JOHN RAWLS EM RELAÇÃO À FILOSOFIA KANTIANA

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JOHN RAWLS EM RELAÇÃO À FILOSOFIA KANTIANA: HETERONOMIA
OU AUTONOMIA?
Viturino Ribeiro da Silva (Bolsista PIBIC/CNPq), Elnora Maria Gondim Machado Lima
(Orientador, Departamento de filosofia do Centro de Ciências Humanas e letras /UFPI)
Introdução
. Esta pesquisa se propõe a analisar a leitura de John Rawls (1921-2002) sobre a
noção kantiana de autonomia. Desta forma, pretende-se saber se há uma interpretação de
Rawls sobre essa ideia ou se o que ele entendia por autonomia seria equivalente à noção de
heteronomia kantiana? Para tanto, Rawls propõe, em sua obra Uma Teoria da Justiça, (1971)
apresentar uma “concepção de justiça que generalize e eleve a um nível mais alto de
abstração a conhecida teoria tradicional do contrato social, conforme encontrada em, digamos,
Locke, Rousseau e Kant” (RAWLS, 2008, p. 13). A ideia principal de recorrer à teoria do
contrato social é resgatar a noção de um contrato original abstendo-se das contingências
particulares de uma sociedade e, além disso, alcançar um contrato justo cujos princípios
escolhidos para regular a estrutura básica dessa sociedade são objetos de um consenso
equânime.
A equanimidade desse consenso depende da situação inicial de igualdade em que as
pessoas se encontram. Nesta situação, os princípios que regulam o acordo original devem
regular todos os acordos subsequentes e especificar os tipos de cooperação social que se
podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. A referida situação
corresponde ao que Rawls denomina de Posição Original, um procedimento equivalente ao
estado de natureza da teoria tradicional do contrato social que constitui um artifício de
representação, ou seja, é uma situação puramente hipotética e não histórica que intenta
conduzir a uma concepção de justiça.
A principal característica da Posição Original é o véu de ignorância, situação de
completa ignorância das partes, ou seja, sob este véu, as partes, em Posição Original, não
podem conhecer sua situação social, posição ou classe que ocupa na sociedade, nem
tampouco, podem conhecer sua sorte na distribuição dos dotes e habilidades naturais, sua
força e inteligência. Esse procedimento garante a escolha de princípios justos, onde ninguém é
favorecido ou desfavorecido na escolha dos princípios pelo resultado das contingências
naturais e sociais. Em posição original, sob o véu de ignorância, os princípios escolhidos são
resultantes de um consenso equitativo.
Com base na ideia de Posição Original, pode-se entender em que sentido há uma
leitura kantiana da noção de autonomia na filosofia de Rawls. Pode-se, entender, sobretudo,
em que medida os princípios de justiça são análogos aos imperativos categóricos kantianos.
Se partirmos da distinção entre o construtivismo moral kantiano e o construtivismo político
rawlsiano visualizamos melhor a analogia que Rawls estabelece entre a posição original e o
imperativo categórico kantiano. O Imperativo Categórico não é ele mesmo construído, mas é a
partir dele que as regras morais são justificadas, da mesma forma que a posição original não é
construída, mas justifica os princípios de justiça. Tanto a Posição Original como o Imperativo
Categórico são procedimentos de construção e escolha de princípios morais e políticos.
Embora admitindo que haja essa notória diferença entre a proposta rawlsiana e a
kantiana mantemos a ideia de que os procedimentos (o imperativo categórico de Kant e a
posição original de Rawls) adotados por ambos os autores são similares quanto a sua
formulação. Neste sentido, a concepção da posição original entendida como contrato justo
pode ser adequadamente utilizado para uma leitura do imperativo categórico kantiano e, pode
demonstrar a noção de autonomia como condição das escolhas livres na determinação dos
princípios de justiça. “O exercício da autonomia requer essas condições. Por isso, fala-se de
justiça como equidade” (WEBER, 2013, p.138)
Metodologia
Nesta pesquisa, pretende-se: (1) identificar a leitura rawlsiana do conceito kantiano de
autonomia, contido no § 40 de Uma Teoria da Justiça; (2) diferenciar a noção kantiana e
rawlsiana de autonomia; (3) relacionar quanto à questão da autonomia e da heteronomia, os
livros de Rawls: História da Filosofia Moral e Uma Teoria da Justiça; em relação à interpretação
kantiana da justiça como equidade; (4) comparar os fragmentos das obras de Kant (Crítica da
Razão Prática e Fundamentação da Metafísica dos Costumes) que tratam sobre autonomia e
heteronomia com os livros de Rawls: História da Filosofia Moral e Uma teoria da Justiça e
relacioná-las a fragmentos das obras de Oliver Johnson, Steven Darwall, Charles Taylor,
Michael Sandel que levantam o debate acerca da interpretação kantiana da justiça como
equidade baseada na noção de autonomia.
Em suma, objetiva-se explorar essa possível interpretação mediante as semelhanças e
diferenças entre a Posição Original (os princípios de justiça de Rawls) e o Imperativo
Categórico kantiano (formulações para justificação de princípios morais); a noção de autonomia
política e autonomia moral; autonomia racional e autonomia plena; heteronomia; construtivismo
político e construtivismo moral; pluralismo razoável, pluralismo como tal; Reino dos Fins e
Sociedade Bem-ordenada.
Resultados e Discussão
A noção de autonomia na filosofia de John Rawls estatui-se a partir de valores políticos
fundados nos princípios da razão prática em conformidade com as concepções políticas de
pessoa e de sociedade. No entanto, há uma proximidade desta noção de autonomia rawlsiana
com a filosofia prática de Kant nos seguintes aspectos: (1) Rawls considera o véu de
ignorância como recurso que priva as partes, em posição original, do conhecimento que os
capacitaria a escolha de princípios heterônomos; (2) as pessoas agem de modo autônomo
quando os princípios de sua ação são escolhidos como a expressão mais adequada da sua
natureza de ser racional igual e livre; (3) os princípios de justiça como análogos aos
imperativos categóricos; (4) o desinteresse mútuo constitui um elemento fundamental para que
a escolha dos princípios seja livre. Esta visão é amplamente defensável, no entanto,
igualmente contestável, pois há questione a autenticidade da interpretação que Rawls faz da
noção de autonomia kantiana. Neste sentido, questiona-se: Pode a noção de autonomia de
Rawls ser uma interpretação da autonomia kantiana ou simplesmente uma forma de
heteronomia? Em virtude disso, Rawls amplia a sua noção de autonomia a partir de algumas
diferenças entre o construtivismo moral kantiano e construtivismo político da justiça como
equidade. (1) A primeira diferença sugere que a doutrina kantiana é uma visão moral
abrangente na qual a noção de autonomia exerce um papel regulador na vida humana; (2) a
segunda, sugere que uma visão política é autônoma quando expressa os valores políticos
fundando-os em princípios da razão prática em conformidade com as concepções políticas de
pessoa e de sociedade; (3) a terceira diferença, ligada à segunda, aponta que as concepções
kantianas de pessoa e sociedade fundamentam-se em seu “idealismo transcendental”. E,
finalmente, Rawls aponta uma quarta diferença ligada às outras três anteriores, a saber, “os
objetivos distintos das duas visões”. Entretanto, o ponto crucial da discussão é que a
autonomia de Rawls é ampliada na medida em que concebe as partes na posição original
como pessoas morais, ou seja, pessoas dotadas das duas faculdades morais, a saber, “ter
uma concepção de bem e um senso de justiça”. Esse modo de conceber as partes, na posição
original, como cidadãos dotados de faculdades morais, pressupõe uma concepção política de
pessoa.
Palavras-Chave, Posição original, autonomia, heteronomia,
Referências Bibliográficas
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