Quando o nevoeiro se dissipa: Estádios de mudança e variáveis

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Actas do 6° Congresso Nacional de Psicologia da Saúde Organizado por
Isabel Leal, José Pais Ribeiro, e Saul Neves de Jesus 2006, Faro:
Universidade do Algarve
Quando o nevoeiro se dissipa:
Estádios de mudança e variáveis
psicológicas relacionadas numa
amostra de fumadores e
ex-fumadores portugueses
FILIPA PIMENTA (*)
ISABEL LEAL (*)
Tem vindo a ser reforçada a evidência de que as pessoas podem modificar
comportamentos considerados como problemáticos sem recorrer a
psicoterapia formal (Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992; Prochaska,
Velicer, Guadagnoli & Rossi, 1991). Neste âmbito, o Modelo Transteórico
de Prochaska e DiClemente (1983, 1986, 1992; cit. por Segan et ai, 2002;
Etter & Sutton, 2002) tem-se destacado como um dos mais eminentes
modelos no estudo da cessação tabágica, bem como noutras áreas de saúde,
salientando-se por propor uma explicação teórica do processo de
modificação intencional de comportamentos.
'*)
Instituto Superior de Psicologia Aplicada.
-f/-
6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
Nas investigações que incidem sobre a questão de como as pessoas
deixam de fumar por elas próprias, sobressai a evidência de que os
fumadores movimentam-se através de uma série de estádios de mudança no
seu esforço de cessar o consumo de tabaco (Prochaska et ai., 1994).
Prochaska e DiClemente definem assim um modelo com cinco estádios:
pré-contemplação (inexistência da intenção de deixar de fumar num futuro
próximo), contemplação (intenção de deixar de fumar, mas sem ainda
estabelecer um compromisso pessoal de cessação), preparação (primeira
combinação entre intenção e comportamento pela manifestação da vontade
de deixar de fumar no tempo de um mês), acção (modificação objectiva do
comportamento aditivo) e, por fim, manutenção (esforço com vista a
prevenção de recaída e consolidação dos ganhos obtidos durante o estádio
anterior).
A variável psicológica auto-eficácia tem vindo a demonstrar uma forte
associação com a mudança de comportamento (Bandura, 1977, 1986, cit.
por Norman, Velicer, Fava, & Prochaska, 1998; Boudreaux et ai., 1998;
Etter, Bergman, Humair, & Perneger, 2000) e tem sido incorporada em
inúmeras investigações no âmbito do estudo dos estádios de mudança (Baer.
Holt, & Lichtenstein, 1986; Boudreaux et ai., 1998; Norman et ai., 1998;
Prochaska et ai., 1991; Prochaska et ai., 1994; Snow, Prochaska, & Rossi,
1992). Contudo, esta associação entre níveis crescentes de auto-eficácia e
progressão nos estádios de mudança carece de maior evidência, dado que
alguns estudos documentam a inexistência de alteração dos níveis de
auto-eficácia ao longo dos vários estádios (por ex., Dijkstra, De Vries, &
Bakker, 1996, cit. por Etter et ai, 2000).
Wallston (1992), aplicando os princípios da Teoria da Aprendizagem
Social à área da saúde, preconiza que o envolvimento de uma pessoa em
comportamentos de saúde é função da interacção de duas variáveis: (a) da
percepção de competência para a saúde (isto é, o grau de crença de que as
acções do próprio influenciam o seu estado de saúde e o grau de confiança
na capacidade para desempenhar, com sucesso, comportamentos
necessários relacionados com a saúde) e (b) o valor da saúde (ou seja, o grau
de valorização da saúde do próprio).
QUANDO O NEVOEIRO SE DISSIPA
No contexto dos processos subjacentes à auto-regulacão do comportamento,
Scheier e Carver (1992) salientam o optimismo (isto é, a tendência para
acreditar que a pessoa irá experimentar resultados bons versus maus, na sua
vida) como uma variável passível de ter um impacto significativo.
A presente investigação pretende caracterizar uma amostra de estudantes do
ensino superior, fumadores e ex-fumadores, e averiguar se existe uma relação
entre as variáveis principais (situação de consumo - i.e., fumador, fumador
ocasional ou ex-fumador - e estádio de mudança no qual o participante se
encontra) e as variáveis (psicológicas) de influência, nomeadamente,
auto-eficácia (específica para a capacidade de abstenção de fumar),
optimismo disposicional, valor da saúde e percepção de competência para a
saúde.
A amostra é constituída por 135 alunos do Instituto Superior de Psicologia
Aplicada, do 2.°, 3.° 4.° e 5.° anos da licenciatura em Psicologia Aplicada.
O único critério de inclusão foi ter fumado pelo menos 100 cigarros em toda
a vida (WHO, 1996). Para averiguar as variáveis psicológicas aplicaram-se
quatro instrumentos: o Smoking Self-efficacy Questionnaire (Etter et ai., 2000)
(que obteve os seguintes alphas de Cronbach: <a=0.91 na sub-escala de
estímulos internos, £=0.91 na sub-escala de estímulos externos e, na escala
total, (2=0.95), a Perceived Health Competence Scale (PHCS) (Smith,
Wallston, & Smith, 1995), com um alpha de Cronbach de 0.88, a Escala de
Valor da Saúde de Lau, Hartman e Ware (1986, cit. por Waldrop et ai., 2001)
(alpha de Cronbach de 0.59), a Life Orientation Test (LOT) de Scheier e
Carver (1985, cit. por Figueiras, Alves, & Barracho, 2004), com um alpha de
Cronbach igual a 0.80, bem como um questionário para a averiguação de
estádios de mudança, baseado no modelo transteórico, específico para
fumadores e ex-fumadores e elaborado por Etter e Sutton (2002).
A amostra é constituída por 102 fumadores (75,6%), 23 ex-fumadores
(17%) e 10 fumadores ocasionais (7,4%). Em relação ao estádio de mudança
em que os participantes se encontravam, 56 participantes estavam no estádio
da pré-contemplação (41,5%), 45 no da contemplação (33,3%), 2 no de
preparação (1,5%), 12 no estádio de acção (8,9%) e 19 no de manutenção
(14,1%). 77,8% da amostra era do sexo feminino (105 participantes). A média
da idade dos participantes era 23,87 (min.: 19; máx.: 47), a média de idade de
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6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
início do consumo tabágico era igual a 16 (min.: 12; máx.: 22) e a média de
cigarros por mês (no presente, para os fumadores, e no passado, no caso dos
ex-fumadores) era de 300 cigarros por mês (min.: 1; máx.: 1050). Em relação
aos hábitos tabágicos do companheiro/namorado/cônjuge, 36,3% estava numa
relação com uma pessoa fumadora, 5,2% tinha uma relação com
ex-fumadores, 23% mantinham uma relação com não-fumadores, 10,4% com
fumadores ocasionais e 21,5% não estava numa relação no momento da
recolha de dados. Apenas 12,6% da amostra declarava ter na altura da recolha
de dados pelo menos uma doença diagnosticada.
Na medida em que a amostra não tem uma distribuição normal, recorreu-se
ao uso de testes não paramétricos, nomeadamente ao teste de Kruscal-Wallis
(Maroco, 2003).
No que concerne à comparação das médias das variáveis psicológicas
(auto-eficácia, optimismo, de valor da saúde e percepção de competência
para a saúde), verificam-se diferenças significativas entre os três grupos
(fumadores, ex-fumadores e fumadores ocasionais) para a variável de
percepção de competência para a saúde (%2= 10,111; />=0,006) e de
auto--eficácia (estímulos internos: /j/2=52,591; /»=0,0001; estímulos
externos: j^=53,846;/?=0,0001 e total: j2=60,153;p=0,0001).
Em relação à comparação entre os cinco estádios de mudança, verificam-se
igualmente diferenças significativas em relação às médias de algumas das
variáveis psicológicas averiguadas: auto-eficácia, nomeadamente para os
estímulos internos (^=57,957; /?=0,0001), para os estímulos externos
(J2=59,135; ^=0,0001) e para o total da escala (^=65,800; ^>=0,0001);
verificam-se ainda diferenças significativas para as médias da variável de
percepção de competência para a saúde (j2=12,142;/'=0,01).
Conclui-se assim que, na amostra em questão, existem diferenças
significativas entre fumadores, fumadores ocasionais e ex-fumadores, assim
como entre os participantes que se situam em diferentes estádios de
mudança em relação à auto-eficácia e à percepção de competência para a
saúde, não se verificando contudo quaisquer diferenças no que concerne ao
valor atribuído à saúde do próprio e optimismo disposicional.
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QUANDO O NEVOEIRO SE DISSIPA
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6° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE
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