A noção de Verdade no Sistema Popperiano

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A noção de Verdade no Sistema Popperiano
Alexandre Klock Ernzen*
RESUMO
O presente trabalho visa demonstrar a importância do conceito de verdade no sistema
popperiano. O método hipotético-dedutivo é, em Popper, a base lógica fundamental para a
constituição de sua teoria epistemológica, baseado em um critério de demarcação que impõe
ao cientista submeter as teorias incansavelmente a testes buscando falseá-las. A verdade atua
como elemento regulador das pesquisas científicas, dado que a atividade do cientista e do
filósofo é a busca por teorias crescentemente mais próximas à verdade. Embora não possa ser
atingida, a ideia de verdade no sistema popperiano possibilita pensar teorias concorrentes com
possibilidade de escolha entre teorias que descrevem melhor a realidade, ou que apresentam
soluções interessantes e criativas para a resolução de problemas teóricos ou práticos. A
verdade enquanto ideia reguladora das pesquisas implica tanto para a metafísica, já que a
própria verdade não pode ser verificada, quanto a postura indeterminista do mundo. Portanto,
a noção de verdade é essencial para a instauração do pensamento de Popper, porém, é após o
encontro com Tarski que este conceito teve seus argumentos revisados, o que possibilitou ao
filósofo vienense pensar o cosmos enquanto totalidade, e conceber as pesquisas científicas e
filosóficas como podendo dizer algo acerca do mundo. Entretanto, a ciência será compreendida
como uma atividade pautada pela ideia de busca pela verdade e cujos conhecimentos serão
sempre conjecturais, a própria cientificidade tem sempre caráter provisório, sem qualquer
descrição última de como o mundo, o homem e tudo aquilo que se encontra no cosmos
funciona.
PALAVRAS-CHAVE: Epistemologia, Verdade, Metafísica.
Se o conhecimento humano, desde os tempos mais remotos, almejou determinar a
verdade incondicional sobre a natureza e tudo que nos rodeia, a filosofia de Karl Popper aborda
o problema da verdade sob uma nova perspectiva. A constituição do conhecimento científico
*
Aluno de Mestrado da Unioeste. Bolsista CAPES.
Anais do VII Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar (2011)
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após vinte séculos de pesquisas é reinterpretada à luz da tese de que a verdade é elemento
regulador de ordem metafísica e abre caminho para o indeterminismo científico, além de
possibilitar pensar a ciência como sendo de natureza conjectural.
Explicações causais e absolutas na tentativa de entender o funcionamento do cosmos e
tudo que se encontra nele já não são mais plausíveis, e nosso argumento segue a ideia de que
qualquer demonstração final em se tratando de conhecimento objetivo, não é possível, dado
que o conhecimento é sempre provisório. Entretanto, não é por termos conhecimento
provisório que abandonamos a busca da verdade. A “ideia de Verdade” tem fundamental
importância para a ciência, pois, atua como ponto norteador das pesquisas teóricas no
processo de constituição de novos conhecimentos, dado que estamos sempre na busca
incessante por teorias que nos aproximem mais da verdade.
O presente artigo visa abordar alguns dentre os argumentos de Popper em favor da
teoria da Verdade, cuja natureza metafísica exerce influência na constituição de conhecimento,
em especial, conhecimento científico. Em 1934 com a obra Logik der Forschung, Popper inicia
sua epistemologia propriamente dita, porém, afirmando seu critério de demarcação como
fonte da verdade, mas sem qualquer conotação de que a verdade poderia ser ideal regulativo.
O critério de demarcação baseado na ideia de que uma hipótese ou conjectura que pretende
descrever fatos de um mundo possível será verdadeira se, e somente se, corresponder
efetivamente aos fatos mencionados na teoria. Tal proposição será falsa quando estiver em
desacordo com a realidade em questão.
Minha posição está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e
falseabilidade, assimetria que decorre da forma lógica dos enunciados
universais. Estes enunciados nunca são deriváveis de enunciados singulares,
mas podem ser contraditos pelos enunciados singulares. Consequentemente, é
possível, através de recurso a inferências puramente dedutivas, (com o auxílio
do modus tollens, da lógica tradicional), concluir acerca da falsidade de
enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares (POPPER,
1934, pág. 43).
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O modus operandi da ciência para nosso autor será de submeter hipóteses de caráter
universal a testes rigorosos de modo a garantir que nossas conjecturas podem dar respostas
efetivas e resolver problemas teóricos ou práticos. Buscam-se teorias de caráter universal e
com melhores respostas, garantindo que o conhecimento de tudo o que nos rodeia possa ser
cada vez maior. Até 1934 parece que, em linhas gerais, esta era a posição de Karl Popper sobre
a verdade, cujo critério de demarcação entre teorias científicas e teorias metafísicas era
suficiente para diferenciar teorias que descreviam a realidade e postular o conhecimento
científico.
Ao se contrapor ao método indutivo na constituição do conhecimento científico, Popper
também apresenta outro critério de demarcação entre concepções metafísicas e concepções
científicas, e deste modo, reconhece que elementos metafísicos atuem ativamente na
constituição do conhecimento, mais propriamente na dimensão especulativa, na concepção das
conjecturas, antes dos testes objetivos. É claro que, na medida do possível, a tarefa do teórico é
sempre purificar suas teorias eliminando tais elementos metafísicos das teorias científicas.
Porém,
É um fato que as ideias puramente metafísicas – e, portanto, as ideias
filosóficas – têm-se revelado da maior importância para a Cosmologia. De Tales
a Einstein, do atomismo antigo às especulações de Descartes acerca da
matéria, das considerações de Gilbert, Newton, Leibniz e Boscovic, a propósito
das forças, às de Faraday e Einstein, a respeito de campos de forças – a
Metafísica sempre indicou rumos (POPPER, 1974, p. 540).
Entretanto, o critério de correspondência de uma teoria com a realidade não era tão
claro e preciso a ponto de justificar a busca da verdade no expediente científico. Porém, toda a
formulação da ideia da verdade que para Popper parecia obscura, torna-se clara após o contato
com a teoria da verdade de Tarski em 1935. O mérito de Tarski, segundo Popper, foi reabilitar a
noção de verdade como elemento regulador no âmbito das linguagens formais, porém, o autor
acreditou poder tornar este critério de verdade perfeitamente aplicável ao seu sistema de
constituição do conhecimento científico.
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Ao aceitar a teoria de Tarski1, Popper abre portas para pensarmos que a busca da
verdade configura um programa metafisico dentro da constituição do conhecimento. O filósofo
recorre à história da ciência para afirmar que programas metafísicos exerceram grande
influência na própria visão de ciência, e para sua proposta, a busca da verdade, configura o
papel principal de pesquisa tanto para o filósofo quanto para o cientista propiciando que as
bases fundamentais de tais pesquisas abram possibilidades de pensamento e fechem outras
com o intuito de procurar a melhor descrição para o mundo de fatos que se apresentam. A
posição do autor é que,
(...) tais programas de investigação são indispensáveis à ciência, ainda que
tenham uma natureza de física metafísica ou especulativa e não de física
científica. Originalmente, eram todos metafísicos, em quase todas as acepções
da palavra (embora com o tempo alguns se tenham tornado científicos). Eram
grandes generalizações baseadas em diversas ideias intuitivas, a maior parte
das quais nos surgem agora como estando erradas. Eram imagens unificadoras
do mundo – do mundo real. Eram altamente especulativas. E eram
originalmente, não-testáveis (POPPER, 1989, p. 172-173).
Segundo Popper, a verdade não pode ser alcançada em sua plenitude, porém, é possível
tê-la como elemento regulador das pesquisas científicas, ou seja, mesmo que a verdade não
possa ser reconhecida enquanto tal, ela configura um recurso metodológico de primordial
importância para determinar se teorias científicas descrevem ou não a realidade existente.
Posto isto, é preciso atentar para a tese de que o conhecimento científico será sempre
provisório, de modo que teorias, embora com grande poder de descrição de fatos, serão
tomadas como próximas à verdade, ou seja, verossimilhantes, mas sem qualquer estatuto de
descrição última da realidade. Segundo Popper,
Uma grande vantagem da teoria da verdade objetiva ou absoluta é que ela nos
permite dizer que buscamos a verdade, mas podemos não saber quando a
1
“A maior realização de Tarski, o verdadeiro significado de sua teoria para a filosofia das ciências empíricas, é ter
reabilitado a teoria da correspondência da verdade objetiva ou absoluta, que se havia tornado suspeita. Propugnou
o uso livre da ideia intuitiva da verdade como correspondência com os fatos. A meu ver, a afirmação de que essa
teoria só se aplica às linguagens formalizadas é errônea. A teoria é aplicável a qualquer linguagem consistente,
mesmo ‘natural’” (POPPER, 1963, p. 249).
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encontramos; que não dispomos de um critério para reconhecê-la, mas que
somos orientados assim mesmo pela ideia da verdade como um princípio
regulador; e que, embora não haja critérios gerais para reconhecer a verdade –
exceto talvez a verdade tautológica – há sem dúvida critérios para definir o
progresso feito na sua a aproximação (POPPER, 1972, p. 251).
Se a tarefa da ciência é a busca da verdade, é por meio da crítica racional de teorias e
com a submissão destas teorias a incansáveis testes que poderemos estabelecer quais as
teorias que fornecem respostas mais adequadas a problemas, ou mesmo que auxiliem no
conhecimento deste mundo que nos rodeia. Este recurso metodológico, de apelo à verdade
como elemento regulador, possibilita que o filósofo mantenha sua postura indeterminista 2 do
mundo, porém, com a possibilidade de alcançar conhecimento do mundo, independentemente
de não termos a verdade em caráter absoluto. Se o conhecimento é sempre provisório e, para
não cairmos em um ceticismo absoluto, esta ideia de verdade como elemento regulador atua
como “ponto-norteador” ou como meta da ciência. A constituição do conhecimento científico,
portanto, poderá ocorrer com teorias que apresentam melhores descrições da realidade.
A busca da verdade, portanto, torna-se essencial para o entendimento do mundo.
Porém, para não recair no ceticismo, devemos ter a hipótese de que o mundo se apresenta
como unitário. Diante disso, cabe a questão: para a constituição de uma epistemologia é
necessária uma ontologia? A resposta à luz da filosofia popperiana é que sim. Uma vez que para
que se possa compreender como ocorrem as mudanças – com vistas à verdade – necessitamos
de uma ideia unificada de mundo. É possível pensar em uma ontologia neste sentido, se
levarmos em conta a possibilidade de pensar o mundo como um todo, da forma como
Parmênides e Einstein o fizeram. Entretanto, esta ideia de um cosmos ou mundo unificado
também se encontra no âmbito da metafísica, pois, é somente factível postular sua existência,
sua influência é significativa em todos os ramos do conhecimento objetivo.
2
Um argumento forte em favor do indeterminismo expresso por Popper é este: “Mas como não há medida
absoluta do grau de aproximação alcançado – do caráter grosseiro ou apurado da nossa rede – mas apenas uma
comparação com aproximações melhores ou piores, até mesmo os nossos esforços mais bem sucedidos podem
produzir apenas uma rede cuja malha seja larga de mais para o determinismo. Tentamos examinar exaustivamente
o mundo através das nossas redes, mas a malha há de sempre deixar fugir algum peixe miúdo: haverá sempre
folga suficiente para o indeterminismo (POPPER, 1988, p. 62).
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Através da ideia de totalidade é possível pensar em teorias que possam descrever em
caráter universal os fatos e assim nos aproximarmos mais da verdade. Nesse caso, uma teoria é
mais verossímil na medida em que melhor descreve os fatos. Mediante a imagem de mundo
estabelecida, ainda que hipotética, poderão ser aceitos ou refutados determinados enunciados,
à luz da teoria em questão. Popper acrescenta a seu arsenal teórico com vistas a analisar a
constituição do conhecimento, a ideia de que é por meio das chamadas “propensões” que
poderemos conjecturar como é o cosmos. Isto é, através de proposições conjecturais serão
possíveis explicações sobre o mundo sempre partindo da metafísica rumo a explicações
empíricas e reais. É claro que as propensões se apresentam em caráter inicialmente metafísico,
porém, a intenção de Popper é que, através deste recurso, seja possível delinear uma possível
explicação de todo o funcionamento do universo.
Enfim, tais recursos metodológicos culminam na tese do mundo 3, o mundo no qual
reside o conhecimento objetivo, cuja objetividade acontece pelo fato de que ele é
independente de qualquer sujeito, porém, sua manutenção é feita pelos indivíduos que
acrescentam novos dados ao conhecimento científico. O progresso do conhecimento ocorrerá
porque partimos de problemas abertos e soluções propostas presentes no mundo 3, sempre
avançando rumo a verdade com novas hipóteses e conjecturas como respostas a problemas em
questão. Mesmo que o mundo do conhecimento objetivo seja independente, ele exerce
influência nas ações e pensamentos dos indivíduos, influenciando certamente as decisões
acerca de escolhas entre teorias concorrentes. Vejamos:
Compreendi, em primeiro lugar, que o mundo 3, conquanto autônomo, era
obra humana, sendo perfeitamente real visto que podemos agir sobre ele, tal
como ele também agia sobre nós, ocorrendo pois uma ação de dádiva e
recebimento, uma espécie de efeito de transferência energética. Em segundo
lugar, apercebi-me de que no reino animal existia já um análogo do mundo 3 e
que, portanto, seria possível estudar a globalidade do problema à luz da teoria
da evolução (POPPER, 1994, p. 68).
Portanto, a proposta popperiana apresenta a ciência como conhecimento provisório,
uma tentativa de descrição de um mundo possível e real, cujos dados são deduzidos de
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hipóteses que atuam como descrição de fatos rumo à verdade. Os teóricos implicados com o
crescimento do conhecimento devem estar preocupados e com a busca pela verdade através
da constante substituição de hipóteses por teorias melhores e mais fecundas, no sentido de
que apresentam descrições mais ricas e interessantes para a ciência, e, consequentemente
expandir o conhecimento objetivo. Para que seja possível o progresso científico devemos levar
em consideração que o mundo se apresenta de modo unificado. Mas isto não basta.
Necessitamos de conceitos que possibilitem a descrição de fatos com explicações
suficientemente interessantes.
Popper não hesita em afirmar que a metafísica é importante para a epistemologia, pois,
possibilita o surgimento de teorias que possam apresentar tentativas de descrição de tudo
aquilo que nos rodeia. A verdade, enquanto reconhecida como meta da ciência, será primordial
para o desenvolvimento do conhecimento científico, e, embora inalcançável, se apresenta de
modo a permitir que o homem busque continuamente desvendar o “mistério” da constituição
do mundo e do homem. O método hipotético-dedutivo, portanto, nos possibilita compreender
a ciência em suas várias tentativas de explicações cosmológicas. Ainda que tenhamos teorias
que foram abandonadas em prol de outras melhores e com descrições mais ricas nada temos
que possa garantir uma explicação final sobre a realidade, sobre o homem e sua liberdade.
Mesmo sem qualquer explicação última, não hesitamos em novas tentativas de compreensão
do mundo através da atribuição de sentido objetivo a este mundo.
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Cisma na Física. Trad. de Nuno Ferreira da Fonseca. Lisboa: Dom Quixote, 1989.
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