A geometria e o pensamento de Hobbes

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A geometria e o pensamento de Hobbes
David Emanuel de Souza
Coelho
Mestrando em Filosofia pela
UFMG
Bolsista CAPES
[email protected]
Palavras-chave
Thomas Hobbes, Geometria,
Filosofia geométrica, Filosofia
moderna.
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Uma característica importante, mas pouco estudada, da filosofia
moderna é a presença da geometria. Podemos ver uma valorização
fundamental dada a ela por diversos autores ao longo do período
entre o século XVI e XVII.
O início da modernidade é um período de profundas transformações sociais e, logo, intelectuais. A decadência do sistema feudal,
o avanço da urbanização e o renascimento propiciam alterações
profundas no modo de compreensão do mundo. Antigos sistemas
intelectuais entram em crise, levando os intelectuais a se defrontarem com inúmeros problemas.
Certamente, um dos fatos mais marcantes dessa crise é o declínio
do sistema teológico medieval, o que, do ponto de vista institucional, ocorre de modo intrínseco à crise da escolástica. O fundamento
de tal crise está no distanciamento do pensamento escolástico da
nova dinâmica social.
Em um primeiro momento, tal crise é explicitada pelo movimento
humanista, espinha dorsal do renascimento. Ali, as especulações
e o linguajar tecnicista da escolástica são criticados e perdem sua
legitimidade. Os humanistas apontam, sobretudo, a distância do
pensamento escolástico da realidade social, dos problemas humanos
concretos. A rejeição da escolástica, pelos humanistas, é feita, essencialmente, em prol de uma valorização do espírito racional e imanente, contra a mistificação e a filosofia ociosa. Contudo, o processo
histórico levou à superação do próprio humanismo renascentista.
A posição humanista era fortemente antropocêntrica e desconsiderava a investigação do mundo em sua concretude própria em
prol de uma investigação pautada pelo mundo enquanto visto
pelo ser humano. Por isso, o humanismo era fortemente centrado
no conhecimento livresco, pautado na tradição histórica e social
da humanidade. A modernidade, porém, demandava conhecer o
mundo por ele mesmo, pondo de lado o antropocentrismo em prol
de um saber objetivo.
Durante a idade média ocidental, o estudo da geometria foi menos
intenso do que tinha sido durante a antiguidade. No renascimento,
porém, ocorre uma retomada da pesquisa geométrica, alavancada,
sobretudo, pela reintrodução de textos de grandes geômetras e a
consequente adoção da geometria nas grades curriculares.
No fim do renascimento, a geometria já alcançava um papel central na vida científica da Europa. Seu amplo uso na arquitetura,
na engenharia, na balística e na astronomia a tornava o esteio do
processo científico. Podemos considerar, por exemplo, o quanto a
geometria foi usada por Leonardo Da Vinci, tanto em atividades
científicas, quanto no domínio estritamente artístico. Enquanto no
início do renascimento as ciências literárias – como, por exemplo,
a hermenêutica – possuíam o papel de primazia, no fim dela, e início da modernidade, é a geometria quem assume tal protagonismo.
Em uma situação de decadência da teologia escolástica e de questionamento do humanismo renascentista é compreensível a força
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de atração da geometria sobre diversos pensadores, sobretudo ao
considerarmos o anteriormente exposto sobre sua relevância. Nesse
aspecto, não será fortuito o uso disseminado da geometria através
das mais diversas apropriações filosóficas. Entre tais apropriações
estão destacadas, sem dúvidas, as de Hobbes e Descartes.
Hobbes e Descartes possuem algumas semelhanças. Ambos possuíam dedicação à matemática, ambos eram críticos do humanismo
renascentistas, ambos faziam investigações físicas e, do ponto de
vista filosófico, ambos tinham uma temática se não igual, ao menos comum em alguns pontos.
Hoje, o filósofo inglês é mais conhecido por suas contribuições no
campo da política do que por suas investigações matemáticas ou
físicas. Contudo, Hobbes era considerado um importante matemático em sua época, tendo seu trabalho sido bem reconhecido por seus
contemporâneos, sobretudo os pertencentes ao círculo de Mersenne.
No entanto, sua recusa em aceitar a algebrização da geometria e
seu fracasso em provar a quadratura do círculo conduziram à perda de seu prestígio entre a comunidade intelectual. (MARTINICH,
1999) O resultado é a irrelevância das contribuições hobbesianas à
história da matemática.
Descartes, ao contrário, passou à história enquanto um dos desenvolvedores da geometria analítica, constituindo o eixo das abcissas,
o qual ganhou justamente o nome de eixo cartesiano. Ou seja, ao
contrário da posição de Hobbes, o filósofo francês não apenas aceitou o processo modernizador de algebrização da geometria, como
também ajudou em seu desenvolvimento.
Descartes também fazia parte do círculo de Mersenne e foi através
dele que estabeleceu contato com Hobbes, um contato desde cedo
tenso e o qual possuiu escassos encontros pessoais. Desde muito
cedo, Descartes rejeitou o materialismo hobbesiano, enquanto o autor do Leviatã rechaçava o dualismo cartesiano e seu cogito. (IDEM,
1999) Certamente, o maior momento da expressão desta dupla
antipatia foi a resposta do inglês às meditações metafísicas, com a
subsequente réplica do francês.
Contudo, ambos concordavam na rejeição do humanismo renascentista. A cultura livresca e o antropocentrismo eram rechaçados
em nome de uma racionalização objetivista e pautada no conhecimento do mundo concreto.
Assim, Descartes efetua sua crítica ao humanismo renascentista
mediante a destituição da racionalidade pragmática, própria a ela,
e a instituição de uma razão abstrata, distinta do mundo concreto e
expressa pelo eu puro.
O “Discurso do Método” é um lugar onde encontramos explícita a
posição crítica de Descartes. Contudo, de modo implícito, também
encontramos a crítica ao humanismo renascentista nas “Meditações
Metafísicas”. Nas meditações é possível perceber a destituição do
saber pragmático enquanto saber válido, quando o mundo social e
concreto é posto em suspensão pela dúvida cartesiana. A racionalidade é descoberta como sendo uma instância pura do eu, anulando
a concepção renascentista de uma razão encarnada.
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O caminho de Hobbes será diferente. Não aceitando a dualidade
cartesiana, o filósofo inglês tentará estabelecer uma filosofia plenamente materialista. Porém, tal materialismo terá a característica de
ser um materialismo plurívoco, com distinções ônticas.
Hobbes também solapará o humanismo renascentista atacando sua
concepção de racionalidade. No entanto, ao contrário do filósofo
francês, ele não instituirá uma razão abstrata, fincada no eu puro,
mas uma razão material, embora na dimensão “menos material” da
existência: a linguagem.
Para Hobbes, a racionalidade é a articulação entre nomes. Contudo,
não se trata da linguagem natural, mas de uma linguagem reduzida
ao cálculo. Sobre isso, no entanto, falarei mais à frente. Agora, o
importante é reter, de modo geral, a natureza da razão para Hobbes
em sua perspectiva de questionamento da tradição renascentista.
A igualdade entre língua natural e racionalidade era um dos pontos
fundamentais do humanismo renascentista. Nesse aspecto, falar e
pensar eram o mesmo. Apesar de Hobbes manter a simetria entre
linguagem e razão, não se trata mais da linguagem expressa na
fala ordinária. Por isso, o filósofo inglês opera uma artificialização
da linguagem, rompendo com um dos aspectos da racionalidade
pragmática renascentista.
Além disso, Hobbes dissocia a razão da prudência. A prudência,
para o filósofo, é o acúmulo de conhecimento meramente por via
da sensação, sem transpor tal conhecimento ao plano da razão, ou
seja, sem reduzi-lo à linguagem. A prudência não possui natureza
racional, sendo apenas uma projeção fundamentada no conhecimento já adquirido. (LEVIATHAN, 2012, 42-44)
Outro ponto que aproxima Descartes e Hobbes é o uso da geometria de modo filosófico.
No pensamento cartesiano, a geometria aparece enquanto método,
uma forma auxiliar de condução do processo cognitivo. A substancialização disso aparece nas quatro regras do método expostas no
“Discurso sobre o Método”.
Ora, mas o que é o método? Em termos gerais, podemos dizer que
o método é um conjunto de procedimentos e regras orientadoras do
processo de apreensão do conhecimento. O método, portanto, tem
uma relação intrínseca com apreender o conhecimento. A discussão
do método emerge no renascimento enquanto debate pedagógico.
Tratava-se de ter o melhor meio para aprender com eficiência uma
determinada arte. Poupar tempo era vital para os renascentistas,
premidos por uma sociedade acelerada e competitiva. A partir daí,
a discussão sobre o método é deslocada ao âmbito da lógica e chega à filosofia, sobretudo através de Descartes.
Talvez devido a essa natureza da geometria no pensamento cartesiano, há uma intepretação semelhante da geometria no pensamento de Hobbes. Porém, há um problema em tal concepção, pois não
apenas o método possui outro sentido para o filósofo inglês, distinto do cartesiano, mas também a geometria tem um aspecto mais
amplo em seu pensamento.
Ao contrário de Descartes, Hobbes não possui um debate exaustivo
sobre o método. Para ele, existem vários métodos e cada um deles
possui uma função subordinada, não se projetando à parte do “sis-
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tema” filosófico. O método é, essencialmente, um caminho para o
desdobramento da razão, sendo, no limite, os próprios movimentos
da razão, e não um conjunto de regras extrínsecas a serem impostas a ela:
Para o entendimento do método, serão necessário para mim
repetir a definição da filosofia, dada acima (Cap. 1, art. 2)
nesta maneira, Filosofia é o conhecimento que nós adquirimos,
por raciocínio verdadeiro, das aparências, ou efeitos aparentes,
para o conhecimento que nós temos de alguma possível produção ou geração do mesmo; e desta produção, como tem sido ou
pode ser, do conhecimento que nós temos dos efeitos. Método,
portanto, no estudo da filosofia, é o caminho mais curto para
encontrar efeitos por suas causas conhecidas, ou das causas
por seus efeitos conhecidos. (ELEMENTS OF PHILOSOPHY, THE
FIRST SECTION, CONCERNING BODY, 1997, 65-66)
Método, portanto, é o caminho tomado pelo conhecimento em seu
processo de compreensão, não é um conjunto de regras pré-determinadas a serem seguidas, como é o caso em Descartes. O método
está dividido em dois tipos justamente pela dupla natureza do
movimento gnosiológico, o qual pode ser feito partindo das consequências aos antecedentes ou dos antecedentes às consequências.
No primeiro caso, temos o movimento analítico e, no segundo, o
movimento sintético, resultando nos métodos analítico e sintético.
Os primeiros princípios, portanto, do conhecimento, são os
fantasmas de sensação e imaginação; e que haja tais fantasmas
nós sabemos muito bem por natureza; mas, para saber por que
eles existem, ou de quais causas eles procedem, é o trabalho
do raciocínio. O qual consiste (como dito acima, no primeiro
capítulo, Art. 2) em composição e divisão ou resolução. Não há
método, pelo qual nós encontramos as causas das coisas, que
não seja ou compositivo ou resolutivo, ou parcialmente compositivo, ou parcialmente resolutivo. E o resolutivo é comumente
chamado método analítico, assim como o compositivo é chamado método sintético. (IDEM, 66)
O movimento dos fantasmas constitui uma cadeia mental. Para
Hobbes, existem dois tipos de cadeias mentais: com desígnio e sem
desígnio. As cadeias mentais com desígnio são exatamente as divididas em movimento sintético e analítico, enquanto o movimento
da cadeia sem desígnio são as presentes em sonhos e devaneios.
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Esta cadeia de Pensamentos, ou Discurso Mental, é de dois
tipos. O primeiro é não guiado, sem Desígnio e inconstante; Em
que não há Pensamento Apaixonado para governar e dirigir os
que seguem para ele mesmo como sendo o fim e o escopo de
algum desejo ou outra paixão: Neste caso, os pensamentos são
ditos dispersos e parecem impróprios um ao outro, como em
um Sonho. Estes são Comumente os pensamentos dos homens
que não apenas estão sem companhia, mas também sem preocupação com alguma coisa; (...)
O segundo é mais constante; como sendo regulado por algum
desejo e desígnio. Pois a impressão feita por estas coisas que
desejamos ou tememos é forte e permanente, ou (se ela cessa
por um tempo), de rápido retorno: tão forte ela é algumas
vezes que impede e interrompe nosso sono. Do Desejo provém
o Pensamento de alguns meios que vimos produzir o mesmo
deste que nós visamos; e do pensamento disto, o pensamento dos meios para aquele meio; e assim continuamente até
chegarmos para algum começo sob nosso próprio poder. (...)
(LEVIATHAN, 2012, 38-40)
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O problema da compreensão do método geométrico em Hobbes
é a posição de uma geometria “estática”, vendo a geometria pela
visão cartesiana de regulação. Contudo, é possível falarmos de um
método geométrico em Hobbes, mas caso consideremos o modo
de apropriação da geometria por ele. Para compreendermos isso, é
preciso antes considerarmos um pouco a natureza da geometria.
A geometria é fundada sobre dois pilares: axiomas e derivações.
Os axiomas são os princípios fundamentais que servirão de base
para os movimentos demonstrativos. Tais movimentos serão as derivações, as quais constituirão os diversos elementos da geometria.
Cada elemento geométrico possui sua própria legalidade, fundada
na legalidade geral dos axiomas e ganhando caráter específico por
sua natureza particular. A relação entre axiomas e derivações leva à
possibilidade da constituição de um número imenso de elementos no
interior da geometria, bastando encontrar o caminho demonstrativo.
Tais características da geometria levam a algumas qualidades próprias dela. A primeira delas é o seu caráter construtivista. Cada
elemento geométrico é fruto de um processo construtivo o qual
gera o elemento e sua legalidade.
A segunda é a natureza individualizante da geometria, pois ela é
congregação de diversos elementos particulares. Cada figura geométrica é uma unidade, ligada às outras por uma relação de propriedades.
Ao mesmo tempo, porém, existe uma universalidade na geometria,
onde os axiomas e os elementos acabam gerando outros elementos
e transmitindo sua legalidade. Com isso, temos o estabelecimento
de uma relação genética, onde a legalidade de uma figura leva à
instauração de outra figura, mas que suprassumi a legalidade anterior. Ou seja, a absorve e a supera. Desse modo, “(...) uma linha
é feita pelo movimento de um ponto, superfícies pelo movimento
de uma linha, e um movimento por outro movimento, etc.” (ELEMENTS OF PHILOSOPHY, THE FIRST SECTION, CONCERNING
BODY, 70-71). Porém, a linha possui uma legalidade distinta do
ponto, embora também possua a legalidade do ponto. Do mesmo
jeito, o quadrado com relação à linha e ao ponto, e o cubo com
relação ao quadrado, à linha e ao ponto.
Ora, tal movimento é dialético. O universal são as relações que
instituem uma estrutura geral, a própria geometria, a qual, porém,
existe apenas enquanto uma série de figuras particulares. Existe,
portanto, uma dialética entre universal e particular na geometria,
pautada pelo movimento de geração dos elementos e pelo consequente estabelecimento de relações.
A geometria se constitui, assim, enquanto uma forma racional pautada no construtivismo, na singularidade e na dialética universal/
particular. A instância central por onde passa essa dinâmica da
geometria é o cálculo, que é justamente a demonstração e a construção de figuras a partir dos elementos internos à geometria.
Essas características da geometria nos levam a visualizar uma forma de movimento imanente a ela. Este movimento é o próprio processo construtivista e a relação dialética.
Ora, ao considerarmos o movimento do conhecimento, percebemos
sua semelhança com a dinâmica geométrica. Cada fantasma ocupa
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o papel de um elemento do conjunto da cadeia, se articulando aos
demais e formando um encadeamento dialético, onde a cadeia possui a natureza universal, mas fundada em entidades de natureza estritamente particular. Deste modo, se constitui o movimento mental.
Na geometria também é possível haver dois tipos de movimentos.
Um, partindo das entidades derivadas até os axiomas e outro dos
axiomas às demonstrações. Assim, há nela um duplo movimento
analítico e sintético, do mesmo jeito que no movimento mental
preconizado por Hobbes.
Assim, é possível falar de método geométrico em Hobbes, mas não
enquanto um conjunto de regras para o conhecimento, mas, antes,
enquanto o próprio movimento progressivo do conhecimento.
Contudo, a geometria possui um papel bem mais amplo para Hobbes, não se restringindo ao método.
Voltemos à consideração da racionalidade. Como disse, para Hobbes a razão é articulada com a linguagem, embora não seja essa
a linguagem natural, mas sim a linguagem artificial, pautada pelo
cálculo. O cálculo, como expus, é um articulador fundamental da
geometria. Na racionalidade, ele será expresso pela articulação
entre nomes.
(...) nós podemos definir (isto é, determinar) o que isto é, o que
é significado pela palavra Razão, quando nós a reconhecemos
entre as Faculdades da mente. Pois Razão, neste sentido, é
nada mais do que Computação (isto é, adição e subtração)
das Consequências dos nomes gerais previamente acordados
como marcando e significando nossos pensamentos. Eu digo os
marcando quando nós computamos por nós mesmos; e significando quando nós demonstramos ou apresentamos nossos
cômputos para outro homem. (...)
Quando um homem raciocina, ele não faz mais do que conceber
uma soma total a partir da Adição de parcelas; ou conceber um
Resto, da Subtração de uma soma para outra. O que (se é feito
por Palavras) é concebido da consequência dos nomes de todas
as partes para o nome da totalidade; ou, dos nomes do todo e
uma parte para o nome de outra parte. (LEVIATHAN, 2012, 64).
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A linguagem, portanto, é reduzida ao cálculo sendo este a articulação entre nomes, os quais são os cômputos, do mesmo jeito os
elementos da geometria são os cômputos dela.
Na mesma linha do discurso mental, há também na razão um duplo
movimento, indo das consequências aos antecedentes ou destes às
consequências. Ou seja, há também aqui os movimentos analíticos e
sintéticos, nomeados, no entanto, de subtração e adição, isto porque
o movimento da razão é um movimento próprio de calcular, pois é
baseado em símbolos, enquanto o movimento mental é a-simbólico.
Neste aspecto, podemos falar de uma racionalidade geométrica,
onde não só entra o processo do movimento geométrico, mas também o próprio uso do cálculo simbolizado.
A geometria também está presente nas considerações ontológicas
de Hobbes.
Para Hobbes, o mundo material é constituído por uma articulação
entre causas e efeitos, Contudo, essa articulação se dá de modo
geométrico e não meramente linear. Isso faz com que a articulação
dos elementos gere um movimento plurívoco. Ao invés de termos
uma longa fileira de elementos apenas justapostos, temos um pro-
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cesso de ramificação, onde uma causa gera uma série de efeitos,
em proporção geométrica. Este ponto fica claro quando Hobbes, no
De Corpore, apresenta a articulação geométrica do conhecimento a
respeito do mundo.
por esta razão que o princípio da política consiste no conhecimento dos movimentos da mente, e o conhecimento desses
movimentos do conhecimento de sensação e imaginação;
mas mesmo aqueles que não aprenderam a primeira parte da
filosofia, nomeadamente, geometria e física, podem, contudo,
compreender os princípios da filosofia civil, pelo método analítico. Pois se uma questão pode ser proposta, como, se algum
tipo de ação é justo ou injusto; se este injusto é resolvido em
fato contra lei, e que esta noção lei dentro do comando deste
ou daquele que tem poder coercivo; e que poder é derivado
das vontades do homem que constitui este poder, para o fim
que eles possam viver em paz, eles podem ao fim chegar a
isto, que os apetites do homem e as paixões de suas mentes
são tais, que, a mentos que eles sejam restringidos por algum
poder, eles sempre estarão fazendo guerra sobre o outro; o
que pode ser conhecido pela experiência de qualquer homem,
que irá senão examinar sua própria mente. E, logo, disso ele
pode proceder, computando, para a determinação da justiça ou
injustiça de qualquer ação proposta. Então, é manifesto, pelo o
que foi dito, que o método da filosofia, para este que busca a
ciência simplesmente, sem propor a solução para si mesmos de
qualquer questão particular, é parcialmente analítica e parcialmente sintética; nomeadamente, isto que procede da sensação
para a invenção de princípios, analítico; e o resto sintético.
(HOBBES, 1997a, 74-75)
O conhecimento possui uma articulação geométrica, articulando
diversos níveis estruturais, de naturezas diferentes. Mas isso só é
possível porque o próprio mundo é assim organizado, estruturando um encadeamento de diversas instâncias ônticas. Assim, por
exemplo, como é exposto na passagem, há uma articulação entre o
movimento dos desejos humanos e a instituição da sociedade civil,
embora haja uma diferença ôntica entre a instância dos desejos
humanos e a instância do mundo político.
Essa característica da cadeia causal permite a instauração da pluralidade ontológica, quebrando a monotonia mecanicista. As cadeias
passam a ser, nessa perspectiva, não uma rígida concatenação de
ação e reação, mas uma frutífera reprodução de elementos. Essa
característica do encadeamento tornará possível a instauração de
níveis ônticos diferentes, isto é, a passagem do nível puramente
físico para o nível biológico; depois, deste para o nível antropológico; e, finalmente, a instauração no interior da humanidade do
estado social. A natureza do movimento também sofre mudanças à
medida que se muda o nível ôntico, ganhando características próprias a cada nova dimensão.
Assim, podemos identificar a presença da dialética própria à geometria
também no nível da materialidade ontológica, articulando um encadeamento entre elementos com naturezas diferentes e específicas.
A geometria, portanto, possui para Hobbes um aspecto de articuladora do pensamento filosófico, indo muito além de um mero auxiliar metódico. Em um cenário histórico de crise intelectual e ausência de parâmetros, a apropriação da geometria significou, para o
filósofo inglês, o encontro de um efetivo fio condutor.
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Bibliografia
DESCARTES, R. Discurso sobre o Método. Trad. de J. Guinsburg e
Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
______. Meditações Metafísicas. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
HOBBES, T. Elements of Philosophy, The First Section, Concerning
Body. Londres: Routledge, 1997a
______. Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 2012.
MARTINICH, A. P. Hobbes: a biography. Cambridge: Cambridge
University Press, 1999.
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