Excesso de gordura pode alterar cérebro tanto quanto drogas fortes

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Excesso de gordura pode alterar cérebro tanto quanto drogas fortes
Ratos alimentados com alto teor de gordura apresentaram características semelhantes a
dos animais viciados em cocaína.
por Katherine Harmon
Como muitas pessoas, ratos ficam
felizes em devorar uma comida
saborosa, rica em gordura. Bacon,
salsicha, chocolate e até mesmo o
cheesecake rapidamente tornaram-se os
pratos favoritos dos ratos de
laboratório, que recentemente tiveram
acesso a essas preferências humanas –
tanto que os animais passaram a
depender de grandes quantidades de
gordura para se sentir bem, como
acontece com usuários de drogas.
ISTOCKPHOTO/REDMAL
Um novo estudo publicado on-line no
Nature Neuroscience descreve esses
conflitos dos ratos, aumentando o
Ratos recusam rações saudáveis, preferindo
conhecimento sobre a forma como o
alimentos gordurosos
excesso de ingestão de alimentos pode
provocar mudanças cerebrais; alterações que parecem criar uma dependência
neuroquímica no ―comedor‖ — ou no usuário. (Scientific American faz parte da Nature
Publishing Group). Resultados preliminares do trabalho foram apresentados na Society
for Neuroscience em outubro de 2009.
Como muitos comportamentos agradáveis – incluindo sexo e uso de drogas –, comer
pode desencadear a liberação de dopamina, um neurotransmissor do cérebro que faz
com que tenhamos uma sensação de bem-estar. Essa recompensa química interna, por
sua vez, aumenta a probabilidade de que a ação associada acabará por se tornar habitual
por meio de condicionamento de um reforço positivo. Se ativados diversas vezes, esses
padrões neuroquímicos podem tornar-se uma dependência, resultado observado em
muitos casos humanos, observa Paul Kenny professor adjunto no Departament of
Molecular Therapeutics, do Scripps Research Institute em Jupiter, Flórida, e co-autor do
novo estudo. ―A maioria das pessoas com sobrepeso diria ‗eu gostaria de controlar meu
peso e minha alimentação‘, mas acham que é muito difícil controlar seu comportamento
alimentar‖, diz ele.
Apesar do crescente volume de pesquisa, não está muito claro se o alto consumo de
gordura é iniciado por uma irregularidade química no cérebro ou se o próprio
comportamento é capaz de mudar a composição bioquímica do cérebro. A nova
pesquisa realizada por Kenny e seu colega Paul Johnson, estudante de graduação,
mostram que ambas as condições são possíveis.
Para ver apenas como a superalimentação e obesidade alteram os circuitos de
recompensa do cérebro, pesquisadores implantaram eletrodos nos cérebros dos ratos
estimulando-os com recompensas para monitorar seus níveis de mudança. Alguns ratos
receberam apenas uma hora por dia da ―festa do sabor‖ (alimentos ricos em gordura),
enquanto outros tiveram acesso quase que ilimitado (18 a 23 horas por dia). Todos os
ratos, incluindo um grupo controle que não recebeu alimentação humana, tinham livre
acesso à água e ao alimento padrão ─ ração saudável de laboratório.
Sem surpresas, ratos com acesso ampliado para alimentos gordurosos comeram muito
pouco ou quase nada das rações saudáveis de laboratório e ficaram obesos rapidamente,
consumindo cerca de duas vezes a quantidade de calorias do grupo controle. Os
pesquisadores também descobriram que, mesmo ratos com acesso limitado aos
alimentos insalubres estavam se esforçando ao máximo para obter mais alimentos
gordurosos. Esses ratos consumiram 66% do total de calorias diárias em apenas uma
hora de alimentos gordurosos, desenvolvendo um padrão de compulsão alimentar.
‖A pesquisa do grupo de Kenny é uma grande contribuição‖, diz Nicole Avena,
pesquisadora associada e visitante do Departamento de Psiciologia da Princeton
University, que não esteve envolvida no novo estudo, mas concluiu uma pesquisa
similar sobre a dependência de dietas ricas em açúcar. Muitos estudos têm estabelecido
uma conexão entre a ingestão excessiva de alimentos e a dependência química de
animais e seres humanos. Um estudo de 2001 publicado no jornal The Lancet, observou
uma carência de receptores de dopamina no cérebro de muitas pessoas obesas, assim
como nos viciados em cocaína ou álcool. Essa nova pesquisa acrescenta uma
compreensão mais sutil de como a alimentação pode modificar cérebro, e mostra que
desde o início, diferenças no cérebro podem predispor um indivíduo para comer mais
que outros.
Para iniciar um ciclo de dependência, a dopamina deve ser sentida, para que o cérebro
amplie seus receptores. Muitos dependentes possuem um baixo nível de receptores de
dopamina desde o início, ou causado pelo comportamento abusivo. Isso significa que
cada vez mais procurarão por dopamina e substâncias indutoras para atingir um nível de
recompensa neuroquímica que possam desfrutar. Quando algum dependente para de
usar a substância, leva um tempo para que os receptores de dopamina sejam esgotados e
retornarem aos níveis basais. Para os ratos viciados em cocaína pode levar até dois dias
para recuperar os níveis normalizados. Já os ratos obesos levaram duas semanas para
recuperar sua densidade inicial de receptores.
Para medir o quanto a quantidade de receptores de dopamina afetou o comportamento
alimentar dos ratos, Kenny e Johnson inseriram um vírus nos cérebros de um grupo
teste de animais para abater seus receptores D2 de dopamina, que são detectados em
baixos níveis em humanos com dependência química. Eles descobriram que em vez de
um aumento progressivo dos limites de recompensa do cérebro de ratos, eles quase que
imediatamente apresentaram limites mais elevados que levaram a excessos
imediatamente quando acesso a uma dieta rica em gordura foi liberado.
A genética provavelmente desempenha um papel importante na probabilidade de um
indivíduo se tornar obeso, em ambos os sistemas metabólicos e neuroquímicos. Nos
seres humanos, por exemplo, uma bandeira genética conhecida como o alelo A1 TaqIA
tem sido associada a menos receptores D2, bem como a dependência tóxica e a
obesidade. Nos ratos "ocasionalmente um ou dois animais por estudo não comeram
demais", diz Kenny. Ele e seus colegas estão investigando possíveis bases genéticas
desse fenômeno para ver se há um marcador genético similar que possa ser útil para
ajudar os humanos a evitar a obesidade. Outras descobertas nesse campo podem ajudar
no desenvolvimento de prevenção e possibilidades de um tratamento. Técnicas de
aconselhamento, terapia e até mesmo tratamentos farmacêuticos têm demonstrado
sucesso para o abuso de substâncias, dando esperanças a aqueles que lutam para se
livrar de vicio, diz Kenny.
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