HORIZONTE FILOSÓFICO: A VIDA NAS SUPERFÍCIES MARTINS, Felipe. (G – CCHE – UENP/CJ) Resumo: Dentre as expressões de vida que advém da Filosofia podemos perceber não apenas modos de pensar, mas também modos de viver. O objetivo dessa pesquisa é trazer à visão do pensamento esses modos de agir e pensar. Para isso é necessária uma aliança com Deleuze que, através da História da Filosofia, traça imagens desses territórios existenciais do pensamento e da ação. A questão é a unidade da vida e do pensamento: o ponto onde um pensamento não se distingue mais de uma anedota da vida e a vida de um aforismo do pensamento. A metodologia para tratar dessa questão é a leitura intensiva dos conceitos do autor, passando do conceito de imagem do pensamento para a análise de três territórios filosóficos: a imagem platônica; a imagem pré-socrática; e a imagem estóica e cínica. A discussão se da em torno do valor da vida, isto é, cada filosofia trás uma imagem do pensamento e com isso valores que circunscrevem a relação do pensamento com a vida. A partir da imagem dos filósofos estóico e cínico é possível encontrar uma nova orientação para o pensamento; não mais se busca a verdade num céu ilusório composto de idéias forjadas. Nem se pretende mergulhar no íntimo da Natureza quase que insondável. Com os cínicos e os estóicos o sentido está na superfície. O pensamento e o corpo não são de naturezas distintas, é a unidade da vida e do pensamento numa expressão: a imagem da imanência numa filosofia horizontal. Palavras-chave: Arte; Filosofia; Imagem do Pensamento; Vida. Financiamento: PIBIC/Fundação Araucária/CNPq 2078 Introdução A filosofia pode ser entendida como uma pratica do pensamento, mas também como um modo de vida. O pensamento está relacionado com nossos hábitos, com nossas experiências, com nossa crença de mundo, enfim, há uma relação entre o pensamento e a vida. Pode-se dizer do Poeta que pensa a poesia, mas que simultaneamente a vive, ou mesmo o musico que pensa a musica, mas uma vez que ele a cria passa a ser parte de sua experiência de vida, ou seja, a prática do pensamento leva a um modo de vida e uma pratica de vida é também um modo de pensamento. A relação com a vida é indissociável do pensamento, assim dizemos que pensar é produzir um modo de existência, um território existencial é traçado através da relação do pensamento com a vida, o pensamento avalia a vida. Então é como se o modo de pensar desenhasse a imagem da nossa vida, porque o modo de pensar orientará a nossa expressão no mundo; um modo de vida nos trás uma imagem do pensamento, por exemplo, o modo de vida de um marceneiro, ou de um astrônomo, eles trazem-nos imagens de uma de uma vida: as mãos calejadas pelo manuseio da madeira; as horas passadas olhando para os céus estrelados. A escolha de um modo de vida não estará fundamentada na relação que o pensamento desenvolve com a vida? Como desfrutar da unidade do pensamento e da vida? Como Deleuze escreve em Lógica do Sentido: “é preciso atingir um ponto secreto em que a mesma coisa é anedota da vida e aforismo do pensamento” (Deleuze, 2000, p.132). Justificativa A necessidade violenta o pensamento tirando-o de seu estado de inércia. Para fazer surgir no pensamento uma orientação que instaure a relação com a vida, - para isso é preciso que o pensamento sofra uma violência-, um Acontecimento que o coloque em movimento em direção ao novo, à criação de um pensamento que potencialize a vida e de uma existência que inspire o pensamento. A imagem do pensamento é o que orienta o pensamento, mas surge uma pergunta, o que é isso, orientar-se no pensamento? 2079 aparece que o pensamento pressupõe ele próprio eixos e orientações segundo as quais se desenvolve, que tem uma geografia antes de ter uma história, que traça dimensões antes de construir sistemas (Deleuze, 2000, p.131). A imagem de um modo de existência também não seria a imagem da relação do pensamento com a vida? E, se há uma escolha, não será nos critérios usados para valorar a vida que nos aparece a imagem que orienta uma vida, que orienta e traça um modo de existência, que pinta e cria um modo de pensar e de viver? Mas pesemos: que critérios o pensamento usa para valorar a vida? Antes de avaliar as experiências não seria necessário avaliar os pressupostos utilizados? Ou ainda de outra forma: o problema da unidade da vida e do pensamento; antes de julgar a vida não deveríamos pensar que valores os pressupostos projetam na vida? -Se pensar é avaliar, qual é o foco do valor praticado? A que visa essa ou aquela imagem do pensamento? A quem serve tais pressupostos? Objetivos A vida filosófica também é uma prática íntima; ao se deparar com um pensamento indigesto, um sentimento, um bloco de emoções, a tortura sobre as próprias contradições, neste instante: ou não nos importarmos com as contradições e questões que nos coloca a visão do pensamento; ou, cultivamos uma sabedoria que permita a constituição de uma vida saudável, de uma saúde do pensamento. Como não nos colocar a questão da relação do pensamento com a vida? Insurge de uma necessidade íntima a criação e constituição de uma sabedoria que oriente a vida, em relação direta do pensamento com o que é vital. Podemos perguntar então: que agenciamentos o pensamento desenvolve para orientar a relação com a vida? -A imagem do pensamento nos serve de travessia para trazer à visão os modos de vida que a expressão filosófica pode produzir no mundo, já que é na imagem do pensamento que encontramos os pressupostos que constituem a imagem do que seja pensar e viver. A experimentação é uma orientação plenamente distinta da análise, a análise desemboca na interpretação, mas para interpretar é necessário ter um conjunto de 2080 critérios, de valores, em outras palavras, a imagem da analise é traçada por um conjunto de pressupostos que desemboca na interpretação. Acontece que a interpretação tem como costume em sua analise, tomar a representação no lugar da coisa em si. A interpretação fabrica uma representação do que pretende analisar, o problema aparece-nos quando a analise tenta interpretar a representação como se fosse a coisa real. É nesse sentido que a imagem do pensamento desenvolve sua relação com a vida, interpretando e analisando, com pressupostos que orientam a imagem do que seja pensar. Mas interpretação é precisa ser examinada num sentido medicinal, em busca da saúde do pensamento. A analise interpretativa projeta sobre a vida suas formas, suas expiações, e uma vez tomada a representação no lugar da coisa, sempre haverá algo faltando, algo errado; é na imagem do pensamento que interpreta que surgirá a falta. Em contraponto, o que Deleuze nos apresenta, é uma orientação que o autor compõe com Nietzsche: no lugar da interpretação a experimentação. A experimentação coloca o pensamento em contato direto, imediato com a vida, o sentido é experimentado, podemos dizer que ele paira na superfície: É a grande descoberta estóica, ao mesmo tempo contra os présocráticos e contra Platão: a autonomia da superfície, independentemente da altura e da profundidade, contra a altura e a profundidade; a descoberta dos acontecimentos incorporais, sentidos ou efeitos ou efeitos, que são irredutíveis aos corpos profundos assim como às ideias altas (Deleuze, 2000, p.136). É essa a reorientação do pensamento que instaura a unidade entre pensamento e vida. Ao invés da interpretação a experimentação; a vida encontra-se na superfície, a interpretação, com efeito, ou mergulha nas profundezas ou numa verticalidade abstrata buscando seu sentido. Os estoicos encontram o sentido nas superfícies, é a imanência, isto é, a terra está grávida de acontecimentos, mas o sentido não advém mais das profundezas ou das alturas. 2081 Resultados Contudo, a experimentação acontece na superfície. A vida está na superfície e é numa perspectiva horizontal que se encontra um campo, um território, um espaço para experimentar. Mas experimentar o que? –experimentar a vida. Deleuze no livro Lógica do Sentido apresenta-nos três imagens de filósofos, são três imagens do pensamento e também três modos de pratica a vida. Cada imagem desenvolve uma relação com a vida e esta relação varia conforme varia o conjunto de pressupostos que traçam cada imagem. Há uma imagem do pensamento clássica, a que Deleuze nomeará de imagem dogmática do pensamento; há uma imagem recuperada dos pré-socráticos, é a imagem das profundezas, contrapondo a imagem dogmática, que podemos entender como a filosofia platônica, que encontra suas verdades num céu inteligível. Mas nos resta ainda uma terceira imagem de filósofo, uma imagem que reorientará todo o pensamento e com isso uma pratica de vida, é a imagem do Filósofo das Superfícies, os Cínicos e os Estóicos, para Deleuze, com os Estoicos a filosofia sofre uma reterritorialização, isto é, uma nova orientação do pensamento, mas também um novo território, os Cínicos e os Estóicos inauguram uma nova filosofia, o pensamento se liberta da transcendência, liberta-se da interpretação, de projetar seu sentido nas profundezas ou num céu inteligível que envolve também um mergulho profundamente vertical, a filosofia estóica é um acontecimento: “é uma reorientação de todo o pensamento e do que significa o que é pensar: não há mais nem profundidade nem altura” (Deleuze, 2000, p.134). Com a prática de vida aparece um valor para medir e avaliar a própria vida. O que é esse valor? -Esse valor é um padrão, um sistema, que trabalha para valorar o que experimentamos na vida. O valor advém de um conjunto de pressupostos, assim dizemos de uma imagem do pensamento implicar uma relação com a vida. A imagem platônica parece instaurar uma divisão entre o pensamento e a vida, uma vez que a verdade, e as idéias perfeitas, só são atingíveis através do inteligível, através de um aprofundamento abstrato. Uma vez que a verdade só se atinge pelo inteligível, o corpo aparece como um empecilho ao pensamento, os sentidos são enganosos, a Natureza é vista pelo pensamento como obstáculo ao pensamento. É certo que uma vez que a Natureza é tomada como empecilho, o pensamento 2082 adoece, isto é, se perde a unidade do pensamento e da vida. Vida e Pensamento são interpretados como coisas estranhas entre si. Mas seria necessário para o pensamento filosófico livrar-se da interpretação que renunciasse à transcendência. A transcendência que suponha o pensamento e a vida como naturezas distintas. A transcendência e a interpretação caminham lado a lado, e é certo que tomada a natureza como algo estranho ao pensamento, apareça sempre uma falta, algo de incompleto. Como o pensamento poderia não supor a falta de algo, uma vez que experimenta a vida como algo estranho a si mesmo? Acontece que a analise implicará na falta. Prossegue assim: Isso é bom, certo ou verdadeiro porque se adéqua ao valor elegido; aquilo é mal, falso ou mesmo irracional porque lhe falta isso ou aquilo, esses ou tais elementos, ou tais características, enfim, tais valores. O eixo do pensamento aqui é que a analise sempre desembocará na falta, mas, pensemos agora, o que há em abundancia? -O valor dos valores, uma vez orientando e avaliando a vida, não estaria mais próximo da abundancia do que da falta? Da experimentação ao invés da analise? Mas a questão ainda persiste: o que há em abundancia? Segundo Pierre Hadot em seu livro O que é a Filosofia Antiga? Apresenta-nos o pensamento estóico composto de três partes, a física, a lógica e a ética. A física terá nos estoicos um desdobramento ético, isto é, a filosofia estóica acarreta um modo de existir no mundo, a relação do pensamento com a vida ao se orientar pelo discurso da física desembocará numa pratica de vida, o pensamento se relaciona com a vida intimamente, porque a imagem estóica tem seu território traçado sobre a unidade da Natureza e do Pensamento. O que podemos ler nas belas frases de Hadot: De repente, desde o primeiro instante de sua existência, o ser vivo é conciliado consigo mesmo: tende a conservar-se a si mesmo e a amar sua própria existência e tudo o que pode conservá-la. Mas o próprio mundo é um único ser vivo, também ele conciliado consigo mesmo, coerente consigo mesmo (Hadot, 1999. p. 190). Por principio uma coisa podemos dizer que é abundante na imagem do pensamento estoica: a Vida. A coerência em toda Natureza, a vida expressa nas superfícies. Não mais o céu platônico, nem mais as profundezas digestivas présocráticas, é no horizonte que acontece a imagem do filósofo agrimensor que encontra na unidade do pensamento e da Natureza sua vida. 2083 Considerações Finais Os pressupostos do pensamento acabam por traçar a imagem da vida, uma vez que o pensamento se orienta por seus pressupostos. São os pressupostos que orientam e compõe a imagem do que se entende por pensar, e, ao mesmo tempo, a imagem é a orientação do pensamento. Com efeito, é está imagem que agenciara a relação do pensamento com a vida. Podemos dizer então que a imagem de um pensamento é já é em si mesmo uma imagem da vida, uma imagem que orienta o habitar no mundo, um modo de existir, que orienta a relação do pensamento com a vida. O pensamento então se relaciona com uma imagem que, por sua vez, pressupõe um modo de pensar e de existir através dos pressupostos que toma para si. Mas, em outra instancia, a imagem que orientará a relação do pensamento com a vida pode ser uma imagem inventiva, que cria seus próprios pressupostos e assim o próprio modo de habitar o mundo, ou seja, uma existência que desenha sua própria vida, que traça sua própria imagem, que produz sua própria forma de habitar a vida, ainda que pareça aformal, pois a questão está sempre para o novo, e de certa forma, o novo nos parece algo estranho, mal visto ou mesmo mal dito. A relação do pensamento com a existência cria um modo de viver. É nesse aspecto que podemos falar de um pensamento criador, de uma vida inventiva, enfim, de uma imagem do pensamento artista. É a relação com a vida tomada por olhos artistas, a vida é a grande obra de arte. O pensamento criador instaura uma unidade entre pensamento e vida, um ponto onde não se distingue mais um modo de pensar de um modo de viver; a impetuosa unidade artista: o pensamento como um poema da vida e a vida como um aforismo do pensamento. A imagem advém da relação que o pensamento desenvolve com a vida, e é na imagem do pensamento que se abrem as possibilidades de linhas de fuga. A filosofia, a ciência e a arte querem que rasguemos o firmamento e mergulhemos no caos. Só o venceremos a esse preço. O filósofo, o cientista, o artista, parecem retornar do país dos mortos. (Deleuze, 2009, p.260) 2084 Referências DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Rio de Janeiro: Graal, 1988. DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2000. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Que é a Filosofia? São Paulo: Ed.34, 2009. HADOT, Pierre. O que é a Filosofia Antiga? São Paulo: Edições Loyola, 1999. 2085