Artigo Original TENDÊNCIAS BRASILEIRAS NO TRATAMENTO DO CÂNCER DE LARINGE BRAZILIAN TRENDS IN THE LARYNGEAL CANCER TREATMENT 1 TERENCE FARIAS FERNANDO LUIZ DIAS2 GERALDO MATOS DE SÁ1 1 EMILSON DE QUEIROZ FREITAS 1 IZABELLA COSTA SANTOS GISLER GABRIEL MANFRO3 RESUMO Introdução: O tratamento do câncer de laringe é bastante controverso. Neste trabalho, o objetivo é avaliar as tendências brasileiras no tratamento do câncer de laringe. Material e Métodos: Pesquisa realizada através de resposta a questionário de múltipla escolha idealizado pelo INCa-MS-RJ e aplicado a cirurgiões de cabeça e pescoço. Resultados: Os cirurgiões entrevistados tiveram como principais indicações: para tumores T1a glóticos 48,3% indicaram radioterapia, em tumores glóticos estágio T1b 43,7% indicaram laringectomia fronto-anterior ou frontolateral e 21,9% laringectomia supracricóidea. Em tumores glóticos T2 48,3% indicaram laringectomia supracricóidea. Nos pacientes com tumores T1 e T2 supraglóticos 54,1% indicaram radioterapia e 79,41% laringectomia supraglótica, respectivamente. Em tumores T3 glóticos (aritenóide móvel, com prega vocal fixa), 64,4% indicaram laringectomia supracricóidea. Nos casos de tumores T3 glóticos (aritenóide fixa, com corda vocal fixa), 45,4% responderam que indicariam a laringectomia near-total. Em casos de tumores T4, 88,5% dos entrevistados indicaram laringectomia total associada à radioterapia adjuvante. No tratamento das cadeias linfáticas, 84,8% indicaram linfadenectomia dos níveis II, III e IV em pacientes N0 e apenas 46% esvaziam bilateralmente ao realizar laringectomia total. Para tumores T1N0 supraglóticos 63,2% indicam esvaziamento cervical e 78,2% fazem-no bilateralmente. 1-Titular da Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer RJ-MS 2-Chefe da Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer RJ-MS 3-Residente da Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Nacional de Câncer RJMS Instituto Nacional de Câncer INCa Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Recebido e, 30.09.05; aceito em 20.10.05 Endereço para correspondência Terence Farias Rua Ministro Artur Ribeiro nº 98/503 Jardim Botânico-Rio de Janeiro E-mail [email protected] Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 1, p. 16-21, janeiro / fevereiro / março 2006 Conclusão: O tratamento preferencial para o câncer de laringe no Brasil segue o que se considera o “padrão ouro”, ou seja, pacientes com tumores iniciais têm como principal indicação a radioterapia ou a cirurgia endoscópica e, nos casos de tumores avançados, a laringectomia total associado à radioterapia. Há uma tendência de maior indicação de cirurgias parciais/subtotais para o tratamento de pacientes com tumores de laringe avançados selecionados. Descritores: laringe; tratamento; carcinoma espinocelular. ABSTRACT Introduction: The treatment of laryngeal cancer is still a matter of controversy. In this work, our aim is to evaluate the Brazilian trends on the treatment of those patients. Methods: A multiple choice questionnaire made by Inca-MS-RJ, was applied to Brazilian Head and Neck Surgeons. Questions were made regarding the treatment options for laryngeal squamous cell carcinoma. Results: Surgeons who were interviewed had the following main indications: for T1a glottic tumors, 48.3% of surgeons indicated radiotherapy and for T1b glottic tumors treatment, 43.7% indicated frontoanterior laryngectomy or frontolateral laryngectomy, and 21.9% supracricoid laryngectomy. For T2 glottic tumors 48.3% of surgeons indicated supracricoid laryngectomy. For supraglottic tumors, the main treatment was radiotherapy for T1 stage (54.1% of surgeons) and supraglottic laryngectomy for T2 stage (79.41% of surgeons). The majority of surgeons (64.4%) indicated supracricoid laryngectomy for T3 glottic tumors (mobile arytenoid, with fixed vocal cord) and when the T3 glottic tumors had fixed arytenoid, with fixed vocal cord, the main option was the near-total laryngectomy (45.4%). For T4 tumors, 88.5% of surgeons indicated total laryngectomy plus adjuvant radiotherapy. For the neck treatment, 84.8% of 16 surgeons indicated neck dissection in levels II, III and IV in N0 patients and only 46% indicated bilateral neck dissection when total laryngectomy was indicated. More than 60% of surgeons indicated neck dissection to T1N0 supraglottic tumors, and 78.2% of them indicated bilateral neck dissection in these cases. Conclusion: The preferencial treatment of larynx cancer in Brazil follows what we consider “gold standard”, that is, patients with inicial tumors have as main indication radiotherapy or endoscopic surgery with or without laser. In the cases of advanced tumors total laryngectomy plus adjuvant radiotherapy is the most commonly used in Brazil. There is a tendency of a higher indication of partial/subtotal surgeries for the treatment of patients with selected advanced larynx tumors. Nacional de Câncer/INCA-MS-RJ e aplicado a Cirurgiões de Cabeça e Pescoço provenientes de todo Brasil, participantes do XIX Congresso Brasileiro de Cirurgia de Cabeça e Pescoço realizado de 3 a 6 de setembro de 2003, em Curitiba, Paraná. Foram 200 questionários distribuídos e 117 respondidos. Oitenta e sete foram aproveitados (devido a rasuras, múltiplas respostas, não entendimento da pergunta). Foram 21 perguntas pertinentes a qual tratamento o cirurgião argüido realiza no seu serviço, considerando que o paciente em questão encontra-se em ótimas condições clínicas, podendo submeter-se a qualquer tratamento escolhido. AS SEGUINTES PERGUNTAS FORAM REALIZADAS: De todos os tumores da área de cabeça e pescoço, o câncer de laringe é o que gera maiores controvérsias quanto às possibilidades terapêuticas, desde os pacientes com tumores T1 a T4. Várias são as opções terapêuticas e essas mudam, dependendo do serviço em que está realizando o tratamento. Como conduta para pacientes com tumores glóticos iniciais, tradicionalmente a radioterapia é a primeira opção de tratamento1, porém, com o aprimoramento de técnicas microcirúrgicas e com o uso do laser, tem-se obtido em grandes centros uma efetividade oncológica semelhante ao tratamento com a radioterapia2. Vários fatores são preditivos para uma pior resposta do tumor à radioterapia e à ressecção endoscópica, como o acometimento da comissura anterior, o volume tumoral, diminuição da mobilidade da corda vocal, o que leva a uma maior indicação de cirurgias parciais e subtotais da laringe, mas apesar de um excelente controle loco-regional e controle de margens cirúrgicas, o resultado funcional da qualidade de voz é muito inferior quando comparado com as outras técnicas terapêuticas, sem falar da necessidade da traqueostomia temporária; no entanto, o que está em primeiro plano é o controle oncológico3. O tratamento padrão para pacientes com tumores avançados da laringe, continua sendo a laringectomia total, com esvaziamento cervical seguido de radioterapia adjuvante4. Várias são as técnicas cirúrgicas existentes, como a ressecção endoscópica à laser, a laringectomia supraglótica, supracricóide, hemilaringetomia e a laringectomia near total que também podem ser indicadas para pacientes com tumores avançados com semelhante efetividade oncológica2,3,5. Com a intenção de preservação do órgão da laringe, vários protocolos de radioterapia, associado à quimioterapia têm surgido, deixando a cirurgia como opção para resgate cirúrgico6,7. Como podemos observar, várias são as opções terapêuticas para o paciente com câncer de laringe. O objetivo deste trabalho é de analisar as tendências brasileiras para o tratamento desses pacientes, assim como compará-los com resultados da literatura mundial. 1- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T1 glótico? 2- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T2 glótico? 3- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T1 supra glótico? 4- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T2 supra glótico? 5- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T1b glótico? 6- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T3 glótico (aritenóide móvel com corda vocal fixa)? 7- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T3 glótico (aritenóide fixa com corda vocal fixa)? 8- Qual tratamento você indica para pacientes com tumores T4 de laringe? 9- Quais níveis do pescoço você esvazia no tratamento de pacientes com CEC de laringe N0? 10- Ao realizar uma laringectomia total, você indica o esvaziamento cervical profilático, bilateral, sempre? 11- Ao realizar a laringectomia supra glótica, você esvazia o pescoço ao tratar pacientes com tumores T1? 12- No caso acima, se indicou esvaziamento, esse é bilateral? 13- Você indica laringectomia parcial de resgate (supraglótica, fronto-lateral, hemilaringectomia, supracricóidea, near total) para RT1, RT2 pós RXT ou RXT + QT? 14- Você indica laringectomia parcial/subtotal (near total) para T3 irradiado? 15- Ao realizar uma cirurgia de resgate em paciente já irradiado, onde os campos da RXT já abrangeram os linfáticos do pescoço, e no momento o mesmo encontra-se com pescoço negativo, mesmo assim, você ainda esvazia profilaticamente? 16- E se o tumor for supraglótico? 17- Você tem utilizado em seus pacientes a prótese traqueoesofágica? 18- Se o tumor de laringe acomete o hipofaringe ou a orofaringe, com pescoço N0, você inclui outros níveis no seu esvaziamento profilático? 19- Você inclui as cadeias paratraqueais, mediastino ânterosuperior e recorrenciais no seu esvaziamento ao tratar pacientes com acometimento tumoral da subglote? 20- Você resseca rotineiramente a glândula tireóide do lado afetado ao realizar a laringectomia total? 21- Ao realizar a hipofaringectomia total, qual sua opção de reconstrução? Assim como alguns dados demográficos dos entrevistados como idade, sexo, tempo de formado, especialização e tipo de hospital onde trabalha. MATERIAL E MÉTODOS RESULTADOS Pesquisa realizada através de preenchimento de um questionário de múltipla escolha idealizado pelo Instituto Os questionários foram respondidos por 87 cirurgiões, provenientes das seguintes cidades: São Paulo - Key words: Larynx; treatment; squamous cell carcinoma INTRODUÇÃO 17 SP: 32, Rio de Janeiro - RJ: 16, Recife - PE: 10, Porto Alegre RS: 7, Salvador - BA: 6, Campinas - SP: 3, João Pessoa - PB: 3, Belo Horizonte - MG: 03, Santos - SP: 2, Piracicaba - SP: 01, São José do Rio Preto - SP: 1, Pelotas - RS: 1, Limeira - SP: 1, Barra Mansa - RJ: 1. A idade média dos entrevistados foi de 42,7 anos, variando entre 27 e 63 anos. O tempo de exercício da profissão foi de 18,6 anos, variando entre 5 e 40 anos de formado. Dos entrevistados, 29,7% trabalham em hospitais sem CACON (Centro de Alta Complexidade Oncológica). Com relação à especialidade, 32,4% tinham a Otorrinolaringologia como pelo menos parte da formação médica, 8,1% também tinham formação em Cirurgia Plástica e 59,4% eram Cirurgiões de Cabeça e Pescoço com formação em Cirurgia Geral. Dos entrevistados, apenas 4 (4,6%) eram do gênero feminino. A radioterapia (RXT) foi a primeira opção para o tratamento de tumores glóticos T1, com 48,2% das respostas, seguido da cirurgia endoscópica com 28,7% e a cirurgia endoscópica associada à radioterapia se margens comprometidas com 21,8%. Apenas 1,1% dos cirurgiões ainda utiliza a laringofissura com cordectomia. Nenhum entrevistado indicou radioterapia e quimioterapia para tumores nesse estágio. Para os pacientes com tumores T2 glóticos, a laringectomia supracricóidea (LSC) foi a primeira opção com 48,2% das opiniões, seguida da radioterapia com 25,2%. Hemilaringectomia (12,6%) e a laringectomia fronto-lateral (9,1%) foram a terceira e quarta opções, respectivamente. A cirurgia endoscópica e a cirurgia endoscópica associada à radioterapia se margens comprometidas tiveram poucos defensores, com 1,1 e 3,4% respectivamente. Novamente, nenhum entrevistado indicou radioterapia associada à quimioterapia. Em se tratando de tumores T1 supraglóticos, 54% utilizam a radioterapia como primeira opção de tratamento. A laringectomia supraglótica foi indicada em 21,8% dos entrevistados seguida de ressecção endoscópica com 18,3%. A ressecção endoscópica seguida da radioterapia se margens comprometidas foi indicado por 5,7% dos cirurgiões. Já se o tumor for T2 supraglótico, a laringectomia supraglótica (LSG) foi indicada como primeira opção em 79,3%. Radioterapia com 17,2%, radioterapia associada à quimioterapia com 2,2% e cirurgia endoscópica associada à radioterapia se margens comprometidas com 1,1% (figura 1). Pacientes com tumores T1b glóticos tiveram como primeira opção de tratamento a laringectomia fronto-lateral ou frontoanterior com 43,6%, seguido da radioterapia com 27,5%. A laringectomia supracricóidea foi indicada por 21,8%, cirurgia endoscópica com 5,7% e a glotectomia com 1,1%. Se o tumor é T3 glótico (aritenóide móvel, com prega vocal fixa), 64,3% dos entrevistados indicaram a laringectomia supracricóide. A hemilaringectomia foi indicada por 12,6%, laringectomia total também por 12,6%, laringectomia near total com 6,9% e a radioterapia associada à quimioterapia com 3,4% dos votos (figura 2). Figura 2 - Opção terapêutica para tumores T3 glóticos (aritenóide móvel, com prega vocal fixa) (%). Pacientes com tumor glótico T3 com prega vocal e aritenóide fixa (apenas 75 dos 87 responderam a estas perguntas), 52% indicaram a laringectomia near total, 33,3% a laringectomia total, 17,3% a radioterapia associada à quimioterapia e 4% a hemilaringectomia (figura 3). Figura 3 - Opção terapêutica para tumores T3 glóticos (aritenóide e pre g a voc a l fixa s ) (%) . Figura 1 - Opção terapêutica para tumores T2 supraglóticos (%). Se o paciente for portador de um tumor T4 de laringe, 88,5% dos entrevistados optaram pela laringectomia total seguida da radioterapia. Apenas 11,5% indicam a radioterapia associada à quimioterapia como primeira opção de tratamento. Nenhum entrevistado indicou radioterapia isolada. Com relação aos níveis do pescoço esvaziados ao tratar cirurgicamente pacientes com pescoço N0, 88,8% esvaziavam os níveis II, III e IV, 11,3% os níveis II, III, IV e V, apenas 2,5% os níveis II e III e 1,2% não esvaziam o pescoço 18 (figura 4). Esse esvaziamento foi indicado de forma bilateral em 46% dos argüidos e 54% só esvaziam o lado da lesão. Se a laringectomia foi supraglótica em pacientes com tumores T1N0, 63,2% indicaram o esvaziamento cervical profilático e 36,8% não indicaram. Dos que indicaram esvaziamento nesses casos (55 entrevistados), 78,2% o fazem de forma bilateral e 21,8% só do lado da lesão. Se o paciente apresenta recidiva local (rT1 ou rT2) após tratamento radioterápico e quimioterápico concomitante, 88,2% indicaram cirurgia parcial de resgate enquanto que 11,8% indicaram a laringectomia total. Porém, se o tumor irradiado foi rT3, 45,6% indicaram cirurgia menor que total (supracricóidea, near total e hemilaringectomia) e 54,3% indicaram a laringectomia total. Fig Figura 5 - Opção terapêutica quanto indicação do esvaziamento em paciente com recidiva local após tratamento radio e quimioterápico concomitante. (%) Figura 6 - Opção terapêutica quanto indicação do esvaziamento profilático em paciente com recidiva local de um tumor supra-glótico (%). Em se falando de prótese tráqueo-esofágica, 40% dos cirurgiões têm utilizado, contra 60% que não a utilizam. Voltando a falar de esvaziamento cervical, se há extravasamento tumoral para a hipofaringe ou orofaringe, 56,9% não ampliam o seu esvaziamento enquanto que 43,1% (37 cirurgiões) ampliam o esvaziamento, para o nível I (5,4%), nível V (18,9%) e nível I ao V (75,6%) (Tabela 1). Tabela 1 - Níveis de ampliação do esvaziamento nos casos de extravasamento tumoral para o hipofaringe ou orofaringe. Níveis de Ampliação Nível I Nível V Níveis I V Percentagem de indicações 5,4 18,9 75,6 As cadeias paratraqueais, recorrenciais e o mediastino ântero-superior são incluídos no esvaziamento cervical em pacientes com tumor com extensão infraglótica por 75% dos cirurgiões. Sessenta e dois por cento dos entrevistados não ressecam rotineiramente a glândula tireóidea do lado afetado. Ao realizar uma hipofaringectomia total, 59,8% indicaram o transplante de jejuno como primeira opção de reconstrução, seguido do retalho de músculo grande peitoral utilizado de diversas formas (com 28,8%), transposição gástrica, indicado por 10,3% e o retalho chinês tubulizado por 1,1%. ura 4 - Opção terapêutica quanto aos níveis do esvaziamento cervical no tratamento de pacientes com CEC de laringe N0. (%). Se esse paciente já foi irradiado, apenas 16,1% dos entrevistados indicaram o esvaziamento profilático, enquanto que 83,9% realizam a laringectomia em campo estreito (figura 5). Entretanto, se o tumor recidivado for supraglótico, 31,1% esvaziam profilaticamente e 68,9% não indicaram o esvaziamento (figura 6). 19 DISCUSSÃO O tratamento dos diferentes estágios do carcinoma epidermóide da laringe é controverso. A escolha depende da experiência de cada cirurgião e da disponibilidade das modalidades terapêuticas propostas. Nem todos os serviços brasileiros são CACON, não dispondo de radioterapia ou quimioterapia, assim como o laser é uma opção pouco freqüente. Tumores glóticos iniciais apresentam várias possibilidades terapêuticas, sendo que todas possibilitam um bom controle da doença2. A ressecção endoscópica pode ser pelo método tradicional ou com laser. Ambas as possibilidades apresentam boas respostas terapêuticas, porém, em alguns casos, podem ser necessárias múltiplas ressecções8. Nos casos de persistência de doença após a ressecção endoscópica, a radioterapia apresenta resposta semelhante à ressecção cirúrgica9, 10. O resultado terapêutico das ressecções endoscópicas é alterado pelo envolvimento da comissura anterior e radioterapia prévia11, condições estas que fazem com que 65,6% dos cirurgiões brasileiros optem pela laringectomia supracricóidea, laringectomia frontolateral ou fronto-anterior em casos de comprometimento da comissura anterior como no estádio T1b e apenas 27,6% optem pelo tratamento radioterápico. Em nosso país, 48,3% dos cirurgiões optaram pelo tratamento radioterápico nos tumores T1a glóticos. A dificuldade de disponibilidade de ressecção utilizando o laser influenciou na opção terapêutica, pois esta última modalidade é disponível em poucos serviços no Brasil. No entanto, somando a indicação de cirurgia endoscópica e cirurgia endoscópica associada a radioterapia se margens comprometidas, obtemos um índice de 50,6% como primeira opção terapêutica para tumores T1 glóticos. O uso da radioterapia para o tratamento de T1 e T2 glóticos é atrativo devido à melhor qualidade vocal comparado ao tratamento cirúrgico. Quatro fatores fazem com que a resposta para esses tumores seja menor quando tratados com radioterapia: tamanho do tumor, envolvimento da comissura anterior, extensão infraglótica e diminuição da mobilidade da prega vocal. O controle local a cinco anos diminui de 87% para 76% nos casos de T2 glóticos que apresentem diminuição da mobilidade da prega vocal12. Devido a esses fatores de pior resposta ao tratamento radioterápico, a maioria dos cirurgiões de cabeça e pescoço brasileiros optam pelo tratamento cirúrgico (70,3%) laringectomia supracricóidea, hemilaringectomia e laringectomia fronto-lateral. Apenas 25,3% tratam o T2 glótico com radioterapia. Em pacientes com recidiva de tumores T1 e T2 tratados com radioterapia, 88,2% dos cirurgiões entrevistados indicam laringectomia parcial. Os tumores precoces supraglóticos (T1 e T2) através do tratamento cirúrgico endoscópico e da radioterapia alcançam controle da doença em 90 a 95% e 80 a 90% dos casos, respectivamente13,14. Os bons resultados oncológicos da laringectomia supracricóidea já estão bem estabelecidos3. A indicação de radioterapia tem como ponto negativo a dificuldade de diagnóstico da recidiva devido essa se localizar em alguns casos na submucosa e espaço pré-epiglótico, muitas vezes impossibilitando o tratamento de resgate com laringectomia supraglótica, sendo necessária a realização de laringectomia near total ou total. A radioterapia tem a preferência dos cirurgiões brasileiros no tratamento dos tumores supraglóticos T1 (54,1%). Já nos casos de tumores supraglóticos T2, 79,4% dos cirurgiões indicam a laringectomia supraglótica. Tumores glóticos avançados não apresentam indicação terapêutica definida, principalmente após a apresentação de protocolos de preservação de órgão. A Universidade da Flórida divide os tumores avançados (T3 e T4) em favoráveis e desfavoráveis, sendo os primeiros restritos a um lado da laringe sem obstrução respiratória importante. Nesses casos, é indicado o tratamento radioterápico, reservando a laringectomia total aos casos de falência do tratamento e de tumores desfavoráveis15. A radioterapia não é a melhor opção em casos de tumores T4 com invasão da cartilagem tireóidea, devido à alta incidência de condronecrose16. Essa modalidade terapêutica de forma isolada não é indicada por nenhum dos cirurgiões entrevistados nesse estudo para tumores nesse estágio. O primeiro trabalho que utilizou o tratamento combinado com quimioterapia e radioterapia foi o estudo do grupo Veterans Affairs, onde foi possível a preservação do órgão em até 66% dos casos de câncer de laringe estágios III e IV17. A grande maioria dos entrevistados (88,5%) tratam tumores T4 com laringectomia total associado à radioterapia adjuvante, tratamento que apresenta sobrevida a cinco anos variando de 20 a 94%18,19. Os tumores T3 glóticos que apresentam apenas a prega vocal fixa são uma das indicações de laringectomia supracricóidea, pois nesse caso as articulações cricoaritenoídeas encontram-se intactas. A sobrevida a cinco anos de pacientes tratados com laringectomia supracricóidea foi de 94,6% em pacientes com tumores T2 com mobilidade diminuída e tumores T320. Os cirurgiões brasileiros preferem o tratamento cirúrgico em tumores T3 da laringe, indicando em 64,4% dos casos onde as aritenóides encontram-se móveis a laringectomia supracricóidea e, em 45,4 % dos casos onde toda a hemilaringe encontra-se fixa, a laringectomia near-total. Apenas 45,7% dos cirurgiões indicam cirurgia parcial ou subtotal em tumores T3 recidivados pós-radioterapia isolada ou concomitante à quimioterapia. A abordagem do pescoço é de extrema importância, pois esse é o sítio de maior recorrência da doença em pacientes tratados com cirurgia. Em pacientes sem evidência clínica de metástase linfática (N0) e portadores de tumores glóticos T3 ou T4, há indicação de dissecção linfática eletiva das cadeias II, III e IV21, procedimento realizado por 84,8% dos cirurgiões entrevistados. Contudo, apenas 46% dos cirurgiões realizam o esvaziamento cervical contra-lateral ao realizar uma laringectomia total. Apenas 16,1 % dos cirurgiões entrevistados indicam esvaziamento cervical em pacientes clinicamente N0 após tratamento radioterápico ou radio e quiomioterápico concomitante. Esta conduta aumenta para 31,1% caso o tumor tratado fosse localizado na supraglote. A região supraglótica apresenta uma drenagem linfática mais rica que a região glótica da laringe, sendo a drenagem contra-lateral bastante incidente nesta região da laringe. O esvaziamento cervical bilateral em tumores supraglóticos diminui a recidiva regional de 20 para 9%22. A maioria dos cirurgiões brasileiros (63,2%) indica o esvaziamento cervical em tumores T1 localizados na supraglote e, desse grupo, 78,2% realizam a dissecção linfonodal bilateral. Apesar das inúmeras controvérsias e propostas terapêuticas variadas, os cirurgiões brasileiros apresentam condutas reconhecidas na literatura nacional e internacional. CONCLUSÕES O tratamento padrão ouro para o câncer de laringe ainda é o preferencial no Brasil: pacientes com tumores iniciais têm como principal indicação a radioterapia ou a cirurgia endoscópica com ou sem laser, de acordo com a disponibilidade de equipamento dos serviços entrevistados. Já nos casos de tumores avançados, o tratamento radical padrão (laringectomia total associado à radioterapia) é o mais utilizado no Brasil. Avanços como protocolos de radioterapia, quimioterapia e próteses fonatórias ainda são pouco utilizados como opções terapêuticas, visto o perfil dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço no Brasil e também as dificuldades de instituir-se tal tratamento no nosso país. Há uma tendência de uma maior indicação de cirurgias parciais/subtotais como a laringectomia supracricóidea para o tratamento de pacientes com tumores de laringe avançados selecionados. Apesar das inúmeras controvérsias e propostas terapêuticas variadas, os cirurgiões brasileiros apresentam condutas reconhecidas na literatura nacional e internacional. REFERÊNCIAS 1. Mc Guirt WF, Blalock D, Koufman JA, et al. Comparative voice results after resection or irradiation of T1 vocal cord carcinoma. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1994;120:95155. 2. Gallo A, Vicentiis M, Manciocco V, Simonelli M, Fiorrella ML, Shah JP. Co2 laser cordectomy for early-stage glottic carcinoma: A long-term follow-up of 156 cases. 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