A FAMÍLIA E OS DISPOSITIVOS ABERTOS PARA TRATAMENTO INFANTOJUVENIL EM SAÚDE MENTAL RESUMO O campo de saúde mental, no Brasil, vem sofrendo grande mudança a partir das idéias da Reforma Psiquiátrica. Podemos observar essa mudança nas novas propostas de cuidado dispensado às pessoas portadoras de sofrimento psíquico, o que acaba por proporcionar um novo olhar, menos excludente, da sociedade perante a loucura. Na prática, vemos as implantações, por parte do governo, de novos dispositivos de assistência, dentre eles os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes têm se mostrado o principal instrumento para o processo de desinstitucionalização e a diminuição das internações psiquiátricas. Levando em conta este cenário, o presente trabalho buscou compreender o modo como vêm sendo acompanhadas as famílias nos serviços abertos de saúde mental infanto-juvenil (CAPSi). Para isto foi delineado um estudo qualitativo e realizadas entrevistas semi-estruturadas com supervisores/coordenadores de dois CAPSi, além de gestores de saúde mental infanto-juvenil municipal e estadual, na cidade do Rio de Janeiro. A partir da análise das entrevistas foi possível identificar como tem sido pensada a participação da família no tratamento, sua importância, quais os cuidados dispensados aos familiares nos dois serviços visitados e, também, como esse tema é abordado pelas políticas públicas no campo da saúde mental. Palavras-chave: Saúde mental, CAPSi, família A FAMÍLIA E OS DISPOSITIVOS ABERTOS PARA TRATAMENTO INFANTOJUVENIL EM SAÚDE MENTAL Autora: Angela Viviane Severgnini de Oliveira Orientadora: Rita de Cássia Ramos Louzada Rio de Janeiro 2008 SUMÁRIO 1 - Introdução e justificativa .............................................................................................1 2 - Problema e objetivos ....................................................................................................2 3- Procedimentos metodológicos.......................................................................................2 4 - Resultados e discussão ................................................................................................4 4.1 – Da Reforma Psiquiátrica e os atuais modelos de atenção psicossocial ................4 4.1.1 – A Reforma Psiquiátrica Brasileira...........................................................................4 4.1.2 – Os Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi) ..........................................................7 4.1.3 – A Política de Saúde Mental Infanto-Juvenil............................................................10 4.2 – A família e o cuidado ................................................................................................12 4.2.1 – A família e a doença mental ....................................................................................12 4.2.2 – A assistência ao familiar..........................................................................................15 4.3 - A assistência em saúde mental infanto-juvenil e a participação da família.........17 4.3.1 – O perfil da assistência e as diretrizes políticas ........................................................17 4.3.2 – O diálogo intersetorial como instrumento imprescindível no processo de reinserção social de crianças e adolescentes .........................................................................................17 4.3.3 – A família como indispensável no tratamento de crianças e adolescentes ...............18 4.3.4 – As modalidades de atenção e a relação dos serviços com os familiares .................20 4.3.5 – A Supervisão Clínica nos CAPSi ............................................................................23 5 - Considerações finais.....................................................................................................24 6 -Referências bibliográficas ...........................................................................................26 Anexos.................................................................................................................................30 1 1) INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA O interesse pelo tema deste trabalho surgiu a partir de estágios realizados no âmbito da saúde mental. Ao entrar em contato com esse universo que pouco conhecia, pude desconstruir preconceitos e refletir sobre as possibilidades de tratamento de crianças e adolescentes neste campo. Aos poucos fui conhecendo os serviços de atendimento a pacientes que apresentavam, nesta faixa etária, transtornos mentais; pude conhecer o dia-adia destes locais e as propostas de tratamento. Tomei contato com a angústia que, muitas vezes, esta clínica produz e, ao mesmo tempo com a gratificação de ver quando a criança/adolescente responde ao tratamento. Foi nesse mesmo cenário, em meio a crianças e jovens autistas, psicóticos e neuróticos graves que passei a me perguntar como seria para os seus pais e familiares conviver com uma situação onde eles são, na maioria das vezes, os cuidadores. Afinal, que tipo de atenção era prestada a essas famílias? Meu interesse foi se voltando para o lugar que a família ocupa no tratamento desses jovens. Passei a pesquisar sobre o tema e percebi, muito rapidamente, que a relação dos serviços com a família desses pacientes se mostra de vital importância no âmbito da Reforma Psiquiátrica. Aqui há uma clara aposta na melhora da qualidade de vida do paciente psiquiátrico através da manutenção dos vínculos familiares e sociais. A tentativa de manter o paciente junto à família transformou-a numa verdadeira aliada no processo de reconstrução da identidade social do doente mental (Amarante, 1995). Na busca pelos direitos desses pacientes, por dignidade e cidadania, começou-se a pensar em outras formas de tratamento, dentre eles os Centros da Atenção Psicossocial (CAPS), que são os responsáveis “pela porta de entrada da saúde mental”, na atual configuração do Sistema Único de Saúde (SUS)1. Considerando-se o CAPS como o principal dispositivo na assistência em saúde mental, se faz necessário entrar em contato com este tipo de dispositivo e ver como ele efetivamente vem funcionando, lançando luzes sobre o trabalho que vem sendo realizado, avaliando os avanços e a as dificuldades com vistas ao aprimoramento da atenção em saúde 1 O SUS, regulamentado pela Lei 8080/90, tem como proposta que a “saúde é um direito de todos e dever do estado”, direito garantido aos cidadãos desde a Constituição Federal de 1988. Assim, propõe um cuidado em saúde universal, descentralizado e igualitário. 2 mental de maneira geral e, mais especificamente na atenção infanto-juvenil. Dados do Ministério da Saúde apontam que 10 a 20% da população infanto-juvenil sofre de transtorno mentais, sendo que entre 3 a 4% precisa de tratamento intensivo (Brasil, 2005). Apesar da existência do Fórum Nacional de Saúde Mental da Infância e Juventude2 - criado a partir da constatação da necessidade de se estender mais especificamente as propostas da Reforma Psiquiátrica a essa população - esta é uma área que carece ainda de políticas mais consistentes e de estudos sistematizados para embasar novas ações. 2) PROBLEMA E OBJETIVOS Levando em conta todo esse cenário, perguntamo-nos: como tem sido acolhida a família de crianças e adolescentes com sofrimento psíquico grave que freqüentam os CAPSi (Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil)? Que tipo de atenção vem sendo prestada a essas pessoas? Neste trabalho objetivamos compreender a forma como esses familiares são acompanhados os familiares. E, mais especificamente, pretendemos buscar este tipo de informação através da literatura existente e de informantes-chaves, envolvidos com os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi). 3) PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A metodologia, segundo Minayo (2004) é o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Sendo assim, a metodologia ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas. Seguindo nessa esteira, abordaremos o tema deste trabalho partindo do panorama atual da saúde mental no Brasil, mostrando toda a mudança neste campo e destacando o modelo de atenção psicossocial infanto-juvenil. Em seguida abordaremos a relação da família com a doença mental, a importância da sua participação no tratamento e a necessidade de se pensar um trabalho com essas famílias, ou seja, pensar um cuidado para quem cuida. A partir daí, mostraremos empíricos relativos ao modo como se dá, na prática, essa relação entre o CAPSi e o familiar, a partir de relatos de profissionais ligados a dois CAPSi localizados no município do Rio de Janeiro. E ainda, quais são as propostas dos gestores em saúde mental para esta aproximação dos CAPSi com os familiares. 2 Regulamentado a partir da portaria 1608 de 3 de agosto de 2004. 3 A parte empírica deste estudo, de perfil qualitativo, foi realizada no período de novembro a dezembro do ano de 2007, em dois serviços de saúde mental infanto-juvenil, CAPSi A e CAPSi B, ambos localizados na cidade do Rio de Janeiro. Estes foram escolhidos conforme a possibilidade de acesso a informações que dessem conta do que vem, efetivamente, sendo praticado nos serviços e, ao mesmo tempo, o que se planeja para as famílias dos usuários em níveis centrais. Para contemplar esses itens, foram entrevistados supervisores e coordenadores de CAPSi e gestores responsáveis pela área da infância/adolescência, tanto no Município como no Estado do Rio de Janeiro. Foram realizadas entrevistas com os seguintes atores: a) Ex-Coordenadora do CAPSi A3; b) Supervisora externa do CAPSi A; b) Coordenadora do CAPSi B; c) Supervisor externo do CAPSi B; d) Gestora Municipal de Saúde Mental Infanto-Juvenil; e e) Gestora Estadual de Saúde Mental Infanto-Juvenil. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com todos os atores acima citados, sendo que os roteiros (Anexos A, B, C) foram ajustados ao tipo de informação passível de ser levantada em função da atividade exercida pelo técnico. As entrevistas foram todas gravadas, a partir da concordância dos entrevistados, após explicação completa sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos e métodos. Todos os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para a realização das entrevistas foram necessários contatos telefônicos, por correio eletrônico e pessoal. As entrevistas foram realizadas em locais de trabalho dos sujeitos e conforme acordo prévio com os mesmo. Posteriormente, as entrevistas foram integralmente transcritas. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, na modalidade temática. Com isso, foi possível identificar, além dos temas propostos no roteiro, outros que os sujeitos desejassem agregar, trazendo com isso seus valores, propostas e opiniões. Dessa maneira 3 A entrevista foi realizada com esta profissional por conta de ter ocupado a Coordenação do serviço por longos anos e apenas muito recentemente ter se desligado da mesma. A profissional ainda atua no serviço. 4 foi possível confrontar e/ou aproximar os diferentes discursos dos profissionais no campo da saúde mental infanto-juvenil. Para a realização da análise de conteúdo foram desenvolvidas quatro etapas: a) na pré-análise realizou-se a leitura, a organização do material e foram definidas as várias categorias; b) na exploração do material foram classificados os relatos dos profissionais, de acordo com as categorias definidas na etapa anterior; c) no tratamento do material empírico foram identificados os núcleos de sentido; d) na interpretação foi feita a análise e posteriormente a articulação com os referenciais teóricos. 4) RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1) DA REFORMA E DOS ATUAIS MODELOS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL 4.1.1) A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA A Reforma Psiquiátrica se mostrou necessária a partir da falência do modelo asilar, que até recentemente dominava o campo de tratamento da doença mental. Como destacam Gonçalves e Senna (2001) esta forma de tratar o louco, baseada na exclusão do doente mental do meio social, passou a ser desacreditado pela sociedade. Assim, o lugar que tinha como função tratar daquelas pessoas que sofriam com seus comportamentos “desadaptados”, mostrou-se o principal produtor da doença. De acordo com Birman e Costa (1994) os manicômios eram responsáveis não só pela manutenção da doença, como também pela cronificação dos quadros e deterioração dos pacientes. Os manicômios acabaram sendo usados como lugar de despejo das pessoas com algum problema mental e tornaram-se ferramentas de segregação, separando as pessoas saudáveis e produtivas das doentes e inúteis. Foucault (2005) completa mostrando que além de separar os produtivos dos inúteis, o asilo servia como forma de proteção para as pessoas saudáveis, protegendo-as do mal que era a doença mental. 5 Neste período em que vem a tona a realidade dos manicômios, está ocorrendo a Segunda Guerra Mundial, o que de certa forma contribui para que algo fosse mudado no campo da saúde mental. De acordo com Amarante (1995) “o período pós-guerra torna-se o cenário para o projeto de Reforma Psiquiátrica contemporânea, atualizando críticas e Reformas da instituição asilar” (p. 27). Isto se torna possível, pois com todo o gasto econômico advindo da guerra, passa a ser inaceitável assistir tantos homens capazes de desempenhar atividades se deteriorando nos asilos e ocupando lugar de inúteis perante a sociedade. Neste momento toda mão-deobra qualificada e treinada é necessária (Birman e Costa, 1994). Diante deste contexto algo deveria ser mudado, a partir de então o tratamento reservado aos doentes mentais passa a ser revisto. É importante ressaltar que neste momento, em que o tratamento do doente mental passa a ser revisto, há também uma mudança de olhar sobre o mesmo. De acordo com Birman e Costa (1994) o foco deixa de ser a doença e passa a ser a promoção da saúde. Desta forma, o hospício ao invés de tratar a doença deverá proporcionar a saúde mental em seus pacientes. Assim, surgem os movimentos conhecidos como Psiquiatria de Setor (França), Comunidades Terapêuticas (Inglaterra) e a Psiquiatria Preventiva (Estados Unidos). Todos já buscando uma reforma na atenção psiquiátrica. Porém, Amarante (1995) destaca que todas essas experiências ainda mantinham o louco excluído da sociedade, pois elas aconteciam dentro dos hospitais psiquiátricos e não conseguiam ultrapassar os muros das instituições. É com Franco Basaglia, na Itália, e logo depois com o movimento da psiquiatria democrática italiana que se pode perceber um olhar diferente do que era reservado ao louco até então. Aqui, vê-se uma preocupação com o tratamento dado aos doentes e principalmente à relação de poder estabelecida entre a psiquiatria e a doença mental. O manicômio passa a ser questionado, tendo suas práticas simbólicas e concretas de violência denunciadas (Amarante, 1995). No Brasil, o movimento da Reforma Psiquiátrica é bastante influenciado pelo modelo italiano, começando a partir dos anos 70 de acordo com Gonçalves e Senna (2001), Tenório (2002), Amarante (1995) e Oliveira e Alessi (2005). Esse movimento de 6 reestruturação, segundo esses autores, ganhou força na medida em que se reconheceu que as práticas de asilamento e hospitalização se mostram responsáveis pela cronificação dos quadros. Dentre os diversos atores (instituições, entidades e militâncias) que foram responsáveis por movimentos em prol da formulação de políticas de saúde mental no Brasil, merece destaque o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. Sendo este o sujeito político fundamental no projeto da Reforma Psiquiátrica brasileira, conforme Amarante (1995). Foi a partir desse movimento que apareceram as sugestões de reformulação assistencial e aonde se consolida o pensamento crítico ao saber psiquiátrico. Assim, vemos acontecer no Brasil o que já vinha ocorrendo na Itália, o questionamento do poder do hospital psiquiátrico, da psiquiatria como um saber único e verdadeiro, a denúncia pública da precariedade do tratamento e dos abusos cometidos contra os pacientes. Sem contar os inúmeros problemas internos das instituições como a insatisfação dos profissionais com as condições de trabalho, a quantidade excessiva de horas de serviço e a baixa remuneração (Amarante, 1995). Ao analisarem a Reforma Psiquiátrica brasileira, Tenório (2002) e Oliveira e Alessi (2005) apontam que este movimento trouxe a necessidade de recuperar a cidadania do doente mental. Ainda para o primeiro autor, a defesa do direito do louco é o diferencial da Reforma Psiquiátrica brasileira. Além disso, o fato desse movimento considerar a cidadania como fundante e organizadora deste processo mostra que a Reforma é composta por várias dimensões, que diferem entre si: a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico. A partir de então, começou-se a pensar em novas formas de tratamento que possibilitassem a reinserção social dos pacientes. Como destacam Alverga e Dimenstein (2006), foram observadas, em todo o território nacional, manifestações no campo da saúde mental que, guiadas politicamente, lutavam pelo resgate da cidadania e direitos humanos do doente mental. A desinstitucionalização tornou-se o tema central da Reforma Psiquiátrica. E para sustentar este processo foram propostos outros tipos de trabalhos, que servissem de substitutos do modelo manicomial (Amarante,1995). Hoje podemos citar como exemplos desses serviços os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção 7 Psicossocial (NAPS), Residências Terapêuticas, Hospitais-dia, os Ambulatórios de Saúde Mental, e a criação de leitos psiquiátricos nos hospitais gerais (Brasil, 2007). A partir das novas experiências de tratamento, com a criação dos serviços de atenção, a reaproximação do louco com a sociedade e o reconhecimento da eficácia destes trabalhos, obteve-se grande avanço com relação a desinstitucionalização. O Ministério da Saúde regulamentou tais serviços, e garantiu o financiamento dos mesmos. Os CAPS se tornaram exemplos em assistência em saúde mental para todo o país (Amarante, 1995). Esses progressos também foram observados no campo jurídico a partir da Lei 3.657/89 de Paulo Delgado, que assegurou ao doente mental o direito ao tratamento e indicou a extinção dos hospícios com a substituição dos mesmos por serviços nãomanicomiais (Amarante, 1995). E atualmente temos na Legislação de Saúde Mental brasileira a garantia de um serviço de saúde que promova a saúde aos portadores de sofrimento psíquico. Estando de acordo com os ideais da Reforma expressos anteriormente na Convenção de Caracas em 1990, que foi o marco do processo de Reforma Psiquiátrica nas Américas (Brasil, 2004). Resultado de um trabalho de mais de 20 anos pelo reconhecimento dos direitos dos loucos. 4.1.2) OS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS) Como já foi declarado anteriormente, os CAPS surgem como uma das propostas de tratamento não-manicomial, e se tornam o carro-chefe da Reforma Psiquiátrica Brasileira, eles representam “a encarnação de diretrizes da política de saúde mental” (Brasil, 2005: 50). Eles são a aposta de um novo tipo de serviço, um serviço que propicie ao paciente um tratamento de qualidade, sem que seja necessário afastá-lo de sua casa, amigos, familiares, ou seja, sem distanciá-lo do convívio social (Tenório, 2001). Como diz Tenório (2001), “a Reforma Psiquiátrica é a tentativa de dar à loucura uma outra resposta social” (p. 20). Assim, os CAPS surgem como um dispositivo de tratamento que vem propor uma nova forma de tratar, onde o paciente é visto como um sujeito. Merhy (2004) aponta os CAPS como lugares onde é possível perceber as novas formas sociais de lidar com a loucura. Nesta nova ótica há “o questionamento dos pressupostos do saber psiquiátrico, mas no sentido de, internamente ao campo, produzir um novo modo de ação e uma nova 8 concepção da doença mental, seu tratamento e sua cura” (Tenório, 2001: 37). Ou seja, com essa mudança de olhar tira-se o foco da doença e permite-se olhar o sujeito por detrás do sintoma. Pensa-se no sujeito inserido em seu meio social, com suas relações interpessoais e atividades e, com isto, passa-se a pensar na promoção da saúde mental. Sendo assim, espera-se que o CAPS assuma o papel de agenciador entre o paciente e o meio social, buscando fora dos muros da instituição uma rede de suporte clínico e social que potencialize suas ações. Esta formação de rede representa a aproximação do serviço de saúde mental com outros serviços e instituições dentro do território ao qual o sujeito faz parte (Brasil, 2002). É importante destacar que a noção de território é algo que vai além de uma demarcação geográfica. Este território é construído pelo próprio sujeito, e pode vir a englobar a casa, a escola, a igreja, o clube, os familiares, os amigos, os vizinhos, os serviços de saúde, entre outros, ou seja, “território é o lugar psicossocial do sujeito” (Brasil, 2005: 13). O CAPS é o lugar de referência para tratamento de casos de psicose, neuroses graves e demais casos que precisam de uma atenção mais intensiva, e espera-se que ele seja a porta de entrada dos casos de saúde mental. Sendo assim, é um serviço vinculado ao SUS, e que deve estar sempre aberto à comunidade, não podendo se negar a atender ninguém que recorre ao serviço (Brasil, 2002). Desta forma, cabe ao CAPS acolher sempre, porém isso não quer dizer que o caso será absorvido. Acolher uma demanda representa uma forma de cuidado. E, somente após a esta escuta é que se poderá pensar em qual será a melhor condução do caso. Ele pode ser absorvido, encaminhado para outro serviço, ou ainda há a possibilidade de desconstrução da demanda (Brasil, 2005). Quando se trata de encaminhar um caso, este encaminhamento deve ser feito de forma responsável. O profissional que encaminha deve acompanhar o caso até o seu destino, sendo, muitas vezes, necessário que se faça uma ponte com o serviço para o qual está se encaminhando, para discutir as condições de tratamento. Já a desconstrução da demanda requer uma intervenção junto a outras instituições, que por algum motivo acharam necessário um tratamento em saúde mental (Brasil, 2005). 9 O objetivo do CAPS é garantir tratamento às pessoas que moram em sua área de abrangência (uma vez que este serviço trabalha de forma regionalizada). Correspondendo a este tratamento o atendimento em regime diário, clínico e a reinserção social do paciente a partir do trabalho, lazer, direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários (Brasil, 2002). De acordo com a Portaria nº 366/2002 do Ministério da Saúde, o CAPS só poderá funcionar em área física independente de qualquer unidade hospitalar ( Art. 3 º). Podendo constituir-se em três modalidades dependendo da complexidade de atendimentos que devem ser prestados e abrangência populacional: CAPS I encontra-se em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes e CAPS III em municípios com população superior a 200.000 habitantes. Quanto ao funcionamento, os CAPS I e CAPS II desenvolvem atividades somente nos dias úteis com atendimento diurno, e o CAPS III deve funcionar todos os dias, inclusive feriados e fins de semana, durante 24 horas, oferecendo acolhimento noturno caso necessário, com no máximo cinco leitos. Os CAPS ainda são subdivididos de acordo com a clientela: CAPS (adultos), CAPSi (crianças e adolescentes) e CAPSad (dependentes de álcool e drogas). Ainda de acordo com a mesma portaria, o atendimento oferecido aos pacientes pode ser: intensivo (quando o paciente, em função do quadro clínico atual necessita de uma atenção diária), semi-intensivo (quando o paciente necessita de uma atenção freqüente, mas que não necessita ser diária) e não- intensivo ( quando, de acordo com o quadro clínico, o atendimento pode ter uma freqüência menor) (Art. 5º). A partir do que foi exposto, podemos perceber que os CAPS são lugares de criação de novas práticas em saúde mental e que devem permitir esta ação. Para Merhy (2004) é fundamental essa multiplicidade de ações, pois isso possibilita a produção de novos sentidos para a loucura, dando a oportunidade da inclusão para aqueles que só conheciam a exclusão e a negação de seus desejos. Todavia, é importante lembrar que este é um campo que está sendo construído. Amarante (1995) afirma que apesar de tudo que já foi conquistado no campo da saúde mental, ainda há muito que fazer, principalmente no que se refere à qualidade dos novos 10 dispositivos de assistência. O autor destaca que o fato de se tratar de serviços independentes dos hospitais psiquiátricos, isso por si só não garante sua natureza não-manicomial. Como destacam Alverga e Dimenstein (2006), desinstitucionalizar não se refere apenas às instituições físicas, como pensam muitas pessoas ao falarem da Reforma Psiquiátrica. É algo que vai além disso e que requer uma mudança nos campos administrativo, financeiro, organizacional, técnico, afetivo, subjetivo e social. Desta forma, o que assegura uma prática não-manicomial, ou seja, uma nova forma de tratar as pessoas com sofrimento psíquico, não é apenas a independência física, mas uma mudança na forma de pensar o tratamento e a relação com essas pessoas. Assim, é importante destacar que essa mudança depende da busca por novas práticas e saberes que alcancem todo o campo social, como apontam Alverga e Dimenstein (2006). É preciso modificar o relacionamento da sociedade com a loucura, uma vez que o meio social é atravessado pelas representações que se estendem para além dos muros dos hospitais psiquiátricos, tornando-o, de acordo com esses autores, a principal fonte alimentadora das práticas institucionais. É preciso muita cautela para que não se reproduzam nos CAPS as mesmas práticas criticadas anteriormente. 4.1.3) A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL A história da assistência em saúde mental prestada às crianças e adolescentes, no Brasil, é marcada por um quadro de total descaso por parte do governo. Durante anos, crianças e jovens sofreram com a oferta de tratamentos inadequados, o que favoreceu o surgimento de instituições filantrópicas e particulares, de caráter tutelar, tais como abrigos, clínicas, educandários, escolas especiais e institutos para portadores de problemas mentais que, até pouco tempo, eram responsáveis pelo tratamento (Brasil, 2005). Diante deste cenário, somado a alta prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes, era necessária a criação de Políticas em Saúde Mental que estendessem a população infanto-juvenil as propostas da Reforma Psiquiátrica brasileira e também os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)4, conforme determinado pela Lei 10.216/015 e pela III Conferência Nacional de Saúde Mental6. Assim, 4 5 Lei 8069 de 13 de julho de 1990 que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais. 11 em 2003, o Ministério da Saúde estabelece a construção coletiva e intersetorial de uma rede de assistência de base comunitária, no âmbito do SUS (Brasil, 2007). Isto quer dizer que as ações promotoras de saúde mental não ocorrem somente no local de tratamento, mas contam com a participação de outros setores da sociedade (escola, igreja, família e amigos), a partir do diálogo constante entre o serviço de saúde e a comunidade. Podemos destacar como um passo importante para o fortalecimento das Políticas em Saúde Mental Infanto-Juvenil o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil, criado em 2003, que tem como finalidade “funcionar como um espaço de articulação intersetorial e discussão permanente sobre as políticas desta área” (Portaria 1608/2003, art. 1º/I7). O Fórum serve como um espaço de debate coletivo, onde estão presentes as instituições governamentais, setores da sociedade civil e entidades filantrópicas que tem atuação relevante nesta área, sendo possível a participação de outros segmentos quando necessário (Brasil,2005). Até o ano de 2006 foram realizadas seis reuniões temáticas pelo Fórum, de acordo com o Relatório de Gestão em Saúde Mental 2003-2006. A partir dessas reuniões várias medidas foram tomadas para melhorar a atenção prestada às crianças e adolescentes. As discussões realizadas neste encontro nacional dizem respeito a: desinstitucionalização dessa clientela, principalmente os casos com maior comprometimento clínico e social; a ampliação do diálogo com a Justiça, tanto pela complexidade dessa articulação como pela preocupação com a situação de jovens que vivem em situação de privação de liberdade em inúmeras instituições do governo; a temática da violência, destacando a exposição de crianças e jovens a situações de risco, principalmente a dos meninos ligados ao tráfico; e por fim a formação da rede de cuidados, apontando a responsabilidade principal dos programas de saúde mental no tratamento das crianças e adolescentes portadores de sofrimento psíquico (Brasil, 2007). Outra estratégia política, apontada no Relatório de Gestão 2003-2006 (Brasil, 2007) é a ampliação da rede de CAPSi. Atualmente existem 75 no país, número que se mostra bastante pequeno em relação ao número de demanda, uma vez que o CAPSi é o 6 Conferência realizada em 2001, onde o tema discutido foi a remodelação do Modelo Assistencial em Saúde Mental. 7 Portaria que constituiu o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil. 12 local de referência para novos casos e responsável por desenvolver ações de desinstitucionalização. E a última estratégia apontada pelo citado Relatório foi “a construção de um sistema de informação qualificada sobre a atenção em saúde mental à criança e adolescente” (Brasil, 2007: 47). Nesta política trabalha-se com o conceito de rede pública ampliada, que corresponde ao reconhecimento das outras instituições, não somente do campo da saúde, mas dos campos da educação, da justiça e da assistência social, ligadas a atenção em saúde mental à população infanto-juvenil. É importante destacar que há uma preocupação muito grande com a situação das crianças e adolescentes institucionalizados. Além dos CAPSi, de acordo com a Recomendação 01/20058, devem ser criados outros serviços de base territorial como residências-terapêuticas, moradias assistidas, ambulatórios ampliados e casas-lares, para que possam ajudar na reinserção social desses sujeitos, juntamente com o fortalecimento da rede de apoio familiar e comunitária. Como observado, a política atual vem promovendo um novo olhar sobre as crianças e adolescentes com sofrimento psíquico, permitindo a sua existência fora dos muros das instituições psiquiátricas. E o que tem se mostrado fundamental nesse processo é a intersetorialidade das ações, ou seja, a integração entre os diversos setores da sociedade em prol da melhoria das condições de vida desses sujeitos. Entretanto, apesar de toda a reestruturação da atenção em saúde mental, onde a criança e o adolescente são tratados em seu meio social, junto as suas famílias, as Políticas Públicas pouco falam de uma atenção voltada para os familiares. Já é reconhecido que ter um membro doente em casa causa uma sobrecarga na família, traz angústias, muitas dúvidas e até mesmo culpa (Melman, 2006). 4.2) A FAMÍLIA E O CUIDADO 4.2.1) A FAMÍLIA E A DOENÇA MENTAL 8 Recomendação que apresenta as diretrizes de desinstitucionalização da clientela infanto-juvenil. Documento elaborado durante o 3º Fórum Nacional de Saúde Mental infanto-juvenil em 10 de fevereiro de 2005. 13 Como foi descrito no capítulo anterior, durante anos a forma de tratar o paciente psiquiátrico se dava dentro de asilos, sem que os familiares estivessem envolvidos no processo. Na lógica do pensamento estava a crença de que a família era causadora da doença, sendo necessário separá-los, por um lado, para permitir a cura do paciente e, por outro, para proteger a família da alienação. Desta forma, não restava mais nada a família senão esperar o resultado da ação dos médicos (Rosa, 2000). O importante a destacar durante este período de asilamento é que a família é associada às causas do adoecimento e passa a ser excluída do processo de tratamento. Segundo Rosa (2000) no século XX, com as transformações no campo da psicologia, psiquiatria e psicanálise, a visão de que a família é responsável pelo adoecimento mental do membro, é cada vez mais reforçada e expandida. Assim temos, neste período, uma visão patológica da família, onde além de ser culpada pela emergência de um portador de transtorno mental, ela é “transformada em “paciente” e suas relações tornam-se objeto de intervenção de experts” (Rosa, 2000: 21). Neste sentido o adoecimento do membro seria resultado do deslocamento das relações patológicas para si, não permitindo que a família encare esses conflitos e faça mudanças. Porém a partir da década de 70, com as transformações no campo da psiquiatria e a nova proposta de cuidado, onde o paciente deveria ser reinserido na sociedade, a visão negativa sobre os familiares se torna menos presente, e a família passa a ser vista como parceira fundamental no processo de reabilitação psicossocial (Dalla Vecchia e Martins, 2006). A forma como cada família vai lidar com a doença mental dependerá dos aspectos objetivos e subjetivos de cada integrante, sendo esses aspectos influenciados pelos valores e representações acerca da loucura presente em determinado momento. A forma de olhar o indivíduo doente vai refletir os contextos cultural, religioso, ideológico e econômico no qual estão inseridos (Melman, 2006). Cuidar de uma pessoa com transtorno mental é muito difícil e envolve demandas que vão desde acompanhar o paciente até cuidar diariamente, o que acaba gerando sobrecarga de ordem econômica, emocional e social para a família. A família se vê tendo que arcar com os custos de medicação, vestuário e alimentação, entre outros, uma vez que para o paciente nem sempre é possível trabalhar. Emocionalmente o estresse e os conflitos 14 freqüentes geram tensão e socialmente ocorre um afastamento da família das demais pessoas, seja por vergonha, cansaço ou frustração (Melman, 2006). Em um estudo sobre as representações da família em relação à doença mental, Pereira (2003) chegou a três discursos diferentes: no primeiro a doença mental é vista como um quadro imutável que decorre de fatores orgânicos; no segundo é sugerida uma “susceptibilidade humana, a que todos estão sujeitos” (p.81), e no terceiro a doença está ligada a elaboração das experiências vividas pelo sujeito. A partir dessas falas fica claro como é difícil para os familiares entenderem e aceitarem a doença. Outra questão levantada pelo mesmo estudo discute a convivência familiar revelando relações conflituosas que levam à desagregação familiar e que tornam o portador de sofrimento psíquico um fardo. Aqui se destaca novamente a sobrecarga emocional que atinge a família. Lima (2006) esclarece que diante de tal quadro de desgaste emocional, econômico e social, os familiares acabam por achar que a internação é a melhor solução, pois disponibiliza o cuidador para retomar suas atividades e permite a reorganização da vida familiar. A família também descreve a pessoa com transtorno mental como estranha, já que o seu comportamento é diferente, e geralmente não é aceito pela sociedade. Esse comportamento é explicado como criancice ou preguiça enquanto que para outros é problema da mente ou do espírito (Colvero, Ide e Rolim 2004) . Melman (2006) descreve, que alguns familiares mostram uma tendência de superproteção e hiperenvolvimento, o que causa a intensificação exagerada dos conflitos e dificulta os acordos, enquanto que outras famílias se mostram pessimistas quanto a possível melhora do quadro, pois devido a fracassos no tratamento, se desiludem e não acreditam na transformação da realidade que se mantém insatisfatória por um longo tempo. Ao falar de crianças e adolescentes com sofrimento psíquico, Cruz (2006) observa que muitas vezes os familiares se mostram despreparados para lidar com as situações decorrentes da doença mental, principalmente no que diz respeito a auto e heteroagressividade, delírios e alucinações. Estas situações causam muita angústia, e incompreensão diante a patologia mental e, apontam a necessidade de um trabalho com a família, uma vez que diante da notícia os pais se sentem impotentes e sem saber o que fazer. 15 Sprovieri e Assumpção Jr (2001) ao abordarem a dinâmica familiar de crianças autistas, falam que o diagnóstico de autismo compromete as relações familiares, tanto internamente (entre si) quanto externamente (meio social). O comprometimento é tão grande que leva a família a experimentar limitações permanentes, causando rupturas nas atividades sociais. A descoberta do autismo faz com que os pais se vejam diante de um processo de luto pela perda da criança saudável que esperavam, fazendo com que a família se una à disfunção de sua criança. Assim, constata-se que as famílias que apresentam um membro doente, dificultam o desenvolvimento emocional sadio de seus outros membros. Damião e Angelo (2001) falam de como é difícil para a família não ter controle da situação. Desta forma ao se depararem com a doença crônica da criança, os familiares se sentem perdidos, por não saberem como proceder diante da condição desconhecida. 4.2.2) A ASSISTÊNCIA AO FAMILIAR De acordo com Melman (2006) o movimento de desospitalização, juntamente com a crítica ao modelo asilar introduziram novos elementos na relação entre a família e a saúde mental, tornando necessário a rediscussão dessa relação. A família retomou a responsabilidade pelo tratamento, ao mesmo tempo em que a reinserção do usuário na comunidade demandava a criação de novos dispositivos terapêuticos que dessem conta das necessidades mais complexa e abrangente referentes a existência dos pacientes no meio social. A importância da família como parceira no novo modelo de atenção vai sendo reconhecida pelos serviços de saúde mental à medida que se percebe que ela é o principal agente na ressocialização do paciente (Pereira, 2003). Esse reconhecimento é tornado oficial a partir da Lei 10.216, que dentre outras atribuições, fala da responsabilidade da família no tratamento: “É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.” (Brasil, 2004: 17-18) 16 Desta forma os serviços de saúde devem voltar a sua atenção também para o cuidado dos familiares. Melman (2006) aponta que o bom funcionamento social dos pacientes depende de um suporte familiar, e para isto é preciso que se pense em estratégias de envolvimento familiar no tratamento. Esperidião (2001) afirma que é fundamental o apoio à família e sua orientação e que quando isso ocorre, a mesma se sente mais aberta a falar de seus problemas e acaba por se mostrar uma estrutura importante tanto para a desinstitucionalização quanto para a reinserção social do sujeito. Assim, com essa nova postura diante ao tratamento, onde a família é vista como peça-chave para o seu progresso, é necessário que se reveja a relação entre os serviços, usuários e seus familiares. Como fala Pereira (2003): “nesta perspectiva, ampliam-se as possibilidades de uma assistência mais digna e global, a partir da desconstrução de conceitos, atuando em direção das transformações que se fazem necessárias na relação entre profissionais de saúde mental, os pacientes e suas famílias”. (p.113) Melman (2006) coloca que no atendimento ao familiar deve existir a intenção de desmontar os mecanismos de culpabilização dos familiares, devendo as práticas terapêuticas se afastar das fórmulas moralizante. O autor enfatiza que é preciso muito cuidado para não generalizar uma forma de atenção aos familiares e para que isso não aconteça é necessário uma aproximação entre serviço e o familiar, que requer muita paciência e sensibilidade, para que se possa “conhecê-los de uma forma mais global e abrangente, em suas múltiplas dimensões existenciais, tentando, desta maneira, desenvolver modalidades de cuidado mais apropriadas às suas necessidades”(p.92). Para Amarante (1994), um trabalho voltado para os familiares deve levar em conta as dinâmicas das diferentes pessoas, diferentes famílias e diferentes culturas. Transformando, desta forma, as instituições de saúde em um espaço social onde se permita a reprodução do sujeito, produção de subjetividades, o exercício de auto-ajuda, convivência, sociabilidade, solidariedade e integração. O espaço de tratamento deve permitir e não repreender. Deve ser a ponte entre a família e o paciente. Mediador entre as relações e local onde o familiar se sinta acolhido e 17 confortável, onde encontre sustentação para superar as suas dificuldades e poder melhorar a qualidade de vida não só do paciente, mas de todos os membros (Melman, 2006). Melman (2006) aponta para a necessidade de se desenvolver estratégias de envolvimento da família no tratamento, uma vez que evidências comprovam a eficácia das intervenções familiares em promover melhora do quadro clínico, diminuir ou atenuar recaídas e diminuir o número de internações psiquiátricas nos pacientes com trantorno mental severo. Pereira (2003) também observa que o trabalho de assistência junto à família ainda é um espaço aberto que necessita de estudos, de pesquisa e ensino que envolvam a família e sua participação no tratamento. 4.3) A ASSISTÊNCIA EM SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL E A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA 4.3.1) O PERFIL DA ASSISTÊNCIA E AS DIRETRIZES POLÍTICAS A partir da análise das entrevistas pudemos constatar que as práticas encontradas nos serviços estudados são condizentes com as diretrizes políticas para a atenção a essa clientela. Os serviços se mostram empenhados em melhorar cada vez mais essa assistência e há um diálogo constante com o Governo Municipal e Estadual visando aprimorar esse atendimento. Apesar de um percurso recente, com muito por ser feito, os resultados dessa nova concepção de assistência têm sido animadores e permitido que se invista cada vez mais nesse tipo se cuidado. No que diz respeito à relação dos CAPSi com os familiares, percebemos que é reconhecida, pelos entrevistados, a importância da aproximação serviço/família, bem como a realização de um trabalho com esta última. A forma como esse trabalho é feito, contudo, varia, tanto de caso para caso, como de equipe para equipe, conforme será discutido em breve. 4.3.2) O DIÁLOGO INTERSETORIAL COMO IMPRESCINDÍVEL NO PROCESSO DE REINSERÇÃO SOCIAL INSTRUMENTO 18 Em todas as entrevistas vimos referências ao trabalho intersetorial no que diz respeito à assistência em saúde mental infanto-juvenil. A parceria do CAPSi com as outras instituições sociais se mostra fundamental para o tratamento desses sujeitos, sendo proposta pelas políticas públicas deste campo. Segundo a Gestora Estadual de Saúde Mental, mensalmente se realiza, o Fórum Interinstitucional, com o fito de otimizar esse diálogo. O Fórum reúne as representações estaduais e municipais tanto da saúde, quanto da educação, justiça e assistência social. Este diálogo tem sido cada vez mais constante, pois a criança ou adolescente com transtorno psíquico, geralmente, apresenta problemas que envolvem vários tipos de instituições, como a escola, a justiça ou a própria família. Que a criança ela é atravessada por questões da educação, da própria assistência social, uma vez que as famílias são muito comprometidas, então é preciso que haja uma ação coordenada entre os diferentes setores que são responsáveis pela assistência, num sentido mais amplo da infância e adolescência. Então a gente não consegue fazer uma política sem ter uma pactuação intersetorial. (Gestora Estadual de Saúde Mental) Eu acho que o que tá assim, por outro lado crescendo ao menos conosco, são as reuniões intersetoriais, essa rede intersetorial ta funcionando cada vez melhor, a gente tem estreitado mais contatos, temos tornado os contatos mais freqüentes, a rede de abrigos, por exemplo, está super parceira, e eu acho que a gente vem trabalhando melhor com essa parceria. (Ex-coordenadora do CAPSi A) A gente procura tecer uma rede de atendimento com o território. Então a gente tem que ter com as escolas, com os clubes, com as associações de moradores, com o conselho tutelar da região, com a promotoria da Infância e Adolescência, enfim, com outras unidades hospitalares ou os postos de saúde, então a gente faz isso através das reuniões mensais, dos fóruns das Unidades e dos fóruns de equipamento (...) (Coordenadora do CAPSi B) 4.3.3) A FAMÍLIA COMO INDISPENSÁVEL NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Como já foi visto, a partir da bibliografia, no trabalho em saúde mental é necessário que os familiares também tenham espaço. É preciso prestar assistência a essas 19 pessoas e no que diz respeito ao campo de saúde mental infanto-juvenil isso se faz imprescindível, de acordo com a fala dos profissionais. (...) nós temos um princípio geral que é o de quem trabalha com criança não pode deixar de fazer um trabalho com os pais. (Gestora Municipal de Saúde Mental) Olha, a família ta sempre sendo incluída nesse trabalho, né? É um pilar fundamental do tratamento, se a gente acha isso para os adultos, mais ainda para as crianças. (Gestora Estadual de Saúde Mental) Sem trabalho com família não tem trabalho com criança em saúde mental. (Supervisora externa do CAPSi A) Um dos entrevistados destaca que a importância do trabalho com as famílias vai além da clínica. O trabalho com as famílias se mostra importante por duas vias: a da política e a da clínica. A política em primeiro porque se a política é desinstitucionalizar, a família está envolvida diretamente (...) a relação do CAPSi com as famílias se insere num campo mais amplo que é a mudança de lógica, de paradigma da assistência. Num segundo nível, tem o próprio plano clínico, não sei segundo é importância, mas vem em segundo no sentido da amplitude, vamos dizer assim. (Supervisor externo do CAPSi B) Já no que se refere à clínica, a participação do familiar no tratamento é importante, pois se acredita que a família tem a ver com a doença da criança ou adolescente. Aqui podemos citar Melman (2006) que chama atenção para o fato de que, atualmente, pais e mães ficam obrigados a dar conta do desenvolvimento emocional, cognitivo e sexual de seus filhos, desta forma, a família é, por vezes, responsabilizada por qualquer anormalidade que rompa com a expectativa de se ter filhos fortes, saudáveis e preparados para enfrentarem o mundo. Esta visão se mostra igualmente presente na fala dos profissionais. (...) a gente acha que qualquer questão psíquica que a criança tenha ela não é sem uma articulação com a vida familiar que ela tem. (Coordenadora do CAPSi B) 20 A família está muito implicada no próprio quadro clínico (...) (Supervisor externo do CAPSi B) Vale ressaltar que essa responsabilização da família não é colocada como culpa, mas como uma forma de implicá-los no tratamento. Neste sentido, podemos mais uma vez nos referir a Melman (2006) que defende que os profissionais de saúde mental devem propiciar um espaço acolhedor, de confiança e respeito, onde os responsáveis se sintam a vontade para falar sobre suas questões e não culpar a família pela doença da criança ou adolescente. (...) o objetivo está no tratamento dessa relação, no sentido de localizar qual é o lugar desta criança para os pais, ou para quem cuida dela. Tem uma questão nessa relação, é assim que colocaria esse problema não no sentido de culpabilizar os pais, mas de implicá-los. (Gestora Municipal de Saúde Mental) A família (...) ou a referência da criança, ela o tempo inteiro (...) tem que ser incluída nesse tratamento, não só porque é quem leva e traz, mas porque é quem tá mais próximo à criança e certamente tem a ver com o adoecimento da criança, no sentido de que ela muitas vezes precisa de ajuda, precisa aprender a lidar, precisa de uma acessoria mesmo. (Gestora Estadual de Saúde Mental) 4.3.4) AS MODALIDADES DE ATENÇÃO E A RELAÇÃO DS SERVIÇOS COM OS FAMILIARES No que tange ao modo como é realizado o trabalho com os familiares, isso dependerá das equipes e de cada caso. Não há um regra a ser seguida, cada CAPSi tem autonomia para desenvolver a prática que achar necessária de acordo com o quadro clínico de cada criança ou adolescente. O trabalho feito com os pais é ligado ao tratamento da criança, ao projeto terapêutico da criança, o técnico de referência, na discussão da supervisão, vai decidir se é individual, em grupo (...) Eu acho que isso não pode ser burocrático, é a direção clínica do trabalho que vai orientar as indicações de atividades. (Gestora Municipal de Saúde Mental). (...) na verdade não há um trabalho, cada dispositivo tem uma forma de trabalhar. Tem uns que fazem oficinas, tem outros 21 que fazem assembléia, tem outros que fazem tratamento mais individualizados, isso depende, cada serviço tem sua maneira própria de se organizar. (Gestora Estadual de Saúde Mental) As diversas possibilidades de atenção aos familiares têm sido, segundo os Gestores, tema discutido nos Fóruns Interinstitucionais. (...) a gente fez dois Fóruns (...) exatamente sobre esta temática, como é que estão os trabalhos com os familiares. (Gestora Estadual de Saúde Mental) Durante esses dois Fóruns, que foram mencionados pela entrevistada, dois CAPSi apresentaram seus trabalhos com familiares. Essa possibilidade de falar sobre o que está sendo feito é imprescindível, pois permite que se tenha uma troca de experiências entre os serviços, tornando possível uma maior reflexão sobre o assunto e abrindo espaço para pensar o processo de trabalho dessas equipes. Nos dois serviços estudados percebemos ofertas de diferentes tipos de trabalhos dirigidos aos familiares: 1) reunião de pais, 2) grupos terapêuticos, 3) assembléias, 4) atendimentos individuais e 5) contatos informais Isso fica mais claro nos relatos dos entrevistados: Tem várias modalidades de abordagens aos familiares (...) você tem o trabalho individual, quando indicado. É o próprio caso, a dinâmica do caso, as suas particularidades que indicam a modalidade. Tem a assembléia de familiares, tem grupo de familiares (...) (Supervisora externa do CAPSi A) Como é que a gente vê isso no nosso trabalho? A gente vê pelo convite, quase uma colocação que a gente faz aos pais de virem falar sobre seus filhos ou sobre eles com uma certa regularidade ao profissional com experiência do caso, pelas reuniões de pais e pelos contatos informais que a gente possa a ter ao longo do trabalho com cada pai. (Coordenadora do CAPSi B) 22 Os trabalhos com os familiares nos CAPSi estudados parecem promover uma relação de confiança, onde os pais se sentem acolhidos pelo serviço. A partir do estabelecimento dessa transferência com o serviço, o diálogo se torna mais constante e os responsáveis se sentem mais seguros para expor seus pensamentos, isso é percebido nos espaços coletivos que são oferecidos a eles, seja nas assembléias de pais ou nos grupos de familiares. É interessante que ao dar voz a esses pais há a possibilidade de desfazer certas fantasias, explicar o funcionamento do serviço, desfazer mal-entendidos, enfim, fazer contatos. (...) essa reunião com os pais uma vez por mês, em que acontecem coisas muito interessantes, a idéia foi de que eles falassem sobre o quisessem da relação CAPSi, da relação com os filhos, (...) mas a idéia é que ela seja clínica sem que seja tratamento, não se propõe a ninguém ali a fazer um tratamento, naquele espaço amplo e coletivo (...) Mas ela é clínica no sentido de que muitas vezes surgem questões importantes que os pais colocam de que eles não sabem o que fazer com o filho, querem falar das dificuldades(...) Às vezes as reclamações que se tem com o serviço aparecem ali, isso é legal pra poder falar sobre isso. (Supervisor externo do CAPSi B) (...) os familiares estão numa sala de espera que se transforma num coletivo para eles também (...) Não necessariamente a gente fica com eles o tempo todo, porque muitas vezes a gente precisa estar junto aos pacientes (...) mas os familiares ficam ali na sala de espera e eles já tem, assim, um vínculo estabelecido entre eles e a gente procura sempre passar, pelo menos, por essa sala de espera (...)sempre tem algo a pintar, algo a falar, algo a ouvir, algo a indicar. (Ex-coordenadora do CAPSi A) Nessas conversas com os familiares surgem questões clínicas muito importantes, ligadas, por vezes, à ansiedade em relação ao diagnóstico ou “o porquê” do adoecimento da criança/adolescente. (...) já surgiram teorias sobre o autismo (...) as fantasias de cada um sobre como o seu filho se tornou como ele é, se é biológico, se é psicológico, relacional, alguma coisa que tenha a ver com o inconsciente, espiritual, então tudo isso já apareceu. (Supervisor externo do CAPSi B) (...) a gente tem grupos terapêuticos mesmo de familiares (...) enquanto as crianças estão com uns de nós, os pais estão com outros de nós, trabalhando várias questões, na maioria das vezes, o que 23 eles basicamente trazem sempre com ansiedade é a questão do diagnóstico da criança, da evolução da criança, da mesmice, digamos assim né dos comportamentos da criança (Excoordenadora do CAPSi A) Foi destacado, no âmbito de um dos serviços (CAPSi A), que os grupos de pais permitem a troca de experiências entre os responsáveis, sendo considerados como muito importantes para a aderência ao tratamento e ao projeto terapêutico, além de ser inegável a contribuição no que diz respeito ao trabalho com os pacientes. Segundo a Ex-coordenadora desse serviço, esse trabalho é essencial, pois muitas vezes os familiares são preteridos, até por conta da complexidade do caso. Assim, os relatos indicam que uma boa relação entre o serviço e o familiar é indispensável não só para a manutenção do tratamento, no sentido de que são os responsáveis que acompanham o usuário até o CAPSi, mas também para que seja possível um trabalho com os pacientes, a partir do conhecimento das relações familiares das quais eles fazem parte. (...) é essencial porque quando a gente consegue pegar o fio da história e trabalha bem uma família, eu acho que a gente consegue trabalhar melhor a criança e o adolescente, consegue estabelecer um vínculo de confiança da família pra nós, instituição e equipe, que vai ajudar muito no acompanhamento, na condução clínica do caso. (Ex-coordenadora do CAPSi A) 4.3.5) A SUPERVISÃO CLÍNICA NOS CAPSi De acordo com o Ministério da Saúde, é recomendado que os CAPSi tenham uma supervisão clínico-institucional semanalmente (Brasil,2002). Nos dois serviços visitados essa supervisão acontece, e a partir das entrevistas percebe-se o quanto essa atividade é importante para as equipes. Os supervisores falam da importância desse espaço para que o técnico possa falar da sua experiência e, além disso, é possível trabalhar ali os impasses da equipe. O papel do supervisor, como pessoa externa, seria identificar aquilo que não está sendo visto pela equipe, orientá-la em relação ao trabalho clínico e psicossocial que ela vem sendo convocada a fazer e também de lembrar à equipe que existe uma política pública que regulamenta as ações dos serviços. A supervisão, enfim, (...) [é] oxigênio porque é um lugar onde o fato de que alguém de que trabalha com essa clínica tão cheia de dificuldades, tem pra se ouvir falar, o que faz, o que não faz, o que acha que faz, e como é 24 que ta perplexo, ou como é que ta pensando a coisa, é fundamental, muda muito pra quem fala, pra quem tem a chance de falar numa supervisão. (Supervisor externo do CAPSi B) [...] precisa fazer valer, em relação a equipe, o projeto da política pública, o supervisor não é só supervisor daquela equipe, ele é supervisor daquela equipe em nome de uma política pública. Ou seja, ele também está submetido e precisa lembrar a equipe que ela também ta ao projeto de uma política pública que é muito maior do que todos nós, que excede a todos nós. (Supervisora externa do CAPSi A) 5) CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da discussão sobre a nova proposta de cuidado em Saúde Mental, vemos que a direção das ações visa devolver aos portadores de sofrimento psíquico os seus direitos, ou seja, a sua cidadania, que durante anos a eles vinha sendo negada. Tendo em vista este objetivo foi possível questionar a visão hegemônica de tratamento vinculado aos hospitais psiquiátricos e propor outras formas de “olhar” a loucura. Deste modo, surge o atual discurso que reconhece no doente mental um sujeito que sofre, possibilitando o aparecimento de outras práticas, agora não mais excludentes, com foco na reinserção na sociedade e, principalmente, garantindo o direito à liberdade. Neste contexto, a reaproximação da família, tanto com relação ao sujeito quanto com os serviços, é primordial para dar continuidade a esta mudança. No que diz respeito à atenção em saúde mental à criança e ao adolescente, a reinserção social é uma grande preocupação, sendo necessário que o CAPSi estenda para além dos muros da instituição as suas ações, se aproximando dos outros setores da sociedade e inclusive da família. A intersetorialidade é a grande aposta para a melhoria da qualidade de vida dessa população, sendo esta prática um passo importante para a concretização do ideal da Reforma Psiquiátrica, onde não se admite mais um olhar fragmentado do sujeito. A família passa a ser o principal pilar desse processo de desinstitucionalização da loucura. Para isto, é necessário que as Políticas em Saúde Mental garantam um cuidado não só para o usuário, como também para aquele que oferece cuidado, geralmente, um familiar. Desta forma, dá-se mais um passo em direção ao cuidado integral do sujeito. 25 As entrevistas realizadas nesta pesquisa mostraram que as práticas e políticas públicas referentes ao cuidado de crianças e adolescentes com sofrimento psíquico visam cada vez mais a reinserção social desses sujeitos, através da aproximação dos serviços de saúde mental com a escola, a justiça e assistência social. No que diz respeito à família vemos que, tanto os serviços quanto as políticas públicas, reconhecem sua importância no tratamento e na constituição psíquica do sujeito. Portanto não há como promover um cuidado sem que a família esteja envolvida no processo. É necessário ressaltar que não há uma única forma de trabalho com os pais, cada caso vai requerer uma atenção específica. Porém a direção consiste em escutar essas pessoas. Assim sendo, destacamos a importância de um espaço para os familiares dentro dos CAPSi. Espaço esse que dá lugar aos familiares no processo de tratamento, que legitima a aliança entre o serviço e esses atores. É inegável que os CAPSi representam, hoje, o lugar onde está sendo possível o surgimento de novas práticas referentes à assistência em saúde mental. Deste modo, parece fundamental que os profissionais inseridos nestes serviços estejam atentos às demandas dirigidas a eles e promovam o desenvolvimento dessa clínica. Isto foi o que o de mais nítido ficou da análise das entrevistas: a complexidade das situações acompanhadas nos CAPSi não admitem cristalizações no processo de cuidar. Exigem reinvenções constantes, reinvenções que levem em conta tanto os aspectos singulares da clínica - construída com os usuários e seus familiares – quanto os aspectos políticos, nas diretrizes da Reforma Psiquiátrica. 26 6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVERGA, A. R. e DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na desinstitucionalização da loucura. Interface (Botucatu), vol.10, no.20, p.299-316, 2006. AMARANTE, P. e GIOVANELLA, L. O enfoque estratégico do planejamento em saúde mental. In: AMARANTE P, organizador. Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1994. AMARANTE, Paulo. Loucos pela vida. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003. BIRMAN, J e COSTA J. F. Organização de instituições para uma psiquiatria comunitária. In: Amarante, P. (org). Psiquiatria social e Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Manual para Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. 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B – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS SUPERVISORES EXTERNOS DOS CAPSI 1) Qual o papel do supervisor externo de uma unidade como esta? Quais as suas atribuições e vínculos institucionais? Como chegou a essa unidade? 2) De que maneira você vê a atenção prestada aos usuários desta unidade? Como você a caracteriza? 3) Há algum tipo de atenção às famílias dos usuários? De que tipo? Você cuida dessa parte também, como supervisor? É uma tarefa incluída no seu contrato de trabalho? Em caso positivo, com que referencial teórico trabalha? 4) Em caso de haver algum tipo de atenção dirigida às famílias, como você Avalia essa prática? Qual a sua relevância? C – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES 1) Quais as diretrizes políticas para a atenção a crianças e adolescentes usuários de dispositivos abertos em saúde mental? Há algum documento que explicite essa política? 2) Que tipo de lugar está definido para as famílias dos usuários nessa política? 3) Que tipo de prática, dirigida as famílias nesse tipo de dispositivo você destacaria como interessante? Pode trazer algum exemplo? 4) Se esse tipo de prática não existe, você teria algum comentário a fazer sobre a importância da atenção às famílias nesse tipo de dispositivo?