DOPPLER DO FLUXO VENOSO FETAL Dr. Mauro Sergio Al ves Machado 1 Dra. Márcia Konrath de Almeida Wassler 2 O uso do Doppler na Ultrassonografia tem sido amplamente utilizado para se examinar o sistema arterial fetal, permitindo identificar os fetos de alto risco para má evolução pré-natal. O estudo das ondas de velocidade de fluxo venoso pode desempenhar um papel importante na avaliação do bem-estar fetal, uma vez que a velocimetria do ducto venoso pode estar alterada na presença de patologias fetais. INTRODUÇÃO Em 1977, Fitzgerald e Drumm (3) iniciaram o estudo da circulação feto-placentária pela metodologia Doppler, que permitiu na atualidade a avaliação quantitativa do fluxo sangüíneo fetal por meio do exame ultrassonográfico abdominal ou endovaginal no período de 10 a 14 semanas. Os principais órgãos determinantes da hemodinâmica fetal são o coração e a placenta. Dois tipos de circulação unem esses dois órgãos: de um lado a circulação venosa, e do outro, a arterial. O avanço tecnológico dos aparelhos de ultrassom tem levado a um aumento das pesquisas com Dopplerfluxometria nos vasos venosos fetais, sendo que os mais estudados são o Ducto Venoso (DV), a veia cava inferior (VCI) e a veia umbilical (VU). (1),(22) . Fetus – Centro de Estudo Especializado em Medicina Fetal Pós Graduação de Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia 1 Discente: 2 Coordenadora e Professora O circulação ducto do venoso sangue desempenha oxigenado, importante oriundo da papel na placenta, na circulação fetal. Em circunstâncias normais 20 a 30% deste sangue é desviado pelo DV sendo direcionado diretamente para o coração esquerdo (11),(9) . Os outros 70 e 80% do fluxo sanguíneo seguem através do fígado principalmente para o átrio direito, e deste, via ducto arterioso chega à aorta descendente retornando a placenta através das artérias umbilicais. O estudo hemodinâmico da circulação arterial (umbílico-placentária) e venosa (duto venoso e veia umbilical) constitui-se na proposição mais recente que busca correlacionar a presença de alterações hemodinâmicas à presença de anomalias cromossômicas no feto. 1 - DUCTO VENOSO Fitzgerald e Drumm feto-placentária, permitindo a (3) iniciaram o estudo da circulação avaliação quantitativa do fluxo sangüíneo fetal por meio do exame ultrassonográfico abdominal ou endovaginal no período de 10 a 14 semanas. No começo da década de 70, Kiserud et al. ( 1 2 ) realizaram o primeiro estudo sobre o ducto venoso em humanos, descrevendo seu padrão de fluxo e o formato de sua onda, sugerindo também a sua utilização na investigação de fetos com distúrbio hemodinâmicos. O sistema venoso fetal, em especial o ducto venoso, foi intensamente investigado nos últimos anos (15),(16),(13),(18),(19) pequeno vaso, . Esses estudos revelaram a importância desse que funciona como shunt, ocupando posição privilegiada na circulação fetal. Direcionamento do fluxo sangüíneo do ducto venoso para o átrio direito sem se misturar com o proveniente da veia cava inferior. Fonte: Kiserud,(2000). Os principais vasos de interesse na investigação do retorno venoso ao coração fetal são a veia cava inferior e os vasos da vascularização venosa do fígado fetal (veia umbilical, veias portas, hepáticas e o ducto venoso). ( 7 ) O padrão de fluxo no DV é anterógrado e depende da pressão no átrio direito, uma vez que a pressão na veia umbilical é constante. Logo após a contração atrial, o átrio direito relaxa e com isso a pressão cai, gerando um fluxo elevado, com o enchimento atrial, a pressão no átrio direito volta a se elevar e o fluxo começa a diminuir: tudo isso ocorre durante a sístole ventricular, gerando a primeira onda do ducto venoso, chamada de onda-S. Com a abertura da valva átrio ventricular direita, a pressão no átrio direito volta a cair, e o fluxo no ducto venoso então volta a subir, gerando a segunda onda do ducto venoso, que ocorre durante a sístole ventricular, chamada então de onda-D. Para completar o enchimento ventricular, ocorre então a contração atrial, gerando a pressão atrial máxima, levando a velocidade mais baixa no ducto venoso durante todo o ciclo cardíaco, chamada de onda-A. Este espectro de onda só é encontrado no DV, não sendo observado nos outros vasos precordiais, acredita-se que seja devido ao gradiente de pressão entre a veia umbilical e o átrio direito. (14) Técnica de obtenção do espectro Doppler do ducto venoso mostrando as ondas S, D e a em um exame normal. Em casos de função cardíaca normal, a onda A é positiva (setas brancas). O Doppler do ducto venoso é importante, pois avalia a capacidade contrátil do coração. Em fetos com distúrbios de oxigenação, o prognostico é ainda pior quando houver uma falência cardíaca, e nesta situação o Doppler do ducto venoso apresenta uma Onda A reversa / negativa (Setas). O plano ultrassonográfico ideal para se visibilizar o DV no seu maior comprimento é o corte longitudinal médio- sagital do tronco fetal. A sua origem também pode ser identificada mediante corte transversal (ligeiramente oblíquo) da parte superior do abdome fetal. Ao ser insonado pelo US com Doppler, o fluxo sanguíneo proveniente da veia umbilical na origem do DV, apresentará ao Doppler mudança na coloração do registro Doppler, sendo denominado “aliasing”, indicando maior velocidade de fluxo. O feto possui três derivações anatômicas na sua circulação, com a finalidade de modificar a direção do sangue de modo a não ocorrer mistura entre o fluxo oxigenado, proveniente da placenta, e o de baixa saturação, que retorna ao coração. Aproximadamente 50% do sangue oxigenado da veia umbilical entra no sistema venoso hepato-portal e o restante dirige-se à veia cava inferior torácica através do duto venoso (1ª derivação). Desta forma, a saturação da hemoglobina é a mesma no DV e na veia umbilical. (7) 2 - DUCTO VENOSO E CIRCULAÇ ÃO FETAL O feto possui três shunts - ducto venoso, forame oval e ducto arterioso - que permitem a chegada de sangue ricamente oxigenado, proveniente da placenta, ao cérebro e miocárdio sem haver mistura completa com o sangue pobremente oxigenado que retorna ao coração. A circulação fetal começa na placenta com a coalescência dos vasos na inserção do cordão umbilical. O cordão umbilical é formado por duas artérias e uma veia, que ao penetrarem no abdômen fetal divergem imediatamente. A veia umbilical, que carreia sangue oxigenado, ascende adjacente á parede abdominal até o fígado onde se divide em seio portal e ducto venoso. (1),(20) A veia umbilical transporta o sangue oxigenado e os nutrientes da placenta para o feto. O primeiro órgão irrigado é o fígado no qual se efetua uma distribuição do sangue oxigenado (55% para o lóbulo esquerdo e 20% para o lóbulo direito) via seio porta e para o coração (25%) via DV (10) . A existência de uma diferença de pressão venosa combinada ao pequeno diâmetro do ducto venoso provoca uma aceleração do fluxo sanguíneo. O átrio direito recebe sangue da veia cava inferior que contém sangue de baixo e elevado teor de oxigênio, sendo este último proveniente do ducto venoso. As diferenças de velocidades e direção separam o sangue que entra no átrio direito (porção terminal da veia cava inferior) de forma a orientar de preferência o sangue oxigenado via crista dividens ao átrio esquerdo, o ventrículo esquerdo e aorta ascendente. Assim o coração e o cérebro serão alimentados por sangue com elevado teor de oxigênio. Com esta separação preferencial dos fluxos venosos, o componente esquerdo e direito do coração fetal simulam as condições que vão ocorrer no período pós-natal, ou seja, enviar o sangue mais oxigenado para as coronárias e cérebro e enviar o sangue menos oxigenado para o sítio de oxigenação, através do coração direito, que no feto corresponde à placenta. A diferença na saturação de oxigênio entre os dois contingentes é muito importante nos fetos. A proporção de sangue oxigenado desviado pelo ducto venoso varia, em condições fisiológicas dependendo da idade gestacional. É de 30% no meio da gravidez, diminui para 20% entre 30 e 40 semanas de idade gestacional. (9) 3 - AV ALI AÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA O DV é um vaso cuja visualização ultrassonográfica pode ser difícil em gestações de primeiro trimestre. Pode ser visualizado tanto no plano longitudinal, em corte sagital do tronco fetal, como em corte transverso do abdome fetal (8) . Tomando-se o volume de amostra sobre sua origem, a partir do “sinus” portal, ondas com padrões característicos podem ser visualizadas. A melhora dos equipamentos ultrassonográficos, providos de Doppler colorido estrutura. e pulsátil, tornou mais fácil a identificação de tal (5) Ondas de velocidade de fluxo do DV são caracterizadas por um pico sistólico, um diastólico e um “nadir” durante a contração atrial, sem componente de fluxo reverso após. A ausência de fluxo reverso no DV pode ser o resultado indireto do gradiente de pressão entre a veia umbilical e o átrio direito (14) . Essas características denotam uma onda de padrão bifásico, podendo ser registradas em torno de 8 - 9 semanas de gestação. Com 11-12 semanas, os componentes sistólico e diastólico tornamse claramente visíveis, atingindo picos de velocidade de até 30 cm/s. A velocidade média de fluxo no DV é três vezes maior que aquela observada na veia cava inferior e umbilical. (14),(5) Ondas normais de velocidade de fluxo do ducto venoso fetal. Podemos observar seu padrão bifásico, com um pico sistólico, um pico diastólico e um “nadir” (setas) durante a contração atrial. A avaliação do fluxo do DV, realizado por Montenegro et al. (17) , utilizando o método Doppler, em gestantes de primeiro trimestre, não mostrou variações nos valores de velocidade do pico sistólico, do pico diastólico e nem da velocidade média de fluxo. Do mesmo modo, os valores obtidos durante a contração atrial e a relação (sístole/diástole) mantiveram-se constantes. Por outro lado, houve redução na freqüência dos batimentos cardíacos da 10a a 13a semanas de gestação, fato este atribuído à maturação do sistema nervoso parassimpático. Huisman et al. ( 6 ) mostraram correlação positiva entre a idade gestacional e a velocidade média, os picos sistólico e diastólico do DV, com aumento de todos os itens citados, embora, mantendo a relação S/D constante. Esses autores postularam que muitos fatores podem estar envolvidos nessas alterações, tais como o aumento do volume de fluxo através do ducto, aumento da complacência cardíaca e a redução da pós-carga, sendo este último resultado da diminuição da resistência vascular placentária, com o evoluir da gestação. (17),(6) Enfim, o estudo Doppler do ducto venoso DV é também um método biofísico usado no primeiro trimestre para o rastreio de cromossomopatias. O fluxo atrial reverso ou ausente no sonograma do DV está presente em cerca de 50% dos fetos com trissomia do cromossomo 21, (18) (4) e em cerca de 90% dos fetos com trissomia 21. . CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos vasos venosos fetais, utilizando o método Doppler, pode demonstrar modificações adaptativas precoces, que, talvez, antecedam as alterações vasculares arteriais, identificando precocemente os primeiros sinais de insuficiência cardíaca fetal, relativos à hipoxia. Com esses achados, mais atenção tem sido dispensada ao estudo do sistema venoso fetal, em especial ao ducto venoso DV. A melhoria dos equipamentos de ultrassonografia combinada à utilização do Doppler colorido permitiu tornar a exploração do sistema venoso fetal acessível. A compreensão das modificações da circulação venosa em condições fisiológicas deunos a possibilidade de avaliar as modificações que afetam este sistema em condições patológicas, e em especial os fetos complicados com RCIU de origem vascular. O acompanhamento longitudinal das modificações dos sistemas arterial e venoso informa-nos sobre os mecanismos de adaptação e sobre a deterioração progressiva dos fetos com hipóxia crônica. A utilização do Doppler DV permite identificar os fetos de alto risco para má evolução perinatal. A deterioração progressiva dos índices Doppler venoso é associada a uma taxa elevada de natimortos. A sua utilização na prática clínica corrente torna necessária por um lado, a realização de um acompanhamento longitudinal, e por outro lado à utilização combinada de parâmetros complementares (Doppler arterial e/ou perfil biofísico e/ou análise do ritmo cardíaco fetal) a fim de melhorar as informações fornecidas por este método. O papel do Doppler no DV na tomada de decisão de uma extração fetal ainda precisa ser mais bem esclarecido, assim como as relações que existem entre o estudo Doppler arterial e venoso em relação à idade gestacional. Mais estudos são necessários para refinar a utilidade do Doppler DV na decisão de tomadas em fetos com um RCIU de origem vascular. O ducto venoso desempenha importante papel na regulação da fisiologia circulatória fetal. Alterações em seu fluxo podem ser significativas em fetos com descompensação hemodinâmica associada ou não a defeitos cardíacos. Como as cardiopatias são frequentemente encontradas em fetos com cromossomopatias, a investigação da velocimetria e da morfologia da onda de fluxo do ducto venoso nas gestações iniciais pode ser utilizada como método complementar no rastreamento precoce de determinadas anomalias cromossômicas. REFERÊNCI AS BIBLIOGRÁFICAS (1) CUNNINGHAM, F. G; MACDONALD, P. C; GANT. N.F; LEVENO, K.J; GILSTRAP, L.C; HAUTJ, J.C; W ENSTROM, K.D. W illiams Obstetrics. 21 ed.et al 2001 (2) ELDERSTONE DI, RUDOLPH AM. Preferential streaming of the ductus venosus blood to the brain and heart in fetal lambs. Am J Obstet Gynecol 1979; 237: H724. (3) FITZGERALD DE & DRUMM JE. Non-invasive measurement of human fetal circulation using ultrasound: a new method. Br Med J. 1977; 2: 1450-1. (4) GOLLO CA, MURTA CGV, BUSSAMRA LC, SANTANA RM, MORON AF. Valor preditivo do resultado fetal da dopplervelocimetria de ducto venoso entre a 11ª e a 14ª semanas de gestação. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia 2008; 30(5-11). (5) HUISMAN TW A; W LADIMIROFF JW & STEW ART PA. The normal early circulation: a doppler ultrasound study. In: KURJAC A, ed. An atlas of transvaginal color doppler: the current state of the art, The Parthenon Publishing Group, New York, p.43-49, 1994. (6) HUISMAN TW , GITTENBERGER-De Groot AC, W LADIMIROFF JW . Recognition of a fetal subdiaphragmatic venous vestibulum essential for fetal venous Doppler assessment. Pediatr Res 1992; 32: 338-41. (7) HECHER, K & CAMPBELL, S. – Characteristics of fetal venous blood flow under normal circumstances and during fetal diasease. Ultrasound Obstet Gynecol. 7:68 – 83, 1996. (8) HECHER K; CAMPBELL S; DOYLE P; HARRINGTON K & NICOLAIDES K. Assessment of compromise by Doppler ultrasound investigation of the fetal circulation. Circulation 91: 129-138, 1995. (9) KISERUD T, EIK-NES SH, BLAAS HG, HELLEVIK LR. Foramen ovale: an ultrasonographic study of its relation to the inferior vena cava, ductus venosus and hepatic veins. Ultrasound Obstet Gynecol 1992; 2(6): 389-396. (10) KISERUD T, EIK-NES SH, BLAAS HG, HELLEVIR LR, SIMENSEN B. Ductus venosus blood velocity and the umbilical circulation in the seriously growth-retarded fetus. Ultrasound Obstet Gynecol 1994; 4:109-14. (11) KISERUD, T. Fetal venous circulation: an up date hemodinamics. J Perinatal Med, v.28, p.90-96, 2000. (12) KISERUD T, EIK-NES SH, BLAAS HG, HELLEVIK LR. Ultrasonographic velocimetry of the fetal ductus venosus. La ncet 1991; 338(8780): 1412-1414. (13) MAVRIDES E, COBIAN-Sanchez F, TEKAY A, MOSCOSO G, CAMPBELL S, Thilaganathan B, et al. Limitations of using firsttrimester nuchal translucency measurement in routine screening for major congenital heart defects. Ultrasound Obstet Gynecol 2001; 17(2): 106-110; 109 (9): 1015-1019. (14) MARI G, UERPAIROJKIT B, COPEL JA. Abdominal venous system in the normal fetus. Obstet Gynecol 1995; 86(5): 729733. on (15) MATIAS, A. et al. Anomalous fetal venous return associated with major chromosomopathies in the late first trimester of pregnancy. W est Sussex: Ultrasound Obstet Gynecol, W est Sussex, v.11, p.209-213, 1998a. (16) MATIAS A, MONTENEGRO N, AREIAS JC, LEITE LP. Haemodynamic evaluation of the first trimester fetus with special emphasis on venous return. Hum Reprod Update 2000; 6(2): 177-189. (17) MONTENEGRO N; MATIAS A; AREIAS JC & BARROS H. Ductus venosus revisited: a doppler blood flow evaluation in the first trimester of pregnancy. Ultrasound Med Biol 23: 171176, 1997. (18) MURTA CG, MORON AF, AVILA MA, W EINER CP. Application of ductus venosus Doppler velocimetry for the detection of fetal aneuploidy in the first trimester of pregnancy. Fetal Diagn Ther 2002; 17(5): 308-314. (19) PREFUMO F, De Biasio P, VENTURINi PL. Reproducibility of ductus venosus Doppler flow measurements at 11.14 weeks of gestation. Ultrasound Obstet Gynecol 2001;17:301.5. (20) RUDOLPH AM. Hepatic and ductus venosus blood flows during fetal life. Hepatology 1983; 3(2): 254-258. (21) SÁ RAM. Dopplerfluxometria com centralização de fluxo sanguineo, 90. Tese de Doutorado em Ginecologia e Obstetrícia. Faculdade de Medicina – Universidade Federal de Minas Gerais, MG, 2001. (22) SÁ RAM, NETTO HC, LOPES LM, BARRETO MJV, CABRAL ACV. Dopplerfl uxometria do ducto venoso – relação com a gasometria em fetos prematuros com centralização de fl uxo sangüíneo. 2003;25:4.