SÍNDROME CORONARIANA AGUDA: ANGINA INSTÁVEL E INFARTO DO MIOCÁRDIO SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST Definição e epidemiologia: A síndrome coronariana aguda (SCA) descreve o continuum de isquemia miocárdica que varia desde a angina instável, em um dos extremos do espectro, até o infarto do miocárdio (IM) sem elevação do segmento ST, no outro extremo. Quando o quadro clínico de angina instável é acompanhado por elevação dos marcadores de lesão miocárdica, como a troponina ou as isoenzimas cardíacas, diagnostica-se o IM sem elevação do segmento ST. A terapia de recanalização precoce melhora o prognóstico no IM com elevação do ST, mas não no IM sem elevação do segmento ST. A maior parte das SCAs é causada por tromboses não-oclusivas em um vaso nativo, um vaso que já foi local de uma angioplastia coronariana prévia ou de um enxerto com ponte safena / artéria mamária. A apresentação de pacientes com SCAs varia de uma angina instável típica até uma apresentação indistingüível do IM com elevação do segmento ST. Aproximadamente 1,5 milhão de pacientes são hospitalizados anualmente nos Estados Unidos com angina instável ou IM sem elevação do segmento ST. Estas doenças são mais comuns em idosos, indivíduos com história de doença coronariana e com aterosclerose diagnosticada em outros leitos vasculares, ou com múltiplos fatores de risco coronarianos. Classificação: As doenças com potencial de provocar angina instável secundária incluem taquiarritmia, febre, hipoxia, anemia, crise hipertensiva e tireotoxicose. CLASSIFICAÇÃO DE BRAUNWALD PARA ANGINA INSTÁVEL GRAVIDADE Classe I Angina de início recente, intensa ou acelerada (angina de < 2 meses de duração, intensa ou ocorrendo> 3 vezes ao dia, ou angina distintamente mais freqüente e precipitada por esforços distintamente menores. Nenhuma dor em repouso nos últimos 2 meses) Classe II Angina em repouso, subaguda. (angina em repouso no mês precedente, mas não nas 48 horas precedentes). Classe III Angina em repouso, aguda (angina em repouso, dentro das 48 horas precedentes) CIRCUNSTÂNCIAS CLÍNICAS Classe A - Angina instável secundária (uma condição nitidamente identificada extrínseca ao leito vascular coronariano que intensificou a isquemia miocárdica; p. ex., anemia, hipotensão, taquiarritmia) Classe B - Angina instável primária. Classe C - Angina instável pós-infarto (nas 2 semanas subseqüentes a um IM documentado) INTENSIDADE DO TRATAMENTO 1. Ausência de tratamento ou tratamento mínimo 2. Terapia padrão para a angina crônica estável (doses convencionais de ß - bloqueadores orais, nitratos e bloqueadores do canal de cálcio) 3. Terapia máxima (doses máximas toleradas de todas as três categorias de terapia oral e nitroglicerina intravenosa) Biopatologia: A ruptura ou erosão da placa com trombose sobrejacente é considerada como o mecanismo iniciador da SCA, incluindo a angina instável, e do IM sem elevação do segmento ST. Níveis séricos elevados de proteína C-reativa (PCR) são encontrados na maioria dos pacientes com angina instável e IM, mas não na angina estável, e níveis elevados de PCR representam um forte previsor de eventos coronarianos subseqüentes em pacientes com doença coronariana. A citocina interleucina-6, o principal indutor de produção da PCR no figado está elevada na angina instável, porém não na angina estável. Os pacientes com doença vascular coronariana ou periférica têm uma reatividade plaquetária aumentada comparada aos controles normais. O endotélio saudável libera óxido nítrico, o que inibe a agregação plaquetária. Este mecanismo protetor é atenuado na aterosclerose. O processo de agregação plaquetária e de formação de trombos libera potentes vasoconstrictores, como o tromboxano A2 e a serotonina. A vasoconstricção, ou a ausência de vasodilatação apropriada, provavelmente contribui em muito para o desenvolvimento de episódios isquêmicos na SCA e representa um alvo potencial para a terapia. As características angiográficas de uma lesão com potencial para precipitar um evento coronariano agudo incluem uma maior assimetria, maior comprimento e um ângulo de efluxo mais inclinado. Sinais e sintomas: Episódios anginosos crescentes em repouso ou com menores níveis de atividade. A sensação da isquemia miocárdica geralmente está localizada na área retroesternal, mas pode ser sentida apenas no epigástrio, nas costas, nos braços, ou na mandíbula. Náusea, sudorese ou dispnéia podem acompanhar episódios de isquemia miocárdica aguda. Nos pacientes idosos ou diabéticos, estes sintomas podem ser a única indicação da presença de uma isquemia miocárdica. O exame clínico pode revelar causas precipitantes ou fatores contribuintes à angina instável, como pneumonia ou hipertensão descontrolada. Eletrocardiograma: A depressão transitória do segmento ST de pelo menos 1mm que aparece durante a dor torácica e desaparece quando esta alivia constitui uma evidência objetiva de isquemia miocárdica transitória. Um padrão ECG comum de pacientes com angina instável ou IM sem elevação do segmento ST é uma onda T persistentemente negativa, que geralmente indica a presença de uma estenose grave na artéria coronária correspondente. Ondas T profundamente negativas ocasionalmente são observadas em todas as derivações precordiais, um padrão que sugere uma estenose proximal grave da artéria descendente anterior esquerda como a lesão responsável. O desenvolvimento de ondas Q significativas pode representar o primeiro indicativo de que o diagnóstico é um IM sem elevação do segmento ST e não uma angina instável. Marcadores cardíacos: Níveis séricos elevados de enzimas cardíacas ou da isoenzima MB da creatina-quinase distinguem entre a angina instável e o IAM. Diagnóstico: Pacientes com dor torácica que dura mais do que 20 minutos, com instabilidade hemodinâmica ou síncope franca/pré - síncope recente devem ser encaminhados a uma unidade de emergência hospitalar. Um ECG normal durante a dor torácica não exclui a angina instável; no entanto, indica que uma área isquêmica, se estiver presente, não é extensa ou grave o suficiente para induzir alterações no ECG, e este achado representa um sinal prognóstico favorável. Se presentes a dor torácica e uma elevação do segmento ST maior do que 1 mm em duas derivações contíguas, o diagnóstico é de IM com elevação do segmento ST; deve-se considerar sem demora uma reperfusão com terapia trombolítica ou angioplastia primaria. A idade mais avançada, sexo masculino, e a presença de dor ou opressão torácica ou no braço esquerdo como sintoma de apresentação aumentavam a probabilidade de o paciente estar experimentando uma isquemia miocárdica aguda. Quando suspeita-se de uma SCA em um paciente com menos de 50 anos, é particularmente importante investigar sobre uso de cocaína, independente da classe social ou da etnia. A cocaína pode causar um vaso espasmo coronariano e trombose, além de seus efeitos diretos sobre a freqüência cardíaca e pressão arterial, tendo sido implicada como causa de angina instável e IM. O diagnóstico da angina instável pode ser mais difícil do que o da angina estável devido à ausência de alguns padrões distintos. A típica relação entre a angina estável e o esforço físico ou outras atividades estressantes constitui uma característica diagnóstica chave da angina estável que está ausente na angina instável. A SCA pode ser pouco aliviada pela nitroglicerina, enquanto a angina estável quase sempre responde à ela. A duração de um episódio de desconforto torácico geralmente é mais longo e mais variável na angina instável do que na angina estável. Avaliação do risco e triagem inicial: Os níveis de troponina devem ser medidos quando o paciente é visto pela primeira vez e novamente 6 a 12 horas depois. Níveis elevados de troponina são poderosos preditivos de eventos coronarianos a curto prazo. Níveis de troponina T maiores indicam um risco maior, especialmente em pacientes com depressão do segmento ST. O amplamente utilizado escore de risco Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI), validado em ensaios clínicos, inclui sete fatores: (1) idade de 65 anos ou mais; (2) pelo menos três dos fatores de risco padrão para a doença coronariana; (3) uma estenose coronariana prévia de 50% ou mais; (4) desvio do segmento ST no ECG de apresentação; (5) pelo menos dois episódios anginosos nas 24 horas precedentes; (6) uso de aspirina na semana anterior; e (7) marcadores cardíacos séricos elevados. INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO COM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST E COMPLICAÇÕES DO INFARTO DO MIOCÁRDIO Definição: O infarto do miocárdio (IM) é uma necrose miocárdica causada pela isquemia. Esta categoria de IMA caracteriza-se por uma profunda isquemia miocárdica aguda ("transmural"), afetando áreas relativamente extensas de miocárdio. Em geral, a causa subjacente sempre é a interrupção completa do fluxo sangüíneo miocárdio regional (devido a uma oclusão coronariana, geralmente aterotrombótica). Esta síndrome clínica deve ser distinguida do IM sem elevação do segmento ST, onde o bloqueio do fluxo coronariano é incompleto e concebe terapias agudas diferentes. Fisiopatologia e patologia: Em um modelo canino de oclusão e de recanalização coronariana, a morte celular miocárdica começa com 15 minutos oclusão e prossegue rapidamente em uma frente de onda do miocárdio para o epicárdio. A erosão da placa adjacente, o fissuramento, ou ruptura das placas ateroscleróticas vulneráveis foi definida como o mecanismo iniciante da oclusão trombótica coronariana, precipitando uma hemorragia, intraplaca, espasmo coronariano e trombose luminal oclusiva. Quando o fluxo coronariano é ocluído, ocorre a elevação do segmento ST no eletrocardiograma (IMA com elevação do segmento ST). A oclusão parcial, a oclusão na presença de uma circulação coronariana adequada e/ou a embolização coronariana distal resulta em angina instável ou IM sem elevação do segmento ST. A isquemia resultante de uma perfusão miocárdica prejudicada causa lesão ou morte da célula miocárdica, disfunção ventricular e arritmias cardíacas. Apesar da vasta preponderância de IMs causados por aterosclerose, pacientes ocasionais podem desenvolver oclusões coronarianas completas devido a embolismo coronariano, trombose in situ, vasculite, vasoespasmo primário, doenças infiltrativas ou degenerativas, doenças da aorta, anomalias congênitas de uma artéria coronária ou trauma. Manifestações clínicas: O diagnóstico: tríade do desconforto torácico, anormalidades no ECG e marcadores cardíacos séricos elevados. O desconforto torácico do tipo isquêmico representa o sintoma clínico mais proeminente na maioria dos pacientes com IMA. O desconforto associado com IMA é qualitativamente similar ao da angina pectoris, porém mais intenso. Com freqüência é percebido como um peso, semelhante a uma pressão, esmagamento, aperto, semelhante a uma bandagem, estrangulamento, constricção, dolorimento ou queimação; raramente é descrito como uma dor aguda ou em punhalada. A localização primária da dor da isquemia típica é mais consistentemente retroesternal, mas também pode se apresentar na região paraesternal esquerda, no precórdio à esquerda ou ao longo da parte anterior do tórax . Ocasionalmente, o desconforto é predominantemente percebido na parte anterior do pescoço, na mandíbula, nos braços ou no epigástrio. Geralmente é um pouco difuso; uma dor altamente localizada (o paciente mostra o local com a ponta do dedo) raramente relaciona-se à angina ou IMA. O padrão mais característico da irradiação é para o braço esquerdo, mas o braço direito ou ambos os braços podem estar envolvidos. Os ombros, o pescoço, a mandíbula, os dentes, o epigástrio, e a área interescapular também correspondem a locais de irradiação. Um desconforto acima das mandíbulas ou abaixo do umbigo não é típico do IMA. Os sintomas associados freqüentemente incluem náusea, vômitos, diaforese, fraqueza, dispnéia, inquietação e apreensão. A dor do IMA dura mais tempo (tipicamente 20 minutos a várias horas) se comparada a da angina, não sendo confiavelmente aliviada por repouso ou por nitroglicerina. Estima-se que pelo menos 20% dos IMAs são indolores ("silenciosos") ou atípicos (não-reconhecidos). Os pacientes idosos e os com diabetes apresentam uma tendência particular a um IM indolor ou atípico. Nestes pacientes, o IMA pode apresentar-se como uma dispnéia súbita (que pode progredir para edema pulmonar), fraqueza, tonturas, náuseas e/ou vômitos. Estados confusionais, perda súbita da consciência, novos distúrbios do ritmo ou uma queda inexplicável na pressão arterial constituem outras apresentações atípicas. Exame clínico: Um galope de B4 é constatado se for cuidadosamente pesquisado. A pressão arterial freqüentemente está elevada inicialmente, mas pode ser normal ou baixa. Os sinais de hiperatividade simpática (taquicardia e/ou hipertensão) podem acompanhar o IM da parede anterior, enquanto a hiperatividade parassimpática (bradicardia e/ou hipotensão) é mais comum no IM da parede inferior. Eletrocardiograma: Em um contexto clínico apropriado, um padrão de elevação regional do segmento ST do ECG sugere oclusão coronariana, causando uma acentuada isquemia miocárdica; indica-se a admissão hospitalar, com triagem para a unidade coronariana (UC). Outros padrões do ECG (depressão do segmento ST, inversão da onda T, alterações inespecíficas, ECG normal) em associação com desconforto torácico isquêmico são consistentes com uma síndrome coronariana aguda (IM sem elevação do ST ou angina instável), sendo tratados com estratégias de triagem e de manuseio iniciais diferentes. Evolução do ECG: Quando a elevação típica do ST persiste por horas e é seguida em horas ou dias por inversões da onda T e Q, o diagnóstico de IMA pode ser estabelecido com quase absoluta certeza. Marcadores séricos cardíacos: Os marcadores cardíacos séricos para o diagnóstico do IMA correspondem às macromoléculas (proteínas) liberadas pelos miócitos que estão sofrendo necrose. TROPONINA I E T. As troponina I (cTnI) e troponina T (cTnT) derivadas do coração são proteínas do sarcômero. A TnI e a TnT cardíacas normalmente não estão presentes no sangue. Até mesmo com pequenos IMA, as troponinas aumentam em até 20 vezes ou mais o limite inferior do valor basal, e as elevações persistem por vários dias. Em geral, as troponinas são primeiramente detectáveis 2 a 4 horas após o início do IMA, maximamente sensíveis por 8 a 12 horas, fazem um pico em 10 a 24 horas e persistem por 5 a 14 dias. Esta persistência pode obscurecer o diagnóstico do IM recorrente. CK, CK-MB e isoformas de CK: A presença de CK nos músculos esqueléticos e suas elevações com traumas musculares até mesmo mínimos (p. ex., injeções intramusculares) limita sua especificidade para o IMA. Os aumentos na CK-MB ocorrem 3 a 4 horas após o início do IMA, maximamente sensíveis em 8 a 12 horas, fazem um pico em 12 a 24 horas e retornam ao normal em 2 a 4 dias. A quantidade total de proteína CK/CK-MB liberada correlaciona-se com a extensão do infarto. Uma relação de CK-MB2:CK-MBl de mais de 1,5 pode detectar um IMA tão precocemente quanto 2 horas após o início dos sintomas, sendo altamente sensível e específico para o diagnóstico em 4 a 6 horas. Mioglobulina e outros marcadores inespecíficos: A mioglobulina é o marcador cardíaco sérico mais rapidamente liberado e eliminado. Pode ser detectado em 1 a 2 horas após o início do IMA.