176 RESENHA ________________________________________________________ O Papel da Diferença na Construção de um Novo Mundo Yara Helena de Andrade Pós-graduação - Faculdade de Ciências Humanas Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP Nos dias de hoje, a inclusão social de portadores de necessidades especiais se constitui num grande desafio para professores, entidades e a sociedade de um modo geral pois, mesmo havendo leis que dêem garantia jurídica, percebemos de maneira abrangente e inequívoca um certo desconforto em lidar com essa situação, se por um lado sabidamente existente, por outro igualmente inesperada. A fim de amenizar esse desconforto, foi publicado no segundo semestre de 2004, o livro Caminhos Pedagógicos da Educação Especial, organizado por Roberta Gaio e Rosa G. Krob Meneghetti, pela editora Vozes, Petrópolis, RJ, reúne ensaios de diversas áreas. Estas, em várias formas, reafirmam em seus conteúdos a necessidade de aceitar tudo quanto seja diferente dos padrões socialmente estabelecidos, entendendo-se a vida da sociedade em constante movimento. É do lugar daquele que se vê refletido em cada página e rememora, no decorrer da leitura de todo o livro, cada sensação e cada reflexão de toda uma vivência, que se faz o convite ao leitor destes escritos para uma viagem a um espaço um tanto quanto desconhecido, porém, deveras encantador, de seu próprio mundo: aquele onde a diferença reside e de onde o sujeito diferente busca um espaço para aflorar diante das expectativas lineares e conclusas da sociedade. O primeiro dos ensaios, Uma Leitura da Educação Especial no Brasil (por Mônica de Carvalho Magalhães Kassar, Doutora em Educação) trata do percurso trilhado no Brasil pelos portadores de necessidades especiais para atingirem a inclusão escolar e social e também aborda a legislação relativa Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.6, jan./jun. 2005 – ISSN 1679-8678 177 ao assunto, fazendo reflexões sobre o discurso assistencialista que o envolve, bem como sobre as dificuldades que permeiam a construção e consolidação da cidadania desses indivíduos enquanto parte integrante da sociedade na qual estão inseridos. Em Educação especial na Espanha (por Maria del Pilar González Fontao, Doutora em Filosofia e Ciências da Educação) enfoca-se como se dá a inclusão neste país, considerado como modelo a ser seguido no que tange ao cumprimento efetivo dos dispositivos que regulamentam a inclusão social e escolar dos portadores de necessidades especiais e à adaptação das políticas públicas a serem adotadas, para que haja o maior êxito possível nesta inclusão e, concomitantemente, na formação de cidadãos socialmente ativos e críticos. Ao lermos Caminhos Pedagógicos da Educação Inclusiva (por Maria Teresa Égler Mantoan, Doutora em Educação) nos damos conta de que, para que a inclusão efetivamente se estabeleça, é preciso que haja uma grande mudança de atitude nas políticas públicas que concernem ao assunto, combatendo-se o despreparo profissional dos envolvidos na consolidação desse processo e o uso de métodos tradicionais inadequados para executálo, enaltecendo como ferramenta importante a cooperação em detrimento da competição, e evitando a qualquer custo todo e qualquer tipo de segregação dos indivíduos a serem incluídos nos meios escolar e social. Tendo sido tratados os principais pontos tocantes à inclusão e seus problemas, o restante do livro é dedicado a demonstrar como a arraigada e incômoda noção de deficiência, ainda em voga em muitas situações, está sendo superada dia a dia. A partir da Religião, da Filosofia, da História, da Educação Física e da área da Saúde, somos convidados a substituir a noção de deficiência pela de eficiência, já que hoje em dia a certeza da superação de determinadas limitações sensoriais nos permite atuar em nossas vidas e na sociedade que nos circunda de forma nunca antes imaginada. Em Diálogo com a Religião (por Rosa G. Krob Meneghetti, Doutora em História da Educação) através da apresentação de uma concepção teológica aberta e plural, somos chamados a aceitar o fato de que a diferença é o princípio fundamental que conduz à identidade de cada ser Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.6, jan./jun. 2005 – ISSN 1679-8678 178 humano enquanto ser socialmente construído. Assim, precisamos nos apropriar de nossos corpos, mesmo que sejam diferentes, para podermos consolidar nossa identidade em meio ao todo no qual estamos inseridos; assumir a diferença que nos constitui nos auxilia de forma essencial a sermos realmente o que somos e a nos aceitarmos, seja de que forma for, além de auxiliar para que o outro também se perceba em sua diferença. Em Diálogo com a Filosofia (por Edivaldo José Bortoleto, Doutor em Semiótica) somos conduzidos a um passeio panorâmico desde a Antiguidade Clássica, passando pela Medievalidade, até a Modernidade, chegando à idade Contemporânea. Nesse percurso somos levados a refletir sobre o que é o corpo e como ele tem sido tratado ao longo do tempo nas diversas concepções de mundo assumidas pelo homem, em especial o corpo geralmente denominado deficiente. A diferença, sinalizada através das linhas barroca e kantiana de pensamento, é apresentada como fundamental para que o homem contemporâneo possa aceitar-se e assumir-se como tal. É se assumindo que o homem pode ser o que deseja, é também se assumindo que todo ser humano percebe as faltas que o constituem. Ao chegarmos ao Diálogo com a História (por Roberta Gaio, Doutora em Educação) somos convidados a retornar ao passeio iniciado com a Filosofia e descobrir como a pessoa diferente foi tratada ao longo da história do Ocidente: a eliminação propriamente dita, a prostituição compulsória, a mendicância, a utilização do corpo deficiente como modo de diversão para os não deficientes, e até mesmo a compra e venda de seres diferentes foram algumas das maneiras como o indivíduo sensorialmente diferente foi tratado ao longo do tempo, lembrando, é claro, a segregação e o confinamento que, por incrível que pareça, são práticas que ainda podem ser encontradas em nossos dias. Tudo isso é coroado por uma série de depoimentos de pessoas diferentes que, atualmente, conquistaram seu espaço e seguem sua vida normalmente. No Diálogo com a Educação Física (por Mari Gândara, Doutora em Psicologia) somos apresentados às possibilidades da existência da Educação Física adaptada que, ao mesmo tempo que supera os limites sensoriais dos alunos, alarga seus horizontes de vida, proporcionando que se aceitem Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.6, jan./jun. 2005 – ISSN 1679-8678 179 enquanto diferentes e ocupem o espaço social que lhes pertence, tanto quanto pertence às demais pessoas. Por fim, em Diálogo com a Saúde (por Regina Simões e Luciane Lopes, Doutoras em Educação Física e Farmacologia, respectivamente) somos expostos aos problemas físicos e conflitos psicológicos trazidos pela diabetes, bem como à reabilitação decorrente da assimilação desta diferença como parte da vida daquele que a possui. A aceitação da diferença de formas tão variadas quanto as que vimos e o próprio lugar de assumidamente diferente (a autora da resenha é cega), a partir de onde escrevo, levam-me a inferir que, se por um lado a inclusão tem seus problemas em qualquer lugar do mundo, guardadas as devidas proporções, por outro, a discussão sobre ela está se tornando mais ampla a cada dia. Aqueles que apresentam essa diferença encontram hoje mais e mais maneiras de atingir um espaço pessoal e profissional mais amplo, mostrando suas habilidades, que podem ser mais variadas do que se imagina e afirmando que a diferença não os impede de serem tão eficientes como quaisquer pessoas que os rodeiem. Se sabemos que ainda há muito a ser feito, também é imperativo reconhecer que muito já foi alcançado. Sem dúvida, o referido livro se constitui numa sinalização importante de mudança social em andamento progressivo e, como tal, deve ser apreciado por todos aqueles para quem a diferença seja considerada peça motriz na formação de uma sociedade aberta e multifacetada como a que atualmente presenciamos/vivenciamos. Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.6, jan./jun. 2005 – ISSN 1679-8678