A onda natural - Revista Ingredientes e Tecnologia

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Tendências
A onda natural
O movimento intenso da inovação nas indústrias de alimentos já superou muitos desafios para tornar os produtos
mais saudáveis nos últimos anos. Atendendo aos conceitos de saudabilidade, vieram inúmeros alimentos com menores teores de açúcar, sódio e gordura, além da onda de funcionais, que está em franca expansão no Brasil. Porém,
outras tendências chegam ao mercado brasileiro e a preferência por industrializados mais naturais deve entrar para o
cardápio dos consumidores mais informados e, consequentemente, mais exigentes.
Fotos: Divulgação
Por Juçara Pivaro
Daiana de Souza é doutoranda em Engenharia pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química
da UFRGS, onde trabalha com a aplicação da Tecnologia de Membranas para a obtenção de ingredientes a
partir de coprodutos da indústria de alimentos. É mestre em Engenharia pelo Programa de Pós Graduação em
Engenharia Química da UFRGS (2008) e engenheira de alimentos pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(2004). Atualmente, é pesquisadora do ITT NUTRIFOR - Instituto Tecnológico em Alimentos para a Saúde, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, onde atua no desenvolvimento de pesquisa aplicada junto à indústria
de alimentos. É também docente do Programa de Pós-Graduação em Nutrição em Alimentos e do Curso de
Engenharia de Alimentos da Universidade.
Revista Ingredientes e Tecnologias - No Brasil,
ainda há poucas empresas que buscam ter o clean
label? A que atribui esse fato, já que há grande parcela
de consumidores preocupados com saudabilidade?
DAIANA DE SOUZA - Sim, atualmente há
poucas empresas brasileiras trabalhando com linhas
de produtos clean lable. Esse fato está associado
principalmente aos desafios culturais e tecnológicos
relacionados à produção desses alimentos. O primeiro
ponto a ser destacado é o fato de que o clean label não
significa apenas substituir ingredientes artificiais por
naturais. Significa também permitir que o consumidor
consiga ler a lista de ingredientes e compreender o
que é cada item. Este é um grande desafio, uma vez
que se traduz em uma diferente postura da indústria
ao comunicar seus produtos. Sabe-se que a indústria
de alimentos segue, hoje, rígidos e adequados padrões
de informações de rotulagem. Entretanto, muitas
vezes por desconhecimento, o consumidor acaba
“
Entretanto, muitas vezes por desconhecimento,
o consumidor acaba interpretando como ingredientes naturais apenas substâncias de nomenclatura
conhecida, de forma que a
presença de termos desconhecidos causa rejeição.
“
Na área da alimentação, o consumidor brasileiro
vem seguindo as tendências de outros mercados
do exterior. A busca por produtos que promovam
saudabilidade é uma dessas tendências que já
está incorporada nas escolhas de boa parte dos
brasileiros. Porém, ainda existem novos nichos de
mercado, que filtram ainda mais suas escolhas, como
os consumidores que procuram alimentos mais
naturais vindos das indústrias, que não contenham
ingredientes artificiais. Essa é uma das tendências em
curso no mercado europeu, que já oferece produtos
clean label (rótulo limpo), ou seja, livres de aditivos
artificiais na sua formulação.
No Brasil, o assunto ainda é relativamente novo,
mas já existem consumidores checando as informações
contidas nos rótulos antes de adquirir bebidas e
alimentos. O Instituto ITT Nutrifor, da Unisinos, no Rio
Grande do Sul, que tem como foco o desenvolvimento
de pesquisa aplicada na área de alimentos para a saúde,
nutrição e nutracêutica, já trabalha com pesquisas na
área de clean label, tendo como objetivo a identificação
das percepções dos consumidores brasileiros em
relação aos rótulos dos alimentos.
Para falar sobre o tema, entrevistamos Daiana de
Souza, professora do Itt Nutrifor.
interpretando como ingredientes naturais apenas
substâncias de nomenclatura conhecida, de forma que
a presença de termos desconhecidos causa rejeição.
Existem algumas pesquisas de percepção, realizadas
fora do Brasil, principalmente com o consumidor
europeu de alimentos, que indicam que alguns deles,
muitas vezes, associam um ingrediente que não
conhece, como a goma carragena, por exemplo, a um
ingrediente artificial, nocivo à saúde, mesmo sendo
um ingrediente natural, que é o caso dessa goma.
Além disso, as dificuldades existentes na substituição
de aditivos artificiais por naturais também merecem
destaque. Algumas indústrias de ingredientes,
principalmente na área de aromas, corantes e amidos,
por exemplo, vêm oferecendo uma série de linhas
de ingredientes naturais capazes de substituir os
aditivos artificiais com boa eficiência. Porém, há
outros tipos de aditivos, como os emulsificantes,
por exemplo, mais difíceis de serem substituídos por
alternativas naturais, principalmente porque hoje
não se conhece ingredientes naturais com as mesmas
propriedades tecnológicas que alguns emulsificantes
artificiais possuem. Desta forma, alguns alimentos
industrializados são mais fáceis de serem produzidos
dentro da concepção do alimento clean label,
enquanto que outros necessitam de maiores estudos
durante o seu desenvolvimento. Além disso, as linhas
de aditivos naturais apresentam um custo superior.
Dessa forma, ao realizar a substituição, é necessário
que o consumidor perceba e esteja disposto a pagar
pelo benefício agregado ao produto. Para isto é
necessário comunicar adequadamente isto a ele.
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Tendências
IT – Há pesquisas sobre o número de produtos
que já utilizam clean label ?
DAIANA DE SOUZA - No Brasil não. Fora do
Brasil já há dados sobre esse mercado, indicando o
número de produtos que se enquadram na categoria
de alimentos ditos mais “naturais”, isentos de aditivos
artificiais, orgânicos etc. nos principais países ligados
a essa tendência: Reino Unido, Alemanha, Estados
Unidos e França.
“
Os alimentos com clean label
fazem parte de um novo segmento
do mercado, cujo público alvo
é crítico e consciente do que
consome. O brasileiro vem, nos
últimos anos, gradualmente
acompanhando a forte tendência
de compreender a relação entre o
alimento e a saúde.
“
Fotos: Divulgação
IT – Há pesquisas sobre o conhecimento
dos consumidores a respeito desses rótulos com
ingredientes naturais?
DAIANA DE SOUZA - Pesquisas deste caráter
ainda são raras no meio científico no Brasil. Fora
do Brasil sim, realizadas principalmente com o
consumidor europeu, com foco em entender suas
percepções sobre o quão saudável são considerados
os ingredientes de alimentos, sobre a eficácia da
comunicação de alegações de propriedades funcionais
etc. Atualmente, o Instituto ITT Nutrifor da Unisinos
vem trabalhando com pesquisas na área, tendo em
vista a identificação das percepções dos consumidores
brasileiros em relação aos rótulos dos alimentos. Com
um olhar global, buscamos conhecer as tendências do
mercado de alimentos, participando das principais
feiras de alimentos realizadas na Alemanha, França
e Estados Unidos. Os alimentos aqui desenvolvidos,
por demanda da indústria, buscam a concepção de
alimento clean label, uma vez trabalhamos fortemente
a relação entre ciência, indústria e consumidor.
IT – Do ponto de vista da legislação, caso uma
empresa utilize todos os ingredientes naturais no
Brasil, ela pode usar livremente a alegação de clean
label ou, como no caso de produtos funcionais,
há necessidade de obter alguma certificação, por
exemplo, junto à Anvisa?
DAIANA DE SOUZA - Ainda não existem
definições ou posicionamentos por parte das agências
regulatórias a respeito do clean label. O movimento
de grandes empresas que hoje produzem alimentos
clean label não é o de utilizar este termo como uma
“alegação”. O que se verifica, ao serem observados
rótulos de alimentos clean label hoje comercializados
IT – Já existem vários fornecedores de ingredientes
que possuem soluções que permitem aos fabricantes
usarem clean label. Com um público crescente
disposto a pagar por produtos premium, por que
ainda é difícil encontrar alimentos e bebidas com
ingredientes naturais no Brasil?
DAIANA DE SOUZA - Os alimentos com
clean label fazem parte de um novo segmento do
mercado, cujo público alvo é crítico e consciente do
que consome. O brasileiro vem, nos últimos anos,
gradualmente acompanhando a forte tendência de
compreender a relação entre o alimento e a saúde.
Está se tornando cada vez mais exigente. Em um
mundo cada vez mais dinâmico, a inovação no
setor de alimentos também ocorre em ritmo mais
acelerado. Desta forma, as indústrias que estiverem
atentas a estes movimentos de mercado e dispostas
e investir em estudos na área, certamente estarão à
frente, podendo cada vez mais oferecer alternativas
desejadas e valorizadas pelo consumidor.
“
Algumas indústrias de
ingredientes, principalmente
na área de aromas, corantes
e amidos, por exemplo,
vêm oferecendo uma série
de linhas de ingredientes
naturais capazes de substituir
os aditivos artificiais com
boa eficiência.
“
fora do Brasil, é a menção no rótulo da presença de
poucos ingredientes, como se pode ver em algumas
marcas de iogurtes; da presença de unicamente
ingredientes naturais, no caso de alguns sorvetes;
da explicação de detalhes do processo produtivo,
que permite ao consumidor entender que um suco
pasteurizado e embalado em uma caixa de envase
asséptico pode se conservar bem mesmo sem a adição
de aditivos conservantes. Isto ocorre, pois o clean label
defende consumidores mais conscientes do que estão
adquirindo. São consumidores mais críticos e que
dificilmente comprariam um produto simplesmente
pela presença de uma alegação, mas sim lendo o
rótulo e entendendo o que está contido no alimento
industrializado que estão adquirindo.
IT - A que movimento de mercado está associado
o clean label?
DAIANA DE SOUZA - É interessante destacar que
esse conceito surgiu há cerca de uma década no setor
de alimentos, muito empregado hoje pelas indústrias
de ingredientes, e que identifica uma nova classe
de alimentos que vêm sendo desenvolvidos pela
indústria na atualidade. Este movimento de mercado
está associado à busca por alimentos mais saudáveis,
impulsionada pelo crescente entendimento, por parte
da ciência e do consumidor, acerca do importante
papel que os alimentos têm na nossa saúde. Não
existe uma definição formal para um alimento clean
label. Assim, podem existir diferentes interpretações
para o termo. De uma maneira geral, clean label está
associado a um alimento mais “natural”, produzido
com poucos ingredientes, que possui uma lista
de ingredientes simples, de fácil entendimento
pelo consumidor e que tem em sua composição
unicamente aditivos naturais.
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