USO RACIONAL DA ÁGUA 1. Panorama atual Durante as últimas décadas, diversos fatores, como o crescimento populacional descontrolado e a poluição dos recursos hídricos, contribuíram para a formação do atual quadro de escassez de água. Apesar da terra ser coberta por cerca de dois terços de água ou mais precisamente 71% da superfície, a maior parte deste recurso não está disponível para o consumo humano. Conforme o gráfico ao lado, do total de água existente no mundo, 97,5% são de águas que se encontram nos oceanos, ou seja, águas salgadas, sobrando apenas 2,5% de água doce. E nem mesmo esses 2,5% podem ser totalmente aproveitados, pois 2,493% encontram-se em regiões polares ou subterrâneas (aqüíferos), de difícil aproveitamento, restando tão somente 0,007% desta água disponível em rios, lagos e pântanos, e própria para o consumo humano. As previsões são ainda mais preocupantes. De acordo com as Nações Unidas, dentro de 20 anos, mais de 2,5 bilhões de pessoas vão enfrentar a falta de água, se o consumo se mantiver como o atual. Acredita-se que a população mundial, atualmente estimada em 6 bilhões de pessoas, chegue a 8 bilhões em 2025 e que, conseqüentemente, a demanda de água aumente drasticamente. No entanto, a disponibilidade de água só tem diminuído, considerando-se que mais da metade dos rios do mundo já está totalmente poluída e que a extrema exploração das águas vem provocando secas cada vez mais drásticas. O Brasil, considerado o grande reservatório de água do mundo (11,6% da água doce disponível no mundo estão no Brasil), também sofre com as conseqüências da crise mundial no setor de abastecimento de água. Apesar da aparente disponibilidade abundante, a heterogeneidade da distribuição dos recursos hídricos e das populações, faz com que seja cada vez mais difícil o abastecimento de algumas regiões, principalmente as metropolitanas. Além disso, o país enfrenta um sério problema: o desperdício. O consumidor brasileiro, mesmo com todos os problemas causados pela falta de água, ainda não tem plena consciência da importância do uso racional da água. Diante deste cenário e das possíveis conseqüências da escassez à vida no nosso planeta e ao desenvolvimento urbano, industrial e agrícola, Programas de Uso Racional e Programas de Conservação e Reúso da água vêm sendo implantados em vários países a fim de garantir o atendimento às diversas demandas pela água, tanto no aspecto quantitativo como qualitativo. 2. Programa de incentivo à redução do consumo de água na Sabesp A Grande São Paulo, por situar-se na área de cabeceira de uma bacia hidrográfica do Alto Tietê e por possuir um dos maiores contingentes populacionais do mundo, caracteriza-se por extrema escassez de água. Isso faz com que os mananciais possíveis de serem explorados para abastecimento público estejam com suas capacidades já totalmente comprometidas. Segundo a Secretaria de Recursos Hídricos e Obras do Estado de São Paulo, a disponibilidade hídrica para a bacia do Alto Tietê, onde se inclui a Região Metropolitana de São Paulo, é de 200 m3/hab.ano. Este valor corresponde a 1/10 do valor indicado pela Organização das Nações Unidas, 2000 m3/hab.ano, para todos os usos diretos e indiretos. Para minimizar essa escassez e atender a demanda da Região Metropolitana, recorre-se à importação de água de outras bacias hidrográficas causando, então, uma situação de conflito pelo uso. Os rejeitos industriais, os resíduos urbanos, a ocupação de área de mananciais e as perdas de água na rede de distribuição vêm agravando ainda mais o problema, comprometendo a qualidade da água de alguns mananciais e diminuindo a água disponível. Além disso, tem-se a existência de determinados usos da água que provocam grande desperdício, como irrigação desprovida de critérios técnicos e uso inadequado pelos consumidores (domésticos, industriais, públicos, etc). Preocupada com este quadro, em 1995, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, adotou uma política de incentivo ao uso racional da água, que exige mudanças culturais para a conscientização da população quanto ao desperdício de água, reconhecida oficialmente em janeiro de 1996. Assim adotou o Programa de Uso Racional da Água – PURA que é um programa de combate ao desperdício de água, devido a processos cumulativos de usos predatórios, como: intensificação de usos individuais e excessivos; mau uso da água; desperdício nos sistemas públicos e prediais (perdas no sistema hidráulico). Programa de Uso Racional da Água – PURA O Programa de Uso Racional da Água foi desenvolvido, conjuntamente, através do Convênio entre a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), o Laboratório de Sistemas Prediais do Departamento de Construção Civil (LSP/PCC), a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O principal objetivo deste programa é garantir o fornecimento de água e a qualidade de vida da população. Para isso, desenvolve ações em diversas frentes, buscando: Mudar vícios de uso abusivo de água no cotidiano das pessoas. Implementar leis, regulamentos e normas para a utilização racional da água e uso dos equipamentos economizadores em prédios de órgãos públicos. Implementar normas sobre o desenvolvimento tecnológico e padronização de equipamentos economizadores de água. Mudar projetos de instalações prediais de água fria e quente, de parâmetros hidráulicos e de código de obra. Introduzir o programa no currículo das escolas das redes de ensino estadual e municipal de São Paulo, através de programas específicos, como o kit do projeto água, o teatro de fantoche Nave Mãe e outros programas regionalizados, como o Projeto Caracol. Visando alcançar estas metas, a estrutura do PURA foi baseada nas seguintes vertentes: tecnológica, educacional/cultural e normativa/legal. Na vertente tecnológica, foi realizada uma ampla pesquisa bibliográfica internacional com relação a medidas de conservação de água, e em conjunto com os fabricantes de equipamentos vêm se desenvolvendo tecnologias, aperfeiçoamentos e adequações de equipamentos de baixo consumo (economizadores de água), tais como: torneiras, chuveiros, bacias sanitárias, mictórios, arejadores, reguladores, restritores de vazão, etc. Além disso, a SABESP vem aplicando tecnologias de ponta para medir o consumo de água por setor (por atividade de uso da água), com o objetivo de monitorar o consumo presente (instantâneo), por várias alternativas, utilizando um software que permite a macro e micro medição, facilitando dessa forma para o usuário identificar não só vazamentos, mas também alta do consumo e o motivo para o aumento, seja por uma atividade atípica, por descaso ou por mau uso da água. Para combater o desperdício e promover a conscientização dos usuários quanto à questão de conservação dos recursos hídricos, com mudanças culturais, foi desenvolvido um grande programa de campanhas educacionais, usando como meio de comunicação a “massa-mídia”, como também um projeto específico para a rede de ensino escolar do primeiro grau para todo o Estado de São Paulo. Com relação a vertente normativa e legal, as normas da ABNT que abordam segmentos ligados ao tema de conservação de água vêm sofrendo revisão para adequação. Outra iniciativa foi a criação do Programa Setorial da Qualidade com relação às louças e aos metais sanitários economizadores. Devido a sua grande abrangência, o PURA foi dividido em seis macro-programas integrados: Banco de dados de tecnologia, documentação técnica e estudo de caso Levantamento de dados necessários para o estudo de viabilidade da implantação do programa: Tecnologias e produtos que possibilitam o uso eficiente da água; Modelos e metodologias relativos ao projeto e execução dos sistemas prediais e à definição das demandas e consumos; Normalização técnica, regulamentos e leis (nacionais e estrangeiras); Produtos e fabricantes do mercado nacional; Estudos de caso sobre a aplicação de programas que tratam da economia de água em diferentes tipos de edifícios. Laboratório institucional do programa (LIPURA) Concebido com a qualificação de rede laboratorial nacional tendo como referência o IPT, seu objetivo é desenvolver uma gestão moderna com procedimentos comuns, enfocando o crescimento e a melhoria planejados, evitando-se a ociosidade da rede. Programa de avaliação e adequação de tecnologias (PAAT) Dirigido à prospecção, adequação (se necessária), avaliação e divulgação (através do primeiro projeto) de novas tecnologias adequadas às necessidades brasileiras. Caracterização da demanda e impacto das ações de economia de água em edifícios residenciais e habitações unifamiliares Estabelecendo programas de micro-medição que permitam a avaliação adequada da viabilidade técnica e econômica de programas de substituição de equipamentos (bacias sanitárias, chuveiros, etc.) em larga escala. Documentação técnica e programas da qualidade Incluindo-se o desenvolvimento de documentação técnica, códigos de prática, normas técnicas e programas setoriais da qualidade, visando ao cumprimento da documentação, e articulados com a ABNT e a ASFAMAS. Programas específicos de economia de àgua em diferentes tipos de edifícios Realização de estudos de caso em edifícios de escritórios, escolas, hospitais, cozinhas, etc., visando à determinação de metodologias de auditoria e procedimentos de intervenção (técnicas com avaliação de custos), a serem posteriormente divulgados através do Programa 1. Em 1997, como parte do plano de implantação do Programa 6, foram escolhidos, em São Paulo, duas escolas de primeiro e segundo grau, uma delegacia e o Hospital das Clínicas, cujos respectivos programas foram denominados PURA-EE, PURA-DP, PURA-HC. Neste mesmo ano, foram iniciados os estudos para aplicação do Programa no campus da USP (Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira – CUASO), como estudo de caso em campi universitários. Assim, deu-se início ao Programa de Uso Racional da Água da USP (PURA-USP). Nestes nove anos de atuação, pode-se dizer que o Programa de Uso Racional de Água – PURA contribuiu muito para a conscientização da população, proporcionando os seguintes benefícios: Maior oferta de água, para atender a um número maior de usuários. Redução dos investimentos na captação de água em mananciais cada vez mais distantes das concentrações urbanas. Diminuição dos investimentos para atender às demandas em picos horários. Maior oferta de água para áreas deficientes de abastecimento. Redução do volume de água a ser captada e tratada. Diminuição do volume de esgotos a serem coletados e tratados. Diminuição do consumo de energia elétrica. Garantia do fornecimento ininterrupto de água ao usuário. 3. Programas de Conservação e Reúso de Água na indústria Um Programa de Conservação e Reúso de Água – PCRA é composto por um conjunto de ações específicas de racionalização do uso da água na unidade industrial, que devem ser detalhadas a partir da realização de uma análise de demanda e oferta de água, em função dos usuários e atividades consumidoras, com base na viabilidade técnica e econômica de implantação das mesmas. A implantação de Programas de Conservação e Reuso de água pelo setor industrial, reverte-se em benefícios econômicos que permitem aumentar a eficiência produtiva, tendo com conseqüência direta a redução do consumo de água, a redução do volume de efluentes gerados e, como conseqüências indiretas, a redução do consumo de energia, produtos químicos, a otimização de processos e a redução de despesas com manutenção. Na maior parte dos casos, os períodos de retorno envolvidos são bastantes atrativos. Ações desta natureza têm reflexos diretos e potenciais na imagem de empresas, demonstrando a crescente conscientização do setor em relação à preservação ambiental e responsabilidade social, bem como sobre o aumento da competitividade empresarial. Por outro lado, para a obtenção dos máximos benefícios, um PCRA deve ser implementado a partir de uma análise sistêmica das atividades onde a água é utilizada e naquelas onde ocorre geração de efluentes, com intuito de otimizar o consumo e minimizar a geração de efluentes. As ações devem seguir uma seqüência lógica, com atuação inicial na demanda de água e, em seguida, na oferta, destacando-se a avaliação do potencial de reúso de efluentes em substituição às fontes tradicionais de abastecimento. De maneira simplificada, a implantação de um PCRA abrange as seguintes etapas: Avaliação técnica preliminar Esta etapa consiste no levantamento de todos os dados e informações que envolvam o uso da água na indústria, objetivando o pleno conhecimento sobre a condição atual de sua utilização. Com os dados obtidos é realizada uma primeira avaliação do uso da água na indústria em questão, tendo como principais produtos o macro e o micro fluxos de água e o Plano de Setorização do Consumo de Água. Avaliação da demanda de água Com base nos dados coletados na etapa anterior, inicia-se a avaliação da demanda de água. Nesta etapa é feita a identificação das diversas demandas para avaliação do consumo de água atual e das intervenções necessárias para eliminação e/ou redução de perdas, racionalização do consumo e minimização de efluentes. O produto desta etapa é a análise quantitativa e qualitativa do consumo atual de água, com diagnóstico das perdas e usos excessivos e das ações tecnológicas possíveis para a otimização do consumo. Avaliação da oferta de água As possíveis fontes de abastecimento de água (concessionárias, captação direta, águas pluviais, reúso de efluentes e águas subterrâneas) são avaliadas com relação aos custos, qualidade e garantia de abastecimento. O resultado desta etapa é a análise quantitativa e qualitativa das possibilidades de oferta. Estudo da viabilidade técnica e econômica Inicialmente, é feita uma matriz de configurações possíveis de atuação na demanda e na oferta. A partir desta matriz, é feita uma avaliação comparativa para a escolha da mais adequada, considerando os aspectos técnicos, operacionais e econômicos e a funcionalidade e gestão das ações. Detalhamento e Implantação de PCRA Em função da configuração selecionada, das metas de redução estabelecidas e da disponibilidade de investimento, são detalhadas as ações tecnológicas a serem implementadas. Cabe ressaltar que muitas vezes a implementação das ações é realizada gradativamente de forma que as economias geradas pela ação previamente planejada e consolidada, gerem economias que viabilizem a ação seguinte prevista no cronograma. Implantação do Sistema de Gestão de Água Após a implementação das ações de base tecnológica, deve ser implantado o Sistema de Gestão de Água para monitoramento e manutenabilidade dos indicadores de economia obtidos. Embora qualquer iniciativa que busque o melhor aproveitamento dos recursos naturais, entre os quais a água, deva ser priorizada, é importante enfatizar que cada caso requer uma análise específica, realizada por profissionais devidamente capacitados, para garantia dos resultados técnicos, econômicos e ambientais da implantação de programas dessa natureza e para preservar a saúde dos usuários, o desempenho dos processos, a vida útil dos equipamentos e o meio ambiente. 4. Considerações finais A limitação de reservas de água doce no planeta, o aumento da demanda de água, a rigidez das legislações em relação ao uso (outorgas e cobranças) e ao lançamento de efluentes no meio ambiente, torna necessária a adoção de estratégias que visem racionalizar a utilização dos recursos hídricos e reduzir os impactos negativos relativos à geração de efluentes pelas indústrias. Neste contexto, os Programas de Uso Racional e de Conservação e Reúso da Água, constituem uma maneira inteligente de viabilizar o desenvolvimento sustentável. Com relação ao meio ambiente, contribuem para a preservação dos recursos hídricos. Na questão social, provocam um aumento da disponibilidade hídrica à população por meio da redução das captações de água dos mananciais. E, ainda, no aspecto econômico, reduzem os custos com insumos em geral, como água, energia e produtos químicos, além de racionalizar custos operacionais e de manutenção. 5. Bibliografia FIESP/CIESP. Manual de conservação e reúso de água para a indústria. São Paulo, 2004. Vol 1. PURA. São Paulo. Apresenta programa de uso racional da água. Disponível em: <http://www.pura.poli.usp.br>. Acesso em: Jun. 2005. SABESP. São Paulo. Apresenta uso racional da água. Disponível em: <http:// www.sabesp.com.br>. Acesso em: Jun. 2005.