 37 Cingulado anterior direito 4 39 -2 Cingulado anterior direito 7 45 -9 Giro supramarginal esquerdo / IPL −50 -42 34 Precúneo direito 8 -65 23 61 Kircher et al., N=20 2001 Idade média 31 anos Precúneo direito 11 -61 29 Giro frontal médio esquerdo −26 36 35 Formação hipocampal direita 13 -46 4 Formação hipocampal direita 14 -37 -3 Própria face > Giro fusiforme esquerdo −13 -85 -12 Face do parceiro Lenticular Direita / núcleo subtalâmico 14 -11 -5 Giro temporal médio direito 50 -2 -11 Ínsula anterior direita 43 -2 1 Ínsula posterior meio-direita 56 -5 -6 Giro frontal inferior esquerdo −39 28 17 Giro supramarginal esquerdo / IPL −50 -38 34 Formação hipocampal direita 11 -37 -3 Própria face > Giro frontal médio direito 46 28 46 Face famosa Giro frontal superior direito 42 28 49 Giro frontal inferior direito 46 11 25 20 homens Platek et al., 2004 Platek et al., 2006 N=5 N=12 Própria face > Giro frontal superior direito 26 34 34 Idade média 19.36 anos Face familiar Giro frontal superior direito 20 16 56 Giro frontal médio direito 26 -12 46 Giro frontal medial direito 6 48 -12 IPL direita 50 -62 40 Giro temporal médio esquerdo −52 4 -16 Giro temporal médio esquerdo −58 -6 -4 12 homens Sugiura et al., 2005 N=34 Própria face > Occipito direito-TPJ 42 -79 28 Idade 18–26 anos Face nãofamiliar Opérculo frontal direito 48 10 9 Giro fusiforme esquerdo −43 -57 -19 Córtex cingulado posterior direito / PHG 22 -45 2 Córtex cingulado posterior esquerdo / PHG −16 -54 2 26 homens/8 mulheres 62 Uddin et al., 2005 Mesencéfalo 16 -33 -8 N=10 Própria face > Lóbulo parietal superior direito 32 -60 52 Idade média 26.9 anos Outra face IPL direito 64 -24 50 IPL direito 42 -34 38 Giro occipital inferior direito 46 -58 -12 Giro frontal inferior direito 48 42 -2 3 homens/7 mulheres * Coordenadas X, Y e Z correspondem a activação de pico de cluster, e estão no espaço MNI Fonte: Veluw e Chance, 2014, n. 8, p. 24–38 3.4 OS ESTUDOS DE COGNIÇÃO SOCIAL NOS TEA E ESQUIZOFRENIA Tendo em vista o anteriormente apresentado, o presente projeto tem como objetivo compreender as diferenças nas habilidades de reconhecimento de emoções em indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia e transtornos do espectro do autismo em relação a indivíduos clinicamente saudáveis. Para tanto, alguns estudos buscaram elucidar estes achados atualmente na literatura. Lugnegard et. al., publicou um estudo intitulado “Social cognition impairments in Asperger syndrome and schizophrenia (2012)”, em que identificou que os indivíduos com esquizofrenia mostraram prejuízos marcados em cognição social comparados os indivíduos com TEA. Ambos os grupos clínicos apresentaram alterações comparados a amostra da comunidade nas pontuações em tarefas de adequação de TdM e compreensão de intencional TdM. Os autores ressaltaram que, em seu conhecimento, nenhum estudo anterior usou o teste Animations Task para comparação de habilidades TdM em TEA e esquizofrenia. No entanto, seus resultados se apresentaram de acordo com os de estudos anteriores de TdM onde instrumentos tradicionais foram usados, o Hints Task (CRAIG et al., 2004) ou variantes de tarefas de crenças falsas (MURPHY, 2006. ÖZGÜVEN et al., 2010), também demonstrando convergência em transtornos da ToM ao longo dos dois grupos. Suas descobertas desafiam a opinião de que os déficits cognitivos sociais são tipicamente mais graves em TEA comparado a indivíduos com esquizofrenia. Possivelmente, a heterogeneidade de perfis sintomáticos no grupo de indivíduos com esquizofrenia é 63 uma explicação, de acordo com os resultados de Özgüven, que mostraram mais pronunciados déficits em cognição social em pacientes com sintomas negativos (ÖZGÜVEN et al., 2010). Além disso, uma disfunção cognitiva geral, não capturada pelo subteste Vocabulário do WAIS, pode ter prejudicado o desempenho no grupo de indivíduos com esquizofrenia. Em contraste com esta hipótese, houve diferença entre os grupos de pacientes e no grupo de controle (movimentos aleatórios e metadirigidos), o que, segundo Lugnegard, está de acordo com alguns resultados anteriores (ABELL et al., 2000. CASTELLI et al., 2002; HORAN et al., 2009). Em dois outros estudos, os resultados pobres em Animações (Russel et al., 2006. Koelkebeck et al., 2010) e animações aleatórias (Russell et al., 2006) para os pacientes com esquizofrenia foram relatados, mais provavelmente como uma consequência da disfunção cognitiva geral. Lugnegård (2013) relata ainda que, em contraste com a maioria das investigações relatadas, apenas pequenas diferenças entre os grupos foram vistos no rastreio ocular. Houve uma considerável dispersão dos escores em todos os três grupos. A única diferença significativa situou-se entre o grupo esquizofrenia e o grupo controle, que foi uma consequência das mulheres do grupo de controle com marcações significativamente superiores nesta tarefa. O “Reading the Mind in the Eyes Task” (RMET), de Baron-Cohen, tem sido utilizado em vários estudos sobre TEA e esquizofrenia, inclusive em três estudos comparativos. Em um deles, utilizou-se uma bateria de tarefas de percepções sociais, incluindo o rastreio ocular. Indivíduos com TEA e indivíduos com esquizofrenia tiveram um desempenho pior do que um grupo controle em todas as tarefas de intervalo a partir do rastreio ocular, não tendo sido observadas diferenças significativas entre os grupos clínicos (COUTURE et al., 2010). Em outro estudo, de Craig (2004), ambos os grupos de indivíduos com TEA e esquizofrenia tiveram um escore pior no rastreio do que os controles saudáveis, mas eles não diferiram entre si (Craig et al., 2004). Já o estudo de Murphy (2006) não demonstrou qualquer diferença entre TEA e esquizofrenia no Rastreio ocular, embora ambos os grupos tenham pontuado pior do que um grupo de comparação com desordem de personalidade (Murphy, 2006). Resultados de rastreio ocular em pacientes com esquizofrenia têm sido geralmente mais pobres em comparação com grupos controle (KELEMEN et al., 2005; BORA et al., 2008; COUTURE et al., 2008). Alguns pesquisadores reportam pontuações mais 64 baixas para as pessoas com TEA em comparação aos grupos controle (BARONCOHEN et al., 2001a. DZIOBEK et al., 2006), embora um recente estudo não conseguiu replicar esses resultados (SPEK et al., 2010). Em um estudo de meta-análise sobre TEA e esquizofrenia em relação aos correlatos neurais da cognição social, Sugranyes, Marinos, Kyriakopoulos, Corrigall, Taylor e Frangou (2011), que podem ser vistos nas tabelas 9, 10 e 11, relatam que tanto grupos de indivíduos com esquizofrenia como com TEA mostraram hipoativação pré-frontal medial, que foi mais pronunciada em TEA, enquanto uma disfunção préfrontal ventrolateral foi associada principalmente com esquizofrenia. A hipoativação da amígdala foi observada em pacientes com esquizofrenia durante tarefas de reconhecimento facial padronizadas; e nos TEA, durante as tarefas de TdM mais complexas. Ambas as desordens foram associadas a uma hipoativação dentro do sulco temporal superior durante tarefas de TdM, mas a ativação nessas regiões foi aumentada em indivíduos com autismo durante o processamento. Sugraynes et al. Observaram, também, diferenças específicas entre as doenças em engajamento somatossensorial, que aumentou em esquizofrenia e diminuiu em TEA. Apenas nos indivíduos com esquizofrenia, foi vista uma reduzida ativação do tálamo. Assim, os autores concluíram que a redução frontolímbica e a participação do sulco temporal superior se mostraram ser recursos compartilhados nos déficits de cognição social em TEA e esquizofrenia. No entanto, houve diferenças específicas entre as doenças e entre os estímulos. (SUGRANYES, KYRIAKOPOULOS, CORRIGALL, TAYLOR, FRANGOU, 2011). 65 Tabela 9 – Estudos inclusos na metanálise de Sugranyes, Kyriakopoulos, Corrigall, Taylor e Frangou (2011) Detalhes dos estudos para tarefas de reconhecimento facial Referência Pacientes/ Tarefa controles Contraste utilizado Equiparação Transtornos do Espectro do Autismo Hall et al., 2010 12/12 Implícita Faces ansiosas/neutras Sexo, idade, nãoverbal QI Monk et al., 2010 12/12 Implícita Faces tristes/neutras Sexo, idade, lateralidade, QI Deeley et al., 2007 9/9 Implícita Faces medo/neutras Sexo, idade, verbal QI Ashwin et al., 2007 13/13 Implícita Faces com medo/misturado Sexo, idade, lateralidade Critchley et al., 2000 9/9 Implícita e Explícita Faces com raiva/neutras Sexo, idade, QI Rauch et al., 2010 12/12 Implícita Faces tristes/neutras Idade, lateralidade Dowd et al., 2010 32/40 Explícita Tarefa de classificação de valência Negativa/neutra Sexo, idade, lateralidade, educação parental Seiferth et al., 2009 12/12 Tarefa de marcação explícita Faces medrosas/neutras Sexo, idade, lateralidade, educação parental Reske et al., 2009 18/18 Tarefa de Faces tristes/neutras descrição de emoção Sexo, idade, educação parental Michalopoulou et al., 2008 11/9 Implícita Faces medrosas/neutras Idade, lateralidade, escolaridade Hall et al., 2008 19/24 Implícita Faces medrosas/neutras Sexo, idade, QI Williams et al., 2007 13/13 (pacientes paranóicos) Implícita Faces medrosas/neutras Sexo, idade, lateralidade, QI Esquizofrenia 66 Williams et al., 2007 (pacientes nãoparanóicos) 14/13 Implícita Faces medrosas/neutras Sexo, idade, lateralidade, QI Gur et al., 2007 16/17 Tarefa de Faces descrição de medrosas/neutras emoção Sexo, lateralidade, educação parental Das et al., 2007 14/14 Implícita e explícita Com medo/neutras Sexo, idade, lateralidade Surguladze et al., 2006 15/11 Implícita Faces medrosas/neutras Sexo, idade, lateralidade, escolaridade Holt et al., 2006 15/16 Implícita Com medo/neutras Sexo, idade, escolaridade, educação parental Kosaka et al., 2002 12/12 Tarefa de julgamento de intensidade emocional Negativas/neutras Sexo, idade, lateralidade Fonte: Sugranyes, Kyriakopoulos, Corrigall, Taylor e Frangou (2011, p.3) Tab. 10 - Descrição clínica de pacientes com transtornos do espectro autista incluídos nos estudos de reconhecimento de emoção facial inclusos na metanálise de Sugranyes et. al. Referência Idade Sexo (% Score médio na Diagnóstico/ Dose de média homens) escala de sintomas medicação (mg): recrutamento/ Pacientes/ Pacientes/ média (SD)* doença/duração Controles Controles Hall et al., 2010 31.8/32 100%/10 ADOS 0% (Communication): 5.22 (1.39) ADOS (Socialinteraction): 10.33 (2.73) HFA, Asperger, PDD-NOS Sem informação fornecida Monk et al., 2010 26/27 100%/10 ADI-R/ADOS 0% HFA (n = 7), Asperger(n = 2), PDD-NOS (n = 3) SSRI (n = 5), Estimulantes (n = 4), NLP (n = 2), TCA (n = 1),BZD (n = 1) 67 Deeley et al., 34 100%/10 ADI-R/ADOS 2007 (10)/27(5) 0% Asperger Sem medicação Ashwin et al., 2007 31/25 HFA/Asperger Sem medicação Critchley et al., 2000 37(7)/27(7 100%/10 ADI-R ) 0% HFA (n = 2), Asperger (n = 7) Sem informação fornecida 100%/10 Autism Quotient: 0% 35.6 (6.3) ADI-R = Autism Diagnostic Interview-Revised [77]; ADOS = Autism Diagnostic Observation Schedule [78]; BZD = benzodiazepine; HFA = High Functioning Autism; PDD NOS = Pervasive Developmental Disorder Not Otherwise Specified; NLP = neuroleptics; SSRI = selective serotonin reuptake inhibitor; TCA = tricyclic antidepressant. Fonte: Sugranyes, Kyriakopoulos, Corrigall, Taylor e Frangou (2011, p.3) Tab. 11 – Resultados estimados da ativação para comparação de tarefas de teoria da Mente em esquizofrenia e Transtorno do Espectro do Autismo Região Giro BA Lateralidade Local máximo de ALE Volume (mm3) Valor máx. de ALE x y z 32 22 12 200 0.00636 Transtorno do Espectro do Autismo > Esquizofrenia Límbico Ínsula 13 Direito Esquizofrenia>Transtorno do Espectro do Autismo Frontal Frontal Límbico Límbico Medial Frontal Lóbulo Paracentral Posterior Cingulado Posterior Cingulado 10 Direito 8 60 4 168 0.00627 5 Esquerdo 0 236 52 656 0.00784 23 Esquerdo 0 216 24 624 0.00706 31 Esquerdo 26 230 34 200 0.00665 Fonte: Sugranyes, Kyriakopoulos, Corrigall, Taylor e Frangou (2011, p.11) A meta-análise feita por Chung, Barch e Strube (2013) comparou adultos com esquizofrenia e transtornos do espectro do autismo em prejuízos do reconhecimento da emoção através dos olhos (visual) e tarefas cognitivo-linguísticas relativas a intenções e crenças. A análise mostrou que adultos com esquizofrenia e TEA apresentaram grandes déficits em ambos os tipos de tarefas de mentalização. Prejuízos nas tarefas de mentalização cognitivo-linguística em esquizofrenia eram um pouco maior do que em testes de reconhecimento de emoções através dos olhos, mas não diferiram entre tarefas no caso dos TEA. Do mesmo modo, a magnitude das 68 deficiências em ambos os tipos de tarefas não diferiu entre os grupos (Chung, Barch e Strube, 2013). Os resultados da meta-análise, indicando um padrão semelhante nas dificuldades de mentalização em adultos com esquizofrenia e TEA, estão de acordo com dois estudos que compararam diretamente adultos com esquizofrenia e aqueles com TEA em relação a seus resultados em mentalização. Por exemplo, Craig et. al compararam pacientes com delírios paranoicos a outros com síndrome de Asperger. Seus resultados mostraram que ambos os grupos clínicos apresentaram desempenho prejudicado na tarefa de indução e nos testes de reconhecimento de emoções através dos olhos em comparação com o grupo saudável, mas que a pontuação dos dois grupos de pacientes não diferiu entre si. Consistente com os resultados dos autores, o estudo de comparação direta entre TEA e esquizofrenia por Couture et al., também revelou que tanto os indivíduos com TEA de alto funcionamento como com esquizofrenia mostraram deficiências no teste de reconhecimento de emoções através dos olhos comparados com o grupo de controle saudável. Ainda além, não houve diferenças entre os grupos clínicos no teste de olhos após o controle de QI. Os adultos com autismo não apresentam maiores deficiências do que os adultos com esquizofrenia no teste de reconhecimento de emoções através dos olhos. No entanto, o teste de reconhecimento de emoções através dos olhos usa fotografias estáticas. É possível que déficits sutis no processamento do rastreio ocular em autismo de alto funcionamento com QI acima da média sejam mais pronunciados em definições naturais que incluem alterações sociais menos previsíveis e mais complexas, em vez de em definições experimentais bem estruturadas. Além disso, avaliações anteriores sugerem que propriedades psicométricas limitadas, como baixo poder discriminatório, podem levar a uma falha em discriminar aspectos diferencialmente prejudicados do desempenho da mentalização em TEA, comparativamente a esquizofrenia. É importante ressaltar que a maioria dos estudos do espectro do autismo incluídos na meta-análise de Chung, Barch e Strube (2013) contavam com participantes com Síndrome de Asperger e autismo de alto funcionamento com, pelo menos, inteligência média (QI médio = 108,54). Portanto, generalizar os resultados a que chegaram mostrando padrão parecido de déficits de mentalização entre esquizofrenia e TEA com um nível pleno de autismo com uma deficiência intelectual 69 (QI <70) poderia prejudicar a conclusão, e poderiam ter sido observadas maiores diferenças se fossem inclusos mais indivíduos com menor funcionamento nos TEA. Além disso, a média de idade para adultos com esquizofrenia (46,55) foi superior em comparação àqueles com TEA (29,65) e ao grupo controle (31,71). Existe, portanto, uma possibilidade de que a idade possa ter influenciado tanto verbalmente (Strange Stories) quanto visualmente (RMET) a medida do desempenho mentalização. Em resumo, na meta-análise proposta por Chung, Barch e Strube (2013), os adultos com esquizofrenia e transtornos do espectro do autismo apresentaram níveis semelhantes de mentalização e deficiências nos dois tipos de tarefas de mentalização. Os resultados apontaram, pelo menos parcialmente, deficiências de mentalização cognitivo-comportamental comuns entre as duas desordens clínicas. No entanto, os autores ressaltam que as tarefas de mentalização utilizadas por eles podem não ter sido suficientemente sensíveis para distinguir performances de mentalizações medidas visualmente (reconhecimento de emoção pelos olhos) e verbalmente (cognitivo-linguística) por conta de suas propriedades psicométricas incertas. Dificuldades de mentalização nos indivíduos com autismo podem evoluir a partir de prejuízos que começaram logo no início da vida, incluindo alterações no contato visual e na orientação do rastreio ocular. Por outro lado, os prejuízos de mentalização podem surgir mais tarde na vida em pacientes com esquizofrenia e podem refletir maiores contribuições de déficits cognitivos. Como tal, estudos longitudinais que comparam a evolução das habilidades de mentalização entre os dois distúrbios podem ajudar a identificar e entender as características específicas de transtorno de mentalização (CHUNG, BARCH E STRUBE, 2013). 70 Tabela 12 – características dos estudos de esquizofrenia inclusos na metanálise de Chung, Barch e Strube (2013) Tarefas de mentalização cognitivo-linguística Estudo de Achával et al. (2010) Amostra (Homens) 20 (13) ESQ. Equiparados por Idade, sexo 30.9 20 (13) CONT. Gavilan et al. (2011) 22 (18) ESQ. 22 (18) CONT. Herold et al. (2009) 18 (11) ESQ. 21 (17) ESQ. Idade, escolaridade, sexo, premorbid QI 42.82 Idade,sexo 28.7 35 (23) ESQ. Idade, sexo 21 (12.18) ESQ. 46 (34) ESQ. 53 (24) CONT. Riveros et al. (2010) 15 (12) ESQ. Idade, gênero, QI 13 (6) ESQ. Idade, escolaridade, QI 26 (17) ESQ. 40 (18) ESQ. 0.52 32.66 Sem correspondência por idade, gênero, QI 27.4 Idade, gênero, escolaridade 37.57 1.30 0.68 31.1 0.92 40.5 Idade, sexo, escolaridade 33.6 1.03 29.1 Idade, escolaridade 35 (20) CONT. Zhu et al. (2007) 35.9 34.96 14 (6) CONT. Shur et al. (2008) 1.46 32.0 18 (11) CONT. Stanford et al. (2011) 0.82 43.75 15 (6) CONT. Pijnenborg et al. (2009) 41.95 44.33 34 (26) CONT. Martino et al. (2007) 1.80 27.4 17 (13) CONT. Langdon et al. (2010) 0.84 28.2 21 (11) CONT. Hooker et al. (2011) Hedges’ g Idade (M) 32.58 0.90 29.00 Idade, escolaridade, sexo 31 (9) CONT. 30.2 1.27 29.97 Tarefas de reconhecimento de emoções através dos olhos Estudo Participantes Equiparados por Idade (M) Bailey and Henry (2010) 28 (14) ESQ. Idade, escolaridade 40.3 30 (15) CONT. Bora et al. (2008) 91 (60) ESQ. 36.4 Escolaridade 55 (34) CONT. Couture et al. (2008) 26 (22.88) ESQ. 41 (38.13) CONT. Couture et al. (2010) 41 (34) CONT. 44 (39) ESQ. 31.1 35.6 Não equiparado por idade e sexo 24.9 Diferem em idade e QI 22.9 23.0 27.5 Hedge s’ g 0.6 0 0.7 2 0.4 3 0.7 6 71 Craig et al. (2004) 16(11) ESQ. Idade, QI 31.69 16 (11) CONT. De Achával et al. (2010) 20 (13) ESQ. 29.44 Idade, sexo 30.9 20 (13) CONT. Hirao et al. (2008) 20 (10) ESQ. 20 (10) CONT. Irani et al. (2006) 10 (7) ESQ. 28.2 Idade, sexo, e escolaridade 36.7 Sexo, etnia 34.00 10 (5) CONT. Kington et al. (2000) 16 (13) ESQ. 38.00 Idade, sexo, etnia 16 (13) CONT. Mcglade et al. (2008) 73 (49) ESQ. 15 (12) ESQ. 18 (11) CONT. Russell et al. (2000) 5 (5) ESQ. 7 (7) CONT. Schimansky et al. (2010) 40 (28) ESQ. Idade, sexo 41.4 26 (17) ESQ. Idade, sexo, escolaridade 37.57 Idade, sexo, escolaridade 36.00 Idade 38.0 40.5 40.00 34.4 Idade, escolaridade 35 (20) CONT. Stanford et al. (2011) 13 (6) ESQ. 14 (6) CONT. Tso et al. (2010) 33 (22) ESQ. 33 (23) CONT. 0.8 0 1.8 9 0.9 4 0.5 5 0.38 38.3 40 (22) CONT. Shur et al. (2008) 34.07 34.75 78 (45) CONT. Riveros et al. (2010) 35.0 1.6 4 32.58 29.00 Idade, sexo, escolaridade 33.6 Idade, sexo, escolaridade 38.5 29.1 38.2 0.4 7 1.3 7 0.7 1 0.5 3 0.7 9 0.7 2 Tabela 13 - Características dos estudos de Transtornos do Espectro do Autismo (High Functioning Autism) inclusos na metanálise de Chung, Barch e Strube (2013) Tarefas de mentalização cognitivo-linguística Estudo Participante s (Homens) Adler et al. (2010) 16 (15) HFA 21 (20) CONT. David et al. (2008) 24 (14) HFA 24 (13) CONT. Equiparados por Idade (M) Idade, escolaridade, gênero 21.87 Idade, gênero, QI 32.3 Hedges’ g 0.69 22.90 30.6 0.30 72 Happe et al. (1994) 18 (13) ASD Idade 10 (5) CONT. Heavey et al. (2000) 16 (15) HFA Idade Idade 15 (7) CONT. Ponnet et al. (2004) 17 (15) HFA Idade, gênero, QI 30.71 27.77 17 (15) CONT. 30.00 Idade, QI 21.06 23.8 24 (22) ASD Gênero, idade, QI, escolaridade 32 (27) HFA Idade, gênero, QI 42.1 29 (25) ASD 43.67 32 (24) CONT. 38.68 15 (11) CONT. 1.73 0.04 0.32 23.1 24 (22) CONT. 15 (12) ASD 1.13 21.93 Roeyers et al. (2001) Zalla et al. (2009) 34.40 17 (15) ASD 19 (14) ASD 1.56 34.00 19 (14) CONT. Spek et al. (2010) 34.7 30.7 15 (12) ASD Jolliffe & Baron-Cohen (1999) 2.88 20.5 15 (15) CONT. Hill et al. (2004) 20.6 Gênero, idade, QI, escolaridade 28.00 0.81 1.72 27.80 Tarefas de reconhecimento de emoções através dos olhos Estudo Participantes (homens) Equiparados por Adler et al. (2010) 16 (15) HFA Idade, escolaridade, gênero 21.87 QI, idade 28.6 21 (20) CONT. Baron-Cohen et al. (1997) 16 (13) HFA 16 (13) CONT. Baron-Cohen et al. (1999) 6 (4) ASD 15 (15) HFA/ASD Hedges’ g 0.70 22.90 1.74 30.0 QI, idade, escolaridade 12 (6) CONT. Baron-Cohen et al. (2001) Idade (M) 26.3 1.40 25.5 Idade, QI 29.7 1.69 28.0 14 (14) CONT. Couture et al. (2010) Craig et al. (2004) 36 (29) HFA Differ in idade and QI 20.9 41 (34) CONT. 22.9 16 (11) CONT. Idade, QI 24.12 17 (15) ASD 29.44 0.61 1.43 73 David et al. (2008) 24 (14) HFA Idade, gênero, QI 24 (13) CONT. Kleinman et al. (2001) 30 (21) HFA 24 (10) CONT. Ponnet et al. (2004) 19 (14) ASD 24 (22) ASD No matched for idade, QI, gênero 31.43 Idade, QI, gênero 21.06 32 (27) HFA 0.42 22.33 0.21 21.93 Gênero, escolaridade 24 (22) CONT. Spek et al. (2010) 1.23 30.6 19 (14) CONT. Roeyers et al. (2001) 32.3 23.8 0.11 23.1 Idade, gênero, QI 42.1 29 (25) ASD 43.67 32 (24) CONT. 38.68 0.32 Fonte: Chung, Barch, Strube (2013, p. 607-8) Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero (2010) exploraram com uma comparação direta os déficits na cognição social entre TEA e esquizofrenia. Em seu artigo, argumentaram que essa estratégia pode destacar mecanismos compartilhados e divergentes e encontrar caminhos para amenizar a disfunção social, um processo que pode proporcionar benefício clínico significativo com desenvolvimento de esforços de tratamentos sob medida para cada caso clínico. Os pesquisadores afirmam que, embora a comparação direta de TEA e esquizofrenia ofereça o potencial para expor mecanismos independentes, contribuindo para a disfunção cognitiva social, o processo de implementação de tais estudos apresenta desafios significativos. Isto pois o recrutamento e a avaliação clínica através de múltiplas populações pode ser difícil, especialmente para os pesquisadores, que podem ser mais familiarizados com, e ter maior acesso a apenas um dos dois transtornos. Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero destacam que a colaboração entre pesquisadores é necessária, e ressaltam que um desafio adicional ocorre na seleção de grupos por faixa de idade, adequando-os para comparações – especialmente se for levado em conta os distintos cursos de desenvolvimento de indivíduos com autismo e esquizofrenia. Embora grande parte do trabalho de cognição no autismo tenha ocorrido com crianças de várias idades, há uma predominância de estudos em esquizofrenia com adultos, o que limita as comparações para correspondência, assim como ambos os grupos se diferenciam no histórico de tratamento e no uso de medicamentos. Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero (2010) 74 A literatura consultada pelos autores ressalta que os prejuízos sociais em indivíduos com esquizofrenia costumam ser anteriores ao diagnóstico formal, não apenas durante a fase prodrômica na adolescência (ADDINGTON et al., 2008b. BALLON et al., 2007; CANNON et al. 2008), mas também durante a primeira infância (ASARNOW 1988; ISOHANNI et al., 2000. Jones, 1997; JONES TARRANT e 2000; MIRSKY et al. 1995). Estes estudos destacam o curso de desenvolvimento prolongado de esquizofrenia e demonstram que os déficits sociais não são simplesmente um subproduto dos sintomas que ocorrem com início formal da doença (por exemplo, anedonia), mas sim uma característica persistente, precoce e definitiva para a desordem. Além disso, a identificação precoce de indivíduos em risco de desenvolver esquizofrenia é, hoje, mais possível (Cannon et al., 2007) e, portanto, oferece maior potencial para o estudo de habilidades sociais cognitivas antes da manifestação formal da doença. O trabalho com foco em crianças e adolescentes em situação de alto risco para a psicose fornece uma base para o prosseguimento de estudos comparativos com autismo e oferece uma promessa para traçar as múltiplas trajetórias que levam aos déficits cognitivo-sociais encontrados na idade adulta (Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero 2010). A identificação de mecanismos dissociáveis pode ajudar a desconstruir os complexos processos que delineiam as dificuldades sociais e facilitam a identificação de vias e mecanismos específicos das desordens. Além disso, ligar esses mecanismos a processos de desenvolvimento durante períodos críticos do desenvolvimento cerebral poderia ajudar a refinar a compreensão de transações de comportamentos específicos do cérebro que contribuem para anormalidades que surgem na disfunção social. Encontrar mecanismos diferentes subjacentes ao déficit cognitivo social no autismo e na esquizofrenia é importante para o desenvolvimento de programas de tratamento eficazes. “Ao enfatizar a convergência em vez de divergência nas abordagens, corre-se o risco de tratar similaridades superficiais, em vez de causas” (Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero, 2010). Como Kanner (1965) declarou, referindo-se ao autismo e à esquizofrenia: Quando pararmos de procurar por uma causa idêntica e tratamento para diferentes doenças amarradas juntas no “pacote esquizofrenia”, podemos esperar a abertura de novas e mais claras vistas. (Sasson, Pinkham, Carpenter e Belgero, 2010). 75 4 OBJETIVOS 4.1 OBJETIVO GERAL O objetivo do presente estudo foi comparar o desempenho de indivíduos com TEA, esquizofrenia e clinicamente saudáveis em tarefas de cognição social. 4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Comparar o desempenho de indivíduos com TEA e esquizofrenia em relação aos controles, em tarefas de percepção de face emocional estática e percepção de informação emocional corporal dinâmica, e o padrão de rastreio ocular de indivíduos com TEA e esquizofrenia em tarefas percepção emocional estática e dinâmica. Comparar o desempenho de indivíduos com TEA e esquizofrenia em relação aos controles, em tarefas de Teoria da Mente. 5 MÉTODO O estudo foi desenvolvido na clínica multidisciplinar da Universidade Presbiteriana Mackenzie, localizado na rua Piauí, 181, sexto andar. Foi realizado em um encontro de aproximadamente 80 minutos dependendo da necessidade de cada indivíduo. 5.1 PARTICIPANTES Participaram do estudo 51 adultos do sexo masculino. A amostra foi composta por indivíduos em atendimento na Clínica de Transtornos do espectro do autismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e no Programa de Esquizofrenia (PROESQ) da Universidade Federal de São Paulo, bem como indivíduos clinicamente saudáveis 76 recrutados da comunidade em geral. Esses foram pareados segundo gênero e idade, formando os grupos A, B e C. O grupo A foi composto por 15 indivíduos do sexo masculino, residentes na cidade de São Paulo, inseridos no Laboratório dos Transtornos do espectro do autismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie ou provindos de clínicas particulares. Seu diagnóstico de TEA foi realizado por um médico com experiência na área, por meio de entrevista estruturada preenchendo os critérios do DSM-5 e os critérios de aplicação do instrumento Autism Behaviour Checklist (ABC). Para excluir sintomas psicóticos, foram aplicados os critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, quarta edição (DSM-IV), por meio de entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I (SCID). O grupo B foi composto por 16 indivíduos do sexo masculino, residentes na cidade de São Paulo, com diagnóstico de esquizofrenia, inseridos no Programa de Esquizofrenia do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (PROESQ). O diagnóstico foi realizado com base nos critérios do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, quarta edição (DSM-IV), por meio de entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I (SCID) conduzido por profissionais com vasta experiência na área. Todos os participantes que tiverem o diagnóstico de esquizofrenia confirmados realizaram a Escala de Síndromes Positivas e Negativas – PANSS para a compreensão de possíveis sintomas positivos ou negativos. Todos os participantes estavam em tratamento nos respectivos ambulatórios ou clínicas. O grupo C (denominado controle) foi composto por 20 indivíduos do sexo masculino, residentes na cidade de São Paulo, estes foram recrutados da comunidade, com o critério de um desenvolvimento típico sem nenhum transtorno psiquiátrico de acordo com os critérios do DSM-5. Os indivíduos foram pareados por idade e sexo. As mesmas escalas foram aplicadas com intuito de excluir diagnósticos de esquizofrenia e autismo. A participação de todos os sujeitos foi voluntária, sendo necessária a autorização do sujeito ou de maior responsável por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e de Termo de Assentimento. 77 5.1.1 Critérios de Inclusão Os critérios gerais de inclusão delimitados para este estudo foram: Indivíduos do sexo masculino e com faixa etária entre 18 e 35 anos. Além disto, foram considerados critérios de inclusão específicos para cada um dos grupos. Grupo A: Os sujeitos foram diagnosticados com TEA por médico com experiência na área através do preenchimento dos critérios do DSM-5, os mesmos apresentaram um QI maior ou igual 70, excluindo a possibilidade de deficiência intelectual que comprometesse de forma significativa a compreensão e realização das tarefas; demonstraram vocabulário expressivo e receptivo adequados para a compreensão das instruções dos testes; e possuíam escolaridade mínima da quarta série do ensino fundamental I, a fim de garantir a compreensão e realização das tarefas. Grupo B: Os sujeitos foram diagnosticados com esquizofrenia por médico com experiência na área através do preenchimento dos critérios do DSM-5; apresentaramse medicados há pelo menos seis semanas com dose estável (tempo necessário para a estabilização do quadro psicótico); alguns apresentaram sintomas leves no período do estudo; possuíam um QI maior ou igual a 70, a fim de excluir a possibilidade de déficits cognitivos que comprometessem de forma significativa o entendimento e realização das tarefas; e tinham escolaridade mínima da quarta série do ensino fundamental I, para garantir a compreensão e realização das tarefas. Grupo C: Os sujeitos que não faziam uso de remédios com ação no sistema nervoso central; sem histórico familiar de TEA ou esquizofrenia (genitores e irmãos); o que será avaliado através do relato do indivíduo. Apresentaram escolaridade mínima da quarta série do ensino fundamental I, para garantir a compreensão e realização das tarefas; a fim de compreender dos conceitos propostos. 78 5.2.2 Critérios de Exclusão Foram excluídos os participantes com comorbidades psiquiátricas graves e que referissem uso de substâncias psicoativas ilegais, detectadas por meio da SCID. Também foram excluídos indivíduos que fizessem uso regular de álcool. 5.2 INSTRUMENTOS Considerando-se os objetivos deste estudo, optou-se pela seleção de alguns testes e escalas que compreendessem as principais habilidades cognitivas, bem como alterações psicopatológicas e funcionais dos indivíduos. Para tal, optou-se pelos seguintes instrumentos: 5.2.1 Instrumentos de Diagnóstico 5.2.1.1 Avaliação Global de Funcionamento – GAF A Avaliação Global de Funcionamento, da Associação Psiquiátrica Americana (2002), foi utilizada neste trabalho com o intuito de avaliar o funcionamento social, ocupacional e psicológico dos participantes. A escala tem pontuação de 0-100 para o nível de funcionalidade, e constitui o eixo V do DSM-IV e será aplicada como medida objetiva do aspecto funcional dos indivíduos. Trata-se de uma escala bastante utilizada para rastrear o progresso clínico dos pacientes em termos globais, através da atribuição de uma medida única. A faixa mais alta na escala GAF vai de 91 a 100 e indica funcionamento superior. Sintomas moderados ou dificuldade em funcionamento são classificados de 51 a 60 e sintomas graves são classificados 41 a 50. Indivíduos apresentando um perigo grave para si ou para os outros são classificados no menor intervalo, de 1 a 10. 79 5.2.1.2 Autism Behavior Checklist – ABC A Autism Behavior Checklist (ABC) é uma escala de comportamentos não adaptativos, criada para triar e indicar probabilidade de diagnóstico de autismo. Foi validada no Brasil e tem sido amplamente utilizada em contextos acadêmicos e institucionais. Este instrumento foi desenvolvido por Krug et al. (1980), e é composto por 40 questões que abrangem três domínios: interação social, linguagem e comportamentos, tendo por objetivo rastrear sinais e sintomas de indivíduos com TEA. 5.2.1.3 Escala de Síndromes Positivas e Negativas – PANSS Kay et al. (1986) desenvolveram a Escala de Síndromes Positiva e Negativa. A escala, composta pelos 18 itens da Brief Psychiatry Rating Scale (BPRS) e por 12 itens adicionais da Psychopathology Rating Scale, é utilizada para avaliar a intensidade dos sintomas clínicos na esquizofrenia. Por meio de itens que descrevem os tipos de sintoma, o cuidador responsável qualifica a presença ou a ausência dos sintomas por meio de uma escala Likert, que varia de 0 a 7 pontos. Esse instrumento foi aplicado com o objetivo de excluir os pacientes com diagnóstico de esquizofrenia que estejam sintomáticos no período do estudo. 5.2.1.4 Entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I A entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I – versão clínica (SCID-CV) foi desenvolvida para padronizar os procedimentos diagnósticos entre profissionais psiquiatras. Essa entrevista se inicia com uma seção de revisão geral, que segue o roteiro de uma entrevista clínica não estruturada. São realizadas perguntas sobre idade, escolaridade, estado civil, entre outros fatores relevantes que fazem parte do perfil do paciente. Em seguida, o questionário é dividido em módulos que correspondem às categorias diagnósticas de cada transtorno. Se os critérios essenciais de uma categoria não forem preenchidos, existe a possibilidade de 80 questões remanescentes serem ignoradas, o que permite o descarte rápido de diagnósticos irrelevantes. Tal instrumento foi aplicado para validar o diagnóstico de esquizofrenia no Grupo B e excluir os pacientes do Grupo A e C (DEL-BEN et al., 2001). 5.2.1.5 Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - terceira edição – WAISIII Essas escalas foram desenvolvidas por Wechsler (2013) e avaliam a capacidade intelectual de adultos entre 16 a 89 anos. Serão utilizados apenas os subtestes de Vocabulários e Procurar Símbolos para estimação de QI por meio de duas medidas (uma verbal e outra de execução). O subteste Vocabulário será utilizado como medida de conhecimento verbal. O subteste Procurar Símbolos das Escalas de Inteligência Wechsler será utilizada como medida de execução. 5.2.2 Instrumentos de Avaliação da Cognição Social 5.1.2.1 Facial Emotion Identification Test Esse teste foi desenvolvido por Horan et al. (2009) com o conjunto de fotos do pesquisador Paul Ekman 2 . Foram apresentados aos participantes 56 fotografias coloridas, oito para cada emoção facial (felicidade, tristeza, raiva, medo, surpresa, nojo), além destas também a expressão neutra (8 estímulos). Foi utilizado para avaliação do primeiro domínio da cognição social processamento e manejo da emoção - com o objetivo de mensurar a capacidade de reconhecimento da emoção facial. Os participantes foram instruídos a examinar os rostos um a um e definir a emoção expressa com base em sete escolhas possíveis que estão ao lado da figura apresentada. 2 Disponível em: <http://www.paulekman.com/product/ekman-mett-3-0/>. Acessado em 7 set. 2013. 81 Figura 5 - Estímulo de Felicidade com Face Estáticas. Fonte: Paul Ekman Group 5.1.2.2 Emotion Perspective Taking O Emotion Perspective Taking (DERNTL, 2012) é um teste de Teoria da Mente, usado para mostrar aos participantes 60 fotos, retratando cinco emoções básicas: Felicidade, Tristeza, Medo, Raiva, Surpresa e cenas neutras (10 estímulos por emoção). A primeira imagem é composta por dois indivíduos envolvidos em uma interação social, onde um deles apresenta seu rosto coberto com uma máscara. Esta prancha foi exposta por 4 segundos. Em seguida, é mostrada uma segunda prancha, que possui duas opções de expressões faciais. O indivíduo deve selecionar entre duas diferentes expressões faciais emocionais ou uma expressão neutra que se encaixe na cena anterior. Nesta prancha não foi imposto padrão de tempo. Este teste consiste em inferir a expressão emocional correspondente ao rosto oculto de acordo com a situação emocional a fim de compreender a perspectiva de um dos integrantes da imagem e intuir como o mesmo se sente. As pontuações foram calculadas de acordo com a porcentagem de itens considerados corretos para cada foto. 82 Figura 6. Estímulo de duas pessoas interagindo em uma cena de tristeza Figura 7. Estímulo de escolha entre opções de expressões faciais correspondentes a raiva e tristeza 83 5.1.2.3 Emotion in Biological Motion O Emotion in Biological Motion foi inspirado no teste de Heberlein et al. (2004) e foi desenvolvido pelo Green Lab na Universidade da Califórnia, Los Angeles. Consiste em 25 breves vídeos, de poucos segundos cada, que ilustram o movimento humano de articulações e cabeça por meio de pontos de luz (point light walkers). A expressão corporal representa cinco emoções básicas: felicidade, tristeza, medo, raiva e neutralidade, foram apresentados 5 estímulos por emoção. Esse teste tem a intenção de medir a capacidade de extrapolar a informação emocional do movimento. Os participantes são instruídos a escolher a palavra que melhor descreve o movimento com base em uma lista de cinco palavras. Figura 8. Estímulo por Point Light Walkers 84 5.2.3 Equipamento Eye tracking - Tobii 1750 – O equipamento computadorizado Tobii 1750 (TOBII TECHNOLOGY, 2005), com o software ClearView, teve como o objetivo de avaliar e registrar a varredura visual do indivíduo diante de um estímulo visual projetado na tela do computador. O equipamento detecta parâmetros durante o movimento ocular, como a fixação (paradas) e os movimentos sacádicos (saltos). O equipamento é composto de um monitor de 17 polegadas, TFT 1.280 x 1.024 pixels, com duas câmeras de alta resolução embutidas na parte inferior. O aparelho contém diodos que emitem raios infravermelhos a fim de gerar luminosidade e reflexo nos olhos possibilitando a reflexão do olhar (Near Infra-Red Light-Emiting Diodes ñ NIRLEDs). Antes de iniciar o exercício, o equipamento teve que ser calibrado para cada sujeito, a fim de gerar um registro das características particulares dos olhos. Esse procedimento leva em torno de 1 minuto e consiste no avaliado sentar-se diante do monitor e olhar apenas para um ponto na tela que se move para todas as direções. 5.3 PROCEDIMENTOS 5.3.1 Critérios de Seleção e Recrutamento dos Participantes O projeto foi enviado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Os pacientes da clínica multidisciplinar com diagnóstico de TEA, os pacientes em tratamento no Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo e os participantes clinicamente saudáveis foram convidados a participar do estudo. Foram enviados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido aos participantes. Os que concordaram em participar do estudo foram encaminhados para a pesquisadora, após passarem por triagem, e foram submetidos a sessões individuais de avaliação com tempo médio de 80 minutos, podendo variar de acordo com a necessidade de cada um. 85 Essa bateria foi inserida (com autorização dos devidos autores) no dispositivo Tobii Estúdio para rastreamento ocular das provas. Esses testes foram aplicados em ordem randomizada. 5.3.2 Procedimento de Coleta e de Análise de Dados As informações referentes às avaliações de triagem e cognição social foram feitas de acordo com a proposição dos autores dos instrumentos utilizados e os mesmos foram lançados em banco de dados, no qual indicadores pré-selecionados foram utilizados para o acompanhamento do desempenho dos participantes. As informações foram sumarizadas e lançadas no banco de dados do programa SPSS. Posteriormente, foi feita a descrição estatística dos resultados obtidos e a comparação dos resultados dos indivíduos com TEA, os indivíduos com esquizofrenia e o grupo controle. 5.4 ASPECTOS ÉTICOS O estudo foi conduzido em acordo com o Comitê de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie e com os parâmetros éticos propostos pelo PRONEX (Programa de Apoio a Núcleos de Excelência). Todos os participantes tiveram pleno conhecimento dos objetivos, métodos, riscos e benefícios do experimento e deram seu consentimento por escrito. As informações e dados por eles fornecidos são sigilosos. 6. ANÁLISE ESTATÍSTICA Para a análise quantitativa dos resultados foi utilizado o programa SPSS® 17 for Windows (SPSS Inc). O nível de significância adotado foi de 5% para todos os testes. A fim de compreender as diferenças significativas entre grupos: controle, TEA, e Esquizofrenia, foi realizada uma análise dos dados sócio demográficos. As variáveis contínuas foram testadas quanto a normalidade (teste Kolmogorov-Smirnov). Para o 86 QI estimado utilizamos a análise de ANOVA, e para idade o teste de Kruskal-Wallis, a fim de verificar a diferença intergrupos. As variáveis categóricas foram reagrupadas visando número suficiente de casos para a utilização da regressão, bem como se tentou respeitar as diferenças apresentadas entre os grupos de interesse: controle, TEA e Esquizofrenia. Isso significa que existem outras formas de agrupamento das variáveis de controle, além destas que foram testadas. Foi utilizado o teste QuiQuadrado: socioeconômica (AB/CD) ocupação (desempregado, empregado e estudante), escolaridade (até médio completo, superior ou mais). Foram encontradas diferenças significativas entre grupos para QI estimado, GAF, nível sócio econômico e ocupação. A fim de controlar a análise pelas variáveis que apresentaram diferenças significativas entre grupos, foi necessário analisar se elas eram correlacionadas entre si. Para isso, utilizou-se ANOVA para testar a associação entre QI e as demais variáveis. Chegamos à conclusão de que a comparação entre grupos incluiu variáveis que podem causar confusão na análise: QI e índice sócio econômico. 6.1 ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS TESTES A fim de comparar os grupos em relação aos testes de Cognição Social, foi feita uma análise de regressão logística. Neste modelo, a variável dependente referente aos dois grupos a serem comparados: grupo Controle x grupo Esquizofrenia, grupo Controle x grupo TEA e grupo TEA x grupo Esquizofrenia, e como variáveis independentes, foram colocadas as variáveis de confundidoras: QI estimado e nível sócio econômico (2 categorias: AB/ CD), e as variáveis de interesse (testes de Cognição Social). Os testes foram avaliados por percentual de acertos em cada emoção, e no total. Quando contatou-se diferenças significativas (p-valor<.05) entre grupos para o acerto percentual em uma emoção específica foi verificado qual era a emoção de confusão. 87 6.2 ANÁLISE DE RASTREIO OCULAR Para análise dos resultados de rastreio ocular, foi considerada a duração em milissegundos em que cada indivíduo fixou o olhar nas pranchas apresentadas. Foram demarcadas áreas sociais (AOI) selecionadas em cada prancha, que, no teste EKMAN, corresponderam a boca, nariz, olhos ou “não olhou para nenhum dos estímulos relevantes” (Content); e, para o teste DERNTL, como havia duas pessoas interagindo, todas as áreas das pessoas com o rosto coberto foram nomeadas: boca certa, face si, mão si e para o outro indivíduo: boca errada, face outro, mão outro. Caso os dois indivíduos estivessem de mãos dadas, este estímulo foi nomeado: mão integração. Da mesma forma que ocorreram nos testes EKMAN, quando o indivíduo não olhou para nenhum dos estímulos relevantes, foi denominado Content. A fim de encontrar uma associação das áreas sociais e as emoções, foi calculado o percentual de duração do olhar em cada emoção (através das pranchas correspondentes), para cada indivíduo. Primeiramente foi considerado o percentual de duração em que o indivíduo não olhou para nenhum estimulo social (Content), e posteriormente, apenas para o tempo em que olhou para cada AOI. Verificou-se o percentual de duração do olhar em cada área social. Foi calculada a média destes percentuais por grupo, e, posteriormente, esta foi correlacionada com a duração do olhar com os acertos em cada emoção tanto do teste Ekman, quando Derntl. Para a correlação, foi utilizado o teste de Spearman. 88 7. RESULTADOS Dos 55 sujeitos coletados, 4 foram excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão do estudo. Dois indivíduos não preenchiam o critério mínimo de QI > 70, um dos sujeitos extrapolava o limite de idade e, por fim, o último não preencheu critérios diagnósticos para TEA. A análise foi realizada com 56 sujeitos do sexo masculino, com idade entre 18 a 35 anos. 7.1 VARIÁVEIS SOCIOECONÔMICAS Dos indivíduos incluídos na amostra, havia 15 com diagnóstico de TEA (Média de Idade= 22;08 ± 5.22) provindos do Laboratório de Transtornos do espectro do Autismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e de consultórios particulares, 16 com diagnóstico de Esquizofrenia (Média de Idade = 23;56 ± 3.55), provindos do Programa de Esquizofrenia da Universidade Federal de São Paulo, e 20 clinicamente saudáveis (Média de Idade = 23;20 ± 4.87). Não foram encontradas diferenças significativas de idade entre os grupos através do teste Kruskal-Wallis H (2) = 1.328 p=.515 Quanto à escolaridade, indivíduos com TEA e Esquizofrenia possuíam níveis educacionais próximos, 53% e 56%, respectivamente, com ensino médio completo, enquanto o grupo controle mostra-se 95% estudantes que cursam atualmente o curso superior. Foram encontradas diferenças significativas entre grupos através do teste Qui-Quadrado 2 (2) =15.63, p=.001. Apesar do grupo de TEA e Esquizofrenia possuírem um nível de escolaridade similar, diferiam quanto a sua ocupação. Enquanto o grupo TEA mostrou-se 53.3% atualmente empregados, no grupo de Esquizofrenia, apenas 31.3% apresentavam-se na mesma categoria. Já no grupo controle, encontravam-se 50% na categoria de estudantes. Foram encontradas diferenças significativas entre grupos através do teste Qui-Quadrado 2 (4) =13.44, p=.008. Os três grupos demonstraram diferenças significativas quanto ao nível socioeconômico através do teste Qui-Quadrado 2 (2) =9.65, p=.007, enquanto o grupo TEA e Controle apresentaram-se 66,7% e 65% respectivamente na classe A e 89 B, este percentual atingiu apenas 18,8% dos indivíduos do grupo de Esquizofrênicos. Os mesmos mostraram-se com percentil de 81,3% nas classes C e D. Tabela 14 - Nível Sócio Demográfico dos participantes do estudo Grupo Controle TEA Esquizofrenia (n=20) (n=15) (n=16) 23.20 ± 4.8 22.80 ± 5.2 23.56 ± 3.6 Até Médio Compl 5.00% 53% 56% Superior ou mais 95.00% 47% 44% A/B 65.00% 66.70% 18.80% C/D 35.00% 33.30% 81.30% Desempregado 5,0% 20,0% 56,3% Empregado 45,0% 53,3% 31,3% Estudante 50,0% 26,7% 12,5% Variáveis Idade Escolaridade Nível SocioEconômico Ocupação 7.2 ESCALA DE FUNCIONALIDADE A Escala da Avaliação Global de Funcionamento (GAF), mostrou diferença significativa entre grupos 2 (4) = 37.78, p< .001. Os controles apresentaram-se 100% entre os valores de 71-90, abrangendo duas faixas: 71-80 e 81 a 90. Estas caracterizam-se por sintomas mínimos, ausentes ou temporários onde muitas vezes as dificuldades podem ser decorrentes de estressores psicossociais. Já o grupo de pacientes com TEA e Esquizofrenia mostraram-se 60% e 56.3% respectivamente na faixa de 51-70 abrangendo duas faixas 51-60 e 61-70. Estas caracterizam-se por sintomas leves a moderados quanto a humor, funcionamento social apresentando 90 poucos relacionamentos interpessoais significativos. A diferença entre estes grupos não foi significativa 2 (2) =.756, p=.785. Tabela 15 - da Escala da Avaliação Global de Funcionamento dos participantes do estudo Grupo Faixas Controle GAF TEA Esquizofrenia 31 - 50 0.00% 20.00% 31.30% 51 - 70 0.00% 60.00% 56.30% 71 - 90 100.00% 20.00% 12.50% Observa-se, ainda, que o grupo de pacientes com Esquizofrenia foi composto 62.5% (n = 10) de indivíduos com sua primeira crise entre 1 e 6 anos de idade; e 37.5% (n = 6) de indivíduos que tiveram sua primeira crise entre 7 e 10 anos. Não foi observada diferença significativa entre os subgrupos de indivíduos com Esquizofrenia para todas as variáveis do estudo. 7.3 HABILIDADE INTELECTUAL Para avaliar a inteligência adotou-se o QI estimado de acordo com dois subtestes da Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS-III). Foi adotado o subteste verbal, Vocabulário e o subteste de execução, Procurar Símbolos. A fim de avaliar se os três grupos possuíam diferenças significativas em QI total foi realizada uma ANOVA, mostrando que os grupos apresentam diferenças significativas F (2,29) = 34.29, p<.001. As comparações post-hoc mostraram que o grupo Controle apresentou uma média de QI de 120, mostrando diferença significativa com os demais grupos, TEA QI de 103 (p=.009) e Esquizofrenia QI de 97 (p=.000). Os grupos clínicos não apresentaram diferenças significativas entre si quanto ao QI (p=.570). Foi realizada uma análise separada para verificar a diferença de desempenho dos grupos quanto a QI Verbal e QI de Execução. Os grupos apresentam diferenças significativas. Quanto ao QI de Execução, o grupo controle mostra-se 91 significativamente diferente dos demais: TEA (p=.004), Esquizofrênicos (p =.000). Enquanto no QI verbal apresentou apenas diferença significativa com o grupo de esquizofrênicos (p =.000) mas não com os TEA (p =.115). Já o grupo clínico entre si, não apresentam diferenças significativas entre si tanto no QI de execução (p =.983) quanto no QI verbal (p =.154). Tabela 16 - QI dos participantes do estudo Média Intervalo de Confiança Desvio Padrão amplitude (min-max) Controle 120.58 [116.91 124.25] 7.836 106 - 134 Autismo 103.05 [92.82 113.29] 18.485 69 - 125 Esquizofrenia 96.69 [91.73 101.66] 9.324 80 - 111 Controle 14.20 [12.10 -14.30 2.505 11 - 19 Autismo 10.07 [9.28 - 12.85] 3.826 4 - 16 Esquizofrenia 9.69 [8.12 - 10.13] 2.272 6 - 14 Controle 13.20 [13.03 - 15.37] 2.353 8 - 17 Autismo 11.07 [7.95 - 12.19] 3.218 5 - 15 Esquizofrenia 9.13 [8.48 - 10.90] 1.893 6 - 13 Grupo QI Wais - Subteste Execução Wais - Subteste Verbal p-valor 0.000 0.000 0.004 7.4 TESTES DE COGNIÇÃO SOCIAL Foram observadas diferenças significativas entre os três grupos pelos testes administrados. De acordo com a análise de variância ANOVA (não controlada pelas variáveis confundidoras entre grupos): Facial Emotion Identification Test, F (2, 47) = 6.557, p=.003; ƞ2 parcial=.218; Emobio, F (2, 48) = 4.420, p=.017; ƞ2 parcial=.156; Derntl F (2, 47) = 5.899, p=.005; ƞ2 parcial=.201. De acordo com a análise dos grupos combinados dois a dois com correção de Bonferroni, foi feita uma comparação entre grupos em relação aos três testes: Ekman, Emobio e Derntl. Foram verificadas diferenças significativas no desempenho do teste Ekman entre o grupo de controles do grupo de TEA (p=.003), ƞ2 parcial=.204, bem como foram significativas entre o grupo de controle e os indivíduos com Esquizofrenia (p=0.049), ƞ2 parcial=.112. Em ambos os casos, os indivíduos do grupo controle apresentaram um desempenho superior na tarefa. 92 7.4.1 Resultados da análise de variância dos testes de Cognição Social Relativo ao teste Emobio, o grupo controle diferiu significativamente do grupo com Esquizofrenia (p=0.025) ƞ2 parcial=.136, e mostrou uma tendência em relação ao grupo com TEA (p=0.094) ƞ2 parcial=.093. Em ambos os casos, os indivíduos do grupo controle apresentaram um desempenho superior aos demais grupos nesta tarefa. O teste Derntl distinguiu significativamente o grupo controle do grupo de indivíduos com Esquizofrenia (p=.005), ƞ2 parcial=.192, e mostra-se marginalmente significativo entre o grupo controle em relação ao grupo de TEA (p=.099) ƞ2 parcial=.093. Aqui, os indivíduos do grupo controle também apresentaram um desempenho superior aos demais grupos nesta tarefa. Os grupos clínicos não se distinguiram entre si tanto relativo ao p valor, bem como apresentaram uma magnitude de efeito baixa: Ekman p= .863, ƞ2 parcial=.024; Emobio p=.094 ƞ2 parcial=.004; Derntl p=.897, ƞ2 parcial=.023. A partir disto, foi feita a análise controlada através regressão logística com as variáveis QI Estimado e Nível Socio-Econômico obtendo-se diferenças significativas para a escala EKMAN total (p=0.020) apenas para TEA e controle. Para os demais testes, foram encontradas diferenças significativas em emoções independentes, mas não para os resultados gerais. A variável do teste Ekman emoção de Nojo apresentou diferença significativa entre os grupos TEA e Controles (p=.009) tab. e uma tendência entre autismo e Esquizofrenia (p=.082) tab. A variável do teste Ekman de emoção neutra apresentou diferença significativa entre os grupos TEA e Esquizofrenia (p=.048). A variável do teste Ekman emoção de triste apresentou tendência entre os grupos: TEA e Controles (p=.063). A variável do teste Ekman de emoção triste apresentou diferença significativa entre os grupos Esquizofrenia e Controles (p=.004). A variável do teste Derntl emoção de triste foi significativa entre os grupos Esquizofrenia e Controles (p=.090) 93 Tabela 17 – Tabelas das Regressões Logísticas Controle X TEA Sig Ek_Total .020 Ek_Nojo .009 Ek_Triste .063 ** Controle X Esquizofrenia Sig Ek_Triste .004 Der_Medo .090 ** TEA X Esquizofrenia Sig Ek_Neutro .048 Ek_Nojo .082 ** 94 Baseado nas tabelas e na análise estatística, o percentual de identificação da emoção neutra no Ekman para o grupo de TEA (70.83%) é menor que para o esquizofrênico (85.94%) (p=0.048). Já para o controle, não foi obtido diferença significativa (percentual de 96.88%), devido a outras diferenças de QI e socioeconômicas. Quanto a emoção de nojo, o grupo de TEA (56.67%) identifica menos esta emoção quando comparado ao grupo de controles (91.88%) (p=0.009). Nesta emoção pode-se observar uma tendência do grupo de TEA (56.67%) mostrar maior dificuldade na identificação desta emoção em relação aos esquizofrênicos (82.03%) (p=0.082). Em relação à emoção de tristeza, nota-se uma diferença significativa entre o grupo de controles (95.63%) e esquizofrênicos (68.65%) (p=0.004). Nesta emoção, pode-se observar uma tendência do grupo de TEA (73.33%) mostrar maior dificuldade na identificação desta emoção em relação aos controles (p=0.063). Em uma análise mais acurada observa-se que, no teste Ekman, a emoção de nojo é frequentemente confundida com a emoção de raiva 38.33% no grupo dos TEA e 11.62% no grupo dos Esquizofrênicos. A emoção de tristeza, foi confundida por neutra em 9.17% dos TEA e 14.06% dos Esquizofrênicos. A emoção de neutralidade, pra o grupo de TEA apresentou 10% de erro para emoção de felicidade, enquanto para os Esquizofrênicos, não houve um padrão de erro constante. O grupo controle não apresentou em nenhuma destas emoções um padrão de erros. Tabela 18 – Teste Ekman - porcentagem de acerto das emoções Grupos TEA Emoção de equívoco % identificação emoção Intervalo de confiança Nojo 56.67% [40.15%-73.19%] 38,33% Raiva Neutro 70.83% [69.10%-85.57%] 10% Feliz Triste 73.33% [59.28%-87.39%] 9,17% Neutro Emoções (maior %) 95 Triste 68.75% [53.76%-83.74%] 14,06% Neutro Nojo 82.03% [67.04%-97.02%] 11,62% Raiva Neutro 85.94% [71.57%-100%] Nojo 91.88% [86.76%-96.99%] Triste 95.63% [90.87%-100%] Neutro 96.88% [91.55%-100%] Esquizofrenia Controle Não foi identificado erro padrão Não foi identificado erro padrão Já no teste Derntl, na emoção de medo, enquanto o grupo de Esquizofrênicos é o que apresenta menor porcentagem de acertos (77.86%), o grupo de TEA apresentou 80.60%. O grupo controle foi o que apresentou melhor desempenho (90.06%). Não houve diferença significativa entre os grupos de TEA e Esquizofrenia (p=.09) Tabela 19 – Teste Derntl: porcentagem de acerto das emoções Emoção % identificação emoçao Intervalo de confiança TEA Medo 80.60% [61.49%-82.51%] Esquizofrenia Medo 77.86% [56.50%-71.00%] Controle Medo 90.06% [70.54%-83.46%] Grupos Já o teste Emobio não demonstrou diferença significativa entre grupos quando controlado pelas variáveis confundidoras. 96 7.4.2 Resultados da análise do rastreio ocular Na análise de rastreio ocular, foi analisado o percentual de duração em que o indivíduo não olhou para qualquer estímulo social nos testes Ekman e Derntl. Para o teste Ekman, foram selecionadas nas áreas sociais dos rostos estáticos os olhos, o nariz e a boca bem como as demais áreas olhadas pelos sujeitos (áreas não sociais). Se compararmos a porcentagem de duração em que o indivíduo não olhou para qualquer estímulo social entre grupos, observa-se que, em todas as emoções, o grupo de TEA é o que possui a menor porcentagem tempo de fixação de áreas sociais, enquanto os demais grupos apresentam uma oscilação de porcentagens, mostrandose relativamente próximos. Os três grupos apresentaram diferenças significativas entre si, F (2,47) = 6.56, p=.003. O grupo controle diferiu significativamente em relação ao grupo de TEA quanto ao rastreio ocular de figuras não sociais nas pranchas (p=.003). Foi ainda observada uma tendência de diferença entre o grupo Esquizofrenia e controle (p=0,57). Aqui os grupos clínicos também não diferiram quanto aos resultados (p=.863). 97 PORCENTAGEM DE DURAÇÃO DO OLHAR PARA ESTÍMULOS NÃO SOCIAIS Grupo Esquizofrenia NEUTRO NOJO SURPRESA TRISTE Figura 9. Gráfico da porcentagem de duração em que os grupos olharam para estímulos áreas não-sociais (teste Ekman) Para o teste Derntl, também foi calculado o percentual de duração em que os indivíduos fixaram o olhar em áreas não sociais. O grupo Controle foi o que teve a menor porcentagem de fixação em áreas não sociais das pranchas em todas as emoções demonstradas. Os grupos clínicos mostraram oscilação de acordo com determinadas emoções. Enquanto ambos tiveram a mesma porcentagem de fixação em estímulos não sociais nas pranchas de felicidade, surpresa e tristeza; o grupo de TEA teve menor porcentagem nas emoções e medo, neutralidade em comparação com o grupo de pacientes com Esquizofrenia. Já nas emoções de nojo quem apresentou o menor tempo de fixação foi o grupo de Esquizofrenia em comparação com o grupo dos TEA. Porém, a análise revelou que as diferenças entre os três grupos, quanto ao rastreio ocular de áreas não sociais das pranchas, não alcançaram significância estatística ( F (2,47) = 1.35, p = .270). 21% 19% 20% 21% 25% RAIVA 16% 23% 20% 17% 20% 26% MEDO 17% 21% 17% 21% 23% FELIZ 15% 15% 17% Grupo TEA 30% 30% Grupo Controle 98 8 DISCUSSÃO Este estudo teve como objetivo comparar o desempenho de indivíduos com TEA, esquizofrenia e clinicamente saudáveis em três tarefas de cognição social. O estudo dividiu-se em duas partes, onde a primeira buscou traçar um perfil sócio demográfico, nível de funcionalidade e habilidade intelectual dos participantes e a segunda englobou as avaliações de cognição social. Nesta foram avaliadas: 1) capacidades de processamento e manejo da emoção com uma tarefa de percepção de face estática, e uma tarefa de percepção corporal dinâmica; 2) Teoria da Mente por meio de uma tarefa de atribuição de estados mentais com base em informação contextual estática. Na primeira fase de análise dados, referentes aos grupos clínicos (TEA e Esquizofrenia), os resultados indicaram que os mesmos diferiam quanto ao nível sócio econômico e ocupação. No entanto, foram equivalentes quanto a escolarização, funcionalidade e QI. Neste âmbito, vale ressaltar que a escolha de duas provas (QI verbal e Execução) para o QI estimado não parece ter prejudicado o grupo de TEA, apesar da literatura apontar que possuem melhor rendimento em provas de QI de execução do que nas de QI verbal. Observa-se isso no item 7.3 (Habilidade Intelectual), tabela 16, de acordo com o resultado desempenhado pelo subteste verbal (Vocabulário). Nele, o grupo autismo marcou uma média de 11.07, e de 10.07 no subteste execução. Outro estudo, conduzido por Nascimento e Junior (2011), com 21 crianças e adolescentes do sexo masculino, entre 6 anos e 3 meses e 16 anos e 3 meses, os quocientes Intelectuais avaliados com WISC III também apresentaram discrepância entre o QI verbal (QIV) e QI de execução (QIE): onze indivíduos 99 demonstraram QIV maior que QIE; nove, QIE maior que e QIV e somente uma criança apresentou QIV igual a QIE. Na segunda parte de análise de dados referente aos testes de Cognição Social, quando realizadas as ANOVA, observa-se que os grupos clínicos não se distinguiram entre si; no entanto, os mesmos se diferem do grupo Controle. Os mesmos resultados foram obtidos por Pinkham et. al (2009), que não encontrou diferença entre os grupos clínicos com ANOVA, mas revelou significativas discrepâncias entre eles e o grupo saudável. No entanto, no presente estudo, estes resultados foram parcialmente alterados quando as variáveis QI e nível socioeconômico foram controladas pela regressão logística. As diferenças encontradas no teste Ekman entre os grupos Controle e TEA foram mantidas quando variáveis de QI e nível sócio econômico foram controladas pela regressão logística. Observa-se em uma análise mais aprofundada que emoções específicas distinguiram grupos. O grupo Esquizofrenia apresentou vantagens específicas em relação ao grupo TEA: emoção neutra, e uma tendência na emoção nojo. Observa-se um padrão similar de inversão nos grupos clínicos em relação ao grupo controle. Ambos (TEA e Esquizofrenia) apresentaram uma margem de erros da emoção de nojo primordialmente confundindo-a com a emoção de raiva, o que condiz com os achados que Ekman e Friesen (1971) reportaram que indivíduos de Papua Nova Guiné apresentavam inversões quanto a expressões de raiva e nojo. O mesmo foi reportado por Widen & Russell (2003) em pré escolares norte americanos. No entanto, de acordo com o Facial Action Coding System (Ekman & Friesen, 1978) as duas expressões não compartilham quaisquer movimentos musculares além de envolverem diferentes mensagens. 100 Figura 11: “Raiva” e “Nojo” Fonte: Sherri C. Widen, James A. Russell, & Aimee Brooks in: Anger and Disgust: Discrete or Overlapping Categories? https://www2.bc.edu/sherrilea-widen/posters/anger_digust.pdf Entre os grupos TEA e Controle, identificou-se uma diferença quanto à emoção de nojo, e uma tendência à emoção de tristeza. Já o grupo de Controle, comparado ao grupo Esquizofrenia, apresentou diferença significativa na emoção de tristeza. Em ambas as situações, o grupo Controle apresentou um desempenho superior. As diferenças encontradas nos testes Derntl e Emobio entre os grupos Controle e Esquizofrenia através da análise ANOVA desapareceram quando as variáveis de QI e nível sócio econômico foram controladas pela regressão logística. Deste modo, do ponto de vista de cognição social, o fato dos grupos clínicos não se distinguirem entre eles levanta a discussão se as tarefas não foram adequadas para evidenciar um perfil mais acurado dos mesmos, ou se, como a literatura contempla, os grupos clínicos não possuem realmente um padrão de diferenciação tão marcado entre si. Sasson et al. (2007) indicaram em seu estudo que os indivíduos com TEA e esquizofrenia podem compartilhar uma anormalidade na utilização de informação facial para avaliar o conteúdo emocional em cenas sociais, mas diferem na 101 capacidade de procurar pistas socialmente relevantes a partir de estímulos complexos. Segundo os autores, seus resultados sugeriram que, durante o processamento de informação emocional em situações sociais, tanto os indivíduos com TEA como os com esquizofrenia fixam-se menos nas faces do que o grupo controle, embora apenas aqueles com TEA não conseguem orientar-se quanto a rostos mais rapidamente com base na presença da informação facial (o controle e o grupo com esquizofrenia orientaram-se para regiões faciais mais rapidamente quando as faces estavam presentes do que quando estavam ausentes, mas o grupo TEA orientou-se na mesma taxa em ambas as condições). Portanto, os dois casos clínicos podem demonstrar uma anormalidade na utilização de informação facial ao avaliar o conteúdo emocional em cenas sociais, mas divergem na capacidade de procurar pistas socialmente relevantes a partir de estímulos complexos. Em relação às emoções analisadas separadamente, observou-se que os grupos clínicos apenas se diferenciaram quanto a detecção das emoções de nojo e neutralidade, indicando o grupo de TEA com desempenho inferior quando comparado com o grupo de indivíduos com esquizofrenia. Os pacientes com TEA, mais frequentemente do que os com esquizofrenia, confundiam essa expressão de sentimento com a de raiva. Estudos de Paul Ekman, como o citado anteriormente (1971), confirmam que essas expressões são confundidas entre si por alguns grupos com mais frequência do que outras. Este resultado também pode demonstrar uma maior dificuldade de reconhecimento emoções com grande representação através de expressões na região da boca, pouco rastreada por autistas. Johnels, Gillberg, FalckYtter e Miniscalco (2014) também analisaram esse tipo de rastreio facial em 11 crianças com TEA e 29 saudáveis, e concluíram que elas passavam, proporcionalmente, menos tempo visualizando a boca do que outras áreas do rosto. 102 A visualização de olhos, no experimento conduzido por eles, não diferiu entre os grupos, o que pode indicar o motivo pelo qual há uma dificuldade no grupo com TEA na identificação de emoções que se expressam essencialmente através de movimentos bucais. O olhar é menos direcionado para a área dos olhos, com associado em alguns casos, a uma maior exploração da boca (Guimard-Brunault, et al. 2013; Pelphrey et al. 2002). Apesar de serem testes aparentemente complexos, o Emobio e Derntl não apresentaram diferenças significativas entre os grupos, diferentemente dos achados da literatura. Nackaerts et al. (2012) indicam performance alterada em indivíduos com TEA na leitura corporal de seres humanos comparados a controles saudáveis, reconhecendo emoções de forma diferente. Em seu estudo, nenhuma diferença foi apontada entre duas tarefas-controle. Os movimentos dos olhos foram avaliados durante a realização das tarefas e os resultados conseguidos indicaram que os participantes com TEA apresentaram mais movimentos sacádicos com fixação e duração mais curtos em relação ao grupo-controle. “No entanto, especialmente para reconhecimento de emoções, esses movimentos oculares alterados foram associadas a reduções na tarefa-performance” (Nackaerts et. al 2012). Participantes com esquizofrenia demonstraram resultados similares, em comparação a controles saudáveis, em um estudo conduzido por Okruszek et al. (2015). A pesquisa identificou uma performance pior na esquizofrenia do que nos controles, tanto em discriminar ações comunicativas de não-comunicativas (tarefa A), como em selecionar qual de 5 respostas alternativas oferecidas melhor descrevia ações observadas durante os testes (tarefa B). A classificação errada de estímulos não-comunicativos como ações comunicativas foi a principal responsável pelo baixo desempenho dos participantes clínicos. Uma análise de correlação revelou que 103 habilidades visuais e espaciais previu o desempenho na tarefa A, mas não na B, enquanto habilidades de reconhecimento de emoção facial foram relacionadas tanto a performances na tarefa A quanto na B. Sasson et al. (2010) citam discrepâncias entre resultados dos grupos clínicos. Segundo os autores, outras formas de pesquisa foram capazes de identificar maiores diferenças entre os resultados em Teoria da Mente de indivíduos com TEA em comparação com participantes com esquizofrenia. O rastreio ocular facial em cenas sociais (Sasson et al.2007) e julgamentos de confiabilidade e identificação de emoções por “point-light motion displays” (Couture et al. 2010), por exemplo, identificaram maiores déficits no autismo do que na esquizofrenia em relação ao reconhecimento de emoções faciais (Bolte and Poustka 2003; Van Lancker et al. 1989) e orientação social (Sasson et al. 2007). Mesmo que, com os estudos prévios, fosse previsto que houvesse maiores diferenças no s resultados de Emobio e/ou no Derntl, estas podem não ter sido observadas pelas características da amostra utilizada. Uma hipótese sugere que o nível socioeconômico dos indivíduos com TEA permite o seu acesso a serviços médicos, psicológicos e educacionais de elevada qualidade, reduzindo o impacto de alguns dos déficits ocasionados pela doença, ou evitar que eles se agravassem com o desenvolvimento. Quanto ao grupo com Esquizofrenia, o número de anos de doença era menor do que o reportado nos estudos que citou, o que também pode ter contribuído para uma cognição social mais aprimorada. Quanto ao rastreio ocular do teste de Ekman, observou-se que o grupo de indivíduos com TEA não mostrou diferenças significativas quanto ao rastreio ocular em relação ao grupo de indivíduos com esquizofrenia. Porém, de acordo com as análises extraídas, os grupos clínicos apresentaram menor ou ausência de rastreio da 104 região da boca comparados com controles saudáveis. No entanto, os grupos clínicos distinguiram-se do grupo controle nas mesmas tarefas. Outros estudos com eyetracking focados em estratégias de exploração de rostos, mostraram que o rastreamento ocular dos indivíduos com TEA é menor. Outros estudos evidenciaram que tanto o autismo como a esquizofrenia apresentam anormalidades nos padrões de rastreamento facial, como Klin et al, 2002a; Klin, Jones, Schultz, Volkmar, e Cohen, 2002b, Pelphrey, et al, 2002; Phillips e David, 1997; Williams, Loughland, Gordan, e Davidson, 1999, que apontaram uma atenção aumentada a elementos específicos do rosto. Sasson (2007) também ressalta que não é claro se essa anormalidade se estende mais amplamente a outros estímulos sociais e se varia dependendo do tipo e quantidade de informação sendo processada pelo indivíduo, além de apontar a necessidade de se especificar se esse potencial mecanismo de cognição social difere entre as duas desordens. Johnels et al (2014) referiram que indivíduos com TEA rastrearam menos a região da boca e mais tempo em áreas não sociais comparados a controles saudáveis. No estudo, o tempo de rastreamento da área dos olhos entre os grupos não diferiu. Há muitas ocorrências na literatura que apontam essa discrepância dos dois grupos clínicos estudados com os grupos controle, mas sem grandes diferenças entre si, demonstrando essa disparidade entre o rastreio saudável e o clínico, que foca em pontos diferenciados do rosto (Couture et. al (2010), Craig (2004) e Murphy (2006). Apesar disso, um estudo recente não conseguiu replicar o resultado de pontuações mais baixas em pessoas com TEA, comparativamente a grupos controle (Spek et al., 2010). É importante ressaltar que houve uma disparidade considerável entre o grupo controle e os grupos clínicos em relação a QI, o que pode ter influenciado os 105 resultados comparativos da cognição social entre os grupos (mas foi controlado entre grupos), pois é um fator capaz de influenciar as interpretações sociais e cognitivas. Considerar os resultados obtidos sem levar em conta esses contextos pode ser limitador, e seria possível observar semelhanças e diferenças mais acuradas se fossem inclusos indivíduos clínicos com maiores níveis nesses quesitos, ou um grupocontrole mais semelhante a eles nesses pontos. Uma análise de correlação conduzida por Mohn, Sundet e Rund (2014) teve como objetivo revelar como o QI refere-se à performance em baterias de testes neuropsicológicos como um todo e em um mesmo indivíduo em diferentes domínios da cognição. Nestes estudos, o QI foi significativamente relacionado com todas as pontuações do MCCB (MATRICS Consensus Cognitive Battery), exceto as que tinham relação com a Cognição Social. Análises com regressão hierárquica que incluíram sexo, idade e escolaridade confirmaram essa associação. Para a função cognitiva global, 50% da variação foi explicada pelo QI e características demográficas. Outros estudos associam a variação de QI aos resultados em cognição social, como é o caso do trabalho publicado por Park e Kim (2014), que notaram que a performance do grupo de estudos no quesito de falsas-crenças era relacionada ao QI em indivíduos com esquizofrenia. Happé (1994), que conduziu um estudo em adultos de alto funcionamento com TEA a respeito de conceitos relativos à Teoria da Mente e estados mentais (Strange Stories), avaliou em sua pesquisa que existe uma relação entre o QI verbal e a Teoria da Mente, que levaram o autor a concluir que essas duas métricas seriam interdependentes. Outros estudos posteriores obtiveram resultados semelhantes, como Kaland et. al. (2002), que encontrou uma correlação significativa entre o QI verbal e a performance de mentalização entre indivíduos com Síndrome de Asperger. 106 Em uma pesquisa sobre cognição social e competência em crianças de sétima série saudáveis, Pellegrini (1985) notou que os componentes social-cognitivos de seu estudo estavam significativamente correlacionados ao QI dos participantes, enquanto o entendimento interpessoal era intimamente ligado à idade e à classe social dos indivíduos analisados. Portanto, futuramente, far-se-ão necessários outros estudos com maior correção da pareação dos grupos clínicos e de controle. Outro fator importante, que pode ter influenciado nos resultados, foi que, para este estudo, foram incluídos estudantes de psicologia, os quais possuem treinamento quanto a estímulos cognitivos e uma formação voltada para a capacitação de elementos da cognição social. Esses conhecimentos podem ter atuado como variáveis que alteraram parte dos resultados da amostra. Nota-se que o presente estudo fez uso de estímulos basicamente visuais, que abrangiam níveis de complexidade mais basais. Como visto em estudos como o descrito por Sasson et al (2007) a utilização de estímulos mais complexos pode diferenciar os grupos. Em estudos posteriores, mostra-se necessária a exploração mais diversificada de estímulos utilizando contextos áudio-verbais e informações mais textuais com níveis de maior complexidade a fim de verificar se ocorrem diferenças entre os grupos clínicos. A utilização de tarefas de reconhecimento de emoções ou a compreensão de situações sócio-emocionais mais complexas, como empatia, gafe e duplo sentido, utilizadas em testes como Faux Pas ou Hint Test, por exemplo, poderiam ser mais úteis na exploração de eventuais diferenças entre os grupos clínicos. A comparação direta dos indivíduos com TEA e esquizofrenia oferece potencial para expor possíveis mecanismos independentes da disfunção cognitiva social. Os 107 resultados deste estudo, realizados com provas visuais de relativa baixa dificuldade, mostraram perfis semelhantes de alteração sócio-cognitiva em grupos com TEA e Esquizofrenia, Desta forma, são sugeridos novos estudos onde sejam administradas tarefas de cognição social de níveis de complexidade superior, recorrendo a estímulos apresentados em diversas modalidades (não apenas visual) que possam explorar com maior detalhe a eventual presença de padrões distintos de cognição social entre estes grupos. 108 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho propôs-se a definir padrões diferenciados de cognição social para os diferentes grupos. No entanto, através das tarefas ministradas não foi possível distinguir os grupos clínicos entre si. 109 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABELL, F.; HAPPE, F.; FRITH, U. Do triangles play tricks? Attribution of mental states to animated shapes in normal and abnormal development. Cogn. Dev, n. 15 (1), p. 1– 16, 2000. 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Autism, the superior temporal sulcus and social perception. Trends in Neurosciences, n. 29, p. 359–66, 2006. 146 10 APÊNDICES APÊNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PAIS ou RESPONSÁVEIS pelo Sujeito de Pesquisa Gostaríamos de convidá-lo a participar do projeto de pesquisa “COMPARAÇÃO DO DESEMPENHO ENTRE INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS, COM ESQUIZOFRENIA E COM AUTISMO EM TAREFAS DE COGNIÇÃO SOCIAL” que se propõe avaliar, investigar a diferença no desempenho de indivíduos saudáveis, com Transtornos do espectro do autismo ou com esquizofrenia em tarefas de cognição social de 18 a35 anos. Além disso, iremos verificar o padrão de movimentos oculares e as variações no diâmetro pupilar para estudar como esses estímulos sociais são percebidos e processados. Este estudo será realizado em parceria pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pela Universidade Federal de São Paulo. No primeiro encontro serão aplicados escalas de rastreio para autismo (Autism Behavior Checklist) ou para transtornos psicóticos (Entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I, Escala de Síndromes Positivas e Negativas – PANSS), uma escala de funcionalidade (Avaliação Global de Funcionamento – GAF), duas escalas de linguidadem receptivoauditiva e competência de leitura (Peabody Picture Vocabulary Test – PPVT, Teste de competência de leitura de palavras e pseudopalavras – TCLPP), e dois testes de capacidade intelectual (vocabulários e cubos da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - terceira edição – WAIS-III). No segundo encontro, serão aplicados três testes computadorizados para avaliação de cognição social, denominados Facial Emotion Identification Test, Emotion Perspective Taking, Emotion in Biological Motion. Para tal solicitamos sua autorização para a realização dos procedimentos previstos. O contato interpessoal e a realização dos procedimentos oferecem riscos físicos e/ou psicológicos mínimos aos participantes. Em qualquer etapa do estudo os participantes terão acesso ao Pesquisador Responsável para o esclarecimento de eventuais dúvidas (no endereço abaixo), e terá o direito de retirar a permissão para o adulto participe do estudo, sem qualquer penalidade ou prejuízo. As informações coletadas serão analisadas em conjunto com a de outros participantes e será garantido o sigilo, a privacidade e a confidencialidade das questões respondidas, sendo resguardado o nome dos participantes (apenas o Pesquisador Responsável terá acesso a essa informação), bem como a identificação do local da coleta de dados. Caso a Instituição tenha alguma consideração ou dúvida sobre os aspectos éticos da pesquisa, poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana 147 Mackenzie –Rua da Consolação, 896 - Ed. João Calvino - térreo. Desde já agradecemos a sua colaboração. Declaro que li e entendi os objetivos deste estudo, e que as dúvidas que tive foram esclarecidas pelo Pesquisador Responsável. Estou ciente que a participação é voluntária, e que, a qualquer momento tenho o direito de obter outros esclarecimentos sobre a pesquisa e de retirar a permissão para participar da mesma, sem qualquer prejuízo. Declaro ainda, que explQIuei ao Sujeito de Pesquisa os procedimentos a serem realizados neste estudo, seus eventuais riscos/desconfortos, possibilidade de retirar-se da pesquisa sem qualquer penalidade ou prejuízo, assim como esclareci as dúvidas apresentadas. Nome do Responsável pelo Sujeito de Pesquisa: ______________________________________ Assinatura do Responsável pelo Sujeito de Pesquisa: __________________________________ São Paulo, ______ de _____________________ de 20_____. _____________________________________ __________________________________________ Prof. Dr. José Salomão Schwartzman ([email protected]) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua Piauí, nº 181, 6º andar, Telefone: (11) 2766-7118 Juliana Gioia Negrão Worms de Brisac ([email protected]) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua Piauí, nº 181, 6º andar, Telefone: (11) 2766-7118 148 APÊNDICE B. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO SUJEITO DE PESQUISA Gostaríamos de convidá-lo a participar do projeto de pesquisa “COMPARAÇÃO DO DESEMPENHO ENTRE INDIVÍDUOS SAUDÁVEIS, COM ESQUIZOFRENIA E COM AUTISMO EM TAREFAS DE COGNIÇÃO SOCIAL” que se propõe avaliar investigar a diferença no desempenho de indivíduos saudáveis, com Transtornos do espectro do autismo ou com esquizofrenia em tarefas de cognição social de 18 a35 anos. Além disso, iremos verificar o padrão de movimentos oculares e as variações no diâmetro pupilar para estudar como esses estímulos sociais são percebidos e processados. Este estudo será realizado em parceria pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pela Universidade Federal de São Paulo. No primeiro encontro serão aplicados escalas de rastreio para autismo (Autism Behavior Checklist) ou para transtornos psicóticos (Entrevista estruturada para o DSM-IV – Transtornos do Eixo I, Escala de Síndromes Positivas e Negativas – PANSS), uma escala de funcionalidade (Avaliação Global de Funcionamento – GAF), duas escalas de linguidadem receptivoauditiva e competência de leitura (Peabody Picture Vocabulary Test – PPVT, Teste de competência de leitura de palavras e pseudopalavras – TCLPP), e dois testes de capacidade intelectual (vocabulários e cubos da Escala de Inteligência Wechsler para Adultos - terceira edição – WAIS-III). No segundo encontro, serão aplicados três testes computadorizados para avaliação de cognição social, denominados Facial Emotion Identification Test, Emotion Perspective Taking, Emotion in Biological Motion. Para tal solicitamos sua autorização para a realização dos procedimentos previstos. O contato interpessoal e a realização dos procedimentos oferecem riscos físicos e/ou psicológicos mínimos aos participantes. Em qualquer etapa do estudo os participantes terão acesso ao Pesquisador Responsável para o esclarecimento de eventuais dúvidas (no endereço abaixo), e terá o direito de retirar-se do estudo a qualquer momento, sem qualquer penalidade ou prejuízo. As informações coletadas serão analisadas em conjunto com a de outros participantes e será garantido o sigilo, a privacidade e a confidencialidade das questões respondidas, sendo resguardado o nome dos participantes (apenas o Pesquisador Responsável terá acesso a essa informação), bem como a identificação do local da coleta de dados. Caso a Instituição tenha alguma consideração ou dúvida sobre os aspectos éticos da pesquisa, poderá entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie –Rua da Consolação, 896 - Ed. João Calvino - térreo. Desde já agradecemos a sua colaboração. 149 Declaro que li e entendi os objetivos deste estudo, e que as dúvidas que tive foram esclarecidas pelo Pesquisador Responsável. Estou ciente que a participação é voluntária, e que, a qualquer momento tenho o direito de obter outros esclarecimentos sobre a pesquisa e de retirar a permissão para participar da mesma, sem qualquer prejuízo. Declaro ainda, que explQIuei ao Sujeito de Pesquisa os procedimentos a serem realizados neste estudo, seus eventuais riscos/desconfortos, possibilidade de retirar-se da pesquisa sem qualquer penalidade ou prejuízo, assim como esclareci as dúvidas apresentadas. Nome do Sujeito de Pesquisa: ____________________________________________________________ Assinatura do Sujeito de Pesquisa: ________________________________________________________ São Paulo, ______ de _____________________ de 20_____. _____________________________________ __________________________________________ Prof. Dr. José Salomão Schwartzman ([email protected]) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua Piauí, nº 181, 6º andar, Telefone: (11) 2766-7118 Juliana Gioia Negrão Worms de Brisac ([email protected]) Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rua Piauí, nº 181, 6º andar, Telefone: (11) 2766-7118