A FILOSOFIA NA ESCOLA SECUNDÁRIA BRASILEIRA: BREVE

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A FILOSOFIA NA ESCOLA SECUNDÁRIA
BRASILEIRA: BREVE REFLEXÃO
HISTÓRICA DE UM MOVIMENTO
INTERMITENTE (1837-2008)
Bento Salvio Pequin∗
[email protected]
Gilson Ruy Monteiro Teixeira†
[email protected]
Maria Fernanda Alves Garcia Montero‡
[email protected]
Recebido em: 15/08/2014
Aceito em: 25/08/2014
Publicado: 30/08/2014
Resumo. A disciplina Filosofia no ensino secundário/médio brasileiro apresenta um movimento de intermitência caracterizado pela presença garantida,
presença indefinida e ausência garantida, tal como a define Dalton José Alves.
Analisar esse fenômeno pela perspectiva da história das disciplinas escolares
sob a compreensão de Chervel e Goodson foi o objetivo deste trabalho. Para
a investigação utilizou-se como fontes as leis de reformas do ensino secundário brasileiro, os programas da disciplina e a distribuição da carga horária
∗ Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUCSP). Bacharel em Ciências
Econômicas pela mesma Universidade. Diretor Administrativo da Escola Técnica Estadual de Vila
Formosa e docente licenciado do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPSSP). Professor da Universidade Cidade de São Paulo (UNICID/CRUZEIRO DO SUL-SP). Bolsista
da CAPES
† Doutorando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUCSP), onde obteve o título
de Mestre em Educação: História da Educação. Licenciado em Filosofia pela PUC-MG. Professor
assistente do Departamento de Ciências Humanas e Letras da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (DCHL-UESB). Bolsista da CAPES.
‡ Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (EHPS-PUCSP), onde obteve o título de
Mestre em Educação: Ciências Sociais. Licenciada em Filosofia (UNIFAI). Bolsista do CNPq.
A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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destinada ao seu ensino determinadas pelas reformas. Concluiu-se que essa
intermitência foi favorecida pelas políticas governamentais liberais de cunho
desenvolvimentistas, pela ausência de um corpus academicus que sustentasse a
Filosofia enquanto disciplina na Educação Básica brasileira e pela aparente
inadequação do saber filosófico à proposta da escola moderna.
Palavras-chaves: Disciplina Filosofia. Ensino secundário e médio. Intermitência. Corpus academicus.
THE PHILOSOPHY IN BRAZILIAN HIGH SCHOOL: A BRIEF HISTORICAL
REFLECTION OF A MOVEMENT INTERMITTENT (1837-2008)
Abstract. The Philosophy discipline in Brazilian high school presents a movement of intermittency, characterized sometimes by its guaranteed presence ,
indefinite presence and other times its guaranteed absence as defines Dalton
José Alves. The objective of this paper is to analyze this phenomenon from the
history perspective of school subjects under the comprehension of Chervel
and Goodson. We researched as sources, Brazilian high school reform laws ,
programs of discipline, and distribution of school workload as intended and
determined by the reforms for its teaching. The conclusion was that intermittency was favored by liberal government policies with developmental nature,
by the absence of a corpus academicus that could support philosophy as a
discipline in Brazilian Basic Education, and also the apparent inadequacy of
philosophical knowledge for the proposal of the modern school.
Key-words: Discipline Philosophy. Secondary and high school. Intermittency.
Corpus academicus.
1 A questão do lugar da disciplina Filosofia no ensino secundário brasileiro
O ano de 2008, sem dúvida, representa um marco para o ensino de filosofia
no Brasil. Para alguns, a promulgação da lei no 11.684, de 2 de junho daquele ano,
tem sua importância no fato de que fixa a obrigatoriedade da Filosofia no currículo
do Ensino Médio ao alterar o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional de 1996. (BRASIL, 1996). Esta data é emblemática para a compreensão
da história da disciplina Filosofia na Educação Básica brasileira por representar a
culminância de um longo processo de ações para a reinserção da Filosofia como
disciplina no currículo da escola brasileira.
A disciplina Filosofia na história do que hoje se compreende como Educação Básica tem como uma das suas características a intermitência. Alves (2002)
aborda com propriedade o movimento que chama de presença/ausência da Filosofia na escola brasileira. Em seu trabalho destaca três momentos: presença
garantida (1837-1889); presença indefinida (1889-1964); ausência definida (19641970). Alves formula esta categorização a partir de Cartolano (1985) que analisa a
presença da Filosofia no ensino de segundo grau. Trabalho pioneiro no âmbito dos
Saberes em perspectiva, Jequié, v.4, n.9, p.54–70, maio/ago. 2014
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estudos sobre a disciplina Filosofia nesse nível de ensino, Cartolano descreve a
trajetória da filosofia dos jesuítas até os anos 1970 para argumentar sobre a necessidade do retorno da Filosofia ao ensino básico. Valendo-se dessa argumentação,
Alves identifica o movimento de intermitência da disciplina ao longo da história
caracterizando-a conforme descrito acima. Porém, devido ao corte epistemológico
utilizado e à natureza do trabalho de ambos – nos quais a abordagem histórica
não é o objetivo –, não há neles uma preocupação em explicar as razões históricas
de tal fenômeno.
Nosso objetivo neste artigo é analisar este fenômeno da intermitência, que
se desdobra na questão em torno do lugar da Filosofia no ensino secundário. Este
problema, por sua vez, está atrelado, em um primeiro momento, à disputa entre
o ensino das humanidades e o ensino científico. Porém, este fenômeno particularmente brasileiro, ainda não foi capaz de explicar o porquê da intermitência do
seu ensino na escola secundária nacional. A tese que se pretende sustentar é a de
que a Filosofia será sempre um corpo estranho a esse nível de ensino devido à sua
classificação de curso estudos superiores advindas da cultura medieval e da classificação do Ratio Studiorum. Isto, no entanto, não significa advogar a sua exclusão
do ensino secundário, mas sim compreender a falta de adaptação de seu conteúdo
a esse nível. Esta preocupação em torno da adequação do conteúdo da filosofia ao
currículo da educação básica, está atrelado a um segundo momento explicativo do
fenômeno da intermitência: a transformação do secundário brasileiro em elemento
essencial para o desenvolvimento econômico da nação. Trata-se de discutir o
ensino da Filosofia na educação básica no sentido de como concebê-la enquanto
disciplina necessária à escola moderna. Estas questões perpassam, por sua vez,
pela finalidade do ensino secundário nos dias atuais: adaptação e formação para o
mercado de trabalho ou para a construção de uma nação de jovens autônomos, de
cidadãos críticos?
2 A disciplina Filosofia entre as humanidades clássicas e o científico
(1837-1930)
O ensino secundário brasileiro, compreendido como ensino oficial, tem
sua origem demarcada pela criação do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, em
1837. A sua criação representou um ato político do governo brasileiro em criar um
sistema oficial de ensino secundário com a função de ser padrão organizacional
para esse nível de ensino. Até então existiam alguns estabelecimentos isolados
nas Províncias e os cursos preparatórios, vinculados às Faculdades de Direito e
Medicina existentes em Pernambuco e São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro, respectivamente; e alguns estabelecimentos isolados. Nesses estabelecimentos preparava-se
o aluno para os estudos superiores ensinando-lhes o latim, o português, o alemão,
o francês, o alemão, a retórica e a filosofia. (SOUZA, 2012).
Herdeira do ensino jesuítico colonial, a escola secundária brasileira tem na
sua origem o ideal humanístico. O ideal humanístico tinha por objetivo formar o
espírito por meio de solida formação nas belas letras, na qual o Latim era central.
Chervel (1992) ao estudar o surgimento do secundário na França, demonstra que
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A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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esse grau de ensino era caracterizado exatamente pelo ensino do Latim, como
preparatório para as escolas superiores. Souza (2012) acrescenta que esse tipo
de ensino não tinha por objetivo somente o domínio da língua e da eloquência,
mas que se “ancorava numa dada configuração histórica do saber, pautado na
unidade do conhecimento estranha à fragmentação disciplinar.” (p. 93). Buscavase o domínio da arte de pensar e da arte de escrever, constituindo-se em um saber
enciclopédico, ou seja, o domínio do conhecimento das artes e das ciências.
O Colégio Pedro II em sua fundação inspira-se no ideário humanista jesuítico de tradição parisiense. Porém, sua estrutura curricular sustenta-se sob o
modelo napoleônico dos Liceus. Inspirado no modelo napoleônico dos Liceus, o
currículo do Colégio trouxe a organização das matérias em torno de uma estrutura
curricular que, ao mesmo tempo, respeitava o ensino humanista e flertava com o
modelo científico. Essa peculiaridade transformou o plano de ensino do Colégio
em um plano enciclopédico. Ao mesmo tempo em que se desejava fornecer aos
alunos a formação científica, buscava-se formar o caráter. Do ensino das matemáticas, da física e da química, ao ensino do comportamento nas rodas sociais do
Império: ensinavam-se as ciências e aprendiam a dançar para os salões de baile
dos encontros sociais da época. (??).
Sob a influência da tradição francesa, embora a inspiração fosse o ensino
científico dispensado nos Liceus, o elemento aglutinador eram as humanidades no
molde dos colégios parisienses. (CHERVEL, 1992). Costurando o tecido curricular
estavam as disciplinas literárias e a retórica. Herança do sistema medieval dos
colégios parisienses preservado pelo Ratio Studiorum dos Jesuítas (??), o estudo das
línguas clássicas (latim e grego) e das línguas vernáculas (inglês, francês e alemão)
coroavam a formação do homem culto, letrado. O ensino da retórica, atrelado ao
estudo da literatura, formava o cidadão civilizado à semelhança europeia, capaz
de travar diálogo com as nações desenvolvidas. A novidade nesse plano de ensino
era a inclusão da Filosofia.
A inserção da Filosofia no currículo do Colégio Pedro II é curiosa. Ela não
estava presente no ensino das humanidades clássicas europeias e nem no plano
do Ratio Studiorum. Chervel (1992) não a encontra nos estudos que deram origem
ao secundário francês, no entanto vê indícios de seu ensino como preparatório
ao ingresso nos cursos superiores. Nos colégios jesuíticos, a Filosofia não fazia
parte dos estudos intermediários – como as humanidades são classificadas pelo
Ratio –; ela encontrava-se nos cursos superiores. Somente na reforma dos estudos
na França levada a cabo por Napoleão é que essa disciplina passou a compor
os estudos anteriores aos realizados nas faculdades. Chamado de bacharelado
esse nível de ensino tinha por função preparar os estudantes para o ingresso nos
cursos superiores ministrados nas Universidades francesas. Dado as influências
europeias e jesuíticas sobre a concepção do Colégio Pedro II, como a Filosofia
passou a fazer parte de seu currículo?
Semelhante ao sistema francês, as nossas Faculdades possuíam os seus cursos preparatórios. Estes eram ministrados nelas próprias como forma de seleção
daqueles que ali queriam ingressar. Dada devida proporção, os preparatórios equivaliam ao bacharelado francês. Neles ensinavam-se as línguas, com a centralidade
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Bento S. Pequin; Gilson R. M. Teixeira; Maria Fernanda A. G. Montero
no Latim, e a Filosofia. As discussões parlamentares que desembocaram na criação
do Pedro II, partiram da necessidade de se criar a Universidade brasileira. Devido
aos embates políticos quanto à viabilidade de execução de tal projeto, os esforços foram direcionados para a criação de um sistema de ensino secundário, que
pudesse servir de modelo exemplar para as Províncias e para o ensino particular.
Apesar da mudança de objetivo, o foco foi conservado, isto é, embora o objetivo
fosse criar um estabelecimento de ensino secundário, o foco da ação continuou a
ser o estabelecimento de uma Universidade. Em decorrência, no projeto de criação
do Colégio Pedro II, o espírito das discussões parlamentares de 1834 e 1835 foi
conservado, o que fez surgir um ensino enciclopédico: um grande número de
disciplinas científicas e um excessivo número de horas destinadas ao ensino das
línguas. (HAIDAR, 2008). Em consequência do desejo de criar uma Universidade,
que não se concretizou, o currículo do Colégio Pedro II sofre a incoerência de
reunir tanto o conteúdo do secundário quanto do bacharelado. Ou seja, a não
criação da Universidade seria minimizada com a criação de um estabelecimento
que pudesse ser passagem direta para os cursos superiores. Uniu-se, dessa forma,
o secundário ao bacharelado, do qual a Filosofia fazia parte e era requisito básico
para o ingresso nos estudos superiores.
Distribuídos inicialmente em oito anos de estudos integrais, o ensino no
Colégio Pedro II era composto por matérias distribuídas em séries. Estas obedeciam ao sistema francês que as ordena de forma decrescente: do maior para o
menor. As aulas de Filosofia estavam distribuídas entre a primeira e a segunda
série, portanto, nas duas últimas etapas da formação do estudante secundarista
da época. A presença de suas aulas nos últimos anos da formação cumpria o seu
papel de preparatória para as faculdades do Império. No entanto, apresentava
uma peculiaridade. Apesar de fazer parte de forma efetiva do currículo, seu ensino era incerto. Como na época os regimentos das Faculdades permitiam que o
estudante realizassem os estudos preparatórios nelas próprias, muitos alunos do
Colégio Pedro II não cursavam os dois últimos anos no Colégio. Além disso, o
Governo os autorizava a realizar os cursos preparatórios e as provas de acesso às
faculdades a partir do quarto ano. Isso levava muitos a optarem por encerrar os
estudos no Colégio antes de cursar as três últimas séries. Como a filosofia estava
entre as matérias desses anos, dificilmente estudavam-na no colégio.
A reforma Couto Ferraz de 1845 protagonizou o surgimento de uma nova
definição ao secundário e ao bacharelado. Nela o plano de curso do Colégio Pedro
II foi dividido em duas classes. Os estudos de primeira classe, em quatro anos,
concentravam as disciplinas científicas. Já os estudos de segunda classe, em três
anos, concentravam as disciplinas literárias e, entre elas, a Filosofia. (SOUZA, 2012).
Os primeiros corresponderiam propriamente ao que se convencionou chamar
secundário e os posteriores ao bacharelado. A reforma outorgava àqueles que
concluíssem os estudos de segunda classe o diploma de Bacharéis em Letras. Com
isso, o bacharelado, que na sua origem francesa era um nível intermediário entre o
secundário e os cursos superiores, posteriormente, no Brasil, adquire a conotação
de grau de ensino superior. (HAIDAR, 2008).
A disciplina Filosofia no período de 1837 a 1889, no currículo do Colégio
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A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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Pedro II e dos demais estabelecimentos que o tomam como modelo por força
de lei, caracteriza-se pelo que Goodson (1997) descreve como característica do
ensino secundário. Segundo ele, as disciplinas nesse nível de ensino passam por
momentos de contestações, fragmentações que a conduzem a mudanças. Instalamse conflitos que evidenciam as questões de poder decorrentes das relações entre
forças internas à própria disciplina e cursos e externas a ela que advém das esferas
sociais intervenientes sobre as propostas curriculares. Notamos esses padrões
goodsonianos em relação à Filosofia no Colégio Pedro II. Um exemplo disso é a
sua inserção na grade curricular do Colégio.
Entre os professores fundadores do Colégio, em 1837, estava José Domingos de Magalhães, considerado pela maioria dos historiadores da Filosofia no
Brasil como o “primeiro filósofo” brasileiro. (??). Domingos de Magalhães é o
propositor do plano de curso da disciplina e, quando da fundação do estabelecimento, nomeado por D. Pedro II o lente – catedrático – de Filosofia do Colégio.
Suas atividades de catedrático da disciplina se iniciaram em 1842, quando proferiu o Discurso sobre o objeto e importância da filosofia. Porém, Domingos de
Magalhães não exerceu atividades docentes de fato. Segundo ??), suas atividades
docentes foram reduzidas somente ao ano de 1842. No ano seguinte, deixou a
cátedra para secretariar Duque de Caxias. A partir de então a disciplina ficaria sob
a responsabilidade de professores substitutos.
O episódio da saída de Domingos de Magalhães e da delegação aos professores de Retórica, Poética, Literatura e Latim que o substituíssem, coincide
com o primeiro movimento de redução da cara horária da disciplina. A reforma
do currículo realizada em 1841, mas posta em prática somente a partir de 1843,
reduz de 20 horas-aula para 10 horas-aula. Outro fato marcante do período é o
desmembramento da disciplina em partes, ou subdivisões que se coadunassem
com o espírito científico que começava a contagiar a nação: no lugar de Filosofia
começaram a surgir estudos de História da Filosofia, Lógica, Teoria do Conhecimento (com o nome de Psicologia) etc. A partir de então, até 1889, se verifica dois
padrões em relação à disciplina Filosofia no currículo da escola secundária: um de
aproximação do seu conteúdo aos ideais cientificistas dos liberais e positivistas do
Império; outro de redução de sua carga horária no currículo conforme pode ser
visto no Quadro 1.
A reforma curricular de 1841 representou o início do processo de exclusão,
ou do movimento de intermitência, da Filosofia do currículo. Se nossa proposição
de que o afastamento de Gonçalves de Magalhães foi o elemento desencadeador,
podemos então inferir que a inserção da Filosofia nesse nível do ensino se deve a
dois fatores: a) preparatório para o ingresso nos cursos superiores; b) influência
política do filósofo – Gonçalves de Magalhães – sobre o legislador. A ausência de
um professor especialista no assunto e que tivesse certo poder político no âmbito
externo, aliado à visão propedêutica que se tinha em relação à Filosofia, parece
ter contribuído para o início do processo. Corrobora com esta tese o fato de que,
entre 1843 a 1855, os professores que ministraram a disciplinas o eram de fato
de professores de outras disciplinas. E, de 1856 a 1880, o professor que assume a
titularidade da cadeira de Filosofia, em substituição definitiva de Domingos de
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Quadro 1 – Quantidade de Horas/Aula/Semana e o Lugar do Ensino de Filosofia
nos Planos de Curso do Ensino Secundário Brasileiro (1837-1881)
Regulamento
1837
Ano
Plano de Curso
1837
1841
1850
1855
1856
1857
1858
1862
1862
1870
1870
1876
1877
1878
1879
1881
1882
Horas/Aula por Semana(h/a/s)
Lugar do Ensino da Filosofia
Presença com 20 h/a/s
Distribuídas na 1a e 2a aula
Presença com 10 h/a/s
Distribuídas na 6a e 7a aula
Presença com 11 h/a/s
Distribuídas na 5a , 6a e 7a aula
Presença com 7 h/a/s
Distribuídas na 5a , 6a e 7a aula
Presença com 6 h/a/s
Distribuídas na 6a e 7a aula
Presença com 6 h/a/s
Distribuídas na 6a e 7a aula
Presença com 6 h/a/s
Distribuídas na 4a aula
Presença com 12 h/a/s
Distribuídas na 6a e 7a aula
Presença com 6 h/a/s
Distribuídas na 5a , 6a e 7a aula
Fonte: Regulamentos do Colégio Pedro II
Magalhães, havia sido o professor de Latim, o frade beneditino José Santa Maria
do Amaral.
O período de 1890 a 1915 representou o primeiro ato de extinção da disciplina Filosofia do secundário brasileiro. Esse fenômeno coincide com as reformas
levadas a cabo nos primeiros anos da República que dão ao ensino secundário um
caráter mais científico. Embora o debate entre o currículo humanista e o currículo
cientificista não se esgote nesse momento, há uma inclinação pelo segundo que se
consolidará na partir de 1964. Embora a exclusão da Filosofia ocorra a partir de
1890, as discussões em torno da importância da disciplina começaram em 1880,
com o ingresso de Silvio Romero no Colégio Pedro II. Crítico do Império, de seu
governo e de sua ideologia, Sílvio Romero se opunha ao ensino que era ministrado
na época, chamando-o de enciclopédico e anacrônico. Os programas da disciplina
Filosofia no período eram um retrato dessa característica.
Para Romero (1969), esse fato decorria da compreensão da filosofia como
uma ciência híbrida que, ao mesmo tempo, é uma síntese das ciências particulares.
Uma espécie de enciclopédia que reúne no seu seio um determinado número de
ciências “que hoje [1880] já se podem considerar inteiramente independentes, e
em parte, finalmente, o reduto impossível de alguns pretensiosos e enigmáticos
estudos, indevidamente elevados à categoria de filosofia.” (ROMERO, 1969, p.
675). Para ele, a Filosofia nesse novo contexto – científico e moderno – devia ser
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A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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reduzida a uma espécie de metodologia científica, na qual a Lógica Geral e a
Lógica das Ciências Particulares deveriam ser os conteúdos a serem ensinados.
Tratava-se, pois, de preparar o jovem para a modernidade, para a construção de
uma Nação moderna, civilizada e democrática.
Quadro 2 – Quantidade de Horas/Aula/Semana e o Lugar do Ensino de Filosofia
nos Planos de Curso do Ensino Secundário Brasileiro (1890-1929)
Regulamento
1890
1892
1894
1898
1911
1915
1925
1929
Ano
Plano de Curso
1892
1893
1895
1898
1912
1915
1926
1929
Horas/Aula por Semana(h/a/s)
Lugar do Ensino da Filosofia
Ausência
Ausência
Ausência
Ausência
Ausência
Presença com 3 h/a/s no 5o ano
Presença com 3 h/a/s no 5o ano
do primeiro ciclo e como curso livre
no 3o ano do segundo ciclo
Presença com 3 h/a/s no 5o ano
e como curso livre no 6o ano
Fonte: Regulamentos do Colégio Pedro II
O posicionamento de Sílvio Romero quanto ao ensino na disciplina Filosofia no secundário brasileiro foi representativa do espírito que dominava à época
os debates quanto à presença da Filosofia no currículo da escola secundária em
1915 e seu impacto podem ser observados no Quadro 2 acima. A ausência de
um corpus academicus, aliado ao discurso cientificista positivista e evolucionista,
impossibilitava a defesa da disciplina enquanto saber necessário à formação do
jovem. Mais ainda, fomentou um discurso contrário a ela, que se agravou e se
solidificou com o acirramento da disputa entre o ensino humanístico clássico e o
ensino científico. Por isso, apesar das reformas de 1915 – Carlos Maximiliano – e
de 1925 – Rocha Vaz – poucas alterações promovem quanto ao ensino de Filosofia
no secundário: a primeira dá a ela um caráter optativo e a segunda, apesar de
torná-lo obrigatório retoma o programa enciclopédico, que, como já apontara Sílvio Romero, tornava o seu ensino anacrônico, inócuo e tentava ser uma introdução
às ciências particulares. (CARTOLANO, 1985; ALVES, 2002; SOUZA, 2012).
3 A disciplina Filosofia na organização da educação brasileira (18301951)
A Reforma Francisco Campos (1931) foi significativa para o ensino secundário adquiriu o caráter de curso, com currículo seriado e frequência obrigatória.
Até essa época, o ensino secundário não tinha organização digna
desse nome, pois não passava, na maior parte do território nacional, de cursos preparatórios, de caráter, portanto, exclusivamente
Saberes em perspectiva, Jequié, v.4, n.9, p.54–70, maio/ago. 2014
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Bento S. Pequin; Gilson R. M. Teixeira; Maria Fernanda A. G. Montero
propedêutico. [. . . ]. Era a primeira vez que uma reforma atingia
profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante, era
pela primeira vez imposta a todo o território nacional. Era, pois, o
início de uma ação mais objetiva do Estado em relação à educação.
(ROMANELLI, 1984, p. 131).
A reforma foi proposta através do Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, e
foi consolidada pelo Decreto 21.241, de 4 de abril de 1932. Na exposição de motivo
deste último, Francisco Campos escreveu que a finalidade exclusiva do secundário
era a formação do Homem para a atividade nacional, e não apenas a matrícula
nos cursos superiores. O secundário deveria inculcar no espírito do sujeito todo
um conjunto de hábitos, atitudes e comportamentos.
Esse decreto conseguiu dar ao secundário um caráter mais estável. Até
então o curso não era seriado, a matrícula era por disciplina e os alunos acabavam
fazendo somente as que eram pedidas nos exames para o superior. Por isso,
segundo Romanelli (1984), a Reforma Francisco Campos teve o mérito de dar ao
secundário organicidade, estabelecendo definitivamente o currículo seriado, a
frequência obrigatória, dois ciclos e a exigência de habilitação neles para o ingresso
no ensino superior.
A reforma empreendida pelo ministro da educação Francisco
Campos, no inicio dos anos 30, efetivada por uma série de decretos, sinalizou os rumos da ação do Estado na tentativa de
constituição de um sistema nacional de educação pautado nos
princípios da racionalidade e uniformização. (SOUZA, 2012, p.
147).
O secundário foi dividido em dois ciclos: um fundamental, de cinco anos;
e outro complementar, de dois anos. O primeiro tornou-se obrigatório para o
ingresso em qualquer escola superior e o segundo, somente em determinadas escolas. Além disso, o complementar ficou subdividido em três cursos preparatórios
para o ensino superior – cada um com duas séries. Nessa nova configuração, um
era destinado para os alunos que queriam ingressar na Faculdade de Direito, outro
para aqueles que queriam ingressar nas Faculdades de Medicina, Odontologia e
Farmácia, e outro para aqueles que queriam ingressar nos cursos de Engenharia e
Arquitetura.
Segundo o Art. 4o do Decreto 21.241/1932 , constavam como disciplinas
obrigatórias para o ciclo complementar: Alemão ou Inglês, Latim, Literatura,
Geografia, Geofísica e Cosmografia, História da Civilização, Matemática, Física,
Química, História Natural, Biologia Geral, Higiene, Psicologia e Lógica, Sociologia,
Noções de Economia e Estatística, História da Filosofia e Desenho. (BRASIL, 1932).
A Filosofia passou a compor o currículo do complementar, como História da
Filosofia e como Lógica. Mas de fato só foi efetivamente implantada a partir de
1942 como demonstra o Quadro 3.
A Lógica era ministrada juntamente com a Psicologia nos ciclos complementares que preparavam para os cursos de Direito, Medicina, Farmácia e Odontologia, Engenharia e Arquitetura. Para os cursos jurídicos (destinados aos que
Saberes em perspectiva, Jequié, v.4, n.9, p.54–70, maio/ago. 2014
A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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Quadro 3 – Quantidade de Horas/Aula/Semana e o Lugar do Ensino de Filosofia
nos Planos de Curso do Ensino Secundário Brasileiro (1931-1951)
Regulamento
1931
1942
1951
Ano
Plano de Curso
1931
1942/46
1951
Horas/Aula por Semana(h/a/s)
Lugar do Ensino da Filosofia
Ausência
Presença com 3 h/a/s
na 2a série do Colegial Clássico
Presença com 3 h/a/s
na 2a série do Colegial Clássico
e na 3a série do Curso Científico
Fonte: Regulamentos do Colégio Pedro II
queria ingressar nos cursos de Direito) exigia-se, também, a História da Filosofia
na 2a série do complementar.
De acordo com Souza (2012), Francisco Campos, ao definir a finalidade
educativa do secundário, colocou em destaque as exigências do mundo contemporâneo, a qualidade de uma educação fundada nos processos de aquisição de
conhecimentos e no desenvolvimento de capacidades como resolução de problemas e adequação a novas situações.
Em 1942, por iniciativa do então ministro Gustavo Capanema, começam a
ser reformados alguns ramos do ensino. Essas reformas, nem todas realizadas sob
o Estado Novo, receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino. A Lei Orgânica
do Ensino Secundário era o Decreto-Lei 4.244, de 9 de abril de 1942. (BRASIL,
1942a)
Na exposição de motivo, Capanema afirma que o que constituía o caráter
do secundário era a função de formar nos alunos uma sólida cultura geral, acentuar
e elevar a consciência patriótica humanística. Deveria ser um ensino capaz de dar
ao aluno a compreensão dos problemas e necessidades, da missão e dos ideais da
nação.
O ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as
responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos
homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é
preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre
o povo. Ele deve ser, por isso, um ensino patriótico por excelência.
(BRASIL, 1942b, s/p).
De acordo com Cartolano (1985), a Lei Orgânica do Ensino Secundário
não mudou muito o cenário: o secundário continuou dividido em dois ciclos,
mas a duração e a nomenclatura destes foram alteradas. Segundo os Art. 2o , 3o e
4o , o Secundário seria ministrado em dois ciclos: o primeiro compreendia um só
curso com duração de quatro anos, o ginasial; o segundo compreendia dois cursos
paralelos, cada qual com a duração de três anos: o clássico e o científico.
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Bento S. Pequin; Gilson R. M. Teixeira; Maria Fernanda A. G. Montero
O ginasial tinha como objetivo dar aos adolescentes os elementos fundamentais do Secundário. Os cursos clássico e científico tinham por objetivo
consolidar a educação ministrada no curso ginasial, assim como desenvolvê-la e
aprofundá-la. A Filosofia era indicada como disciplina obrigatória na 3a série do
clássico, e na 3a série do científico.
A reforma que trouxe maiores consequências para Filosofia foi a lei n.o
4024 de 1961 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1961),
que introduziu a descentralização do ensino, permitindo, assim, que as escolas
pudessem optar entre vários currículos. A LDB/61, em essência, nada mudou.
Sua única vantagem foi, talvez, “o fato de não ter prescrito um currículo fixo e
rígido para todo o território nacional, em cada nível e ramo. Este é, a nosso ver,
o único progresso da lei: a quebra da rigidez e certo grau de descentralização.”
(ROMANELLI, 1984). Para Nunes (2000), a LDB/1961 significou uma ruptura
com a concepção elitista de educação que vinha permeando o sistema educativo
brasileiro, mesmo com a implantação da Republica. No inicio do século XX, o
educação no nível secundário
Tratava-se da educação de um grupo social muito restrito, jovens
herdeiros da oligarquia agrária, filhos de industriais, grandes
comerciantes, profissionais liberais ou da incipiente classe media
urbana, cuja formação fundamentada nos estudos desinteressados expressava a distinção cultural de uma elite, destinando-se
a uma finalidade muito especifica, isto é, a preparação para os
cursos superiores. (SOUZA, 2012, p.89).
A estrutura do secundário1 ficou como estava, dividida em dois ciclos, o
ginasial e o colegial, o primeiro com quatro anos e o segundo com três. No que
diz respeito à grade curricular, quatro opções de currículo passaram a existir no
colegial, que compreendiam até cinco disciplinas indicadas como obrigatórias:
português, matemática, geografia, história e ciências. “Aos conselhos estaduais,
se existissem, cabia escolher, dentre os vários conjuntos possíveis, as disciplinas
que iriam complementar o currículo. A Filosofia é indicada aqui para o 2o ciclo.”
(ALVES, 2002, p. 34). Somente no conjunto das disciplinas optativas, a Filosofia
aparecia como Lógica, e perdia, assim, o caráter de obrigatoriedade que possuía
na Reforma Capanema.
Segundo Alves, “a questão da presença ou ausência da Filosofia no ensino
secundário brasileiro chega às portas do Golpe Militar de 1964, marcada por
um processo de ’extinção’ gradativa do currículo que se manifestou na forma
de redução de sua carga horária.” (ALVES, 2002, p. 34). Contribuíam para esse
quadro dois fatores: a) a constituição de um corpus academicus, que aos poucos se
solidifica nas Faculdades de Filosofia das universidades e que passa fomentar o
discurso de que o ensino de Filosofia, por excelência, deveria acontecer não no
1
Os cursos secundários, assim como os cursos técnicos e de formação de professores para o
Ensino Primário e Pré-Primário, compreendiam o Ensino Médio, ensino em prosseguimento
ao ministrado na escola primária que se destinava à formação do adolescente (NUNES, 2000).
Vale ressaltar que, aqui, era preciso ter 11 anos de idade ou alcançar essa idade no correr do
primeiro ano letivo do curso.
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A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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secundário, mas nos cursos superiores; b) a emergência do discurso nacionalista
desenvolvimentista. (ARANTE, 1995; NUNES, 2000).
4 A disciplina Filosofia na escola secundária do regime militar
Segundo Nunes (2000, p. 56),
As mudanças políticas de 1964 criaram uma nova situação que
pode sucintamente ser caracterizada em alguns aspectos: a tomada do poder pelos militares. o fortalecimento do poder executivo em contraposição do poder legislativo; centralização e
modernização da administração publica; reorientação das relações entre as classes sociais através de uma política salarial e
trabalhista com o objetivo de acelerar a acumulação de capital e
conter o processo social; a redefinição da política educacional em
todos os níveis de ensino.
As reformas políticas empreendidas pelos governos militares devem ser
analisadas num contexto em que predominava a ideologia da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento (DSND). Para assegurar as melhores condições
para a implantação e manutenção do modelo econômico de internacionalização do
mercado interno, em substituição ao modelo nacional-desenvolvimentista vigente
até então, várias reformas foram elaboradas, sobretudo no campo educacional.
É assim que, sob a assessoria dos técnicos da USAID, o MEC
empreendeu as reformas educacionais “necessárias” para que
se garantisse um desenvolvimento econômico sem entraves. Os
técnicos dessas Agências [. . . ] propuseram uma reformulação
curricular dos diversos níveis de ensino escolar no Brasil, que
deveriam se modernizar. (ALVES, 2002, p. 37).
Nunes (2000) afirma que essa modernização defendida pelos governos
militares separava desenvolvimento econômico de desenvolvimento social, havendo uma predominância para o primeiro e um grande estímulo à importação de
tecnologias altamente sofisticadas dos grandes centros capitalistas e a uma ajuda
externa que viria viabilizar novas propostas para o ensino secundário. Segundo
Cartolano (1985), essa modernização implicava, dentre outra coisas, uma valorização das áreas tecnológicas, em detrimento da formação geral e da gradativa perda
de status das humanidades e ciências sociais.
Criaram-se então, situações para justificar a ausência da Filosofia no currículo escolar, como por exemplo, a inclusão de outras disciplinas que, supostamente, tinham o conteúdo correspondente ao da Filosofia. Eram essas disciplinas:
Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e
Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB).
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Bento S. Pequin; Gilson R. M. Teixeira; Maria Fernanda A. G. Montero
Porém, foi a Lei n. o 5692, de agosto de 1971 – que fixa diretrizes e bases
para o ensino de 1o e 2o graus– (BRASIL, 1971)2 que definiu a completa ausência
da Filosofia dos currículos escolares do nível secundário, até o fim do regime
militar.
Segundo seu Art. 1o , o ensino, tanto de 1o como de 2o grau, tinham como
objetivo geral “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”. (BRASIL,
1971). Tendo em vista, então, a qualificação para o trabalho, a Lei n.o 5692/71,
previa em seu Art. 4o a organização dos currículos, tanto do ensino primário
como o secundário, atribuindo-lhes um “núcleo comum”, obrigatório em âmbito
nacional, e uma “parte diversificada”, que deveria atender às necessidades de
cada escola e/ou região.
As disciplinas que passaram a constituir o núcleo comum, fixadas pelo Conselho Federal de Educação foram “Comunicação e Expressão (língua portuguesa
e língua estrangeira moderna), Estudos Sociais (história, geografia e organização
social e política do Brasil) e Ciências (matemática e ciências físicas e biológicas).”
(CARTOLANO, 1985, p. 76).
Além desse núcleo comum, outras disciplinas foram fixadas como obrigatórias pelo Conselho Federal. Conforme o Art. 7o da Lei n.o 5692/71, eram elas:
Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de
Saúde; o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituiu-se disciplina dos
horários normais dos estabelecimentos de ensino de 1o e 2o graus. (BRASIL, 1971).
Apesar das condições adversas, do ponto de vista legal, a Filosofia poderia
ser integrada no currículo do secundário, como disciplina da parte diversificada;
porém, na prática isso se tornava quase impossível, devido aos muitos dispositivos
criados pelo governo federal que inviabilizavam a inclusão da Filosofia nesse nível
de ensino.
Mesmo não sendo possível, neste momento, garantir sua presença no
currículo do Ensino Médio das escolas públicas nacionais, sempre existiu alguma
forma de pressão para a inclusão da Filosofia no currículo. É nesse período que
é criada a Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas (SEAF), em 1975, como
resposta à retirada da Filosofia do currículo do secundário.
A SEAF nasceu devido à necessidade de se criar uma alternativa para a discussão de ideias, compartilhar estudos, etc., atividades inviabilizadas nos cursos
e departamentos de Filosofia das universidades por causa da grande vigilância
imposta pelo regime militar. A SEAF fazia parte de um movimento de protesto
contra a exclusão da Filosofia, movimento que reivindicava a volta da disciplina
ao currículo escolar. Esse movimento contou também com outras importantes
referências nacionais, tais como a Sociedade Brasileira de Cultura (CONVÍVIO); o
Conjunto de Pesquisa Filosófica (CONPEFIL); a Associação Brasileira de Filósofos
2
Com a Lei 5692, de 1971 o colegial passou a se denominar 2o grau, que deveria ter três ou
quatro séries anuais. O ginásio incorporou-se ao ensino de 1o grau, que deveria ter a duração
de 8 anos letivos.
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A Filosofia na escola secundária brasileira (1837-2008)
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Católicos (ABFC); o Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF), a Coordenação Nacional
dos Departamentos de Filosofia (CNDF); além da marcante presença dos estudantes de Filosofia, que além de participarem das atividades das entidades já citadas,
passaram a organizar seus próprios encontros, os Encontros Nacionais de Estudantes de Filosofia (ENEFILS). Outro acontecimento marcante desse movimento
de protesto foi a criação da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia
(ANPOF), em 1983.
A Filosofia voltou ao currículo no Rio de Janeiro, como “noções de Filosofia”, pelo parecer CEE/RJ n. 49, de 21 de janeiro de 1980. A Filosofia retornou ao
ambiente escolar, mas como uma disciplina optativa, controlada/vigiada e muitas
vezes ministrada por professores formados em outras áreas do conhecimento. A
forma como foi reintroduzida, portanto, não correspondeu, em muitos aspectos,
àquilo que pretendiam as várias entidades representativas do movimento.
Em 20 dezembro de 1996 foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – Lei no 9.394 (BRASIL, 1996). Desse ponto em diante, a Filosofia passa a ter uma “presença inócua” no currículo, pois a lei, apesar de afirmar
que os educandos deveriam ao final do Ensino Médio apresentar conhecimentos
de Filosofia e Sociologia, ela não define sua obrigatoriedade. Presença inócua
porque o discurso da importância da Filosofia não se traduz em uma presença
efetiva nos currículos. Por um lado, a necessidade da Filosofia está presente na lei,
mas ao analisarmos mais atentamente percebemos que não nos é possível afirmar
com precisão como se dá a inclusão da Filosofia no currículo do Ensino Médio, se
como uma disciplina específica, obrigatória, ou se deve ser trabalhada de forma
transversal.
Segundo Alves (2002), a LDB/96 é o cumprimento de um programa cujo
principal objetivo é a centralidade da educação. Tal programa começou a ser
implantado no Brasil de forma mais incisiva e sistemática no governo de Fernando
Collor de Melo, e que foi sustentado com maior competência pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso em seus dois mandatos. Não é coincidência que,
depois de oito anos, a lei tenha sido aprovada nesse período. Ela finalmente estava
de acordo com os “interesses privatistas e com o ideário neoliberal.” (ALVES,
2002, p. 64). A Lei, nos moldes almejados pela iniciativa privada e pelo MEC, foi
sancionada sem vetos pelo então presidente da República Fernando Henrique
Cardoso.
Por aproximadamente três anos, tramitou na Câmara e no Senado Federal,
um projeto de lei complementar que substituiria o artigo 36 da LDB, definindo a
obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia nos currículos do Ensino
Médio. Após a aprovação do projeto nessas duas instâncias do Poder Legislativo
Federal, ele foi vetado, em outubro de 2001, pelo então presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Os argumentos que sustentaram o veto foram basicamente dois
[. . . ] a) a inclusão das disciplinas de Filosofia e Sociologia implicaria incremento orçamentário impossível de ser arcado pelos
estados e municípios; b) não haveria suficientes professores forSaberes em perspectiva, Jequié, v.4, n.9, p.54–70, maio/ago. 2014
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Bento S. Pequin; Gilson R. M. Teixeira; Maria Fernanda A. G. Montero
mados para fazer frente às novas exigências da obrigatoriedade
da disciplina. (FAVERO et al., 2004, p. 260).
Mas em junho de 2008, a lei no 11.684 (BRASIL, 2008) alterou o artigo 36 da
LDB, para incluir a Filosofia e a Sociologia como obrigatórias nos currículos de
Ensino Médio.
5 Algumas considerações
A reinserção da Filosofia como disciplina obrigatória na Educação Básica,
no nível do Ensino Médio representa uma vitória das associações de filósofos
que lutaram para que isso ocorresse. Obra de um grupo de especialista, seu
retorno ainda é tímido: uma hora-aula nos três anos do ensino médio. Além
disso, há dificuldades na implantação da lei por parte alguns Estados. Há falta
de professores preparados. Mas são problemas que começam a ser equacionados
pela formação intensiva via Plataforma Freire e pela consolidação de um grupo
de sustentação, formados na sua maioria por filósofos com pós-graduação em
Educação, empenhado em dar subsídios para o filosofar no Ensino Médio.
Como vimos na nossa exposição histórica da disciplina, três problemas
ressaltam na condição de intermitência da Filosofia na escola brasileira: o primeiro diz respeito à inadequação do conteúdo ao que se deve ensinar; o segundo
refere-se à ausência de um corpus academicus que reivindicasse politicamente a
inserção e a sustentasse como disciplina; o terceiro advém das políticas públicas
do governo. Para nós, destes três o segundo é central. Ao longo da história do
ensino secundário, ou de segundo grau ou médio, brasileiro é clara a ausência do
grupo de especialistas congregados em uma associação. A ausência desse grupo
contribuiu para o movimento de intermitência, porque não realizou um plano de
ação em torno da reinserção da mesma. Porque não criou condições adequadas de
adaptação do saber filosófico ao conteúdo programático necessário ao nível que
se pretendia ensiná-la.
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