Plantas aquáticas: sorventes naturais

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PRIMEIRA
LINHA
PRIMEIRA
LINHA
QUÍMICA Biomassa vegetal pode ser usada para remover substâncias poluentes
Plantas aquáticas:
sorventes naturais
O controle da poluição ambiental através do uso da biomassa de plantas aquáticas como um sorvente
natural de substâncias químicas ainda é pouco explorado, em especial no Brasil. Seca e preparada,
a biomassa de algumas macrófitas aquáticas retém metais pesados, óleos e outros poluentes orgânicos
com custo mais baixo e maior eficiência que muitos materiais utilizados hoje. Por Jorge Rubio, do
Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Ivo André
H. Schneider, do Departamento de Metalurgia (UFRGS); Tânia Ribeiro, do Instituto de Química (UFRGS),
Cristina Alfama Costa, do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Minas, Metalúrgica e Materiais
(UFRGS); e Carlos Alberto Kallfez, do Programa de Pós-graduação em Tecnologias Limpas (UFRGS).
A
diversidade de plantas aquáticas é grande no
Brasil. Algumas espécies comuns nos rios e lagos do país são a Eichornia crassipes (aguapé, líriod’água, jacinto-d’água, baronesa ou rainha-dos-lagos), a Pistia stratiotes (alface-d’água) e outras dos
gêneros Salvinia (samambaia-aquática, marrequinha, erva-de-sapo e murerê) e Potamogeton (potamogeton). Quando o meio aquático em que elas vivem
recebe nutrientes (nitrogênio e fósforo), seja através
6 8 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 5 • n º 205
FOTOS DE IVO A. H. SCHNEIDER
Figura 1. Barragem tomada por aguapé (Eichornia
crassipes) no campus do Vale, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre
de processos naturais, de atividades rurais ou mesmo do esgoto doméstico, elas apresentam uma prodigiosa capacidade de reprodução (figura 1).
Nessas situações, tais espécies são em geral consideradas infestantes e nocivas, pois obstruem rios,
lagos e represas, impedindo a navegação e alterando
o ecossistema aquático (figura 2). Só para exemplificar, o aguapé é citado no Guiness Book como o recordista entre as ervas daninhas aquáticas. A capacidade de produção de biomassa dessa espécie já foi
calculada em 1.000 kg diários por hectare. As espécies do gênero Salvinia também são classificadas
entre as plantas mais nocivas. Um caso de infestação
extrema ocorreu em 1963 no lago Kariba, entre
Zâmbia e Zimbábue, na África, onde uma espécie
de Salvinia recobriu 1.002 km2. No Brasil, um exemplo semelhante ocorreu no verão de 2000 na barragem de Itá, ao norte do Rio Grande do Sul, também
envolvendo uma espécie de Salvinia.
Foi exatamente essa alta produtividade de
biomassa que criou um grande interesse nas propriedades fisiológicas dessas plantas e em seu uso
potencial em benefício do homem. As primeiras pesquisas, nos anos 60 e 70, constataram que muitas
plantas aquáticas, em especial o aguapé, removiam
poluentes de águas, incluindo nitrogênio, fósforo,
metais pesados e fenóis. Entretanto, muitas expe-
PRIMEIRA
B
A
riências quanto ao uso dessas plantas em lagoas, para
o tratamento de efluentes, foram infrutíferas, principalmente por causa da proliferação de mosquitos
e pela dificuldade de manejo das plantas. Em muitos casos, as plantas adoeciam, intoxicadas pelos
metais pesados, e havia uma série de restrições para
seu uso posterior, por estarem contaminadas com os
poluentes.
Mais recentemente, porém, adotou-se uma nova
filosofia de uso da biomassa das plantas aquáticas.
Em vez de empregar essas plantas vivas, passou-se a
secá-las, moê-las e transformá-las em um material
sorvente, antes do uso. O material assim obtido apresenta uma série de vantagens em relação à planta viva.
O manuseio, por exemplo, é muito facilitado: pode
ser embalado, armazenado, transportado e usado a
granel, em corpos d’água poluídos, ou no tratamento
de efluentes urbanos ou industriais em reatores.
Comparada a outros materiais usados com a mesma
LINHA
Figura 2.
Uma espécie
de Salvinia
na superfície
de um canal
de captação
de água (A)
e a planta
aquática
submersa
(Potamogeton
lucens) em
uma lagoa (B)
finalidade (carvão ativado, por exemplo), a biomassa
das plantas aquáticas tem um custo bem mais baixo.
Como muitos desses vegetais representam uma
praga, a coleta pode ser realizada nos próprios corpos d’água onde se reproduzem. Depois disso, é suficiente um processo de secagem ao sol e moagem,
que pode ser facilmente realizado em instalações
rurais. No caso de transporte para outras localidades, é interessante compactar e embalar o material,
bastante poroso e leve, para reduzir ao máximo o
seu volume.
Alta capacidade sorvente
A biomassa de cada planta aquática apresenta propriedades físicas e bioquímicas específicas (figura
3). Por serem altamente porosos, todos os biossorventes apresentam elevada área superficial, o que
implica uma enorme capacidade de acumulação de
solutos. Essa extensa área superficial já está presen- Figura 3. Propriedades físicas e bioquímicas da biomassa seca (no detalhe)
das plantas aquáticas (em grãos com diâmetro menor que 0,59 mm)
Propriedades
P. lucens
Salvinia sp.
E. crassipes
Formato das partículas
lâmina
lâmina/agulha
lâmina/agulha
Densidade aparente (g/cm 3)
0,15
0,13
0,13
Densidade real (g/cm )
1,2
1,1
1,1
Retenção de água (g/g)
3,1
4,2
3,2
Área superficial (m /g)
415
270
250
Tipo de troca iônica
catiônico fraco
catiônico fraco
catiônico fraco
3
2
Grupos carboxila (miliequivalentes/g)
1,5
0,9
0,7
Grupos hidroxila (miliequivalentes /g)
1,3
2,2
0,9
Partição água/hexano
hidrofílico
hidrofóbico
hidrofílico
Teor de proteínas (%)
21,7
11,5
10
Teor de carboidratos (%)
66
77,2
69
Teor de lipídios (%)
0,9
1,1
0,7
Teor de cinzas (%)
11,4
10,2
20,3
junho de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 69
PRIMEIRA
LINHA
Biomassa de plantas
aquáticas na forma
hidrogenada
Biomassa de plantas
aquáticas na forma
hidrogenada
Biomassa de Salvinia
Gotículas de óleo
COOH
+
Me+2
COOH
COO
Me
+
Água
Figura 4. Na sorção de metais pesados,
o íon hidrogênio (H+) é trocado pelo íon do metal
(Me+2, na ilustração) presente na água poluída
A
B
C
7 0 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 5 • n º 205
Água
Água
Figura 5. Na sorção de óleos, forças hidrofóbicas
(que repelem a água) e a sucção capilar pelos poros
da biomassa atraem as gotículas de óleo
te nas plantas vivas, porque estas precisam remover
diretamente da água os seus nutrientes. Na espécie
Potamogeton lucens, os nutrientes são removidos pela folhas, enquanto em espécies de Salvinia e em
E. crassipes isso é feito pelas raízes.
Após a secagem, as plantas mantêm, ainda que
biologicamente inativas, muitas de suas propriedades químicas. Um exemplo é a presença de ceras
nos pêlos das folhas das espécies de Salvinia, o que
confere a esses vegetais um comportamento hidrofóbico, que repele a água e permite a adsorção e
absorção de óleos. A biomassa seca dessas espécies
também apresenta essa propriedade. Essas plantas
aquáticas (P. lucens, E. crassipes e espécies de
Salvinia) também são ricas em grupos carboxila,
um radical químico capaz de reagir com metais
pesados e fixá-los, retirando-os da água.
A remoção de metais pesados de efluentes ocorre
principalmente através da troca de íons. No caso das
plantas aquáticas, os radicais orgânicos responsáveis são os grupos carboxila (COO-) presentes nos
tecidos vegetais. No meio natural, esse sítio de ligação é ocupado por cátions (íons positivos) existentes
em maior concentração nos ambientes sem poluição, como os de hidrogênio (H+), sódio (Na+), potássio (K+), cálcio (Ca+2), magnésio (Mg+2) e ferro (Fe+2).
Entretanto, quando em contato com íons como os de
cobre (Cu+2), zinco (Zn+2), níquel (Ni+2), cádmio
(Cd+2), chumbo (Pb+2) e cromo (Cr+3), presentes em
ambientes poluentes, há uma tendência química
de substituição de metais alcalinos e alcalinos
terrosos por metais de transição. Essa troca faz
com que as plantas ‘aprisionem’ esses íons tóxicos,
ajudando a despoluir o ambiente (figura 4).
A aplicação de plantas aquáticas na remoção de
metais pesados presentes em efluentes industriais
ou urbanos pode ser feita usando-se colunas de
percolação. Esse tipo de reator consiste em um cilindro preenchido com a biomassa. O efluente passa
pelo reator no sentido ascendente, para proporcionar a fluidificação dessa biomassa. Após um tempo
de operação, a biomassa fica carregada com metais
FOTOS DE CARLOS A. KALLFEZ
Figura 6.
A biomassa
das plantas
aquáticas pode
ser utilizada
para remover
derrames de
óleo na forma
de barreiras
tubulares (A),
em almofadas
absorventes
(B) ou a granel,
lançada sobre
o solo (C)
+
2H
COO
PRIMEIRA
pesados. O descarte desse material contaminado é
evitado através de sua regeneração com uma solução ácida diluída (que libera os metais pesados novamente, permitindo seu descarte adequado). Esse
processo (percolação e limpeza) já demonstrou ser
viável para a descontaminação de efluentes de mineração e de indústrias metalúrgicas que contêm
concentrações residuais de metais pesados.
Em relação aos óleos, em especial o petróleo, as
espécies de Salvinia fornecem um excelente material para contenção de derrames terrestres ou aquáticos. As folhas secas do vegetal apresentam estruturas hidrofóbicas onde o óleo livre ou emulsificado
em água é prontamente absorvido por capilaridade,
fenômeno que decorre da grande porosidade do
material, associada à sua alta hidrofobicidade (figura 5). Os valores de sorção variam de 8,3 g a 10,8 g
de óleo por grama de biomassa, dependendo do tipo de óleo, superando a capacidade da turfa canadense, material tradicionalmente utilizado com
essa finalidade.
Figura 8. Massa de poluente sorvido por unidade
Alternativa de baixo custo
Salvinia sp. – vaselina líquida no solo
O uso dos biossorventes produzidos a partir de plantas aquáticas no combate à poluição pelo óleo é feita
de maneira muito simples (figura 6). Em pequenos
derrames terrestres, a biomassa é simplesmente
lançada sobre a mancha de óleo. Após a sorção, essa
biomassa (com o óleo) é recolhida por varrição. Em
derramamentos maiores, a contenção através de almofadas é preferível, pois facilita o manuseio do
material. No meio aquático, o uso de barreiras tubulares tem se mostrado mais prático.
Além disso, a biomassa das espécies de Salvinia,
e também de P. lucens e de E. crassipes, remove
eficientemente vários corantes presentes no meio
aquoso (figura 7). Já foram realizados com sucesso
experimentos na remoção dos corantes rodaminaB, azul-de-metileno, verde-brilhante e cristal-violeta. O mecanismo de sorção, nesses casos, é muito
parecido com o do carvão ativado: o soluto é adsorvido
por efeitos físicos (forças eletrostáticas, de van der
Salvinia sp. – óleo alifático Nujol no solo
10.800
Salvinia sp. – derrames de petróleo na água
14.500
Biomassa de plantas aquáticas
Moléculas de corante
Água
Figura 7. A sorção de corantes e outras moléculas
orgânicas pela biomassa de plantas aquáticas
ocorre por adsorção física ou química
LINHA
de massa das plantas aquáticas
Biossolvente – Poluente
Sorção (mg / g)
Remoção de metais pesados de água
P. lucens – chumbo (II)
141,0
P. lucens – cádmio (II)
61,4
P. lucens – zinco (II)
32,4
P. lucens – cobre (II)
40,8
P. lucens – níquel (II)
22,9
P. lucens – cromo (III)
22,4
Salvinia sp. – zinco (II)
18,1
Salvinia sp. – cobre (II)
19,7
Salvinia sp. – níquel (II)
14,4
E. crassipes – zinco (II)
19,2
E. crassipes – cobre (II)
23,1
E. crassipes – níquel (II)
11,6
Derrames de óleos
Salvinia sp. – petróleo de Marlin no solo
8.300
5.600
Remoção de corantes de água
Salvinia sp. – rodamina B
Salvinia sp. – azul-de-metileno
Salvinia sp. – cristal-violeta
Salvinia sp. – verde-brilhante
133
142
» 120
» 50
Waals e/ou hidrofóbicas) ou por reações químicas
específicas. Uma vantagem das plantas, nesse caso,
é o maior tamanho dos poros, que permite bons resultados mesmo se o vegetal não estiver finamente
dividido. O carvão ativado, que em geral apresenta
poros pequenos, só se mostra eficiente na forma pulverizada.
Tais estudos comprovam que biomassas secas
produzidas a partir de macrófitas aquáticas são excelentes materiais para a remoção de poluentes (figura 8). É necessário, porém, realizar mais pesquisas, empregando outras espécies vegetais e outros
elementos nocivos. Considerando a excelente capacidade de reprodução de muitas espécies e o clima favorável em muitas regiões brasileiras, tais plantas aquáticas podem ser cultivadas e preparadas a
baixo custo. Vale lembrar que, em muitos locais,
elas são vistas como pragas, e portanto os custos do
processo seriam apenas os de secagem e transporte.
O uso desses materiais como sorventes, sob condições apropriadas, representa uma nova e promissora alternativa para a remediação de problemas
ambientais.
■
junho de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 71
PRIMEIRA
LINHA
QUÍMICA Descarte pode se tornar problema ambiental sério
Baterias de lítio: novo
desafio para a reciclagem
A popularização de diversos produtos eletrônicos, bem como a promessa do carro elétrico, criam uma
expectativa de crescimento exponencial da produção e do consumo de baterias de lítio em curto prazo.
Estima-se que, em poucos anos, o descarte dessas baterias levará a um sério problema ambiental.
Com a eliminação, porém, surge também uma oportunidade de mercado voltada para a reciclagem
desses artefatos. Como resolver mais esse desafio ambiental? É o que este artigo procura responder.
Por Júlio Carlos Afonso, Roberto Giovanini Busnardo e Natália Giovanini Busnardo, do Departamento
de Química Analítica (Instituto de Química) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E
m 1800, o físico italiano Alessandro Volta
(1745-1827) inventou a primeira pilha elétrica
(ver ‘Uma descoberta eletrizante’, em CH nº 155).
De lá para cá, a técnica de geração de energia a partir de reações químicas experimentou uma longa
evolução. A figura 1 mostra que os sistemas contendo lítio são tecnologias relativamente recentes.
As baterias primárias – conhecidas popularmente como pilhas – são artefatos que, uma vez esgotados os reagentes que produzem a energia elétrica,
são descartados por não poderem ser recarrega-
Figura 1.
Alguns
sistemas
geradores
de energia
elétrica a partir
de reações
químicas
ANO
EVENTO
1800
1836
pilha de Volta
pilha de cobre/sulfato de cobre,
sulfato de zinco/zinco
bateria de chumbo-ácido sulfúrico
pilha zinco-carbono (a pilha comum)
bateria de níquel-cádmio
bateria de ferro-níquel
bateria de zinco-prata
bateria de níquel-zinco
pilha de mercúrio
pilha de combustível (hidrogênio-oxigênio)
pilha alcalina
bateria de íons lítio recarregável
pilha de lítio-dióxido de manganês
1859
1860
1899
1905
1927
1930
1945
1956
1959
1983
1991
7 2 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 5 • n º 205
dos. São, assim, sistemas de uso único. Já nas baterias secundárias – comumente denominadas baterias –, o sistema pode ser regenerado, através da passagem de uma corrente elétrica que reverte as reações químicas responsáveis pela geração de energia
elétrica.
As baterias primárias que empregam o lítio – ver
‘O mais leve dos metais’ – como anodo (pólo positivo) passaram a ser investigadas com o advento da
exploração espacial, no início da década de 1960.
Isso ocorreu pela necessidade de se dispor de pequenos sistemas eletroquímicos duráveis, confiáveis
e capazes de armazenar grande quantidade de energia. Assim, para desempenhar o papel de anodo,
passaram a ser estudados materiais contendo substâncias simples e/ou compostas de elementos químicos localizados do lado esquerdo superior da tabela periódica (lítio e sódio). Já os candidatos a catodo
(pólo negativo) foram procurados no canto direito
superior da tabela (flúor, cloro e oxigênio).
Câmaras e marca-passos
Ao longo dessa busca pelo elemento ou composto
mais adequado, muitos sistemas foram propostos,
mas poucos permaneceram em função de exigências práticas. Entre esses, estão as baterias primárias que usam como anodo o lítio metálico – no catodo,
são empregados três grupos de compostos cuja descrição foge ao objetivo deste artigo.
PRIMEIRA
Devido à alta reatividade do lítio metálico com
a água, essas pilhas empregam eletrólitos (substâncias capazes de conduzir corrente elétrica em solução) dissolvidos em solventes não aquosos, em recipientes selados. As pilhas de lítio/dióxido de manganês – muito usadas em câmaras fotográficas – são
o exemplo mais representativo das pilhas (ou baterias primárias) de lítio. O processo de descarga de
uma pilha desse tipo obedece à seguinte reação global simplificada: 4 Li + MnO2 ® 2 Li2O + Mn, na
qual o lítio metálico sofre oxidação (perde elétrons)
e o manganês se reduz (ganha elétrons). Essa pilha
fornece um potencial (voltagem) em torno de três
volts (3,0 V) à temperatura ambiente, mas mostra
excelente desempenho em temperaturas superiores.
Já a bateria primária de lítio-iodo, surgida em
1967, nos Estados Unidos, revolucionou a história
do marca-passo cardíaco. Essa pilha obedece ao esquema da figura 2. O iodo é agregado a um polímero
(molécula longa com unidades básicas repetidas). O
conjunto é blindado com um revestimento de níquel ou aço inoxidável.
A pilha de lítio-iodo fornece uma voltagem de
2,8 V e pesa menos que 20 g. Sua vantagem mais
importante é a longa duração (cinco a oito anos),
evitando, assim, que o paciente seja obrigado a freqüentes cirurgias para trocar o marca-passo.
Bateria secundária de lítio
Há uma classe de baterias de lítio que, em vez de
lítio metálico, emprega íons lítio, Li+ (íons são átomos que ganharam ou perderam elétrons e, portanto, são dotados de carga elétrica negativa ou
positiva, respectivamente). Nesse tipo de bateria
secundária, os íons lítio estão presentes no eletrólito na forma de sais dissolvidos em solventes não
aquosos.
As baterias de íons lítio podem ser reutilizadas
diversas vezes – como regra geral, uma bateria é
considerada secundária quando é capaz de suportar 300 ciclos completos de carga e descarga com
Elétrons
Li
LiI
I2
Polímero
Figura 2. Esquema de uma pilha de lítio (Li) – iodo (I),
que funciona com base na reação 2 Li + I2 ® 2 LiI.
Na figura, o símbolo wwww representa um aparelho
que está sendo alimentado pela corrente elétrica
gerada pela pilha
COMPONENTE
Cobalto
Eletrólito
Alumínio
Cobre
Lítio
MASSA
(g)
VALOR APROXIMADO
(dólares)
6,5
5,0
1,6
2,8
0,8
0,248
0,232
0,002
0,005
0,006
LINHA
Figura 3. Componentes de uma bateria típica de
íons lítio (40 g) e seus valores aproximados de mercado
em 2001
80% de sua capacidade. No processo de descarga,
os íons lítio migram do interior do material que
compõe o anodo (+) para dentro do material do
catodo (–), e os elétrons movem-se através do circuito externo.
Sobrecarga e vida útil
Algumas das principais características das baterias
secundárias de lítio são: alta densidade de energia,
longos ciclos de vida, baixíssima taxa de autodescarga e segurança no manuseio. Além disso, o fato
de empregarem materiais de baixa densidade permite que sejam projetadas para terem massa e tamanho reduzidos.
A distância entre os dois pólos é muito pequena,
normalmente cerca de 50 micrômetros (0,05 mm).
Para evitar o contato, eles são separados por uma
folha de polipropileno (isolante). Porém, quando a
bateria é submetida a sobrecarga, pode-se formar
lítio metálico, que se deposita no anodo. Caso esse
depósito entre em contato com o catodo, dá-se um
curto-circuito, e a bateria é inutilizada. Daí costuma-se afirmar que a bateria de lítio não suporta sobrecargas – o que reduz sua vida útil. Nesse aspecto,
a bateria de lítio é menos segura que a de níquel/
metal-hidreto, ambas propostas como substitutas
para as clássicas baterias Ni-Cd (níquel-cádmio), empregadas, por exemplo, em câmeras digitais, telefones celulares, brinquedos e ferramentas eletroportáteis sem fio.
Potencial e perigos da reciclagem
Em 2000, a produção mundial de baterias secundárias de lítio chegou à ordem de 500 milhões de unidades. A partir daí, estima-se que a geração de resíduos de baterias usadas chegará de 200 mil a 500
mil toneladas, com teores (em peso) de cobalto entre 5% e 15%, bem como 2% a 7% de lítio.
O cobalto é o componente mais valioso, juntamente com o eletrólito, como se vê na figura 3. Conseqüentemente, o processo de reciclagem necessitará recuperar pelo menos esse elemento químico.
Por outro lado, o cobalto e o lítio estão sujeitos a um junho de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 73
PRIMEIRA
LINHA
Número de baterias de celulares para
reciclagem (milhares)
500
PROCESSOS EMPREGAM
450
Perdas na produção
400
Utilizadas
350
Total
300
250
200
150
100
50
0
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Figura 4. Estimativa do número de baterias de íons
lítio de celulares disponíveis para a reciclagem
até 2004 nos Estados Unidos.
Os números são baseados em perdas de 10%
durante o processo de fabricação, uma vida útil
de três anos para uma bateria nova e uma eficiência
de coleta de baterias usadas de 50%
aumento de valor de mercado, o que pode incentivar a coleta seletiva e a reciclagem desses materiais.
O cobalto apresentou, de 1998 a 2002, uma variação de preço entre US$ 20 e US$ 40 por quilo, o que
induz um grau variável de lucratividade, parâmetro
crítico para que o processo de reciclagem se torne
viável do ponto de vista econômico.
A figura 4 demonstra uma estimativa do número de baterias de íons de lítio disponíveis para a re-
O MAIS LEVE DOS METAIS
O nome do elemento químico lítio – do grego, lithos (pedra) – deve-se
ao fato de, ao ser descoberto, ter sido considerado exclusivo do reino
mineral. Mais tarde, foi detectado em plantas e organismos animais.
Seu símbolo é Li, e pertence ao grupo 1 da tabela periódica, sendo
um dos metais alcalinos. É o metal mais leve conhecido –densidade
0,53 g/cm3, enquanto a da água é 1 g/cm3 –, perfazendo cerca de
0,002% em peso da crosta terrestre.
Ele foi descoberto em 1817 pelo químico sueco Johan August
Arfwedson (1792-1841) na petalita, mas também aparece em outros
minerais, como o espodumênio, lepidolita, ambligonita e trifilita, em
quantidades economicamente viáveis. O lítio foi isolado pela primeira vez em grande quantidade, em 1855, pelo químico alemão Robert
Wilhem Bunsen (1811-1899).
O hidróxido, carbonato ou sulfato de lítio são os pontos de partida
para a síntese de outros compostos. O hidreto de lítio (LiH), sólido
branco cristalino, é gerador de gás hidrogênio quando tratado com
água. O estearato de lítio, componente de lubrificantes, é também
usado em esmaltes para porcelanas. Os cloretos e brometos são utilizados em sistemas de refrigeração. Sais de lítio – como o carbonato,
Li2CO3 – têm eficaz efeito terapêutico no tratamento do transtorno
bipolar, anteriormente denominado psicose maníaco-depressiva.
7 4 • C I Ê N C I A H O J E • v o l . 3 5 • n º 205
Para o leitor que busca mais detalhes
sobre o tema tratado neste artigo, apresentaremos aqui uma abordagem um
pouco mais técnica sobre a reciclagem
de baterias de lítio, assunto que vem
sendo pesquisado, desde 2000, pelo
Grupo de Reciclagem e de Resíduos do
Departamento de Química Analítica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A ênfase é a recuperação máxima dos
componentes combinada a uma geração
mínima de resíduos finais – tendência
essa observada também em outros centros de pesquisa no mundo.
Os processos já propostos para esse
tipo de reciclagem empregam a dissolução das baterias em ácido clorídrico,
nítrico ou sulfúrico diluídos, seguida de
tratamento químico do líquido ácido e
do processamento do resíduo final.
Em um exemplo típico, utilizando o
ácido nítrico (HNO3, 2 mol/l, 80oC, 2 h),
após a separação do material insolúvel
da bateria, o tratamento subseqüente
– com NaOH (hidróxido de sódio) a uma
acidez (pH) controlada – permite precipitar o cobalto (pH 10). O filtrado final
contém o lítio.
A adição de água oxigenada ao ácido nítrico favorece a solubilização do
cobalto, devido à redução de Co+3 para
Co+2. O rendimento em recuperação combinada de cobalto e lítio chega a 85%
ciclagem até 2004 nos Estados Unidos. As baterias
de lítio são essencialmente processadas em dois países: Canadá e Estados Unidos.
A reciclagem de uma bateria primária de lítio
apresenta risco em função da possibilidade de fogo
e explosão devido ao lítio e ao solvente não aquoso.
Tentativas de abri-las podem expor as baterias à umidade do ar, provocando reações violentas. Na etapa
crítica de abertura mecânica da pilha (trituração,
moagem), os processos empregam o elemento químico argônio na forma líquida ou fornos com alta
taxa de ventilação. Na Europa, ainda não se tem um
processamento efetivo dessas baterias.
As baterias secundárias de lítio são as mais empregadas nos estudos de reciclagem (ver ‘Processos
empregam dissolução em ácidos’).
PRIMEIRA
Baterias usadas
DISSOLUÇÃO EM ÁCIDOS
em peso. Ao se adicionar nitrato de lítio
(LiNO3) à solução – para se obter uma
razão atômica Li/Co de 1 para 1, seguido de ácido cítrico (o mesmo das frutas
cítricas) –, obtém-se a precipitação de
um gel que, calcinado a 950o C por 24 h,
produz óxido de cobalto litiado (LiCoO2),
com área superficial e tamanho de partícula adequados ao emprego como
catodo de futuras baterias.
Já o fluxograma da figura 5 ilustra
um processo que emprega o ácido clorídrico. O solvente orgânico (N-metilpirrolidona) separa o alumínio e o cobre
(elementos de composição estrutural da
bateria) do cobalto, do lítio e do carbono antes da dissolução em ácido, o que
poupa este último e reduz muito a geração de resíduos. A concepção do processo é bastante simples.
Em outra proposta, optou-se por dissolver todo o lítio e o cobalto nesse ácido (4 mol/l, 80oC, 1 h), seguido de extração do cobalto com agente complexante
dissolvido em querosene. Na seqüência, o tratamento da solução orgânica
contendo cobalto com ácido sulfúrico
(H2SO4) permite que o metal retorne ao
meio aquoso. O produto final é o sulfato de cobalto (CoSO4).
A solução contendo lítio é concentrada por evaporação, obtendo-se um precipitado de Li2CO3 mediante adição de
LINHA
Aparas de aço
Trituração e peneiramento
N-metilpirrolidona, 100°C, 1h
Aparas de
alumínio e cobre
(a) Filtração
(b) Destilação do solvente
N-metilpirrolidona
(solvente orgânico,
reciclado)
Óxido de lítio-cobalto (LiCoO2) e carbono em pó
Ácido clorídrico (HCI)
4 mol/l, 8o°C, 1h
Carbono em pó
Filtração
Solução de íons-cobalto (Co2+)
e lítio (Li+)
Hidróxido de
sódio (NaOH)
Hidróxido de lítio (LiOH) +
hidróxido de sódio (NaOH)
Filtração
em solução
Hidróxido de cobalto (Co(OH)2)
precipitado
solução saturada de carbonato de sódio
(Na2CO3, a 100oC), em que a solubilidade do carbonato de lítio é a menor possível em água. De um modo geral, o
eletrólito – o segundo componente mais
valioso de uma bateria de lítio – é
destruído nas etapas de isolamento dos
metais presentes nas baterias.
Menos resíduos
O processamento de baterias usadas de lítio deve
obedecer a duas condições: a) recuperação maximizada dos componentes de valor do produto usado;
b) tratamento de materiais não recuperados para
obter formas seguras de descarte. Em termos ecológicos, impõe-se que, no futuro, as baterias sejam o
mais recicláveis possível, reduzindo a pressão por
fontes naturais.
O processamento da bateria de lítio é relativamente simples devido essencialmente à química
bem diferenciada de seus componentes. Apesar disso, acredita-se que não se esgotou o rol de possibilidades para estabelecer novos processos de recuperação de componentes dessas baterias. Por exemplo, extrações em fase sólida – que dispensam a dis-
Figura 5. Fluxograma
básico de recuperação
do cobalto, do
carbono e do lítio de
baterias usadas
solução da bateria em meio ácido – e agentes complexantes – que favorecem a solubilização seletiva
de metais – estão em curso em vários laboratórios,
o que proporciona a geração de menos resíduos.
O tratamento dos resíduos inclui o gerenciamento do flúor – grave poluente ambiental – presente na
formulação do eletrólito, o que vem estimulando a
substituição desse elemento químico por polímeros
sólidos condutores. Isso tem levado ao desenvolvimento das chamadas baterias de lítio-polímero, que
armazenam até 50% mais energia que as baterias
de íons lítio. Além disso, quando comparadas a estas últimas, são mais leves, têm vida útil até duas
vezes maior e não contêm líquidos – onde se localiza o eletrólito –, dispensando, assim, blindagem
metálica, bastando um invólucro plástico.
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junho de 2004 • CIÊNCIA HOJE • 75
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