Estado de Direito Social Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2

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Estado de Direito Social
Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5494
Vinício C. Martinez
Doutor em Educação pela USP
RESUMO: O texto procura tratar das principais fases históricas que deram origem ao
Estado de Direito Social, além de apontar o perfil geral deste tipo de Estado no Brasil,
especialmente dos anos 30 aos 90, quando se acentua dramaticamente sua derrocada. O
texto, portanto, propugna por uma idéia bastante geral e ampla, acerca do conceito. Por fim,
veremos que hoje nós temos um tipo de Estado Neoliberal, pois houve uma retomada de
aspectos tacanhos, anacrônicos, limítrofes do antigo Estado Liberal (marcado pelo clássico
liberalismo econômico) e a total subsunção da mais destacada característica do Estado de
Direito Social, que era a salvaguarda dos direitos sociais e econômicos (1).
Palavras-chave: Estado de Direito Social; Estado-Empresa; socialismo; capitalismo.
Sumário: 1. História e tremores do Estado de Direito Social; 2. O Estado Social no Brasil;
3. Do Estado Social ao Estado Democrático.
História e tremores do Estado de Direito Social
O Estado de Direito Social é uma fase, ou melhor, é o resultado de uma longa
transformação por que passou o Estado Liberal clássico e, conseqüentemente, é parte do
curso histórico Estado de Direito, quando incorpora os direitos sociais para além dos
direitos civis. Por este motivo, ao longo do texto, preferimos utilizar a expressão conjugada
Estado de Direito Social, uma vez que em si traz esses sentidos.
Historicamente, o Estado de Direito Social é um modelo que nasce em meio à
contradição histórica, pois se afirma em três experiências políticas e institucionais
diferentes (dissonantes ou até mesmo opostas) e tem como resultado direto a produção de
três documentos também diversos entre si, mas complementares e de grande consonância.
Portanto, é claro como desde a origem a dinâmica histórica é contraditória, mas
apresentando resultados complementares. Os momentos históricos mencionados são a
Revolução Russa de 1917, a reconstrução da Alemanha após a Primeira Guerra e a
Revolução Mexicana e suas conseqüências (como a fundação do PRI – Partido
Revolucionário Institucional).
Já os três documentos resultantes são: a Constituição de Weimar de 1919 (um ícone
social-democrático); a Constituição Mexicana de 1917 e a Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado, na Rússia revolucionária (socialista), de 1918. E assim definemse, constitucionalmente, os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais
da pessoa humana, sob a proteção do Estado. Desta fase em diante, pode-se dizer que
estão dadas as bases do garantismo social: o Estado como provedor de garantias
institucionais aos direitos sociais e trabalhistas – portanto, com um perfil fortemente
marcado pelo protecionismo social.
Implicitamente, também vimos que o Estado Social nasce em função do socialismo
e é por isso que se diz que tanto o ataca (no Ocidente) quanto o defende (nas principais
experiências socialistas após 1917). Para efeito didático, vamos chamar de Estado Social
Ocidental aquele modelo que defende as linhas mestras do capitalismo e para tanto
considera apropriado constituir e defender alguns direitos trabalhistas, entendendo-se que o
"trabalhador assalariado é o principal consumidor da própria mercadoria por ele produzida"
e isso também afastaria o "fantasma do socialismo (3)" (especialmente dos anos 50 até o
final da década de 70 e 80) porque, mais satisfeito economicamente, o trabalhador mostrase mais acomodado politicamente (4).
(2)
Então, como parte dessa relação dialética, histórica e contraditória, devemos notar
que há ainda um outro pólo ideológico: o Estado Social Oriental (socialista) em que o
desenvolvimento dos direitos sociais e trabalhistas fundamentais serve-lhe de empuxo para
se distanciar ideologicamente do modelo capitalista (esse artefato estatal vigora até os
abalos provindos da Perestroika e da Glasnost – Abertura e Transparência -, e culminando
na queda do Muro de Berlin). Porém, sem que se tivesse proposto claramente a alternativa
do socialismo, o Estado Social permaneceu limitado e definido como um simples modelo
avançado do Estado Capitalista. Portanto, não se confirmou como real alternativa ao
liberalismo que se propusera substituir, e basta lembrar do advento fulgurante do chamado
neoliberalismo e da globalização ou internacionalização do capital financeiro. Um bom
resumo dessa articulação entre protecionismo econômico e desenvolvimento dos direitos
sociais, mediante a aplicação de políticas públicas específicas, é dado por Bonavides:
Quando
o
Estado,
coagido
pela
pressão
das
massas,
pelas
reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político,
confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho,
da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita
o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego,
protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria,
controla as profissões, compra a produção, financia as exportações,
concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades
individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as
classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e
social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que
dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual,
nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de
Estado social (p. 186).
Assim, o Estado Social nasce na década de 1920 – como uma resposta, retaliação
burguesa, oportunista e conservadora ao incremento dos movimentos sociais – e tem seu
término selado nas décadas de 70 e 80, lembrando-se que a crise do Petróleo, com o
aumento brusco em pouco tempo (amplamente referendado pela OPEP), só contribuiria
para o agravamento desta crise. Portanto, forma-se, do ponto de vista jurídico
(constitucional), a partir de 1917, mas passa a atuar como regulador e interventor
mais assíduo na área econômica na década de 30, a fim de se evitar outra quebra da
economia.
Considerando-se o próprio Estado Social nesta mão-dupla ideológica, nesta
dubiedade, é possível confirmar que com o socialismo tanto se afirmam os direitos sociais e
trabalhistas, quanto há uma verdadeira torrente de resistência ocidental às reivindicações
populares e progressistas provindas do Leste Europeu. Mas, não se deve esquecer que o
Estado do Bem-Estar Social europeu será forçado pela mesma corrente social que animaria
os países socialistas. É de se frisar, então, que no centro de ambos os contextos estão os
direitos sociais, mas utilizados de maneira claramente oposta e como armas ideológicas.
Mas, se o Estado de Direito Social surge em meio a esse turbilhão ideológico em
que se debatem concepções e ideologias tão divergentes e opostas, também devemos notar
que se trata de acerto de contas com o liberalismo tradicional e elitista, ou seja, de qualquer
modo, o Estado de Direito Social expressará o clamor social pelas garantias e cumprimento
dos direitos sociais. Assim, ainda que sirva de aparato ao avanço progressivo da onda
socialista, o Estado de Direito Social será de certa forma popular, pois enunciará na lei
algumas necessidades e demandas públicas e sociais. Como indica Bobbio:
Da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a
prática liberal do Estado é que nasceram as exigências de direitos
sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o
indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos
regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da
tradição liberal do século XIX (...) Liberalismo e igualitarismo deitam
suas
raízes
em
concepções
da
sociedade
profundamente
diversas:
individualista, conflitualista e pluralista, no caso do liberalismo;
totalizante, harmônica e monista, no caso do igualitarismo. Para o
liberal, a finalidade principal é a expansão da personalidade individual,
abstratamente considerada como um valor em si; para o igualitário, essa
finalidade é o desenvolvimento harmonioso da comunidade. E diversos são
também os modos de conceber a natureza e as tarefas do Estado: limitado e
garantista, o Estado liberal; intervencionista e dirigista, o Estado dos
igualitários (2000, p. 42).
Até 1930, pode-se dizer que vigorava o receituário liberal clássico, do deixe fazer,
deixe passar, sem grandes intervenções estatais na produção e na circulação de bens,
produtos e mercadorias e que, após os anos 30, o Estado fraco tende a se fortalecer e, já
como Estado forte (no tocante à intervenção na economia), irá pautar o processo capitalista
em novas bases do próprio Estado de Direito. Neste marco histórico, o Estado de Direito
agirá como produtor jurídico a fim de melhor organizar e defender o próprio sistema
capitalista. Em geral, pode-se dizer que nasce sob forte pressão popular (movimentos
socialistas), mas tem o firme propósito de legitimar e dar continuidade ao sistema
capitalista.
Em outros termos, o Estado de Direito Social será o esteio jurídico do capital
nacional e internacional, rompendo-se este liame somente durante a Segunda Guerra (19391945), e assim notaremos a ação do Estado mais fortemente marcada durante todo o
período da Guerra-Fria: uma válvula de escape para as pressões sociais. Um momento da
história em que era preciso uma transformação profunda do Estado de Direito a fim de que
não mais se justificasse um regime de exceção como foi o nazismo, e o caminho apontado
foi a positivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Quanto a esta perspectiva humanitária, um passo importante para além das
limitações jurídicas típicas do liberalismo clássico, na década de 40, foi formação da
Organização das Nações Unidas (ONU – a 24 de outubro de 1945): como indicativo de que
os direitos humanos deveriam reger as relações políticas, internas e externas (5). Em
seguida, em 1948, proclamou-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que veio
assegurar os direitos sociais e corroborar o fluxo civilizatório que se impôs com o final da
2ª Guerra Mundial – e ainda que estivesse em pleno curso o nefasto período da Guerra Fria.
É preciso reforçar que os direitos sociais são histórica e ideologicamente socialistas,
inclusive porque a lógica coletivista/organicista, que lhe é implícita, desafia o ritmo da
apropriação individual do capital. Aqui é dado um passo além das conotações jurídicas do
liberalismo porque, ao invés de se premiar o esforço ou o desempenho individual - a
exemplo do direito à propriedade - gratificam-se as necessidades e as demandas sociais,
públicas, coletivas, como quer o direito à educação.
A Constituição Alemã de 1949 (Lei Fundamental da República Federal da
Alemanha), logo na introdução, seria muito específica (explícita) em suas intenções e por
isso afirmaria logo de início que o Estado de Direito seria democrático e social:
A Lei Fundamental constitui a base para o desenvolvimento pacífico
e livre do Estado alemão. Os elementos fundamentais do novo estado estão
inequivocamente definidos na constituição: - A República Federal da
Alemanha é um Estado de direito, democrático e social; todo o poder
estatal emana do povo (...) Os autores da Constituição, depois da nefasta
experiência com as violações do direito pelo Estado nacional-socialista,
empenharam-se particularmente em salientar as características dum Estado
de direito (1975, p. IV- VIII).
O mesmo espírito do Estado de Direito do pós-guerra (da necessidade do controle
democrático), portanto, continuaria presente nas décadas seguintes. Depois, em seu artigo
primeiro, a Constituição trataria especificamente da positivação do princípio da dignidade
da pessoa humana:
Artigo 1 (Proteção da dignidade do homem) (1) A dignidade do homem
é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder
público. (2) O Povo Alemão reconhece portanto os direitos invioláveis e
inalienáveis do homem como fundamentos de qualquer comunidade humana, da
paz e da justiça no mundo. (3) Os direitos fundamentais a seguir
discriminados constituem direito diretamente aplicável para os poderes
legislativo, executivo e judicial (1975, p. 06).
E no artigo 20 justificaria ou referendaria, positivando as mesmas intenções quanto
à salvaguarda do Estado de Direito já aventadas em sua introdução:
Artigo 20 (Princípios constitucionais – Direito de resistência) (1)
A República Federal da Alemanha é um Estado federal, democrático e
social. (2) Todo o poder estatal dimana do povo. É exercido pelo povo por
meio de eleições e votações e através de órgãos especiais dos poderes
legislativo, executivo e judicial. (3) O poder legislativo está vinculado
à ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e
ao direito. (4) Não havendo outra alternativa, todos os alemães têm o
direito de resistir contra quem tentar subverter essa ordem (1975, p.
14).
Como vimos, a Constituição Alemã traria (inovando) garantias democráticas ao
Estado de Direito, como normas impeditivas de retorno ao Estado de Exceção. É de se
frisar que se propunha o Estado de Direito fundado na democracia e na previsão
constitucional de ser social, importando assim no desenvolvimento de políticas públicas e
sociais. Esta norma constitucional, por sua vez, ganharia continuidade especial com o Plano
Marshall, o plano de restauração da Europa Ocidental no pós-guerra (6).
De lá para cá, porém, ocorreu um desmanche real nas intenções e nas ações estatais
de cunho social, e que provocaria um processo de soterramento do Estado de Direito Social
com os governos de Ronald Reagan (EUA) e Margaret Tatcher (Inglaterra), iniciando-se no
princípio dos anos 80, pois o socialismo já não era mais uma ameaça e os investimentos nos
equipamentos sociais poderiam ser reduzidos – sem que houvesse uma resistência massiva.
Em 1989 é decretado o documento chamado de Consenso de Washington, em que
se sobrepõe o controle dos gastos públicos a despeito das necessidades sociais e
econômicas.
O Estado Social no Brasil
No Brasil, o Estado de Direito, em 1930, sofre um profundo abalo com o golpe de
Getúlio Vargas e depois, com o Estado Novo (1937-1945), o capitalismo será protegido e
estimulado ainda mais pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1942). Afinal, o
capitalismo necessita de trabalho livre (pois sem salário não há consumo) e esta modalidade
de trabalho e de produção precisa de respaldo jurídico para não regressar às formas de
produção arcaicas (7) – lembremos que, nesta época, 70% da população vivia na área rural.
Assim, o Estado Liberal brasileiro, em vias de se modernizar e se aprofundar na formação
do Estado de Direito Social, tratou de (re)produzir (8) um novo ordenamento jurídico para
que as relações de produção não retornassem às fases anacrônicas, anteriores e contrárias
aos interesses do capital (9).
Como só iniciamos nosso processo de transformação social a partir dos anos 30, é
como se no Brasil houvesse um certo capitalismo tardio (10), porque as bases sociais,
políticas, econômicas, culturais nunca alcançaram com o mesmo fluxo ou no mesmo ritmo
o próprio desenvolvimento das forças sociais e econômicas da produção. Convive, lado a
lado, desde sempre, o arcaico e aquilo que quer florescer, a escravidão e as forças motrizes
da economia que motivaram a expansão do capital para além-mares. Após a Abolição, com
a República que não foi para valer (11) (em que o povo foi apenas convidado para assistir ao
desfile cívico), vimos conviver um capitalismo de alta tecnologia com a miséria humana
absoluta, acostumamo-nos a conviver (adequadamente, sob a lógica do capital, mas de
forma contraditória, sob a ótica da justiça social) no país-continente, de terras e riquezas
sem fim, com os sem-terra, sem-teto, sem-escola, sem-nada.
É como se nossa história republicana ainda fosse um quadro bem definido, pois,
desde que nasceu com uma profunda desconfiança e descrença popular, mostrou-se bem
pouco capaz de sensibilizar a sociedade e os poderes públicos acerca da necessidade, ou
melhor, da urgência em se implantar efetivamente o Estado de Direito – quer fosse em sua
versão limítrofe e própria do Estado Liberal, quer fosse em razão do acréscimo dos
benefícios públicos e gerais ofertados pelo conjunto global dos direitos sociais.
Em outras palavras, no Brasil dos anos 30, com a nossa revolução industrial e
burguesa, sob o comando populista de Getúlio Vargas, inauguramos um regime dúbio: de
um lado, ocorre a cortesia com o povo ao se admitir a prevalência dos direitos trabalhistas
(CLT) e, de outro, há a adaptação da economia capitalista industrial aos interesses da
aristocracia política rural – bem como ao sistema econômico internacional, em vias de se
globalizar. Há um ajuste entre a necessidade de transformação dos meios de produção e as
relações sociais que predominavam naquela fase. Por isso, Getúlio Vargas ainda será
chamado de Pai dos Pobres e de Mãe dos Ricos. A reforma do ensino liderada por
Fernando de Azevedo, agora de caráter gratuito no ensino primário, é outro indicador de
que o capital precisa de mão-de-obra qualificada.
Com isso, o pensamento político também se revigora, e será a década da mais
profícua produção das ciências sociais – é a era da chamada Geração de 30, com destaque
para Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.
Uma síntese das interpretações desenvolvidas por esses autores se encontra nos
seguintes livros: Evolução do Povo Brasileiro, de Oliveira Vianna; Interpretação do Brasil,
de Gilberto Freyre; A Evolução Industrial do Brasil, de Roberto C. Simonsen; Evolução
Política do Brasil, de Caio Prado Júnior; e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de
Holanda. A despeito da ênfase social, econômica, política ou cultural, evidente em cada
um, empenharam-se em apresentar explicações abrangentes, globalizantes (...) suas
interpretações do Brasil tornaram-se paradigmáticas (...) Conservadores, autoritários,
liberais, democratas e socialistas já têm ao seu dispor um esquema básico, uma referência
coerente, um paradigma para pensar e agir. Assim, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de
Holanda, Gilberto Freyre, Roberto C. Simonsen e Caio Prado Júnior adquirem a aura de
clássicos (1994, p. 41).
Em oposição a Getúlio, insurge-se um movimento de resistência liderado pelo PCB
(Partido Comunista Brasileiro), em 1935, no Rio de Janeiro e no Nordeste, denominado de
Intentona Comunista, mas que não logra sucesso. Em relação a este movimento político, é
de se notar a influência do famoso Tenentismo (desde 1922) e da Coluna Prestes (nos anos
seguintes), e agora sob a liderança de Luís Carlos Prestes – em fuga, durante dois anos e
meio, a Coluna percorreu cerca de 25 mil quilômetros.
Em 1941, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Brasil dá um
passo decisivo rumo à industrialização. Nos anos cinqüenta, devemos ressaltar a conhecida
política de substituição de importações em que, à custa do crescimento vertiginoso da
dívida externa brasileira, a base do capitalismo brasileiro é instigada à modernização com a
solidificação da indústria de base, de transformação (metalurgia: a indústria do ferro e do
aço) em contraste com o período anterior (anos 30) em que a produção estava calcada na
manufatura e na monocultura agrícola. Capitaneados por Juscelino Kubitschek e seus 50
anos em 5, com certeza aqui produzimos nosso sonho mais megalomaníaco: Brasília (12).
Com a industrialização também cresce a necessidade de mão-de-obra qualificada,
não bastando que o trabalhador rural viesse a se alojar nos centros urbanos e, por isso, as
reformas educacionais vão acentuar um ensino público, gratuito, obrigatório e suficiente
para tornar aptos aqueles trabalhadores: alfabetizados para assimilar certo Know How, os
trabalhadores mostram-se capazes de operacionalizar as ferramentas, os equipamentos e as
máquinas mais complexas. Nesta fase, a melhor escola é a escola pública.
Nos anos 60, há um arremedo de modernização e democratização das instituições
políticas, com João Goulart retomando alguns temas populistas, mas de qualquer modo foi
um período fortemente estimulado pelas lutas sindicais, estudantis (UNE) e partidárias em
prol do aprofundamento dos direitos sociais. Há muito, as bases do igualitarismo eram
evidenciadas na política externa, com destaque para a Revolução Cubana e as várias
guerrilhas espalhadas pela América Latina, a exemplo de que, anos depois, fariam as FARC
na Colômbia e o movimento Tupac Amaru, no Peru. Como conseqüência, ao invés de
aprofundarmos o Estado Social e a Social-democracia no Brasil, sofremos um revés e, com
o golpe militar de 64, o sonho do igualitarismo social é dizimado nos porões da tortura e do
Estado Social de Exceção.
No Brasil, o período áureo desse Estado Social de Exceção se deu com o chamado
milagre econômico, na década de 1970, mas seu encerramento se dará, definitivamente,
com o primeiro governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) e a era das privatizações
(CSN, Vale do Rio Doce). Além disso, os oito anos de FHC à frente do governo central
sistematizaram o desmanche do suporte popular e a via (ou veia) sindical que é a essência
de toda política social-democracia: quebram-se as pernas do sindicalismo combativo e se
incentivam o sindicalismo de resultados. Deve-se frisar ainda que se acentua o êxodo rural
e a mecanização do campo – o fermento da atual situação de miserabilidade urbana e da
violência no campo (13).
Nos anos 80, além de abdicar da defesa constitucional dos direitos sociais, o
Estado Social também diminuiu bruscamente, continuamente sua participação como agente
de financiamento ou de investimento econômico: o superávit primário, de meio regulador
do orçamento, passaria a instrumento de medição técnica de controle da economia nacional
pelo capital externo. Os países mais pobres são (in)justamente os mais controlados pelas
agências internacionais de regulação da economia global, como o FMI.
Nos anos 90, no Brasil, além da derrocada total do Estado Providência (com o
agravamento substancial da miséria, do desemprego e da violência social), a burocracia
estatal atendeu a mais uma imposição do capital externo e impôs a chamada Lei de
Responsabilidade Fiscal (promulgada em 2000): em que se tem a previsão de que as
políticas públicas sejam controladas com mão-de-ferro para que não se aumente a dívida
nacional – em resumo, o Estado brasileiro abdicou da saúde e da educação para pagar a
dívida externa. Nesta fase de total controle da economia e da soberania nacional pelo
capital externo (financeiro e especulativo), constituiu-se o que os especialistas chamam de
Estado Global: a economia globalizada escraviza todos os Estados nacionais, com uma
mesma receita de base, mas os pequenos ou fracos economicamente sentem este embargo
com pesos duplicados. Esta fase viria a suceder o que se entendia nos anos 90 por
Capitalismo Monopolista de Estado: quando o próprio Estado era o principal financiador
do capital monopolizado ou oligopsônico.
Do Estado Social ao Estado Democrático
Por fim, devemos lembrar que o Estado de Direito Social não se confunde com o
Estado Democrático porque esta modalidade ou vertente de atuação social, de preservação
de certos direitos trabalhistas (e capitalistas), também foi marcante da Alemanha Nazista,
na Itália Fascista, no Brasil Getulista, bem como na Inglaterra de Churchill e na América de
Roosevelt. Ou seja, o Estado de Direito Social tanto pode se adaptar e fluir no regime
democrático e progressista, quanto em regimes totalitários.
A Alemanha nazista, a Itália Fascista, a Espanha franquista, o Portugal salazarista
foram ‘Estados sociais’. Da mesma forma, Estado social foi a Inglaterra de Churchill e
Attlee; os Estados Unidos, em parte, desde Roosevelt; a França, com a Quarta República,
principalmente; e o Brasil, desde a Revolução de 1930 (Bonavides, 2004, p. 184).
Também não será necessariamente um Estado Popular porque nem sempre (aliás,
raramente) o povo detém o controle da máquina do Estado – especialmente os aparelhos
ideológicos e repressivos do Estado. Nem sempre lembrada, mas de fundamental
importância para a subseqüente democratização do Estado de Direito, é a questão do
aprimoramento/aprofundamento da questão democrática, e assim o uso efetivo do sufrágio
universal será outro instrumento a serviço daquela dubiedade que acompanha o Estado
Social desde os primórdios. Como bem diz Bonavides:
O reconhecimento geral da liberdade política, com um mínimo de restrição, isto é,
mediante o sufrágio universal, não foi o fruto altruístico e amistoso da munificiência liberal
(...) Foi das mais penosas conquistas revolucionárias, processada no âmago do conflito
entre o trabalho e o capital (...) Ali, no campo de batalha social, os individualistas ferrenhos
e privilegiados da velha burguesia capitalista tiveram que depor a arma poderosa de sua
conservação política – o sufrágio censitário (...) Ao arrebatar o sufrágio universal, o quarto
estado ingressava, de fato, na democracia política e o liberalismo, por sua vez, dava mais
um passo para o desaparecimento, numa decadência que deixou de ser apenas doutrinária
para se converter, então, em decadência efetiva, com a plena ingerência do Estado na
ordem econômica (...) Por mais paradoxal que pareça, essa concessão salvou e preservou
ideologicamente o que havia de melhor na antiga tradição liberal: a idéia da liberdade
moderna, a liberdade como valoração da personalidade, agora já no âmbito da democracia
plebiscitária, vinculada ao Estado social (2004, pp. 188-189).
Dessa forma, o Estado de Direito Social veio assimilando elementos democráticos e
populares, o que colaboraria para sua posterior transformação em Estado Democrático (14),
em que vemos afirmarem-se os instrumentos político-populares, como o uso mais freqüente
de referendos e plebiscitos, além do desenvolvimento rotineiro das chamadas gestões
democráticas. Esta seqüência histórica, por sua vez, redundaria no que chamamos hoje de
Estado de Direito Democrático ou Estado Democrático de Direito (15), um tipo ou
modelo de Estado, no entanto, que deve ser analisado em separado, tal a complexidade
alcançada nos dias atuais.
De outro modo, também não se deve confundir Estado Social com Estado
Republicano, pois além de vivermos em efeito suspensivo os reais significados da
República, o Estado Social ainda pode prosperar nos regimes de Monarquia Constitucional
– se bem que estes cuidam muito melhor da coisa pública do que muitos republicanos.
Enfim, como vimos, o objetivo do texto era retomar algumas inclinações e
características desse chamado Estado de Direito Social, seus principais marcos históricos,
jurídicos e econômicos, até que chegássemos aos dias atuais em que sua penumbra sugere
existir apenas um arremedo do que fora até há poucas décadas. Esta sua derrocada,
apelidada por nós de Estado Neoliberal ou Estado-Empresa indica a falência múltipla das
funções apregoadas pelo Estado de Direito Social clássico. Afinal, agora não mais se
protegem os direitos sociais e nem o Estado-nação é tido mais como o grande
investidor/protetor da economia nacional. Antes, fazer crescer a economia (com respeito
aos direitos fundamentais) era sinônimo de expansão da soberania do Estado-nação, hoje, é
o contra-senso de um suposto Estado Mínimo: mínima segurança jurídica social e máxima
lucratividade estatal.
Trata-se, concluindo, de um Estado Mínimo que só investe naqueles ramos que
crescem economicamente de forma natural, ou seja, é o princípio da antiga segurança
jurídica social sendo privatizado – note-se a enorme onda de privatização, terceirização,
precarização do serviço público. O ramo que mais cresce no Brasil é o da indústria de
contratação de estagiários, porque assim não se contratam os profissionais qualificados e
bem mais remunerados. Equivale à seguridade, à continência, à regularidade do Estado
sendo reservada aos setores econômicos privilegiados (sobretudo o financeiro) e
teoricamente (do ponto de vista das finalidades do Estado Brasileiro) os que menos
necessitariam desse tipo de proteção.
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Notas
1
Ressalto que o texto é resultado de aulas ministradas na disciplina de Teorias do
Estado (antiga Teoria Geral do Estado), o que também justifica o tom generalista e mais
discursivo (menos teórico ou conceitual).
2
"Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento do Estado social: a intervenção
ideológica do socialismo" (Bonavides, 2004, p. 183).
3
Logo no início do Manifesto Comunista, Marx dirá que um espectro rondava a
Europa – naquela altura, era o sopro de vida do comunismo latente em muitos países
europeus.
4
Se bem que, com a satisfação de antigas necessidades e demandas primitivas e
reprimidas, há o surgimento de novas vontades e desejos de consumo mais globalizado – a
indústria do desejo de consumo não tem fim e acompanha o ritmo da produção – um ciclo
ou círculo vicioso, portanto.
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Por exemplo, como em nossa Constituição, no art. 4º, II.
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O Plano Marshall foi aplicado em 1947, seus investimentos hoje equivaleriam a mais
de 100 bilhões de dólares. Para efeito de comparação, seria interessante checar os valores
(declarados) gastos com a Guerra do Iraque.
7
As oligarquias ruralistas continuaram (como continuam) exercendo papel de
destaque na política nacional.
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É necessário lembrar que a CLT é uma réplica fiel da Carta Del Lavoro, fascista.
9
A elite política pode ser cafeicultura, mas a rotina do capital não pode ser detida, as
relações sociais e políticas não podem ser obstáculo ao desenvolvimento das novas forças
sociais e econômicas de produção. A Semana de Arte Moderna de 1922, em outro exemplo,
pode ser entendida deste ponto de vista, pois adiantando-se à Revolução Industrial de 1930,
seria libertária (é o caso movimento feminista), mas capitalista.
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Para um exemplo, os EUA em 1850 já possuíam muitas empresas e um número
superior a 200 mil operários na indústria urbana, um dado estimado que o Brasil só
alcançou cem anos depois, em 1950.
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Curiosamente, até o presente, a República que não foi traz o mais longo período da
história democrática brasileira, pois vai de 1889 a 1930.
12
Praticamente, neste período duplicou-se o valor da dívida.
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Hoje, 80% da população vivem nas cidades e 1/3 de toda a população é constituído
de famélicos, miseráveis, desempregados, excluídos, analfabetos e banidos da vida pública.
E muitos ainda acham o povo indolente.
14
Um tipo que merece ser analisado em separado, pois se constituiu como uma fase
evolutiva - no sentido de que incorpora elementos jurídicos além dos propostos pelo Estado
Social -, mas que ainda é anterior ao elaborado e complexo sentido e conceito do Estado
Democrático de Direito: este, inclusive, propõe a via do socialismo. E é óbvio que o Estado
Democrático também é o Estado capitalista, consumista americano, dotado de regras
mínimas para regular o jogo democrático (Bobbio, 1986).
15
Em outro contexto (à luz do tratamento dado pela CF de 88 aos direitos sociais e
trabalhistas) fiz alusão a um possível Estado Democrático de Direito Social - com
publicação eletrônica (Jus Navigandi: 26/12/2003).
Sobre o autor
Vinício C. Martinez
E-mail: Entre em contato
Home-page: demo.meex.com.br
Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº384 (26.7.2004)
Elaborado em 05.2004.
Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em
periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
MARTINEZ, Vinício C.. Estado de Direito Social . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n.
384, 26 jul. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5494>. Acesso em: 24 fev. 2008.
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