Unidade 1 - Adolescência Amenorréia Primária CAPÍTULO 2 AMEnORRéIA PRIMáRIA DEfINIçãO Amenorréia primária é a ausência de menstruação até os 14 anos de idade, na ausência de crescimento ou desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, ou até os 16 anos independentemente da presença desses caracteres. CLASSIfICAçãO As causas da amenorréia primária podem ser divididas de acordo com a localização anatômica da disfunção: COMpARTIMENTO I: DISTúRBIOS DO TRATO DE SAÍDA OU óRGãO-ALvO UTERINO 1. Síndrome de Rokitansky-Küster-Hauser (Agenesia Mülleriana) É uma causa relativamente comum de amenorréia primária, perdendo apenas para a disgenesia gonadal. • Clínica: As pacientes afetadas possuem vagina sólida até seu quinto inferior, útero rudimentar em forma de cordões bicornes ou ainda normal, porém sem conduto ao intróito, trompas hipoplásicas e genitália externa feminina. A função ovariana e o cariótipo feminino são normais. Aproximadamente 1/3 das pacientes apresenta anormalidades do trato urinário (rim ectópico, agenesia renal, rim em ferradura e ductos coletores anormais), sendo necessária a investigação radiológica em todos os casos 29 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand conirmados. Além disso, 12% ou mais apresentam anormalidades esqueléticas, a maioria de coluna. 2. Síndrome da insensibilidade a andrógenos (feminização testicular) A paciente com feminização testicular é um pseudo-hermafrodita masculino. É descrita na literatura como a terceira causa de amenorréia primária. • Clínica: O crescimento e o desenvolvimento são normais, embora possam ser indivíduos mais altos que a média e eunucóides. As mamas são grandes, porém com pouco tecido glandular real, os mamilos são pequenos e as aréolas são claras. Os pequenos lábios são subdesenvolvidos e a vagina é pouco profunda. Possui cariótipo XY e gônadas masculinas. Esses pacientes produzem testosterona, porém não respondem a andrógenos. Devido à presença do hormônio anti-mülleriano, o desenvolvimento do ducto mülleriano é inibido, daí a ausência de útero, trompas e porção superior da vagina. Mais de 50% apresentam hérnia inguinal (testículos parcialmente descidos). 3. Septo vaginal transverso Causa relativamente rara de amenorréia primária. • Clínica: Dores pélvicas cíclicas, sintomas de obstrução e urgência miccional pela falta de canalização do terço distal da vagina. 4. Hímen imperfurado • Clínica: Geralmente a queixa principal é um desconforto na região vulvar e perineal por mucocolpo e/ou hematocolpo, visualizado através do exame ginecológico. Diagnóstico dos distúrbios do trato de saída ou órgão-alvo uterino » História clínica, exame físico geral e exame ginecológico: estadiar o desenvolvimento sexual secundário pelos critérios de Tanner, demonstrar permeabilidade vaginal e sinais de feminização testicular incompleta com aumento de clitóris. » Toque retal: pode-se palpar uma vagina não tunelizada descrita como cordão ibroso anterior ao reto ou ainda massas de consistência cística no caso de criptomenorréia. 30 Unidade 1 - Adolescência Amenorréia Primária » Teste da progesterona: tem a função de evidenciar a permeabilidade do trato de saída na presença de níveis adequados de estrogênio. Consiste na administração de 10 mg diários de acetato de medroxiprogesterona por 10 dias, após o qual, dentro de 3 a 7 dias, poderá ou não haver sangramento. » Ultrassonograia e a laparoscopia: proporcionam diagnósticos precisos acerca dos órgãos intrapélvicos. » Investigação laboratorial: (dosagens de FSH, LH, TSH e prolactina) nessas pacientes encontra-se normal. » Cromatina sexual de Barr estabelece um diagnóstico diferencial entre a síndrome de Rokitansky-Küster-Hauser (cromatina positiva) e a síndrome da feminização testicular (cromatina negativa). A constituição cromossômica do indivíduo se dá deinitivamente pela cariotipagem. Terapêutica: » Apoio psicológico: fundamental no tratamento de pacientes com agenesia mülleriana e feminização testicular. » Tunelização artiicial da vagina (neovagina) deve ser instituída quando a adolescente deseja o coito. No caso da feminização testicular deve-se realizar a extirpação dos testículos devido à alta incidência de neoplasia gonadal após a puberdade. Na variedade completa a castração é protelada até que exista adequado desenvolvimento das características sexuais secundárias e na variedade incompleta a castração deve ser realizada logo que se faça o diagnóstico para se evitar virilização. Na presença de hérnia inguinal, os testículos devem ser removidos logo que se diagnostique sua presença. A castração deve ser seguida de reposição hormonal. No septo vaginal transverso e no hímen imperfurado o tratamento é basicamente cirúrgico. COMpARTIMENTO II: DISTúRBIOS OvARIANOS 1. Disgenesia gonadal As disgenesias gonadais (anormalidades na diferenciação das gônadas) englobam: Síndrome de Turner: É a principal causa de amenorréia primária. O cariótipo é 45XO. • Clínica: As pacientes apresentam baixa estatura, pescoço alado, tórax em escudo, aumento do ângulo do cotovelo e desenvolvimento 31 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand sexual secundário retardado, além de amenorréia hipoestrogênica hipergonadotróica. Apresentações clínicas menos comuns: coarctação da aorta e anormalidades do sistema coletor renal. Mosaicismo: A principal variedade de mosaicismo (múltiplas linhagens celulares com variada composição dos cromossomos sexuais) na disgenesia gonádica é XO/XX. • Clínica: No caso em que a maioria das células possui cariótipo XO, as características apresentam semelhança com a síndrome de Turner (síndrome turniforme). A presença de um componente XX pode levar a diferentes graus de desenvolvimento feminino inclusive com reprodução. Mais comumente essas pacientes são baixas e a menopausa é precoce. A presença de um cromossomo Y no cariótipo exige a excisão gonadal. Disgenesia gonadal XY (síndrome de Swyer): Presumivelmente, o que ocorre nesses casos é uma falha no desenvolvimento ou uma eliminação dos testículos (regressão testicular) antes da diferenciação genital externa ou interna. O cariótipo é 46XY. • Clínica: Ocorre a falta de desenvolvimento sexual com presença de órgãos genitais internos femininos infantis na forma de cordões ibrosos. Disgenesia gonadal XX (agenesia gonadal): É conhecida como disgenesia gonadal pura. O cariótipo é 46XX. A alteração se encontra no gen receptor de FSH. • Clínica: Inexistem estigmas da síndrome de Turner ou anomalias extragenitais. A única anomalia encontrada são as gônadas em ita. Síndrome dos ovários resistentes: É causa rara de amenorréia primária, cuja característica fundamental é a refratariedade às gonadotroinas. • Clínica: Desenvolvimento deiciente das características sexuais secundárias com folículos ovarianos aparentemente normais. Diagnóstico dos distúrbios ovarianos O diagnóstico inicialmente se faz através da história clínica, exame físico e exame ginecológico (atentar para o estadiamento do desenvolvimento sexual pelos critérios de Tanner), com os achados já descritos acima. A ultrassonograia para a evidenciação dos órgãos sexuais internos é mandatória. 32 Unidade 1 - Adolescência Amenorréia Primária A laparoscopia com biópsia gonadal para esclarecimento do status cromossomal do indivíduo pode ser necessária. Dosagem das gonadotroinas hipoisárias: Tanto nas disgenesias gonadais como na síndrome dos ovários resistentes ocorre um hipogonadismo hipergonadotróico, encontramos altos níveis de FSH (e algumas vezes de LH), com baixos níveis de estradiol. O raio X de punhos deve ser realizado para a determinação da idade óssea e posterior tratamento. A cromatina sexual de Barr não é suiciente para um diagnóstico completo da variedade de disgenesia gonádica, sendo importantíssima a cariotipagem desses indivíduos para a evidenciação da presença de cromossomo Y. Na presença da síndrome de Turner deve-se descartar anormalidades cardiovasculares e renais. Terapêutica: Nos distúrbios ovarianos se faz necessária a substituição hormonal a partir da idade óssea de 11-12 anos. A substância de escolha para o início da terapêutica é o estradiol ou valerato de estradiol (evita-se o etinilestradiol) com acréscimo da progesterona seis meses depois. Na presença de cromossomo Y (alguns mosaicismos e disgenesia gonadal XY) é mandatória a extirpação gonadal pelo risco de malignização tumoral. COMpARTIMENTO III: DISTúRBIOS DA HIpófISE ANTERIOR A amenorréia primária de causa hipoisária é muito rara. As causa principais são: processos inlamatórios (síilis, tuberculose, doenças autoimunes) e tumores com ou sem atividade endócrina (craniofaringeoma). A hiperprolactinemia é a causa principal de amenorréia hipoisária secundária, sendo rara na amenorréia primária. Esta é desencadeada principalmente por prolactinoma e hipotireoidismo. • Clínica: Esta se baseia pela clínica característica da patologia de base e nos casos de grandes tumores por sintomas de compressão (cefaléia, distúrbios neurológicos, diminuição do campo visual etc.). Diagnóstico A história clínica, o exame físico e o exame ginecológico devem estar presentes em todas as avaliações diagnósticas. Raio X de sela túrcica e eventualmente tomograia computadorizada e ressonância magnética para evidenciação de tumor. Dosagens de prolactina e TSH para se evidenciar hiperprolactinemia ou hipotireoidismo. 33 Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas Maternidade Escola Assis Chateaubriand Terapêutica Tratamento da patologia de base, tratamento cirúrgico de acordo com a natureza do tumor. Nos casos de prolactinomas, somente após adequada avaliação do tumor se pode decidir pela cirurgia ou tratamento com bromocriptina. COMpARTIMENTO Iv: DISTúRBIOS HIpOTALâMICOS Pacientes com amenorréia hipotalâmica (hipogonadismo hipogonadotróico) têm deiciência na secreção pulsátil de GnRH. É causa mais comum de amenorréia secundária. Dentre algumas causas podemos citar: anorexia nervosa, desnutrição, tensão emocional e obesidade (não hipogonadotróica e sim por anovulação). A síndrome de Kallmann (hipogonadismo hipogonadotróico associado a anosmia por sulcos olfatórios hipoplásicos ou ausentes) se encontra entre as causas menos comuns. 34