INFORMÁTICA, MATEMÁTICA e CIÊNCIAS

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INFORMÁTICA, CIÊNCIAS e MATEMÁTICA
por Ubiratan D’Ambrosio
O problema maior do ensino de ciências e matemática é o fato das
mesmas serem apresentadas de forma Desinteressante, Obsoleta e
Inútil, e isso DOI para o jovem.
O ensino de fatos e conceitos apresentados como verdades absolutas e
incontestáveis, como um corpo de conhecimentos congelado ao longo de
séculos, não pode responder à enorme curiosidade dos jovens e nem à
própria dinâmica da elaboração do conhecimento. A aquisição desse
conhecimento é falsamente verificada através de provas e testes.
Tudo se soma para a grande farsa que é o sistema educacional
vigente. Em nome desse sistema se empregam enormes recursos e, o que
é ainda mais grave, se destrui a auto-estima do jovem, encaminhandoo para uma subordinação a crenças e autoritarismo. O ensino de
ciências e matemática é catequético na maneira como é conduzido e
como é avaliado.
O atual ensino de
grandes objetivos
INDIVÍDUO ATINGIR
A AÇÃO COMUM, COM
CIDADANIA PLENA.
ciências e matemática não permite atingir os
da educação, que são: (i) POSSIBILITAR A CADA
SEU POTENCIAL CRIATIVO; (ii) ESTIMULAR E FACILITAR
VISTAS A VIVER EM SOCIEDADE, EXERCITANDO A
A principal causa do equívoco da educação atual é o baixo índice de
aceitação e incorporação da tecnologia no processo educacional.
TECNOLOGIA
Com a disponibilidade das calculadoras e dos computadores, o ensino
de ciências e de matemática deve mudar radicalmente de orientação.
Uma vez aceita a calculadora sem restrições, estaria desfeito o nó
górdio da educação de hoje.
Isto porque a calculadora sintetiza as grandes transformações de
nossa era e a entrada de uma nova tecnologia em todos os setores da
sociedade.
1
A incorporação de toda a tecnologia disponível no mundo de hoje é
essencial para tornar a Matemática uma ciência de hoje.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS.
A tecnologia, entendida como a convergência do saber [ciência] e do
fazer [técnica], e a matemática são intrínsecas à busca solidária de
sobreviver e de transcender. A geração do conhecimento matemático
não pode, portanto, ser dissociada da tecnologia disponível. Os
primeiros passos para a elaboração desse conhecimento remontam aos
australopitecos e às primeiras manifestações de conhecimento
socialmente organizado dos hominídeos.
Há cerca de 3×106 já se identificam instrumentos de pedra lascada, na
África oriental, e as mudanças fisiológicas e comportamentais
resultantes do desenvolvimento dessa tecnologia.1 As mudanças
comportamentais levam a abstrações sobre representações do real, um
primeiro passo em direção ao design ao qual se subordina a
tecnologia. A capacidade de avaliar e comparar dimensões,
necessárias para a feitura de instrumentos que tem o desígnio de
descarnar, talvez seja a primeira manifestação matemática dos
hominídeos.
A organização do conhecimento assim gerado só pode ser entendida se
relacionada com práticas, mitos, artes e religiões.
Sua organização como um fato social depende dos sistemas de
propriedade e de produção, e da consolidação de estruturas de poder.
Sua difusão se dá através de escolas e responde a demandas de
preparação para o trabalho e para a cidadania.
Ao longo da evolução da humanidade, matemática e tecnologia se
desenvolveram em íntima associação, numa relação que poderíamos
dizer simbiótica. A seguir vou simplesmente dar exemplos dessa
relação, que são muito estudados em outros trabalhos.
Heródoto nos relata a importância do desenvolvimento da matemática
nas culturas por ele visitadas, particularmente a egípcia e a
babilônica. Todo o desenvolvimento da arquitetura e da urbanização
no Império Romano exige uma matemática que, conforme está claro em
Vitrúvio, não teria se desenvolvido sem esse objetivo.
2
A relação da matemática com os projetos de expansão do cristianismo,
particularmente a perspectiva e a estática, é notável. E o mesmo com
o desenvolvimento do comércio. A resolução de equações é resultado
do trabalho de mestres abacistas e de amadores, como Girolamo
Cardano, no processo de urbanização na Idade Média. Assim como o
desenvolvimento da navegação e as possibilidades de observação
trazidas pela nova ótica trouxeram o desenvolvimento de sistemas
numéricos e a grande invenção que marcou a Idade Moderna, que foi o
Cálculo Diferencial. Durante os séculos XVIII, XIX e XX, a
matemática se desenvolveu a partir das possibilidades tecnológicas
da industrialização.
Na sua recente tradução dos Principia, I.Bernard Cohen estuda, no
Capítulo 7 do Guia ao texto de Newton, a importância da parte
experimental do Livro 2. Uma das características mais notáveis do
Livro 2 que, segundo Cohen, tem sido praticamente ignorada por
historiadores e filósofos da ciência, é o estudo teórico e
experimental da mecânica dos fluídos. Ali se nota a grande
importância da qualidade dos instrumentos, característica do
artesanato mecânico do século XVII, nas teorizações de Newton.2
VERDADE EM CIÊNCIA.
Particularmente interessante é a reflexão teórica sobre o conceito
de verdade em matemática. A matemática é validada pelo rigor do
processo de prova. Matemática que “funciona”, como se diz no jargão
científico, isto é, um conjunto de resultados comprovados
empiricamente, não tem seu reconhecimento enquanto não fundamentada
com rigor. Isso exclui todo o corpo de conhecimentos que se denomina
Etnomatemática, que é parte integrante da cultura praticada.
Numa situação de encontro cultural, como se dá nas relações
escolares e nas relações de trabalho, há o que se chama uma
transposição didática. Como bem observa Nicolas Balacheff “toda
transposição didática da prova em matemática toma em consideração a
racionalidade dominante na sociedade e a cultura na qual ela se
insere. O objeto de ensino que constitui a prova é marcado não
somente por uma concepção epistemológica a qual a comunidade carrega
(e é guardiã), mas também por uma concepção cultural que se refere à
verdade e à refutação que é parte integrante da sociedade e da
cultura na qual se insere o sistema didático.”3 A mesma observação se
aplica ao conhecimento científico em geral, que se fundamenta em
conceitos de verdade legitimadas pela matemática.
3
Aí reside o busílis. A prova ou demonstração, que foi conceituada na
filosofia grega, tem sido o suporte da verdade científica. As
condições materiais que serviram de suporte a essa conceituação eram
absolutamente outras. Hoje, as condições materiais são impregnadas
de tecnologia, o que possibilita representações do real impensáveis
na antigüidade. Inclusive novas possibilidades de verificação.
Vou ilustrar com um exemplo, que é o chamado Problema das Quatro
Cores: Qualquer mapa, isto é, divisão do plano em regiões, pode ser
colorido com apenas quatro cores, sem que duas regiões adjacentes
tenham a mesma cor. O problema foi formulado Francis Guthrie em
1852. Em 1890, P.J. Headwood demonstrou que cinco cores são
suficientes. Em 1968, O.Ore e J.Stemple demonstraram a suficiência
de quatro cores para um mapa com até 40 regiões.4 Em 1976, Kenneth
Appel e Wolfgang Haken mostraram que todos os casos possíveis podem
ser reduzidos a cerca de 1.300, e com um elaborado programa
computacional, verificaram todos esses casos. Mostraram assim que
quatro cores são efetivamente suficientes.5 Mas em muitos ambientes
matemáticos essa verificação não é considerada uma demonstração.
Segundo os críticos, falta uma prova seguindo os passos formais da
lógica própria da matemática.
Sem dúvida, o cientista do presente tem como instrumento de trabalho
toda a tecnologia disponível. É muito possível que continue o
fascínio por obter resultados com o mínimo de tecnologia disponível.
Resolução de problemas geométricos com utilização apenas de régua e
compasso continuarão a atrair interesse de alguns matemáticos, como
aconteceu desde a antigüidade. Mas o grande desenvolvimento da
ciência se dará, como foi em outros tempos, quando incorporando toda
a tecnologia disponível, isto é, inserida no contexto cultural.
1
Jean de Heizelin et al.: Environment and Behavior of 2.5-Million-Year-Old Bouro
Hominids, Science, vol.284, 23/04/99; p.625-629.
2
Isaac Newton: The Principia. Mathematical Principles of Natural Philosophy, A New
Translation, by I.Bernard Cohen and Anne Whitman, Preceded by A Guide to Newtons
Principia, by I.Bernhard Cohen, University of California Press, Berkeley, 1999.
3
Nicolas Balacheff: Pour un questionnement ethnomathématique de
l'enseignement de la preuve, http://www-cabri.imag.fr/Preuve
4
O.Ore: The four-color problem, Academic Press, New York, 1967.
5
Appel,K., W.Haken e J.Koch: Every Planar Map is Four-Colorable, Illinois Journal
of Mathematics, 21, 1977; pp.429-567.
4
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