ISSN - 1519-0501 DOI: 10.4034/PBOCI.2013.133.09 Avaliação das Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Internos em um Hospital Submetidos à Terapia Antineoplásica Oral Manifestations in Hospitalized Children and Adolescents Subjected to Antineoplastic Therapy 1 2 3 Patrícia Batista Lopes do NASCIMENTO , Luiz Carlos Oliveira dos SANTOS , Camila Nunes CARVALHO , 4 5 6 Carolina Argolo Lôbo ALVES , Suzana Marinho LIMA , Marcella Maria Santos CABRAL 1 Professora Adjunta de Odontologia Infantil da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió/AL, Brasil 2 Professor Adjunto de Estomatologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió/AL, Brasil 3 Mestranda em Clínica Integrada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife/PE, Brasil 4 Cirurgiã-Dentista, Maceió/AL, Brasil 5 Médica Oncologista Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Maceió/AL, Brasil. 6 Especializanda em Pacientes Especiais pelo Centro Odontológico de Estudos e Pesquisa (COESP), João Pessoa/PB, Brasil RESUMO Objetivo: Identificar a prevalência das alterações bucais decorrentes do tratamento antineoplásico e sua correlação com o hemograma em crianças e adolescentes internos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em um hospital em Maceió-AL. Método: Estudo transversal realizado na enfermaria da Oncologia Pediátrica de um hospital em Maceió-AL, com uma amostra de 40 pacientes oncológicos em terapia antineoplásica, com idade entre 1 e 17 anos, de ambos os gêneros, atendidos no período de fevereiro à setembro de 2011. Foi preenchido um prontuário com dados referentes à história médica, a doença atual, odontológica e nutricional, hábitos de higiene oral, hemogramas realizados, incluindo hematócritos, hemoglobina, plaquetas e leucócitos, bem como exame extra e intra-oral uma ou mais vezes. Foi realizada análise estatística descritiva e utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney com nível de significância de 5%. Resultados: Houve maior prevalência no gênero masculino (57,5%) e dos tumores sólidos (45%). Em 80% houve alguma alteração oral, com predominância de petéquias (40%), seguida de mucosite (35,5%), boca seca (17,5%), úlcera (15%), sangramento gengival (15%), candidíase (10%), gengivite ulcerativa necrosante (10%) e palidez da mucosa (5%). Houve 15% dos internamentos por alterações orais. Houve relação positiva entre plaquetas e leucócitos e a presença de petéquias (p<0,05). Para sangramento gengival houve relação positiva entre todas as variáveis do hemograma (p<0,05). Para pacientes com mucosite grau III e IV houve relação positiva entre leucócitos e plaquetas. Houve diferença significativa entre as distribuições de idade dos pacientes com gengivite ulcerativa necrosante (GUN) e sem GUN (p<0,05). Conclusão: Houve alta ocorrência de alterações orais, significância para as variáveis do exame hematológico analisadas e a ocorrência de complicações orais e ocorrência de GUN nos adolescentes da pesquisa. DESCRITORES Manifestações bucais; Quimioterapia; Criança; Adolescente. ABSTRACT Objective: To identify the prevalence of oral manifestations subsequent to antineoplastic therapy and its correlation with complete blood count in children and adolescents admitted in a public hospital in the city of Maceió, AL, Brazil. Method: This cross-sectional study was undertaken in the Pediatric Oncology outpatient service of a hospital located in Maceió, AL, Brazil. Forty male and female 1-17-year-old oncologic patients subjected to antineoplastic therapy between February and September 2011 were enrolled. A clinical chart was filled out containing data on the medical history, the current disease, dental and nutritional history, oral hygiene habits, results of complete blood counts, including hematocrit, hemoglobin, platelet and leukocyte counts, as well as extra- and intraoral examination performed once or more times. Descriptive statistical analysis was performed using the non-parametric MannWhitney test with a significance level of 5%. Results: There was prevalence of males (57.5%) and solid tumors (45%). Eighty percent of the patients presented some type of oral alteration with predominance of petechiae (40%), followed by mucositis (35.5%), dry mouth (17.5%), ulcers (15%), gingival bleeding (15%), candidiasis (10%), necrotizing ulcer gingivitis (NUG) (10%) and pale mucosa (5%). In 15% of the cases, oral alterations resulted in hospitalizations. There was positive correlation between platelet and leukocyte counts and the presence of petechiae (p<0.05). Gingival bleeding had positive correlation with all complete blood count variables. Patients with grade III and IV mucositis presented positive correlation between leukocytes and platelets. There was a statistically significant difference between the age distribution of patients with or without NUG (p<0.05). Conclusion: There was high incidence of oral alterations, significance between the hematological exam variables and occurrence oral complications and NUG in the adolescents in this study. KEY-WORDS Oral manifestations; Drug therapy; Child; Adolescent. Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 13(3):279-85, jul./set., 2013 279 Santos et al. – Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Submetidos à Terapia Antineoplásica 17 INTRODUÇÃO Apesar do câncer ser considerado raro na infância, sua incidência tem crescido em média 1% ao ano, sendo atualmente a principal causa de morte por 1,2 doença em crianças com idade entre 1 e 14 anos . Atualmente, entre 70% e 75% das crianças acometidas por câncer podem ser curadas se diagnosticadas 3,4 precocemente e tratadas em centros especializados . A leucemia linfóide aguda é a neoplasia mais frequente em crianças (24%), seguida de tumores do sistema nervoso 2,4-8 central (22%) e sarcomas . Idealmente, o agente quimioterápico deveria destruir somente células malignas. Porém, os medicamentos antineoplásicos também podem provocar, inevitavelmente, alguma destruição aos tecidos normais, particularmente naqueles sítios em que 4há uma rápida divisão celular, entre eles a mucosa oral 7,9 . As complicações orais são reconhecidas como um efeito adverso comum da terapia antineoplásica na infância, podendo acarretar comprometimento 10,11 nutricional, dor e morbidade a longo prazo . A incidência de complicações orais devido à terapia citotóxica varia consideravelmente na literatura e se 3,12 estende entre 30% e 100% . As crianças são frequentemente reportadas por serem de alto risco a desenvolverem manifestações orais quando comparadas a adultos devido aos seus altos índices de mitoses na 3 mucosa oral . A severidade das lesões orais depende de vários fatores, que incluem idade, tipo de malignidade, condição da cavidade oral anterior ao tratamento e nível de cuidado oral durante a terapia antineoplásica. O aparecimento dessas lesões também depende do tipo e modo do tratamento, tipo de agentes quimioterápicos, duração e outras modalidades de terapia, como 1radioterapia usada concomitantemente à quimioterapia 5,13 . Mudanças no meio ambiente oral associadas à terapia medicamentosa e hospitalização alteram o padrão de colonização microbiana bucal. Essa substituição pode levar a um super crescimento de organismos não indígenas na cavidade oral. Além disso, a flora oral pode ser ainda mais afetada com o uso de 6,8,14,15 antibióticos de largo espectro . Medicamentos administrados sistemicamente e localmente são secretados pela saliva e pelo fluido gengival, os quais 15 promovem a seleção de organismos multirresistentes . Entre os efeitos adversos da quimioterapia na mucosa oral reportados estão a mucosite, desconforto oral, dor, sangramento espontâneo, petéquias, hipofunção das glândulas salivares e boca seca, alterações no paladar, maior suscetibilidade à infecções por bactérias, fungos e vírus, além de mudanças da microflora oral, que se torna potencialmente mais 2,4,9,13,15,16 patogênica . Gengivite aguda e gengivite ulcerativa necrosante (GUN) podem ser mais freqüentes ou severas em pacientes em tratamento quimioterápico do que em pacientes saudáveis. A quimioterapia pode, 280 ainda, causar exacerbação da gengivite aguda . Uma vez que a literatura é escassa de trabalhos que avaliem a prevalência dessas alterações em crianças internas e a relação dos exames hematológicos com essas alterações orais, o objetivo do presente estudo foi identificar a prevalência das alterações bucais decorrentes do tratamento antineoplásico e sua correlação com o hemograma e motivo de internamento de crianças e adolescentes internos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em um hospital em Maceió-AL. METODOLOGIA A pesquisa foi realizada na enfermaria do SUS da Oncologia Pediátrica de um hospital em Maceió-AL. A amostra foi obtida por conveniência, uma vez que dependia da internação do paciente no hospital e na possibilidade de execução do exame intraoral. O total de pacientes foi de 40 pacientes internos, na faixa etária de 1 a 17 anos, de ambos os gêneros, atendidos no período de fevereiro a setembro de 2011 nos quais foram realizados 100 exames intraorais. Foram incluídos os pacientes com diagnóstico conclusivo de neoplasia maligna e que estavam em terapia antineoplásica em diferentes fases do tratamento. Contudo, aqueles cujos responsáveis não consentiram a participação ou não estavam em condições de saúde que possibilitasse a realização do exame foram excluídos da pesquisa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, com número de protocolo 009430/2011-07. Os objetivos do presente estudo foram apresentados aos responsáveis pelas crianças e adolescentes, em linguagem clara e acessível, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), fundamentado na resolução nº 196/96-IV do Conselho Nacional de Saúde. Foi realizada análise dos prontuários hospitalares dos pacientes e anamnese com os responsáveis. Para cada paciente foi preenchido um prontuário (previamente elaborado e validado para esse estudo), onde foram anotados dados referentes à história médica, da doença atual, odontológica e nutricional, hábitos de higiene oral, hemogramas realizados, incluindo hematócritos, hemoglobina, plaquetas e leucócitos. Após preenchimento do prontuário, foi realizado exame extra e intraoral, sob iluminação artificial com o auxílio de espátula de madeira e gaze, levando-se em consideração as medidas de biossegurança, por um único examinador devidamente calibrado. A mucosa oral foi avaliada pelo exame clínico, por meio de inspeção visual e palpação obedecendo a seguinte ordem: vermelhão e mucosa do lábio superior e inferior, mucosa jugal, língua, assoalho oral, palato duro, 18 palato mole, vestíbulos e gengivas . Cada paciente foi examinado uma ou mais vezes, e os dados foram registrados na ficha clínica com sua data correspondente. O diagnóstico de mucosite foi estabelecido 19 mediante escala definida por critério pré-estabelecido , Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 13(3):279-85, jul./set., 2013 Santos et al. – Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Submetidos à Terapia Antineoplásica como também as demais lesões e alterações do padrão 18 de normalidade da cavidade oral . O tratamento da doença de base e os exames hematológicos realizados foram de responsabilidade dos médicos oncologistas de cada paciente. Após o exame, informações relevantes foram comunicadas e discutidas com o médico assistente, bem como, quando necessário, foi realizada laserterapia de baixa intensidade e encaminhamento para tratamento odontológico ambulatorial. Foi realizada análise estatística descritiva levandose em consideração a amostra total de 40 pacientes, ao passo que foi utilizado o teste não paramétrico de MannWhitney com nível de significância de 5% considerandose 100 exames realizados nos pacientes. RESULTADOS No total foram avaliados 40 pacientes, sendo 23 (57,5%) do gênero masculino e 17 (42,5%) do gênero feminino. A idade dos pacientes variou de 1 a 17 anos (9,37±5,0). Dentre as neoplasias malignas encontradas, os tumores sólidos foram diagnosticados em 18 (45%) pacientes, enquanto que os linfomas e as leucemias igualmente em 11 (27,5%) pacientes cada um. Quanto à presença de alterações 32 (80%) pacientes apresentaram algum tipo de alteração, ao passo que apenas 8 (20%) pacientes não apresentaram nenhuma. Ressalta-se que o mesmo paciente pode ter sido examinado mais de uma vez, podendo apresentar diferentes alterações simultaneamente, as quais estão distribuídas na Tabela 1. Em relação ao motivo do internamento, em 15% dos casos alguma alteração oral foi mencionada (Tabela 2). Para as tabelas a seguir, foram considerados os 100 exames realizados. Na Tabela 3 destacou-se a relação positiva entre o número de plaquetas e leucócitos e a presença de petéquias, pois houve diferença significativa (p<0,05) entre eles, o que não ocorreu para as distribuições de hemoglobina e hematócrito (p>0,05). Tabela 2. Distribuição absoluta e percentual dos pacientes de acordo com o motivo do internamento (Maceió-AL, 2011). Motivo do internamento N % Alterações orais 6 15,0 Outros motivos Total 34 40 85,0 100,0 Os pacientes acometidos com petéquias apresentaram média de leucócitos de 2641,9/mm3, enquanto aqueles sem petéquia obtiveram média de 5649,3/mm3. Com relação às plaquetas, os pacientes que apresentaram petéquias tiveram valores médios de 34.790,3 mm3, enquanto aqueles que não apresentaram petéquias tiveram média de 226.749 mm3. Com relação aos pacientes que apresentaram sangramento gengival (Tabela 4), houve diferença significativa entre as distribuições de todas as variáveis do hemograma. Os indivíduos com sangramento gengival apresentaram valores médios inferiores aos que não tinham sangramento. Quanto à mucosite grau I e II (Tabela 5), não houve diferença significativa entre as distribuições de nenhuma das variáveis do hemograma (p>0,05). A Tabela 6 descreve a relação das variáveis hematológicas com a presença ou ausência de mucosite grau III e IV em que não houve diferença significativa entre as distribuições de hemoglobina e hematócritos (p>0,05). Houve, porém, diferença significativa entre leucócitos e plaquetas (p<0,05), com os pacientes acometidos apresentando média de 1.000,0/mm3 de leucócitos, enquanto aqueles sem mucosite grau III e IV apresentaram média de 4996,8/mm3. Em relação às plaquetas, aqueles que apresentaram mucosite grau III e IV obtiveram valor médio de 34.857,1 mm3, enquanto Tabela 1. Distribuição absoluta e percentual das alterações orais decorrentes do tratamento antineoplásico, por paciente (Maceió-AL, 2011). Alterações Orais Presença Ausência Total N % N % N % Petéquia 16 40% 24 60% 40 100% Mucosite 13 33% 27 68% 40 100% Língua despapilada 8 20% 32 80% 40 100% Boca seca 7 18% 33 83% 40 100% Úlcera 6 15% 34 85% 40 100% Sangramento gengival 6 15% 34 85% 40 100% Candidíase 4 10% 36 90% 40 100% Gengivite ulcerativa necrosante (GUN) 4 10% 36 90% 40 100% Herpes Palidez da mucosa 4 2 10% 5% 36 38 90% 95% 40 40 100% 100% Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 13(3):279-85, jul./set., 2013 281 Santos et al. – Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Submetidos à Terapia Antineoplásica aqueles sem mucosite apresentaram média de 203.741,9/mm3. Dos pacientes que apresentaram GUN (Tabela 7), a idade foi de 14,25±4,94 anos, enquanto que os que não apresentaram GUN tiveram média de idade de 8,56±4,94 anos. Houve diferença significativa entre as distribuições de idade dos pacientes com e sem GUN (p<0,05). Tabela 3. Relação entre as variáveis hematológicas e a presença ou ausência de petéquias, considerando 100 exames (Maceió-AL, 2011). Presença (n=31) Hemograma Hemoglobina Hematócritos Ausência (n=69) Média Desv. Padrão Média Desv. Padrão 8,5 2,1 9,4 1,7 Valor de p*** 0,110* 25,5 6,1 28,5 4,8 Leucócitos 2641,9 3246,1 5649,3 5070,6 0,002** 0,081* Plaquetas 34790,3 66648,8 262514,5 226749,7 0,000** *Não apresentou significância (p>0,05); **Apresentou significância (p<0,05); ***Obtido por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. Tabela 4. Relação das variáveis hematológicas quanto à presença ou ausência de sangramento gengival, considerando 100 exames (Maceió-AL, 2011). Presença (n=7) Hemograma Hemoglobina Hematócritos Ausência (n=93) Média Desv. Padrão Média Desv. Padrão 7,3 1,8 9,3 1,8 0,006* Valor de p** 22,4 5,5 28,0 5,2 0,010* Leucócitos 2057,1 3189,5 4917,2 4827,0 0,043* Plaquetas 14857,1 7798,0 205247,3 221222,3 0,003* *Apresentou significância (p<0,05); **Obtido por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. Tabela 5. Relação entre as variáveis hematológicas quanto à presença ou ausência de mucosite grau I e II, considerando 100 exames (Maceió-AL, 2011). Presença (n=7) Ausência (n=93) Média Desv. Padrão Média Desv. Padrão Hemoglobina 9,1 1,8 9,1 1,9 0,824* Hematócritos 27,6 4,5 27,6 5,5 0,871* Hemograma Leucócitos Plaquetas Valor de p** 6400,0 3725,6 4590,3 4837,9 0,154* 217428,6 248564,5 190000,0 217774,2 0,495* *Não apresentou significância (p>0,05); **Obtido por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. Tabela 6. Estatística das variáveis hematológicas quanto à presença ou ausência de mucosite grau III e IV, considerando 100 exames (Maceió-AL, 2011). Presença (n=7) Ausência (n=93) Média Desv. Padrão Média Desv. Padrão Hemoglobina 8,3 1,8 9,2 1,8 0,160** Hematócritos 25,0 4,3 27,8 5,5 0,108** Hemograma Valor de p*** Leucócitos 1000,0 1070,8 4996,8 4830,9 0,004* Plaquetas 34857,1 36730,7 203741,9 222265,6 0,034* *Não apresentou significância (p>0,05); **Apresentou significância (p<0,05); ***Obtido por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. 282 Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 13(3):279-85, jul./set., 2013 Santos et al. – Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Submetidos à Terapia Antineoplásica Tabela 7. Média de idade e desvio padrão dos pacientes com gengivite ulcerativa necrosante (GUN), considerando 100 exames (Maceió-AL, 2011). GUN IDADE Presença (n=4) Ausência n=36) Desv. Méd Desv. Média Padrão ia Padrão 14,25 1,708 8,56 4,942 Valor de p** 0,049* *Apresentou significância (p<0,05); **Obtido por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney DISCUSSÃO Na amostra dos pacientes pediátricos estudada verificou-se uma maior prevalência de neoplasias no gênero masculino (57,5%), o que corrobora com a 10 literatura . Os tumores sólidos, no entanto, foram a maioria (45%), enquanto que a leucemia, a malignidade 2,4-8,10,32 mais comum na infância ocorreu em 27,5% do total de pacientes, porém concordando com estudo que 20 também avaliou pacientes internos . Em relação à idade, a maior incidência do câncer na infância ocorre na faixa etária a partir de 1 ano de 7,10 idade , o que está em acordo com o encontrado no presente estudo. No que concerne aos motivos de internação observou-se que 15% esteve relacionado com manifestações orais. Se for levado em consideração que nem todos os internamentos são por complicações e que os motivos de internação, de uma maneira geral, também são para realização de quimioterapia, exames ou cirurgias, os 15% tornam-se relevantes. Dessa forma, enfatiza-se ainda mais a importância do cirurgiãodentista na equipe multidisciplinar hospitalar em instituições que fornecem tratamento antineoplásico a crianças e adolescentes devido ao grande risco de 5,9,21 desenvolvimento de complicações orais . Dos 40 pacientes examinados, foi constatado que 80% apresentaram alguma manifestação oral, o que está em acordo com a literatura, que relata que a incidência de manifestações orais pode variar entre 30% 3,12 e 100% em pacientes pediátricos oncológicos . Com relação à incidência das alterações orais, as manifestações encontradas no presente estudo também 2,4,15 foram citadas como sendo comuns de ocorrerem ,à exceção da gengivite ulcerativa necrosante. A gengivite ulcerativa necrosante (GUN) é caracterizada pela necrose da gengiva interdental, comumente descrita como inversão da papila, sangramento gengival e dor. O surgimento da GUN está associado ao stress, infiltrado fusoespiroquetário, má 22,23 nutrição e má higiene oral , sendo uma condição que ocorre em pacientes com sistema imune suprimido e 22 comprometido . Em pacientes em tratamento antineoplásico há uma mielossupressão e 14,16 imunossupressão , o que pode tornar essa 17 manifestação mais severa nesse tipo de paciente . Durante a quimioterapia, há um aumento no número e proporção de algumas bactérias associadas a doenças periodontais, especialmente a Fusobacterium nucleatum. Membros do gênero Porphyromonas e Prevotella têm sido mostrados em predominância para 15 abscessos periodontais em pacientes mielossuprimidos . No presente estudo observou-se GUN em 4 pacientes, com média de idade de 14,25 anos (p<0,05), que está de acordo com a literatura para indivíduos não imunodeprimidos, a qual relata que a GUN ocorre em 23 adultos jovens e raramente antes da adolescência . Por se tratar de uma patologia que se inicia na papila gengival, a escovação e o uso de fio dental por pacientes oncológicos durante o tratamento antineoplásico devem ser incentivados. Observou-se, neste estudo, uma correlação estatisticamente significante entre o número de plaquetas e leucócitos e a presença de petéquias (p<0,05), não ocorrendo o mesmo para as distribuições de hemoglobina e hematócrito. Os pacientes que apresentaram petéquias obtiveram valores médios de 3 plaquetas de 34.790 mm , que ainda foi próximo, porém ainda menor do que dado anterior da literatura de valor 3 21 médio de plaqueta de 40.400 mm . Enquanto que, aqueles que não apresentaram essa manifestação oral 3 tiveram média de 226.749 mm , o que também concorda 21 com a literatura . Sabe-se que as petéquias podem se desenvolver em decorrência do decréscimo da contagem 5 de plaquetas (trombocitopenia) . Esses achados podem ser justificados, tanto pela própria trombocitopenia, quanto pelo próprio tratamento antineoplásico, que afeta a proliferação das células epiteliais, o que resulta em atrofia do epitélio tornando-o, consequentemente, 6,21 suscetível a traumas . Com relação à incidência de sangramento gengival, observou-se essa manifestação em 15% dos pacientes. Quando foram relacionados os dados do hemograma com o sangramento gengival, foi obtida diferença significativa entre as distribuições de todas as variáveis relacionadas ao hemograma. Os pacientes com sangramento gengival apresentaram valores médios inferiores aos obtidos pelos que não apresentaram sangramento. Os estados trombocitopénicos provocados por neoplasias malignas, a quimioterapia e/ou radioterapia, dentre as possíveis causas, é a principal, que pode conduzir a eventos de sangramento oral 1,2,5,14 espontâneo . A diminuição do número de plaquetas (trombocitopenia) pode levar ao sangramento oral espontâneo quando a contagem de plaquetas está 3 5 abaixo de 20.000 mm o que concordou com o resultado da presente pesquisa, cujo valor médio de plaquetas em pacientes que apresentaram sangramento 3 gengival foi de 14.857,1mm . A mucosite apresentou-se em 32,5% dos pacientes examinados; se considerarmos o grau das mucosites, para grau I e II tivemos 17,5% dos casos, e para grau III e IV houve 15% de incidência. O dado encontrado aproxima-se da incidência mostrada na literatura, a qual cita que a mucosite oral induzida por quimioterápicos tem sido encontrada na faixa de 35 a 5,8,16,24-26,31 75% dos pacientes oncológicos pediátricos . A dose dos quimioterápicos e o emprego de múltiplos Pesq Bras Odontoped Clin Integr, João Pessoa, 13(3):279-85, jul./set., 2013 283 Santos et al. – Manifestações Orais em Crianças e Adolescentes Submetidos à Terapia Antineoplásica agentes utilizados também podem interferir na probabilidade dos pacientes pediátricos com câncer 4,27 desenvolverem mucosite . Outros fatores relacionados ao paciente ou ao tratamento como o gênero, idade, status nutricional, meio oral microbiano e função salivar têm sido associados tanto ao aumento como à 24 diminuição da severidade da mucosite oral . A mucosite oral representa a complicação não hematológica mais importante da citotoxicidade da quimioterapia, associada à morbidade significante, dor, disfagia, digeusia e 4-6,26,31 subsequente desidratação e má nutrição . Com relação à mucosite grau I e II, não houve diferença significativa entre as distribuições de nenhuma das variáveis do hemograma (p>0,05). Porém, vale salientar que os pacientes que tiveram mucosite grau I e II mantiveram os níveis normais de leucócitos 3 3 (6400/mm ) e plaquetas (248.564,5 mm ), já nos casos de mucosite grau III e IV, houve diferença significante (p<0,05) para as variáveis leucócitos e plaquetas, as quais 3 3 apresentaram valores de 1000/mm e 34.857 mm , respectivamente. Isso evidencia o efeito do tratamento antineoplásico sobre as células do sangue, sendo a mielossupressão (leucocitopenia e trombocitopenia) um 28 de seus maiores efeitos adversos . No caso da mucosite grau III e IV ocorre a perda da integridade epitelial, que aumenta marcadamente o risco de bacteremia, fungemia e sepse, pois a flora bacteriana oral é ampla, podendo os pacientes com baixa higiene oral e taxa de leucócitos 3 5,21 inferior a 1000/mm virem a óbito . No presente estudo, obteve-se incidência de 20% dos pacientes com língua despapilada, o que demonstrou ser uma das manifestações mais frequentes durante o tratamento antineoplásico, uma vez que causa 14,21 atrofia do epitélio . Entre os pacientes examinados, observou-se hipossalivação em 17,5%. Essa condição é resultado de um dano aos ácinos das glândulas salivares, que mudam suas consistências e volume da saliva na boca, podendo ser causada tanto pela quimioterapia quanto pela 4,11 radioterapia de cabeça e pescoço . Úlceras também foram encontradas em 15% dos 29 pacientes, o que concorda com a literatura . O aparecimento das úlceras pode ser justificado pelo tratamento antineoplásico, que resulta em atrofia do 21 epitélio . Em 10% dos pacientes foi encontrado candidíase, sendo essa infecção considerada muito comum em crianças que recebem tratamento antineoplásico, por possuírem um alto risco para 8,25 infecções fúngicas . Aparecem devido ao uso extenso de antibióticos de larga escala, quimioterapia, pobre higiene oral, má nutrição e a pobre higiene geral do 4,5,8,14 paciente . Em 40 pacientes examinados 10% apresentaram herpes, o que corrobora com estudo anterior 25,30 realizado . O Herpes Simplex, provocado principalmente pelo HSV-1, destaca-se como um agente viral relacionado a infecções em pacientes com câncer, onde o vírus é detectado mais frequentemente em 5,14,25 lesões localizadas na mucosa oral . Os dados encontrados estão em acordo com os encontrados no 284 30 estudo de outro autor . Em 5% dos casos foi encontrada palidez da mucosa. Esse dado está em concordância com o 21 encontrado em outro estudo , que relatou essa alteração em 6,3% dos pacientes. Para o presente estudo epidemiológico, verificou-se como limitação a dificuldade de examinar todos os pacientes presentes na enfermaria, uma vez que o estado momentâneo de saúde impossibilitava o exame, o que excluiu alguns pacientes da pesquisa. Entretanto, mesmo com essa dificuldade foi possível atender aos objetivos determinados. CONCLUSÃO A ocorrência de alterações orais foi alta e foi relevante como motivo do internamento. Houve correlação estatisticamente significante entre o exame hematológico e a ocorrência de petéquias, sangramento gengival e mucosite. A gengivite ulcerativa necrosante pode ser encontrada em adolescentes em tratamento antineoplásico. REFERÊNCIAS 1. El-Housseiny AA, Saleh SM, El-Masry AA, Allam AA. Assessment of Oral Complications in Children Receinving Chemotherapy. J Clin Pediatr Dent 2007; 31(4): 267-73 2. Torres EP, Rodríguez MSR, González, FA, Sierra JFH, Guillén AJP. Oral Manifestations in Pediatric Patients Receiving Chemotherapy for Acute Lymphoblastic Leukemia. J Clin Pediatr Dent 2010; 34(3): 275-9 3. Avsar A, Elli M, Darka O, Pinarli G. Long-term effects of chemotherapy on caries formation, dental development, and salivary factors in childhood. 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