os condomínios habitacionais e a valorização do espaço através

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OS CONDOMÍNIOS HABITACIONAIS E A VALORIZAÇÃO DO
ESPAÇO ATRAVÉS DAS ESTRATÉGIAS DE MARKETING NO
ESTADO DE SÃO PAULO/BRASIL
Luciana Antunes BARBOSA
Doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós Graduação em Geografia, UNESPIGCE, Rio Claro-SP
[email protected]
Este artigo tem como objetivo discutir as estratégias de marketing utilizadas
pelos agentes do mercado imobiliário brasileiro para comercializar lotes, casas,
sobrados e apartamentos em condomínios habitacionais. Ao verificar os
folhetos de divulgação de habitações em condomínios como produto de
mercado constata-se que a vida cotidiana nestes enclaves difere do imaginário
difundido pelo mercado e que os problemas se apresentam de modo
semelhante aqueles presentes nos antigos bairros tradicionais das cidades
brasileiras com ruas e avenidas abertas ao público em geral. Considerando
uma pesquisa realizada com moradores de três condomínios habitacionais na
cidade de Limeira-SP observa-se que é possível confrontar a ideia de
habitação como signo divulgada pelos agentes do mercado imobiliário e a visão
que os próprios moradores possuem deste signo após adquirido, tal qual das
relações sociais cotidianas presentes nestes enclaves. Propõe-se no decorrer
do artigo apresentar elementos que auxiliem na compreensão do marketing
como ferramenta geográfica capaz de auxiliar na difusão, no comércio e no
consumo de habitações como produtos de mercado em condomínios
habitacionais no Brasil.
Palavras-chave: marketing; condomínios habitacionais; agentes; urbano.
Introdução
Com a urbanização recente da sociedade e o surgimento de novos valores,
sendo o mais evidente a mensuração da qualidade de vida através do poder de
consumo e a aquisição de bens ligados ao “modo de vida urbano”.
A reprodução especulativa da cidade materializa-se na mercadoria - habitação,
produzida segundo a lógica criativa da propaganda e do marketing, por
intermédio único e exclusivo dos agentes globais e locais do mercado
imobiliário.
As hipóteses vinculadas à gênese destes enclaves nos países onde eles estão
presentes são muitas; para Nunes (2001, p.31), pode estar vinculada [...] “a
medina muçulmana, a cidade medieval e algumas cidades coloniais.”
A gênese dos enclaves verticais (lotes, casas e sobrados) é o condomínio e
este, por sua vez, já existe há algum tempo, portanto não é possível tornar seu
estudo mais teórico se não houver uma preocupação com o fato de que estes
empreendimentos existem e na prática utilizam regras condominiais para seu
funcionamento e estruturação no espaço urbano.
O condomínio como domínio coletivo, produto e mercadoria é uma estratégia
fundamental à reprodução das elites na cidade através da valorização da
propriedade privada.
À gênese do condomínio é a propriedade privada, o domínio individual e o
coletivo. Os condomínios atuais estão ligados à ideia de domínio ou ideia
dominial, que tem grande importância no entendimento da propriedade privada.
A organização do modelo condominial surgiu na Europa difundiu-se para os
Estados Unidos onde conquistou espaço e passou a ser exportado,
contribuindo para sua expansão e regulamentação em outros países. A gênese
e evolução dos enclaves como produtos é de grande relevância para a
Geografia urbana, pois o mesmo situa–se nas mais variadas esferas
econômicas, sociais, culturais e temporais.
Fundamentação teórica e procedimentos de pesquisa
Para a realização deste estudo inicialmente realizou-se um levantamento
bibliográfico alicerçado na vertente crítica da Geografia. Os condomínios foram
analisados enquanto produto a partir da idéia de habitação-mercadoria, através
de uma dialética do espaço onde os mesmos estão estruturados como
formação social, econômica, política e até mesmo cultural.
Os objetivos específicos desta pesquisa foram: a) Refletir sobre os
condomínios habitacionais no estado de São Paulo/Brasil e a valorização do
espaço através das estratégias de marketing adotadas por empresas das
cidades de Santos, Indaiatuba e Limeira; b) E para concluir realizou-se um
estudo de caso onde procurou-se através da aplicação indireta de
questionários identificar os habitantes de três diferentes modalidades de
condomínios e suas relações com o espaço urbano na cidade de Limeira-SP.
Dentre os procedimentos de análise que permitiram as críticas aqui
apresentadas estão: a) Levantamento Bibliográfico. b) Trabalhos de campo. c)
d) Coleta de folhetos de propaganda divulgados durante a comercialização de
habitações em condomínios de apartamentos e casas nas cidades analisadas.
Os condomínios como objeto de estudo no Brasil ganharam destaque apenas
na década de 1980. Segundo Medina (1981, p. 161), “ao falarmos do
condomínio estamos falando de um processo permanente de relacionamento
entre pessoas e que se ordena e se institucionaliza para atingir determinados
objetivos de interesse comum”.
Na coleta de dados primários e qualitativos destaca–se o questionário aberto e
de aplicação indireta. O questionário foi útil para o encontro de respostas às
seguintes questões: a) Perfil dos moradores; b) Razões pelas quais os
moradores optaram por esta modalidade habitacional; c) Interesse em deixar
modalidades como o apartamento e migrar para a periferia ou vice versa; d)
Grau de satisfação com a cidade em geral; e) Satisfação com o condomínio.
Três condomínios foram escolhidos para aplicação dos questionários:
O Jardim Florença possui uma das melhores localizações geográficas da
cidade de Limeira-SP, e é o grande marco da “urbanização de status”, ou seja,
foi o primeiro empreendimento a “apostar” no potencial imobiliário da periferia
oeste da cidade de Limeira-SP e especificamente nas Avenidas Comendador
Agostinho Prada e na Via Guilherme Dibbern, onde atualmente existem dez
enclaves formando um corredor de acesso ao centro da cidade de Limeira-SP.
O Jardim Florença possui 366 lotes, dos quais 230 são ocupados por
residências familiares. Foram entregues no dia 25/4/2006 um total de 40
questionários, correspondendo a 17% dos moradores do enclave. Deste total
foram devolvidos no dia 25/5/2006, 16 questionários, equivalendo a 40% do
material entregue.
No último caso, o condomínio Ravenna é um símbolo da tentativa de
importação do modelo mais comum na metrópole paulista, vários edifícios de
apartamentos em uma mesma área. Segundo Caldeira (2000), este é o tipo de
condomínio que mais se prolifera na cidade de São Paulo.
O arranha-céu concluído possui 32 apartamentos, dos quais 28 estão
ocupados como moradias próprias ou alugadas. O contato com os moradores
do edifício Ravenna foi realizado mediante a pessoa do síndico. Foram
entregues 28 questionários para serem respondidos indiretamente no dia
03/03/2007 e os mesmos foram devolvidos no dia 07/04/2007.
De um total de 28 moradores houve interesse voluntário de apenas cinco, ou
14% dos moradores do arranha-céu.
O terceiro condomínio escolhido foi o residencial Porto Fino no setor sul da
cidade, criado pela parceria do poder público municipal e poder público federal,
atualmente administrado por uma empresa privada. Neste caso específico, não
obtivemos êxito, já que a empresa não permitiu nosso acesso aos moradores.
Apesar do número pequeno de voluntários no jardim Florença e no condomínio
Ravenna, o interesse desses moradores em participar, nos motivou a expor
suas idéias, principalmente devido à ausência de pessoas interessadas em
participar deste tipo de pesquisa, já que os condomínios em geral propagam a
exclusão extramuros.
A valorização do espaço através das estratégias de marketing no estado
de São Paulo - Brasil
Desde meados do século XIX a valorização do espaço no Brasil vinculou-se a
função habitacional. No entanto foi após a segunda guerra mundial que a
produção do espaço destinada a habitação conquistou um status de produção
industrial regulada pelas empresas.
Este processo de valorização ganhou destaque com a produção em série de
apartamentos em grandes arranha-céus destinados a habitação e mais tarde
com a produção de lotes destinados a tornarem-se condomínios fechados a
partir de 1980 no interior do estado de São Paulo.
Os condomínios habitacionais estão inseridos na produção e reprodução das
cidades; processo que atende aos interesses das empresas representadas por
agentes do mercado imobiliário que usam as imagens para criar demandas por
estes produtos imobiliários cada vez mais modernos.
A estratégia de produção de habitações exclusivas contribui para a ideia de
valorização do espaço nas cidades brasileiras e principalmente em São Paulo,
devido ao seu grande contingente populacional no cenário brasileiro.
Certamente os condomínios habitacionais podem ser considerados “Enclaves
Residenciais Fortificados” e esta definição passa pelas questões temporais,
sociais, culturais e econômicas dos locais onde os mesmos estão implantados,
além das influências mundiais.
Os “Enclaves Fortificados” são espaços privatizados, fechados e
monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua
principal justificação é o medo do crime violento. Esses novos
espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública
tradicional das ruas para os pobres, os “marginalizados” e os semteto. (CALDEIRA, 2000, p. 211)
No Brasil e também no estado de São Paulo, sobretudo nas grandes e médias
cidades estes enclaves residenciais se apresentam como grandes conjuntos de
prédios com mais de 5 pavimentos, como prédios individualizados dotados de
infra-estruturas diversificadas para seus moradores, conjuntos de casas
padronizadas ou não, e sobrados, sendo sua principal característica é o
isolamento do seu entorno através de muros.
As principais características destes enclaves no Brasil são:
a) A generalização da habitação enquanto mercadoria; b) As novas relações
entre o centro e a periferia das cidades com a implantação destes
empreendimentos; c) A “privatização” das áreas públicas nos enclaves e o
abandono ou rejeição das áreas públicas nas cidades. d) As transformações
nas relações sociais e de produção materializadas nas desigualdades
explícitas na produção e reprodução da cidade, e suas conseqüências no
exercício da cidadania.
Estas problemáticas envolvendo os “Enclaves Residenciais Fortificados” levam
a crer que os mesmos são espaços planejados e regulados segundo os
interesses dos seus proprietários ou das empresas que os administram.
No Brasil e em São Paulo, estes “Enclaves Residenciais Fortificados” são
regulados por convenções de condomínio que refletem não somente interesses
comuns, mas também os valores individuais e coletivos de uma classe social.
Por isso, as empresas ao produzir estes empreendimentos e divulgá-los fazem
uso de um marketing fundamentado nas especificidades do lugar onde os
mesmos foram construídos, tendo como foco consumidores locais.
Para tanto, eles deverão realizar importantes investimentos adicionais
à construção e em campanhas publicitárias que associam ao
empreendimento certos simbolismos que incentivem o comprador a
abrir mão do conforto, comodidade e, sobretudo de valores
relacionados com a idéia de morar “no centro”, “perto dos
acontecimentos”, “na civilização”. Os incorporadores tentam então,
vender “um novo modo de vida” convidando os compradores a
“recriar o contato com a natureza, perdido na grande cidade” e a
participar de um novo estilo de vida protegido da violência e da
metrópole desumanizada. (RIBEIRO, 1997, p. 133)
A comercialização dos imóveis nestes enclaves começa com a divulgação dos
mesmos, como sendo produtos do mercado imobiliário, de modo que os
mesmos pareçam atrativos para parcelas restritas da população, elites ou
classes médias.
[...] O marketing tem hoje conotações muito precisas, envolvendo a
promoção do espaço urbano e associando-se a novas formas de
pensar e organizar esse mesmo espaço, como por exemplo, o
planeamento estratégico (planeamento indicativo e muito flexível que
tem, segundo alguns autores, o marketing territorial, ou geomarketing,
como uma estratégia para atingir seu objetivo, ou desenvolvimento
territorial). (FERREIRA, 2001, p. 115)
Apesar da condição de bens imóveis enquanto produtos do mercado as
habitações em condomínio se valorizam num curto período de tempo,
valorizando também seu entorno, criando problemas ligados ao planejamento
urbano para o poder público, requerendo um maior controle e isto deve-se
principalmente ao marketing adotado pelas empresas.
“O mercado de construção civil apresentou-se, nos últimos 10 anos, como o
setor que mais investiu em desenvolvimento de produtos na carteira imobiliária,
com o lançamento de condomínios verticais e horizontais”. (ALMEIDA, 2000, p.
12)
O uso destas estratégias de marketing na comercialização de lotes e casas,
sobrados em condomínio é recente no Brasil, no entanto seus resultados na
valorização do solo tornaram-se evidentes no início deste século.
Em São Paulo, as empresas do setor imobiliário e também do setor construtivo
praticam o marketing imobiliário como uma alternativa para a efetiva
comercialização de seus produtos através da propaganda, como veremos nas
figuras a seguir:
A figura 1 divulga a promessa de uma vida no litoral paulista comparando o
mesmo com o estilo “caribenho” de vida. O anúncio contrapõe a vida perto da
natureza com a possibilidade de áreas destinadas ao consumo, bem próximas
do empreendimento.
Neste contexto, as estratégias de marketing em Santos-SP, apresentam as
características do processo de especulação comum nas regiões metropolitanas
e litorâneas brasileiras onde a concorrência pelas melhores parcelas do solo
urbano é maior.
FIGURA 1: Folheto de propaganda do condomínio Belize em Santos-SP
Fonte: CONSTRUTORA E INCORPORADORA ENGEPLUS. Folder do condomínio
Residencial Belize em Santos-SP; coleta da autora durante a comercialização do
empreendimento dezembro de 2008.
A propaganda e o marketing colaboram para divulgar, vender ou comercializar
esses “produtos imobiliários” no mercado, havendo inclusive um intercâmbio
entre cidades próximas, através de anúncios publicitários em outdoors, jornais,
revistas, programas de rádio, televisão e sites da internet.
Nota-se uma forte presença do marketing na produção do espaço, tanto nas
regiões metropolitanas como nas cidades médias brasileiras, evidenciando
uma padronização por parte do mercado, além da existência de um
planejamento na implantação destes empreendimentos imobiliários que se
localizam principalmente nas melhores áreas das cidades, contribuindo para o
sucesso dos anúncios e de novos lançamentos com os mesmos topônimos.
Outro discurso utilizado pelos agentes imobiliários, como aparece na próxima
figura, é o enfatizador da “qualidade de vida” e assim o enclave aparece como
símbolo de um espaço residencial preconizador da boa saúde (mesmo estando
ao lado de um canavial e de uma rodovia), do ar puro e do contato com a
natureza. Em resumo, o enclave é uma fábula, e o lado de fora dos muros, é
onde tudo está fora do seu devido lugar.
FIGURA 2: Folheto de propaganda do condomínio Roland em Limeira-SP
ENGEP EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS. Condomínio Roland. Fonte: Material de
propaganda distribuído gratuitamente durante a comercialização do empreendimento em
Limeira-SP, 2006, Folder 1.
Os folhetos comprovam que há uma articulação diferenciada, mas evidente,
entre os “Enclaves Residenciais Fortificados” produzidos nas diferentes
cidades de São Paulo devido à mundialização do capital expressa nas
tendências de produção e consumo da habitação.
[...] A imagem que se vende no marketing é a representação mental, o
conjunto de percepções que um indivíduo tem a propósito de um
objecto, de um território, de um lugar, “matéria, forma, movimento e
significações, parte de um imaginário pessoal e coletivo. É imaginário
e vivido”. (CIDRAIS, 1998 apud FERREIRA, 2001, p. 137)
A concentração das elites nos “Enclaves Residenciais Fortificados”, em setores
específicos das cidades pode ser considerada um contraponto aos bairros
populares implantados nos mesmos setores, mas cuja identidade social vem
tornando-se cada vez mais fragmentadas no cotidiano das sociedades locais.
A Figura 3 mostra o folheto de propaganda do condomínio Villa Romana em
Indaiatuba-SP, que com a expressão de “A César o que é de César”, faz alusão
ao merecimento de uma habitação exclusiva, para um público exclusivo,
legitimando a ideia de exclusão e da segregação sócio-espacial extramuros.
FIGURA 3: Folheto de propaganda do condomínio residencial Villa Romana em
Indaiatuba-SP
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS ANTONIO ANDRADE. Condomínio Residencial Villa
Romana. Fonte: Material de propaganda distribuído durante a comercialização do
empreendimento, 2005.
Nas cidades paulistas de Santos, Indaiatuba e Limeira, o padrão das técnicas
empregadas na construção e a qualidade nos materiais empregados na
produção da habitação são um privilégio exclusivo da burguesia, fazendo
contrastar pobreza e riqueza de modo ostensivo nos espaços urbanos
paulistas.
A vida nos “Enclaves residenciais fortificados” em Limeira-SP: entre o
imaginário produzido pelas estratégias de Marketing e a realidade
cotidiana
A vida cotidiana nos “Enclaves Residenciais Fortificados” ainda é pouco
conhecida, principalmente devido à dificuldade de acesso a estas áreas pelos
pesquisadores, além da condição de estranho assumida por aqueles que estão
do lado de fora dos muros.
Ao abordarem a vida cotidiana nos “Enclaves Residenciais Fortificados”, vários
pesquisadores apontaram os obstáculos encontrados na busca por algum tipo
de contato com os condôminos. Estes fatores são comprometedores no
processo de teorização e no desenvolvimento de pesquisas sobre a temática
dos enclaves.
Os habitantes dos “Enclaves Residenciais Fortificados” caracterizam-se, antes
de tudo, pela renda e status que permitem aos mesmos a formação de
associações com padrões socioeconômicos semelhantes permitindo que
desfrutem da exclusividade do bairro.
Esta força da dimensão privada na demonstração de status social, através da
produção de espaços habitacionais tem contribuído para a formação dos atuais
“enclaves”, ainda pautados nas velhas “vizinhanças homogêneas” de acesso
restritivo, mesmo em situação de extrema proximidade geográfica com a
pobreza.
Observa-se que a tendência à desestruturação das relações vicinais
que acompanham as sociedades urbanas industriais não são
minimizadas com experiências ou construções desse tipo. Os
moradores, desse modo, organizam-se em torno de alguns interesses
comuns, mas exteriores a si mesmos. (BEM, 1992, p. 149)
Em Limeira-SP a busca por um diálogo com os moradores/consumidores de
“Enclaves Residenciais Fortificados” não foi mais fácil do que em outras
cidades; o mesmo ocorreu de modo indireto, característica específica e
reveladora de que cidade ainda conserva velhos valores de uma sociabilidade
remanescente de outros tempos.
Não há relações sociais entre moradores de enclaves e seus vizinhos
instalados
nos
bairros
populares;
estas
relações
sociais
ocorrem
exclusivamente no contexto do trabalho. Os moradores de enclaves fazem uso
das vias públicas de transporte e de alguns comércios como farmácias,
supermercados, padarias, oficinas e postos de combustíveis, que dão certa
centralidade à periferia.
Nosso objetivo era investigar três condomínios, mas a empresa administradora
de um deles, o condomínio residencial Porto Fino não permitiu a participação
dos moradores. Quanto mais industrializada a administração do enclave, mais
difícil o acesso a ele, uma vez que os interesses empresariais podem divergir
dos interesses dos moradores, que não conseguirão fazer valer seus direitos
de cidadãos e sim de consumidores.
Assim, conhecer os moradores destas áreas e sua relação com a cidade é uma
importante ferramenta de gestão para o futuro das cidades, por isso nos
próximos parágrafos vamos apontar os resultados dos questionários aplicados
em dois dos condomínios habitacionais (Jardim Residencial Florença e o
Condomínio de Edifícios Ravenna): na cidade de Limeira-SP1:
Quanto ao perfil dos moradores por gênero, não prevaleceu nem o sexo
feminino e nem o sexo masculino. Na amostra prevaleceram pessoas com
faixa etária entre 30 e 60 anos sendo reduzida a participação de pessoas muito
jovens, ou muito idosos; o que não quer dizer que inexistam crianças e idosos
nos enclaves pesquisados.
O grau de escolaridade predominante mostrou-se elevado sendo que a maior
parte dos moradores apresentou curso superior e pós-graduação, também
apareceu em menor proporção moradores com Ensino Fundamental e Ensino
Médio.
A maior parte dos entrevistados eram naturais da cidade de Limeira-SP,
Constatou–se também a presença de migrantes oriundos de outras cidades
paulistas, e também de outras regiões do Brasil. Destacam-se os estados de
Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná.
Dentre a estrutura ocupacional, os empregos ou profissões atingiram
aproximadamente 100% dos casos investigados.
O tempo de residência dos moradores do Jardim Florença variou de cinco a
quinze anos, havendo poucos moradores com mais de 10 anos de residência
no bairro, devido a três fatores: o primeiro deles é que o tempo de edificação
das residências pode oscilar entre 3 e 5 anos em loteamentos de altíssimo ou
alto padrão.
No condomínio residencial Ravenna o tempo de moradia apresentou-se menor
devido ao tipo de moradia – apartamentos; e alguns destinavam-se ao aluguel,
comum nos enclaves com mais de um edifício; o que não acontece em
condomínios que tiveram sua gênese ligada a loteamento, onde este tipo de
índice é baixo ou quase nulo.
1
Os gráficos e quadros que permitirão estas conclusões estão disponíveis na pesquisa: BARBOSA, L. A.
(2007). Faces da produção do espaço urbano em cidades médias: os “Enclaves Residenciais
Fortificados” em Limeira-SP. Dissertação de Mestrado, Instituto de Geociências e Ciências Exatas –
UNESP, Rio Claro-SP, 352p.
O texto na íntegra está disponível
online em
http://www.rc.unesp.br/biblioteca.
Em nenhum dos casos houve a presença de habitações com mais de seis
moradores revelando uma média reduzida do número de filhos nessas áreas.
Uma das dúvidas recorrentes antes desta pesquisa era-se os condomínios
enquanto retratavam uma maneira de fugir dos apartamentos como residência,
ou mesmo uma fuga das áreas centrais, ou ainda uma fuga dos bairros
tradicionais da cidade?
Os questionários revelaram que a maioria dos moradores deixou os bairros
tradicionais com vias de circulação públicas e foi para os enclaves na periferia,
demonstrando que a preferência das classes mais abastadas quanto à
residência no Brasil, segue os padrões mundiais de consumo.
Isto mostra que a vida cotidiana pautada nas relações sociais em bairros com
vias públicas não tem sido uma alternativa atraente, como foi no passado para
a burguesia, a qual cada vez mais está se esquivando dos problemas de
origem pública e política nas cidades brasileiras.
Dentre as razões que motivaram a mudança para um enclave de apartamentos
ou a construção da casa neste tipo de empreendimento dois itens foram
centrais segundo os moradores: (segurança e tranqüilidade) O enclave aparece
como uma fortaleza, ideal para sanar problemas como, poluição, trânsito rápido
e convivência com a pobreza.
Aparecem também como razões pela opção da habitação nos enclaves fatores
como: a localização no espaço intra–urbano em relação ao centro e ao local de
trabalho.
O investimento financeiro apesar de aparecer em menor proporção, também é
um fator significativo, já que lotes e apartamentos nos enclaves valorizam-se
mais rápido do que em outras áreas da cidade, existindo a possibilidade de
resgatar o investimento em situações posteriores.
Como razão para moradia nos enclaves o status social não foi apontado. No
entanto, é possível afirmar que este é um fator de grande relevância, já que a
casa, auxilia na ostentação da riqueza.
Entre as preferências de lazer dos voluntários que participaram da pesquisa
estão os restaurantes, cinemas, supermercados, pizzarias, bares, teatros e
academias; espaços privados, vistos como opções que preenchem as horas
destinadas ao lazer. Como lazer espontâneo os mesmos citaram os encontros
com familiares em outros locais da cidade, além da freqüência à igreja,
agregando às famílias valores tradicionais.
No caso específico do condomínio Ravenna a pesquisa revelou uma certa
preocupação dos moradores em tornar o lugar atrativo, por isso o mesmo
conta com a criação de animais de estimação no condomínio. À área livre do
condomínio conta com vários gansos e coelhos. Os cuidados com os animais
de estimação constituem uma responsabilidade a mais para o condomínio; A
administração mostrou-se preocupada com as questões referentes ao enclave
e ao bem-estar dos visitantes.
Poucos moradores freqüentam a área rural do município, uma área de lazer
bastante tradicional, mas que perdeu espaço após a implantação de infraestruturas como piscinas, salão de festas, campos, quadras e etc, anexadas
aos “enclaves urbanos”.
Boa parte dos moradores do Jardim Florença, em Limeira-SP, declarou não
fazer uso das áreas de lazer do enclave. Uma justificativa para este índice
baixo é a sociabilidade nos enclaves, que é maior somente entre as crianças,
sendo este grupo o que mais freqüenta as áreas de lazer do condomínio. Como
estes não foram voluntários na pesquisa, a freqüência dos moradores nas
áreas de lazer aparece reduzida.
A maioria dos entrevistados trabalha na própria cidade Limeira–SP; um número
menor declarou trabalhar em cidades vizinhas ou realizar curtas viagens de
negócios.
Como em outras cidades médias, Limeira-SP reproduz a tendência paulista de
predileção por lojas de auto-serviço, com atendimento rápido e cuja localização
seja próxima dos bairros de moradia.
Quanto ao grau de satisfação dos moradores dos enclaves com o comércio
local, este é maior em relação ao comércio de vizinhança, mostrando que os
espaços preferidos pelos moradores são as grandes redes de lanchonetes e
hipermercados e outros serviços locais.
O uso do serviço público de saúde foi considerado regular pelos moradores, no
entanto 90% dos participantes declararam fazer uso apenas do serviço privado
de saúde.
No setor educacional, a maioria dos residentes utilizava o sistema privado de
ensino e avaliaram o mesmo como sendo bom; tal qual a minoria que fazia uso
do ensino público.
A segurança aparece em primeiro lugar dentre os fatores que motivaram a vida
no condomínio; outro aspecto interessante é o auxílio da portaria, essencial no
regresso das crianças após a escola e no controle do acesso às residências.
No condomínio Ravenna alguns problemas são pertinentes aos conjuntos de
apartamentos em geral, como falta de privacidade e taxas elevadas elevadas.
Os aspectos negativos surgem quando a liberdade extrapola os limites do
permissível; alguns moradores revelaram infortúnios como: jovens no trânsito
em alta velocidade, animais soltos, carência de áreas de lazer, solidão, altas
taxas de condomínio, lixo nas vias e vizinhos barulhentos, são alguns exemplos
de contraposição ao modelo e às regras de convivência, revelando que atrás
dos muros existem problemas que também são comuns fora deles.
Considerações finais
Buscou-se no decorrer deste artigo mostrar que o condomínio/enclave é antes
de tudo um fenômeno geográfico, cujo conhecimento no Brasil e no mundo
ainda se faz necessário.
O condomínio analisado sob a égide das estratégias de marketing adotadas
pelos agentes produtores nas cidades paulistas de Santos, Indaiatuba e
Limeira revelam um constante apelo ao consumo e à natureza através da
habitação-mercadoria no condomínio como sendo fundamental na ascensão ou
manutenção do status social.
Pela visão dos moradores é possível concluir que existe um abismo entre as
ideias divulgadas pelos agentes e a vida cotidiana nestas áreas, de modo que
as insatisfações ligadas vida cotidiana no condomínio existem e são comuns
aos moradores das cidades em geral.
A satisfação das necessidades humanas torna-se utópica no contexto do
marketing imobiliário, cujo foco é a comercialização em massa de produtos,
nesse caso, a habitação destinada as classes de maior poder aquisitivo nas
cidades paulistas, sobrevalorizando o solo e a habitação para os menos
favorecidos.
A produção do espaço urbano está sujeita à ação do mercado mundial e sua
inserção neoliberal nos lugares. Deste modo, as habitações nos enclaves,
produzidas por empresas e regulamentadas pela ação do Estado, impõem às
cidades um futuro incerto, altamente excludente para a maioria dos residentes
urbanos.
Espera-se que os resultados apresentados nesta pesquisa tenham despertado
novas questões e estimulado novos estudos.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. P. De. Marketing imobiliário. São Paulo: Ed. SP marketing
editorial e empresarial, 2000.
BARBOSA, L. A. (2007) Faces de produção do espaço urbano em cidades
médias: “os enclaves residenciais fortificados” em Limeira – SP,
Dissertação de mestrado, IGCE: UNESP, Rio Claro: 2007.
BEM, Cleide M. P. Casas, casebres e condomínios: segregação espacial e
relações sociais nas formas de ocupação de São Braz, um bairro de Curitiba.
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo:
USP, 1992.
CALDEIRA, Teresa P. do R. Cidade de muros crime, segregação e cidadania
em São Paulo. São Paulo: Ed. 34, Edusp, 2000.
FERREIRA, Maria Júlia; NUNES, Maria Paula et al; Condomínios
habitacionais fechados: utopias e realidades. Lisboa: Centro de Estudos de
Geografia e Planejamento Regional, 2001.
MEDINA, Carlos A. de. Uma questão que nos interessa o condomínio. In.
VALLADARES. L. (org) Habitação em Questão. Rio de Janeiro: Zahar, 1981,
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NUNES, M. P. Condomínios Fechados: uma dinâmica global. In: FERREIRA,
M. J. (orgs). Condomínios habitacionais fechados: utopias e realidades.
Universidade Nova de Lisboa, Lisboa: 2001, p.31-59. (Série Estudos nº 4).
PEREIRA, C. M da S. Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro, Forense,
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RIBEIRO, L. C. de Q. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas
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IPPUR, UFRJ, 1997.
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