O RISCO E O ÔNUS DO ROGERISMO VULGAR

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O RISCO E O ÔNUS DO ROGERISMO VULGAR
Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.
O paradigma rogeriano de concepção e método de trabalho em
psicologia, psicoterapia, de trabalho com grupos, e em áreas afins, é
danadamente simples. E aí residem, de um modo importante, alguns riscos, e a
fonte do ônus dos riscos, de seus mal entendidos, e de suas degenerações. Tão
operativas, desde a sua concepção. Um dos mais importantes motivos: a
confusão fácil entre o simples e o simplório... É esta a confusão que sempre
operou, e opera o rogerismo vulgar.
Apesar de bastante simples, efetivamente, o modelo rogeriano é dono, e
se caracteriza, por um sutil e importante refinamento conceitual, metodológico,
e em sua vivência. Este refinamento, que garante a simplicidade do modelo,
passa despercebido ao senso comum, simplório senso comum, nesta instância
particular. Na medida em que se funda, simplesmente, no privilegiamento de
nossa condição ontológica compreensiva, fenomenológico existencial, e
poiética. Ou seja, em nossa condição básica de atualização fenomenológico
existencial e poiética de possibilidades -- nossa condição humana básica,
empírica e experimental --; e na consideração incondicional pela alteridade
dialógica do outro, e de nós próprios. Sem maiores rebuscamentos teóréticos,
práticos, ou técnicos, na sua vivência.
A simplicidade, e a própria orginalidade, e competência, do modelo
desvanescem, e se perdem, quando ele é apreendido, e concebido, de um ponto
de vista objetivista, ou meramente positivista, ainda que dissimulados. Ou do
simples ponto de vista de nossa normal cotidianidade coisificada.
E o paradigma rogeriano sempre correu, e corre, o risco de uma
apreensão objetivista, ou a partir do senso comum de nossa cotidianidade
coisificada. Nas confusões de suas origens, no objetivista meio da cultura anglo
saxã, do qual procurou, em essência, se diferenciar; e em função de posturas
pouco laboriosas na sua recepção, que cuidam de não se ocupar dos
fundamentos do modelo, de sua história, e de sua história conceitual; e,
inclusive, da responsabilidade profissional por este conhecimento. Como se
estas condições fossem inerentes ao modelo, e não simples distorção, ou o
pressuposto da própria Filosofia Objetivista. Não se ocupam nem de entender,
por exemplo, o que quis Rogers dizer quando explicitou que a tendência
atualizante opera de modo especificamente fenomenológico (ROGERS, 1975), e
as implicações disto.
É mais fácil o simplório, sob a justificativa da simplicidade do modelo. O
que, naturalmente, não se sustenta.
Não é preciso se tornar filósofo, mas entender certas questões básicas, e
simples. É uma questão de especificidade. Estudar um pouco pode ajudar.
Filosofia não! Epistemologia, Ontologia, não! dizem, firmemente situados
na postura da Filosofia Objetivista, e do Positivismo; e/ou na cômoda e pouco
laboriosa cotidianidadee coisificada do senso comum; instalada, então, em
postura de saber profissional especializado. Essa não era a postura de Rogers,
nem da abordagem rogeriana, nem são por eles preconizadas...
Não é assim. É preciso um pouco mais de disposição de estudo. E,
efetivamente, não precisa se tornar filósofo para isto. Apenas um profissional
responsável pelos pressupostos e fundamentos da abordagem, da concepção e
método, que utiliza. O caráter empírico (fenomenológico existencial) da
abordagem rogeriana não se desinteressa, nem se exime da responsabilidade
por sua fundamentação teórica, e pela teorização que da vivência decorre.
Na verdade, o senso comum, instalado no âmbito profissional, baseado
em suas premissas de entendimento do modelo rogeriano, e lhe pressupondo
um caráter que, na verdade, é apenas simplório, e objetivista, lhe tem causado
danos e mal entendidos significativos. Não raro, o ridículo no âmbito
especializado. Nesse caso, não se trata de preconceitos decorrentes de
diversidades de escola. Mas de ridículo, especificamente, decorrente puramente
de inconsistência, e irresponsabilidade conceitual e metodológica. Ridículo no
meio especializado, e no meio de muitos dos que optam por aprender o modelo
rogeriano, e por se dedicar a ele, e terminam por desistir, face às inconsistências
e bazófias triunfantes, e açucaradas, do simplorismo do senso comum, instalado
em suposto saber especializado.
Naturalmente, o rogerismo vulgar é, felizmente, cada vez mais escasso e
anacrônico. E existe uma disposição cada vez mais geral, cada vez mais
generalizada principalmente nos novos, para o estudo, e para a apreensão e
desdobramento dos fundamentos da abordagem rogeriana. Muitos se dedicam
ao estudo acadêmico, com interessantes resultados, freqüentemente. Muitos
produzem e refletem a partir de longa e significativa prática. Entre estes, por
exemplo, os estudos das relações do modelo rogeriano com o Pragmatismo,
que, nem de longe se dá a uma atitude simpolória.
Não é difícil a qualquer mortal entender o que é organismo, o que é
experiência organísmica, auto atualização organísmica, ação, tendência
atualizante, compreensão, empatia, objetivismo, empirismo, empirismo
objetivista, empirismo fenomenológico, dialógica, encontro, inter humano...
O senso comum objetivista, o Objetivismo, o Positivismo não dão conta
de entender, não obstante. E estas concepções e posturas, fundamentais ao
paradigma rogeriano, estão definitivamente perdidas quando concebidas a
partir dos referenciais e posturas positivistas, de um objetivismo positivista, de
um empirismo objetivista; de uma perspectiva simplória, antes que simples,
muito essenciais, todas elas, e intrínsecas, ao rogerismo vulgar. Que
eventualmente pode até recorrer a precárias fenomenologias norte americanas
para embasar suas próprias concepções e métodos.
Não sem razão. A compreensão especific e efetivamente fenomenológica
e existencial, dialógica, desses conceitos é conditio sine qua non do
entendimento do paradigma rogeriano. Como mostra a natureza de sua
vivência, como mostra a sua história, e a história de seus conceitos. Esses
conceitos possuem essencial enraizamento filosófico, e é muito precário, senão
fatalmente distorsivo, tentar entendê-los, sem recursar às fontes teóricas e
filosóficas que essencialmente lhe dão origem. Como dissemos, no âmbito do
empirismo objetivista, ou da simplória postura do rogerismo vulgar, eles estão
definitivamente perdidos.
Mais que isto, a ausência teorética, a recusa a uma postura filosófica, e a
uma perspectiva histórica com relação aos princípios de concepção e método,
configuram-se como um astuto dispositivo de paralisação da crítica. Retira os
princípios de concepção e método da abordagem de sua necessária publicidade,
distorcendo o seu desenvolvimento e a sua vivência, e a formação dos novos
interessados. Compromete fundamentalmente a transmissão de seu
conhecimento e habilidades às novas gerações. Como bem mostram certos
aspectos da atualidade da abordagem rogeriana, no que concerne a sua teoria e
aplicações.
É preciso que se diga efetiva e enfaticamente que isto não é inerente ao,
não faz parte do paradigma rogeriano.
O paradigma rogeriano, fenomenológico existencial, nasce, cresce e se
desdobra -- de um modo especificamente heterogêneo -- no âmbito hostil do
objetivismo e do empirismo objetivista, do positivismo norte americano.
Paradoxal, e inconsistentemente, o simplório senso comum objetivista,
guindado à condição de fundamento de entendimento e prática profissional, no
rogerismo vulgar -- em sua arrogância típica e caracteristicamente objetivista,
positivista --, reivindicando a “simplicidade” do modelo rogeriano, confunde,
essencialmente, e com implicações essencialmente distorsivas, o que é da ordem
da simplicidade com o mero simplório. E se recusa, e recusa, a exploração
filosófica e teorética que busca entender e desdobrar a especificidade do
paradigma rogeriano, a especificidade de seus conceitos e de sua metodologia.
E o óbvio enraizamento deles nas filosofias humanistas da Fenomenologia, da
Filosofia da Vida e dos Existencialismos. Com a implicação, a partir da postura
do rogerismo vulgar, da paralisação da crítica, da teorização e da transmissão às
gerações sucessivas.
Cai num antigo e anacrônico mal entendido, na verdade bem pueril, de
julgar que por ser uma abordagem efetivamente não teorizante, já que
vivencial, em sua prática, o paradigma rogeriano não teria teoria. Engano grave.
O paradigma rogeriano, apesar de não teorético em sua vivência, possui
evidentemente teoria. E não só. Possui, específica e importantemente, um
enraizamento epistemológico e ontológico. Que é especificamente da
responsabilidade de seus praticantes cultivar, esclarecer, e desdobrar.
É preciso distinguir entre as posturas empirismo objetivista e do
empirismo fenomenológico. E entender que o modelo rogeriano assenta-se
neste último. E nunca no primeiro. E que o empirismo fenomenológico não se
funda nem se orienta por um preconceito anti-teorético.
Nos mal entendidos, no âmbito objetivista, positivista, em que o modelo
rogeriano heterogeneamente se desenvolveu, o rogerismo vulgar, curiosamente
elege a sua posição, de cunho eminentemente objetivista e positivista, como
caudatária do Positivismo e do Objetivismo. Mesmo quando recorre a precárias
correntes da “Fenomenologia” norte americana. E mesmo quando oscila para
um idealismo contraditório, como é típico, e implicação natural, do mero
Objetivismoe do Positivismo.
Rogers, e a abordagem rogeriana tipicamente se situaram no âmbito de
uma postura compreensiva, empática, eminentemente fenomenológica e
existencial. Como a postura própria para um respeito incondicional pela
diferença do outro, e para o favorecimento da atuação da tendência atualizante,
do poiético processo de atualização de possibilidades, por parte do cliente e do
terapeuta, ou facilitador. Suas conquistas não foram poucas, tanto em termos
quantitativos, como qualitativos. Tudo isto o rogerianismo vulgar tende a
malbaratar, com o seu entendimento curiosamente objetivista, e positivista, do
paradigma rogeriano.
Filosofia, não! É complicada, e nós não queremos ! Inscientes, certamente,
de que esta é, simplesmente, a reiteração da postura mais típica da filosofia
empirista objetivista, e positivista...
Para um entendimento e explicitação do modelo compreensivo
rogeriano, é necessário se dedicar à sua história e a sua história conceitual; a sua
situação no âmbito das filosofias humanistas, fenomenológico existenciais, e no
âmbito do paradigma compreensivo da filosofia da vida.
Felizmente, parece que podemos perceber que o rogerianismo vulgar é
cada vez mais anacrônico no âmbito da abordagem rogeriana, à medida que
emergem problematizações críticas, como a busca de um entendimento das
relações entre o paradigma rogeriano e o paradigma do Pragmatismo Norte
Americano.
Referências Bibliográficas
ROGERS, Carl PSICOTERAPIA E RELAÇÕES HUMANAS, Interlivros, 1975.
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