Critérios de Qualidade para os Cuidados

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Critérios de Qualidade
para os Cuidados
Paliativos no Brasil
Documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos
Maria Goretti Sales Maciel
Luís Fernando Rodrigues
Cláudia Naylor
Roberto Bettega
Sílvia Maria Barbosa
Cláudia Burlá
Inês Tavares Vale e Melo
Critérios de Qualidade
para os Cuidados
Paliativos no Brasil
Documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos
Maria Goretti Sales Maciel
Luís Fernando Rodrigues
Cláudia Naylor
Roberto Bettega
Sílvia Maria Barbosa
Cláudia Burlá
Inês Tavares Vale e Melo
DI A
GR A
PHIC
E D I T O R A
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©2006 Diagraphic Editora Ltda.
Rio de Janeiro
2006
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C951
Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil / documento elaborado
pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos ; Maria Goretti Sales Maciel...
[et al.]. - Rio de Janeiro : Diagraphic, 2006
60p. :
Anexos
ISBN 978-85-89718-26-4
1. Tratamento paliativo. 2. Doentes terminais - Cuidado e tratamento. 3. Pessoal
da área médica e pacientes. I. Academia Nacional de Cuidados Paliativos.
06-3862.
19.10.06
CDD 362.19
CDU 616-036.8
23.10.06
016659
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qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc. –, nem apropriada ou
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©2006 Diagraphic Editora Ltda.
Sumário
Introdução............................................................................................................................... 8
Princípios dos cuidados paliativos..............................................................................10
Definições.............................................................................................................................. 11
Paliação................................................................................................................... 11
Ação paliativa....................................................................................................... 11
Cuidados paliativos............................................................................................12
Futilidade terapêutica ou tratamento fútil...............................................12
Cuidados ao fim da vida...................................................................................12
Critérios de inclusão..........................................................................................................12
Direitos do paciente..........................................................................................................14
Diagnóstico da situação..................................................................................................15
Níveis de atenção...............................................................................................................17
Cuidados paliativos nível I...............................................................................18
Cuidados paliativos nível II.............................................................................18
Cuidados paliativos nível III............................................................................18
Estrutura e organização...................................................................................................19
Objetivos gerais e específicos........................................................................................21
Formação e educação continuada em cuidados paliativos..............................22
Anexo 1: Cuidados ao fim da vida...............................................................................32
Anexo 2: Categorização por níveis segundo o risco do paciente...................40
Edição e
produção
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Diretor: Newton Marins, editor médico: Mário Aguiar, diretor de arte: Hélio Malka Y Negri, gerente
comercial: Miguel Sala, coordenadora editorial: Jane Castelo, revisora-chefe: Claudia Gouvêa, revisão: Leila Dias e Jeová Pereira, programação visual: Katia Bonfadini. Toda correspondência deve ser
dirigida a: Av. Paulo de Frontin 707, CEP 20261-241 – Rio de Janeiro-RJ, telefax: (21) 2502-7405,
e-mail: [email protected], www.diagraphic.com.br. As matérias assinadas, bem como
suas respectivas fotos de conteúdo científico, são de responsabilidade dos autores, não refletindo
necessariamente a posição da editora. Distribuição exclusiva à classe médica.
Critérios de Qualidade para os Cuidados
Paliativos no Brasil
Documento elaborado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos
Maria Goretti Sales Maciel
Médica com formação em Medicina da Família e da Comunidade; coordenadora do Programa de Cuidados
Paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE); presidente da Academia Nacional
de Cuidados Paliativos (ANCP).
Luís Fernando Rodrigues
Médico formado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); especialista em Medicina Interna e Gastroenterologia pela UEL; especialista em Medicina e Cuidados Paliativos pela Pallium Latinoamérica, Argentina.
Cláudia Naylor
Cirurgiã oncológica; médica paliativista; diretora do Hospital do Câncer IV, Unidade de Cuidados Paliativos,
do Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde (INCa/MS).
Roberto Bettega
Coordenador do Serviço de Cuidados Paliativos e Dor do Hospital Erasto Gaertner; oncologista clínico do
Núcleo de Estudos Oncológicos; vice-presidente da Sociedade Paranaense de Estudo da Dor; professor-adjunto da Pallium Latinoamérica, Argentina; diretor científico da ANCP.
Sílvia Maria Barbosa
Médica pediatra; chefe da Unidade de Dor e Cuidados Paliativos do Instituto da Criança (ICR); médica do
Grupo de Dor do Centro de Onco-Hematologia Infantil Dr. Boldrini, SP.
Cláudia Burlá
Médica especialista em Geriatria e Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/Associação Médica Brasileira (AMB) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); secretária-geral e vice-presedente da International Association of Gerontology and Geriatrics (2005-2009);
presidente da comissão de Cuidados Paliativos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG);
sócia fundadora da ANCP; revisora internacional do documento End-of-life for seniors da Universidade de
Toronto/Ministério da Saúde do Canadá.
Inês Tavares Vale e Melo
Médica anestesiologista pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia e Associação Médica Brasileira (SBA/
AMB); área de atuação no Tratamento da Dor pela SBA/AMB; curso de especialização no Hospice Palliative
Care - Hospice Education Institute, Inglaterra; curso de atualização em Cuidados Paliativos pela Asociacion
Civil Pallium Latinoamérica, Argentina; coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos e Dor do Hospital
do Câncer do Ceará.
Apresentação
A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) foi fundada em 26
de fevereiro de 2005 por um grupo de 34 médicos, todos atuando em serviços de cuidados paliativos e interessados em fazer reconhecer, no Brasil, a
importância dessa especialidade, tornando-a uma realidade acessível para
todos os brasileiros.
Desde sua fundação, a luta da ANCP tem sido incansável no sentido de
divulgar a boa prática dos cuidados paliativos, buscar o reconhecimento
da especialidade na área médica, agregar todos os profissionais que atuam
nas diversas equipes, contribuir para a formação de novos profissionais e
ampliar o debate sobre os cuidados ao final da vida em todas as áreas da
assistência à saúde.
Este trabalho é fruto de um pensamento coletivo a respeito da implantação dos cuidados paliativos no Brasil, com base nas recomendações da
Organização Mundial da Saúde (OMS), em modelos de serviços de outros
países que já implantaram ou estão implantando os cuidados paliativos e
na experiência prática de alguns serviços de sucesso no Brasil.
O objetivo é dar uma direção para os módulos já existentes e para
aqueles que desejem implantar novas unidades de cuidados paliativos em
municípios, estados, hospitais públicos ou privados, criando uma linguagem unificada desses serviços, o que só fortalece o movimento paliativista
brasileiro.
O documento apresenta conceitos, princípios, abrangência dos cuidados
paliativos, direitos dos pacientes, níveis de atuação, estrutura necessária
para os serviços e uma proposta de formação para o profissional que deseje
atuar em cuidados paliativos. Em anexo, uma lista básica de medicamentos sugeridos nos diversos programas, um guia simplificado de controle de
alguns sintomas e um documento elaborado pelo grupo da Argentina, que
norteia muito bem a prática.
Esta é uma publicação oficial da ANCP. Nasce com o desejo de ser apenas a primeira de muitas outras, todas voltadas para o desenvolvimento
dos cuidados paliativos em nível de excelência no Brasil.
Maria Goretti Sales Maciel
Presidente da ANCP, 2005-2008
Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
Introdução
Hoje a ciência médica pode lutar contra uma doença potencialmente
fatal e a morte, quando antes apenas podiam ser oferecidos conforto e
segurança. É comum na área de saúde o prolongamento da vida a qualquer
custo, e a cultura dominante da sociedade tem considerado a cura da doença o principal objetivo dos serviços de saúde. Nesse contexto, a morte passa
a ser entendida como um fracasso e, por esse motivo, deve ser escondida.
Uma grande parcela da população mundial morre de doenças crônicas
lentamente progressivas, com período terminal de poucos meses ou semanas, como o câncer, ou de enfermidades de progressão lenta com períodos
cíclicos de reagudização até que advenha a morte, como, por exemplo, a
insuficiência cardíaca e a demência.
O hospital, tal como o conhecemos, estruturou-se com elevada sofisticação tecnológica para tratar ativamente a doença. No entanto, havendo
a falência desse tratamento e aproximando-se o paciente da morte inexorável, o hospital raramente está preparado para tratar e cuidar de seu
sofrimento e o de seus familiares.
Aprender a lidar com as perdas em um ambiente no qual predomina o
caráter premente da cura ou prevenção da doença é um desafio que poucos
se propõem a discutir, e muito menos a enfrentar, tornando difícil o tratamento e o acompanhamento global dos doentes com sofrimento intenso
na fase final da vida.
Ajudar indivíduos com doenças avançadas e potencialmente fatais e
seus familiares em um dos momentos mais cruciais de suas vidas é uma
atividade ou um modelo de atenção à saúde que vem sendo denominado
cuidado paliativo.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cuidados paliativos
são os “cuidados ativos e integrais prestados a pacientes com doença, progressiva e irreversível, potencialmente letal, sendo fundamental o controle
da dor e de outros sintomas através da prevenção e do alívio do sofrimento
físico, psicológico, social e espiritual”. O enfoque terapêutico é o alívio dos
sintomas que comprometem a qualidade de vida, integrando ações médicas, de enfermagem, psicológicas, nutricionais, sociais, espirituais e de
reabilitação, influenciando também o tipo de morte que o paciente terá.
Os cuidados paliativos consideram a família uma unidade de cuidado
que também deve receber assistência durante todo o tempo de acompanhamento de seu paciente e até depois de seu óbito, no período do luto.
O termo paliativo deriva do latim pallium, um manto usado pelos pe-
regrinos durante suas viagens em direção aos santuários para protegê-los
das intempéries. Em analogia, o cuidado paliativo tem o objetivo de proteger a pessoa doente durante seu último período de vida. No uso corrente, o
termo paliativo tem uma conotação de inutilidade, ineficácia. Ao contrário,
os cuidados paliativos são os únicos verdadeiramente úteis ao paciente que
está morrendo, uma vez que o protegemos do sofrimento evitável, salvaguardando sua dignidade como pessoa até seus últimos momentos.
Os cuidados paliativos podem e devem ser oferecidos o mais cedo possível,
no curso de qualquer doença crônica potencialmente fatal, desde seu diagnóstico, para que ela não se torne difícil de cuidar nos últimos dias de vida.
“Cuidado paliativo não é uma alternativa de tratamento, e sim
uma parte complementar e vital de todo acompanhamento do paciente.”
Dame Cicely Saunders
A prestação de ações paliativas em sentido genérico está naturalmente
implícita na abordagem ao paciente, sendo uma parte importante do trabalho da maioria dos profissionais de saúde, independente de sua formação particular. No entanto a prestação diferenciada de cuidados paliativos
a doentes em fase avançada de doença incurável com grande sofrimento
merece destaque e priorização nas políticas nacionais de saúde.
A prática dos cuidados paliativos requer organização própria e abordagem
específica, levadas a efeito por equipes técnicas preparadas para tal objetivo.
No Brasil, o envelhecimento da população, o aumento da incidência de
câncer e a emergência da síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA) tornam os doentes que carecem de cuidados paliativos um problema de enorme
impacto social e de importância crescente em termos de saúde pública. No
país ainda não há uma estrutura de cuidados paliativos adequada às demandas existentes, tanto do ponto de vista quantitativo quanto do qualitativo.
Esse cenário indica a necessidade urgente do conhecimento dos conceitos fundamentais em cuidados paliativos, bem como do empreendimento
de esforços para se estabelecerem políticas de saúde voltadas para os indivíduos ao final da vida.
O sistema de saúde brasileiro enfrenta grandes desafios para o novo
século. A singularidade do tema requer uma discussão multissetorial que se
assenta no proposto pelo movimento internacional dos cuidados paliativos,
que, nas últimas décadas, preconizou uma atitude de total empenho e a valorização do sofrimento e da qualidade de vida como objetos de tratamento
e de cuidados ativos organizados.
Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
A complexidade do sofrimento e a combinação de fatores físicos, sociais,
psicológicos e espirituais na fase final da vida, bem como o envolvimento
direto das famílias, obrigam a uma abordagem multiprofissional, congregando a família da pessoa doente, os profissionais de saúde com formação
e treinos diferenciados, os voluntários preparados e a sociedade civil.
Por essa razão, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera os
cuidados paliativos “uma prioridade da política de saúde, recomendando
sua abordagem de maneira programada e planificada, numa perspectiva de
apoio global aos múltiplos problemas das pessoas doentes que se encontram em fase avançada da doença e no final da vida”. A Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) vem ao encontro dessas considerações e
apresenta um trabalho elaborado por um grupo de especialistas na área de
cuidados paliativos com a intenção de propor mudanças paradigmáticas e
de atitudes, contribuindo com sugestões de estratégias de ação e de educação para a promoção de um sistema de saúde mais justo e humanizado,
no qual a fase final da vida e a morte são consideradas processos naturais
e merecem toda a atenção.
Princípios dos cuidados paliativos
Os cuidados paliativos são reconhecidos como elementos essenciais dos
cuidados à pessoa doente e constituem uma resposta organizada à necessidade de tratar, cuidar e apoiar ativamente os doentes em fase final de vida
e seus familiares.
O objetivo maior dos cuidados paliativos é assegurar a melhor qualidade de vida possível aos doentes e às suas famílias, e essas devem ser incorporadas ativamente aos cuidados, inclusive durante a fase de luto.
Estar bem informados sobre a doença, recebendo apoio e orientação
quanto aos cuidados a serem prestados, diminui a ansiedade de familiares e
pacientes, aproximando-os da equipe profissional e criando uma atmosfera
de confiança e segurança.
Os cuidados paliativos têm como componentes essenciais o alívio dos
sintomas e o apoio psicológico, espiritual, emocional e social durante todo o
acompanhamento do paciente, até após sua morte, durante o período de luto
de sua família, caracterizando-se um acompanhamento interdisciplinar.
Manter e aprimorar a saúde mental dos trabalhadores é essencial não só
para os próprios profissionais envolvidos com os cuidados do indivíduo no fim
da vida, mas também para a qualidade desses cuidados oferecidos ao paciente.
Percebe-se cuidado paliativo como:
• Afirmação da vida e enfrentamento da morte como evento natural;
• Aceitação da evolução natural da doença, não acelerando nem retardando a morte e repudiando as futilidades diagnóstica e terapêutica;
• Garantia de qualidade de vida;
• Controle da dor e de outros sintomas desenvolvidos com a progressão
da doença;
• Integração dos aspectos clínicos com os aspectos psicológicos, sociais e
espirituais que possam influenciar a percepção e o controle dos sintomas;
• Eestímulo à independência do paciente, permitindo-lhe viver de maneira
ativa até sua a morte;
• Respeito à autonomia do doente com ações que levem à sua valorização
como pessoa;
• Reconhecimento e aceitação, em cada doente, dos seus próprios valores
e prioridades;
• Consideração de que a fase final da vida pode encerrar momentos de
reconciliação e crescimento pessoal;
• Favorecimento de uma morte digna, com o mínimo estresse possível, no
local de escolha do paciente;
• Prevenção de problemas durante o luto;
• Base na diferenciação e na interdisciplinaridade.
A prestação dessa forma de cuidado pressupõe a compreensão e a aceitação desses princípios por parte do doente e de sua família.
Definições
Paliação
• Toda medida que resulte em alívio do sofrimento do doente.
Ação paliativa
• Qualquer medida terapêutica, sem intenção curativa, que visa diminuir,
em ambiente hospitalar ou domiciliar, as repercussões negativas da doença
sobre o bem-estar do paciente. É parte integrante da prática do profissional
de saúde, independente da doença ou de seu estágio de evolução. Pode ser
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
prestada já a partir do nível de atenção básica, em situações de condição
clínica irreversível ou de doença crônica progressiva.
Cuidados paliativos
• Cuidados ativos e integrais prestados a pacientes com doença progressiva e irreversível, com poucas chances de resposta a tratamento curativo, sendo fundamental o controle da dor e de outros sintomas através da
prevenção e do alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual.
• Cuidados prestados por equipes multiprofissionais, em ambiente hospitalar ou domiciliar, segundo níveis de diferenciação que devem incluir,
ainda, o apoio à família e a atenção ao luto.
Futilidade terapêutica ou tratamento fútil
• Medida cuja adoção pode prolongar o sofrimento e mesmo a morte, não
sendo efetiva para corrigir ou melhorar as condições que ameaçam a vida.
São procedimentos diagnósticos ou terapêuticos inadequados e inúteis
diante da situação evolutiva e irreversível da doença e que podem causar
sofrimento acrescido ao doente e à família.
• Também definida como “qualquer terapia que não seja capaz de atingir
seus objetivos fisiológicos, que não atenda aos objetivos do paciente e da
família, que não aumente a sobrevida e não melhore a qualidade de vida
do doente”.
Cuidados ao fim da vida
• Cuidados prestados a pacientes e familiares em fase aguda e de intenso
sofrimento, na evolução final de uma doença crônica terminal, em período
que pode preceder horas ou dias o óbito.
Critérios de inclusão
Segundo as recomendações da OMS em 2002, os cuidados paliativos
devem se iniciar o mais precocemente possível, de preferência a partir do
diagnóstico de uma doença potencialmente letal.
Na prática, sabe-se que nem sempre tal procedimento é possível e às vezes
ele se torna desnecessário. No entanto, o recomendável é que todos os serviços
que se propõem a atender pacientes passíveis de inclusão estejam preparados
para os cuidados paliativos. Isso possibilita, a qualquer momento, uma ação ou
intervenção paliativa, de acordo com a necessidade do doente.
Em suma, os cuidados paliativos devem sempre existir em hospitais
gerais de grande porte e onde se tratam câncer, SIDA, idosos e pacientes
crônicos.
O que faz um paciente ser incluído num programa de cuidados paliativos é a percepção de que, além do tratamento curativo, existem sintomas e
desconfortos que comprometem sua qualidade de vida e que precisam ser
abordados com competência e seriedade por uma equipe especializada.
O contato precoce com a equipe de cuidados paliativos possibilita um
vínculo de confiança, imprescindível para que as decisões que nortearão o
seu tratamento em final de vida sejam tomadas segundo os desejos e as
características de cada doente. Isso significa, em última análise, o respeito
ao direito de autonomia do doente.
Quando o tratamento paliativo se torna preponderante, os doentes se
caracterizam por um padrão de múltiplas necessidades e alta demanda, de
acordo com a natureza da doença de base e apresentam como perfil:
• Ser portador de enfermidade avançada e progressiva;
• Poucas possibilidades de resposta à terapêutica curativa;
• Evolução clínica oscilante, caracterizada pelo surgimento de várias crises
de necessidades;
• Grande impacto emocional para o doente e sua família;
• Impacto social para o doente e sua família;
• Prognóstico de vida limitado;
• Necessidade de adequação terapêutica.
Nesse perfil incluem-se os doentes em fase avançada de doenças como:
• em adultos:
– câncer;
– SIDA;
– síndromes demenciais;
– doenças neurológicas progressivas;
– insuficiência cardíaca congestiva (ICC);
– doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC);
– insuficiência renal;
– seqüelas neurológicas;
– outras situações incuráveis e em progressão;
• em crianças:
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– malformações congênitas severas;
– fibrose cística;
– paralisia cerebral;
– distrofias musculares;
– câncer;
– SIDA;
– outras situações incuráveis e em progressão.
As crises de necessidades ou intercorrências agudas se caracterizam
pelo aparecimento de uma ou várias necessidades concretas dos pontos
de vista físico, psicológico, social ou espiritual, que diminuem o conforto e
a qualidade de vida do doente e que alteram a adaptação e a estabilidade
emocional da família, além de requererem uma ou mais intervenções imediatas e específicas para sua solução.
Essas intervenções devem obedecer ao princípio da proporcionalidade
e da razão, devendo ser evitadas situações de obstinação terapêutica. Nenhum tratamento pode oferecer maior desconforto ao doente do que sua
própria doença.
Direitos do paciente
Todo ser humano tem direito à vida e a vivê-la em plenitude e com
dignidade, desde o momento do seu nascimento até a sua morte.
Para que esse princípio seja aplicado, faz-se necessário o direito:
• À informação: é fundamental que o doente conheça sua doença, sua
forma de progressão, seu estágio de evolução e seu prognóstico de vida
para que possa exercer o direito às escolhas necessárias com relação aos
tratamentos que irá receber. A informação deve ser clara e precisa, porém
ser administrada com respeito e atenção aos limites da compreensão e da
tolerância emocional do doente;
• À autonomia: decisões fundamentais devem ser discutidas com o doente
ou seu representante legal, e sua vontade, sempre respeitada. Para que esse
princípio se exerça adequadamente é necessário o respeito ao direito à informação descrito no item anterior;
• À assistência integral: todo doente deve ter acesso à assistência por uma
equipe de vários profissionais, adequadamente treinados para a execução
dos princípios dos cuidados paliativos, e receber assistência capaz de suprir
suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais durante todo o
período de sua doença. Os serviços devem abranger níveis hierarquizados
de assistência e ser integrados a tal ponto de o doente não se sentir abandonado em nenhum momento de sua evolução clínica;
• Ao alívio do sofrimento: nenhum ser humano pode morrer em condição de sofrimento insuportável, seja ele de natureza física, psicológica ou
espiritual. A terapêutica de alívio de sintomas e todas as demais medidas
precisam ser administradas em nível de excelência, em todos os momentos
e em particular nos últimos dias de vida, prevenido situações de extremada
agonia para o doente e seus familiares;
• A intimidade e privacidade: durante internações hospitalares para seguimento da fase final da vida, todo doente deverá ter o direito de ser
acompanhado por familiar ou outra pessoa de sua eleição, respeitada a
privacidade necessária para a resolução de seus conflitos mais íntimos, perdões e despedidas;
• À vida: não obstante seja portador de doença avançada e terminal, não se
usará nenhuma terapêutica que possa abreviar-lhe a vida. Doentes comatosos devem ser tratados com dignidade e respeito, como se a tudo pudessem ouvir e sentir. Nesses casos, o tratamento da dor não será interrompido
abruptamente por suposições de que ela não mais exista;
• Aos cuidados imediatos após a morte: terminada a vida, o corpo deve
ser cuidado com absoluto respeito e privacidade. Devem ser permitidas as
manifestações imediatas de despedidas e dor dos familiares, acolhendo o
seu sofrimento. A família precisa receber todas as orientações necessárias
para os rituais de funeral, direitos sociais e responsabilidades com papéis
e documentos;
• À assistência ao luto: familiares devem ter acesso ao contato com a equipe
cuidadora no período de luto. Nessa fase deve ser auxiliada a compreender
o processo da doença, a evolução para a fase final, o tratamento recebido
e os últimos eventos.
Diagnóstico da situação
A quantificação das necessidades de cuidados paliativos no Brasil hoje
não pode ser precisa.
De acordo com dados do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde
(DATASUS), em 2004 morreram cerca de 1 milhão de pessoas no Brasil, sendo a primeira causa as doenças cardiovasculares (285 mil), seguidas de neoplasias (140 mil), causas externas (127 mil), causas mal definidas (126 mil),
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doenças do aparelho respiratório (102 mil) e outras. Se agruparmos essas
cinco principais causas, excetuando-se as mal definidas e as externas, tivemos pelo menos 527 mil mortes em 2004 por causas supostamente passíveis de paliação.
Com base em estatísticas mundiais e conhecendo-se o perfil de mortalidade da população, pode-se, porém, estimar tais necessidades. Estima-se
no mundo, para cada grupo de 1 milhão de habitantes a ocorrência de mil
pacientes/ano necessitados de cuidados paliativos diferenciados.
Nesse caso, o Brasil, com 180 milhões de habitantes, precisa projetar
um programa com abrangência capaz de assistir a 180 mil pacientes/ano
com critérios para inclusão em cuidados paliativos especializados.
Se tomarmos como exemplo o Reino Unido, que tem hoje 50 camas
e seis equipes de assistência domiciliar para cada milhão de habitantes,
podemos projetar para o Brasil a necessidade de 9 mil leitos de cuidados
paliativos. Distribuídos em unidades de 10 a 15 leitos, seriam 600 a 900
unidades de internação e 1.080 equipes de atendimento domiciliar. Em municípios pequenos a projeção é de 10 leitos e uma equipe de assistência
domiciliar para cada 20 a 30 mil habitantes.
Atualmente acredita-se que existam cerca de 40 unidades de cuidados
paliativos no Brasil distribuídas por todo o território nacional, a maioria atuando apenas em ambulatórios e assistência domiciliar.
A disponibilidade de leitos especializados é mínima e restrita a grandes
centros como Rio de Janeiro, São Paulo, Barretos, Campinas, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus e Porto Alegre.
O ensino dos cuidados paliativos também é precário. Só existe um
curso de pós-graduação formal no Brasil, que é vinculado ao Instituto
Nacional de Câncer (INCa), e são raras as faculdades da área da saúde
que fornecem alguma informação na área, geralmente fazendo-o em
disciplinas eletivas.
A disponibilidade de analgésicos para o controle da dor também é
limitada, restrita a poucas farmácias e inexistente em alguns municípios.
O emprego adequado e recomendado pela OMS há 20 anos ainda é desconhecido e discriminado por profissionais de saúde. A população ainda
crê que o uso da morfina se restringe a pacientes em agonia final, que
ela pode apressar a morte e que seu uso significa vício e discriminação
social.
As ferramentas terapêuticas da medicina paliativa não são conhecidas.
Os cuidados necessários ao final da vida sequer são cogitados e as alternativas oferecidas ao doente se restringem:
• Ao cuidado em unidades de terapia intensiva (UTI), que implicam grande
sofrimento e prolongamento apenas do processo de morrer;
• Ao cuidado intensivo oferecido de forma precária em leitos inapropriados
para esse fim;
• À condição de abandono do “não tenho mais nada a fazer”, que significa: vá para sua casa e morra só, com sua dor, com sua dispnéia, com
sua angústia, com seus vômitos, sua insônia, seu delirium e tantas outras
situações caóticas.
Um programa nacional de cuidados paliativos ordenado pelo Ministério da
Saúde, bem regulado e que compreenda assistência, ensino e pesquisa nessa
área, é importante para promover a assistência integral de boa qualidade.
NÍVEIS DE ATENÇÃO
Estabelecer uma política nacional é o melhor meio de assegurar um
cuidado paliativo adequado e que atinja o maior número de pacientes e familiares. A OMS recomenda três medidas fundamentais, baseadas em política governamental, educação e disponibilidade de medicamentos, as quais
possuem custo pequeno, mas apresentam enorme potencial de impacto. Os
cuidados paliativos devem ser planejados em função dos diferentes níveis
de atenção, de forma a satisfazer as necessidades locais e assegurar uma
formação diferenciada, respeitando-se as realidades regionais.
As unidades podem prestar cuidados em regime de internação hospitalar, assistência domiciliar e ambulatorial e abranger um leque variado de
situações, idades e doenças.
Deve-se assegurar a continuidade dos cuidados através de uma efetiva
articulação entre os diferentes níveis existentes e seu espaço geográfico,
com definição de fluxos de encaminhamento, cadastramento de pacientes
e de unidades assistenciais de referência.
Os cuidados paliativos devem ser planejados em função dos níveis de
diferenciação expostos a seguir.
Ação paliativa
Representa o nível básico da paliação e corresponde à prestação de
ações paliativas sem recurso ou estruturas diferenciadas e/ou especializadas.
Pode e deve ser prestada em regime domiciliar e/ou ambulatorial, no âmbi-
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
to da rede de serviços básicos de saúde, respeitando o campo de ação das unidades inseridas nessa rede, dentro da competência e capacidade das mesmas.
Havendo necessidade de internação hospitalar para a realização da
ação paliativa, a mesma se dará a partir da articulação entre os diferentes
níveis, com fluxo previamente definido.
Cuidados Paliativos de nível I
• São prestados por equipes com formação diferenciada em cuidados paliativos e que estão permanentemente em processo de educação continuada
nessa área.
• Estruturam-se através de equipes móveis que não dispõem de estrutura
de internação própria, mas de espaço físico para sediar suas atividades.
• Podem ser prestados tanto em regime domiciliar quanto em regime de
internação, novamente articulando-se o fluxo com uma unidade assistencial de referência para esse último modelo de cuidados.
• Podem ser limitados à função de aconselhamento, com suporte nas dimensões sociais, emocionais e espirituais diferenciados.
Cuidados Paliativos de nível II
• São prestados em unidades assistenciais com internação própria ou em
domicílio, por equipes diferenciadas que os prestam e que garantem disponibilidade e apoio durante 24 horas, compreendendo o âmbito de atuação
da média complexidade.
• São prestados por equipes multiprofissionais com formação diferenciada
em cuidados paliativos e que, além de médicos e enfermeiros, incluem técnicos indispensáveis à prestação dos cuidados e de todas as dimensões que
os encerram – psicológica, social, emocional e espiritual.
Cuidados Paliativos de nível III
• Somam-se às condições e capacidades próprias dos cuidados paliativos
de nível II as seguintes características:
– desenvolvimento de programas estruturados e regulares de formação especializada e capacitação em cuidados paliativos;
– desenvolvimento de pesquisa em cuidados paliativos, assim como de protocolos e condutas na área;
– capacidade, através de equipe multidisciplinar completa e diferenciada,
de responder e orientar situações de elevada exigência e complexidade em
cuidados paliativos.
São unidades de referência na área, compreendendo responsabilidades
em formação, educação continuada, pesquisa, definição de protocolos de
conduta e apoio técnico assistencial nas situações que necessitem do âmbito de atuação em maior complexidade.
Estrutura e organização
Recursos humanos
A equipe profissional de cuidados paliativos será interdisciplinar, formada por médicos e enfermeiras, com a cooperação necessária de psicólogo e assistente social, cujas dedicações se quantificarão em função das
necessidades concretas de atenção. Um desses profissionais será nomeado
responsável pela equipe.
Considera-se equipe básica aquela que inclui médico e enfermeiro(a),
com a cooperação de profissionais de serviço social e psicologia; equipe
completa, a que incorpora profissionais de trabalho social e psicologia,
além de outros (fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e outros); a equipe
de referência é aquela que realiza funções de referência na complexidade
assistencial associadas a formação avançada universitária e investigação.
Voluntários e assistentes espirituais representam condição ideal em todos
os níveis de atenção e sua presença deve ser estimulada em todas as equipes, desde que adequadamente treinados nos princípios dos cuidados paliativos, para que não haja choque de linguagem e atitudes que estimulem
a geração de falsas esperanças e expectativas irreais.
O número de profissionais que formará a equipe se estabelecerá em
função dos recursos com que prestarão o serviço, da tipologia dos pacientes a atender e de seus indicadores de atividade.
Equipes monográficas (em câncer, SIDA, geriatria) poderão ser formadas
em função do volume de pacientes na área e do grau de apoio de serviços
de referência na área de atenção.
A equipe de profissionais de cuidados paliativos disporá de capacitação
avançada, atualização e avaliação periódica de conhecimento e supervisão
por órgão oficial e/ou sociedade competente.
As equipes de cuidados paliativos se localizarão preferentemente nas
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
estruturas que permitam oferecer melhor suporte em benefício dos pacientes e de suas famílias, podendo, assim, estar em hospitais, centros específicos, na rede básica de saúde ou fazendo parte de um sistema integral de
atenção.
A equipe dedicará seu tempo às atividades próprias de atenção de pacientes, de forma direta ou como consultora de referência, apoiando outras
equipes profissionais. Essas atividades se desenvolverão sob um esquema
de trabalho interdisciplinar e suas competências, além da assistência direta,
englobarão o planejamento e a execução de recursos orçamentários, atividades de avaliação de qualidade, educação continuada e investigação nas
aéreas que lhes são próprias.
A capacitação, as funções e as responsabilidades de cada membro da
equipe serão detalhadas por escrito. Além de uma breve definição das competências e responsabilidades do profissional, é conveniente que o plano
de trabalho inclua as atividades de formação contínua e dos critérios da
avaliação periódica da capacitação e execução profissional.
Recursos materiais
Os recursos necessários para o desenvolvimento das atividades em cuidados paliativos são:
• Estruturas assistenciais (consultórios equipados, unidades com leitos de
internação adequados, área de convivência para pacientes e familiares, leitos-dia para a execução de pequenos procedimentos, etc.);
• Estrutura física para as atividades administrativas e da equipe (sala de
reunião, área administrativa);
• Estrutura para atendimento domiciliar (transporte, insumos, medicamentos essenciais para solução de crises);
• Comunicação interpessoal (telefone, localizador, fax, correio eletrônico);
• Arquivo documental;
• Acesso aos serviços de apoio de organização onde se localizarão (secretaria, arquivo, biblioteca);
• Acesso e conexão com diferentes recursos do sistema.
A necessidade de recursos se adaptará ao número de profissionais da
equipe e às atividades a serem realizadas (internação, consulta, hospitaldia, atendimento domiciliar, consultorias) e dependerá da estrutura de desenvolvimento da equipe (níveis I, II ou III).
Os espaços físicos que se destinem à comunicação e ao trato com o
paciente, o familiar e os cuidadores deverão permitir o respeito à intimidade
e à segurança das pessoas. A unidade de hospitalização deverá se organizar
de maneira que seja permitida a presença permanente da família e se transmita um ambiente caloroso e humano.
As equipes de cuidados paliativos disporão de uma estrutura física específica para o trabalho da equipe, o que facilitará a conservação do material documental, de uma secretaria e de material básico, além de possibilitar
as reuniões interdisciplinares regulares.
O espaço de trabalho disponibilizará um sistema de comunicação pessoal acessível (telefone, fax, e-mail, etc) para facilitar a troca de informações
entre membros da equipe, as interconsultas com os pacientes e familiares e
as tarefas de conexão entre os diversos recursos disponíveis.
Objetivos gerais e específicos
Objetivos gerais
Esse programa tem como meta alcançar os seguintes objetivos:
• Atender de forma progressiva às necessidades da comunidade, promovendo o acesso dos doentes aos cuidados paliativos nas diversas regiões
do país, com possibilidade de atendimento o mais próximo possível da sua
residência;
• Atender às necessidades dos doentes oferecendo uma gama completa de
cuidados paliativos de forma diferenciada, seja em regime de internação,
seja no domicílio;
• Promover a articulação entre os cuidados paliativos e os outros serviços
de saúde já disponibilizados;
• Garantir a qualidade da organização e da prestação de cuidados paliativos através de programas de avaliação e promoção contínua da qualidade;
• Criar condições para a formação diferenciada em cuidados paliativos.
Objetivos específicos
Os seguintes objetivos específicos são perseguidos:
• Criar equipes móveis de cuidados paliativos de nível I;
• Criar e desenvolver unidades de cuidados paliativos de níveis II e III, com
prioridade para hospitais universitários, hospitais com atendimento de alta
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complexidade e hospitais oncológicos;
• Criar e desenvolver unidades de cuidados paliativos de nível III com capacidade de diferenciação técnica na área de cuidados paliativos.
Formação e educação continuada
em cuidados paliativos
A educação é uma das melhores formas de dar base e criar a cultura
necessária para a difusão do conceito do cuidado paliativo e de todas as
características que lhe são inerentes.
Há uma grande diversidade quando se fala em cuidados paliativos.
Torna-se necessária a existência de diferentes níveis de educação para as
diversas profissões da área de saúde, de acordo com as necessidades de
cada um e a especificidade de cada profissão.
O nível de educação necessário deve ser ajustado ao envolvimento do
cuidado paliativo na prática do dia-a-dia.
Não há necessidade de todos os profissionais receberem o mesmo
nível de treinamento. As funções, tanto no que diz respeito ao paciente
quanto no que se refere à equipe, podem diferir no tipo e em número de
pacientes que receberão assistência.
Isso pode se refletir na Tabela 1, que descreve três diferentes níveis
de educação em cuidado paliativo.
Parcerias são necessárias entre os locais responsáveis pelo cuidado
e os centros encarregados da educação para que essa seja realizada de
forma eficiente e introduzida na prática diária. Sem esse tipo de parceria, corre-se o risco de um treinamento desequilibrado entre a teoria e
a prática.
Deve-se encontrar um caminho para apoiar a aquisição do conhecimento e das habilidades com um programa de educação em cuidados paliativos em que a estrutura para tal seja coordenada, focada e eficiente.
Em torno desse fato, ao se organizar um curso e o seu programa, é necessário notar que eles devem se basear em conhecimento ligado às necessidades dos profissionais da área da saúde, da população e na estrutura do
sistema de saúde. Isso implica que, para o desenvolvimento dos programas
de educação, devemos nos preocupar com alguns pontos:
• Cuidado paliativo e medicina paliativa;
• Princípios de aprendizado para adultos;
• Planejamento organizacional;
Tabela 1 – Níveis de educação em cuidado paliativo
Futuros profissionais da saúde durante
a sua graduação em um treinamento
inicial
Nível I
Básico
(não-graduados)
Nível I
Profissionais da área da saúde formados que trabalham no sistema de
Básico (graduados) saúde normal e que se confrontam com
situações que necessitam da abordagem paliativa
Profissionais formados que trabalham
em unidades de cuidado paliativo, ou
em ambulatório, ou enfermaria geral
e que atuam no desenvolvimento de
pessoas
Nível II
Avançado
(pós-graduados)
Profissionais qualificados que freqüentemente se confrontam com situações
de cuidado paliativo, como oncologistas, médicos de família, pediatras e
geriatras
Nível III
Especialista (pósgraduados)
Profissionais formados que têm sob
sua responsabilidade as unidades de
cuidado paliativo, ou que oferecem um
serviço de consultoria e/ou contribuem
de forma ativa para a educação e a pesquisa na área
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• Parceria entre os locais de treinamento prático e teórico;
• Conhecimento sobre as políticas públicas de cuidado à saúde e de
educação em nível regional.
Devemos nos preocupar ainda com algumas questões que devem ser
respondidas na preparação dos programas educacionais:
• O treinamento ocorre devido a uma necessidade específica?
• O treinamento leva em conta os recursos potenciais e os meios disponíveis?
• Todos os objetivos, o conteúdo e os resultados são relevantes?
• O método de educação reflete os princípios da educação para adultos?
• Há um método de avaliação claro indicado como parte do treinamento?
O tipo de educação a ser oferecido será de caráter interdisciplinar, pois
a equipe de saúde deve estar apta a trabalhar conjuntamente, de forma
efetiva, sendo necessário que se tenham em mente a responsabilidade da
equipe como um grupo profissional e o papel de cada um dos componentes
da equipe para se manter a unidade de ação.
A educação de adultos deve se basear em uma filosofia de respeito
mútuo, responsabilidade pessoal e experiência.
O processo de aprendizagem acontece durante toda a vida, e é baseado
em interesse individual, motivação, valores e competência.
Devemos lembrar a necessidade de nos focarmos em dois elementoschave: o auto-aprendizado e o aprendizado baseado em problemas, que são
as vias normais.
Para se ter sucesso no auto-aprendizado, alguns pontos são necessários:
• Diagnóstico das necessidades de aprendizado;
• Formulação de metas;
• Identificação de recursos;
• Implementação das atividades apropriadas;
• Avaliação dos resultados.
Os adultos são motivados para o aprendizado que:
• Percebe-se como relevante;
• É construído sobre experiências prévias;
• Implica participação e envolvimento;
• Foca problemas;
• Importa em responsabilidade pessoal;
• Possui aplicação imediata na prática;
• Envolve reflexão;
• Baseia-se no respeito mútuo.
Os objetivos do curso devem ser precisos, mensuráveis e observáveis, sendo
que essa é a base para que o aluno saiba o que encontrar até o fim do curso.
A interação entre conhecimento, oportunidade de aprendizado e motivação é que gerará a ação final, que é a aplicação dos conhecimentos na
prática diária.
Do ponto de vista do cuidado paliativo, o treinamento deverá englobar
uma educação continuada, com abordagens multidisciplinares que levam
em consideração as habilidades individuais e do grupo.
O cuidado implica a interação em cinco aspectos que ocorrem no diaa-dia da prática paliativa:
• Com o paciente;
• Com a família/cuidador;
• Com a equipe de saúde;
• Com a sociedade;
• Com o sistema de saúde.
Percebe-se a necessidade de se desenvolverem níveis crescentes de conhecimentos e habilidades que se embasem na exposição a uma variada
dimensão da prática.
Conteúdo programático conforme o nível
de atuação (alguns níveis de atuação não
necessitarão de uma abordagem mais
profunda sobre determinado tema)
Paciente: observação, avaliação e manuseio dos
sintomas
• Avaliação com abordagem multifacetada, com exame físico, diagnóstico
diferencial, fisiopatologia da doença, evolução clínica e perfil clínico. Documentação necessária.
• Sintomas comuns: dor, trato gastrointestinal, dispnéia, anorexia, caquexia, fraqueza, boca seca, confusão depressão.
• Farmacologia paliativa, tratamento dos sintomas mais comuns e efeitos
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colaterais, observação contínua e avaliação da terapêutica.
• Farmacocinética da droga e interações medicamentosas.
• Rotas de administração de medicamentos.
• Emergências dentro do cuidado paliativo: compressão medular, hemorragia, síndrome da veia cava, hipercalcemia.
• Sintomas complicados: tosse, odor, incontinência fecal, fístulas e problemas de pele.
• Intervenção psicológica e/ou psiquiátrica.
• Papel do fisioterapeuta e da terapeuta ocupacional.
• Abordagem espiritual do cuidado.
• Medidas de conforto.
• Dor: aspectos multidimensionais da dor.
• Avaliação da dor.
• Manuseio da dor.
• Opções opióides, titulação e toxicidade.
• Rotação de opióides.
• Educação do paciente para o uso de opióides.
• Manuseio da dor em situações especiais: pediatria e pacientes idosos.
• Antecipação da fase final da vida.
• Manuseio dos sintomas do fim de vida.
• Sedação paliativa.
• Cuidados do paciente que está morrendo e da sua família
• Morte, atestado de óbito, cuidado do corpo após a morte, formalidades
administrativas.
• Suporte espiritual, rituais e costumes.
Atuação perante o paciente e sua família
• O impacto de uma enfermidade sobre o paciente e a família, o sofrimento
espiritual, as modificações da família em crise, o manuseio dos sintomas e
os mecanismos de se lidar com o fato.
• Conseqüências sociais da enfermidade e mecanismos de ajuste.
• Dar más notícias. Comunicação verbal e não-verbal.
• Conhecimento sobre uma abordagem sistêmica.
• Educação da família, do paciente e dos cuidadores.
• Medidas de suporte para situações difíceis, processos de negociação e
prevenção de conflito.
• Processo de luto e perda.
• Cuidados especiais do luto da criança.
• Religiosidade.
A equipe
• Responsabilidade de cada membro da equipe, incluindo voluntários e
familiares.
• A influência do paciente e da família na dinâmica da equipe.
• Suporte para a equipe.
Ética
• Reflexão sobre a jornada de cada um, sobre a jornada da pessoa, o fim
da vida e a morte.
• Limitações da medicina e do cuidado, limitações pessoais, síndrome do
burnout.
• Ética, respeito ao paciente, direitos do paciente, dignidade, autonomia,
beneficência, não-maleficência.
Morte na sociedade: cuidados paliativos no sistema de
saúde
• Definições de medicina e cuidado paliativo e sua implicação na prática
clinica.
• Epidemiologia das doenças não-curáveis.
• Qualidade de vida.
• Consentimento informado.
• Aspectos culturais e espirituais da morte e do luto.
• Aspectos legais sobre o fim de vida.
• Como as instituições trabalham?
• Estrutura e modelos de serviços paliativos.
• Desenvolvimento do cuidado paliativo e modelos público e privado de saúde.
Os temas são diversos e ocorrem em várias frentes, sendo necessário
ordenar a entrada de cada um deles conforme acontecem os módulos.
Sabidamente, só a teoria não resolve, por isso deveremos discutir os critérios de aprendizado prático para contemplar os diversos níveis de formação.
A seguir, na Tabela 2, sugerimos uma lista de medicamentos para cuidados paliativos.
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Tabela 2 – Lista sugerida de medicamentos para cuidados paliativos
Analgésicos – Primeiro degrau
Comprimidos
Dipirona
Gotas
Ampolas
Comprimidos
Paracetamol
Gotas
AINH (conforme disponibilidade
de recurso local)
Comprimidos
Gotas
Ampolas
Analgésicos – Segundo degrau
Codeína
Comprimidos
Suspensão
Comprimidos
Tramadol
Gotas
Ampolas
Analgésicos – Terceiro degrau
Comprimidos
Morfina
Gotas
Cápsulas c/ microgrânulos
Ampolas
Metadona
Comprimidos
Ampolas
Fentanil
Adesivos para uso transdérmico
Oxicodona
Comprimidos
Antieméticos
Comprimidos
Metoclopramida
Gotas
Ampola
Domperidona
Comprimidos
Comprimidos
Bromoprida
Suspensão oral
Meclizina
Comprimidos
Comprimidos
Haloperidol
Gotas
Comprimidos
Clorpromazina
Gotas
Comprimidos
Ondansentron
Ampola
Comprimidos
Gotas
Dimenidrinato
Ampola
Sedativos e ansiolíticos
Comprimidos
Midazolan
Ampola
Lorazepan
Comprimidos
Comprimidos
Clonazepan
Gotas
Risperidona
Comprimidos
Anti-hemorrágicos
Ácido épsilon aminocapróico
Ácido tranexâmico
Comprimidos
Comprimidos
Ampola
Laxantes
Lubrificantes
Óleo mineral
Solução oral
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Glicerina
Supositórios
Solução a 12%
Osmóticos
Lactulose
Solução oral
Estimulantes
Bisacodil
Comprimidos
Picossulfato
Comprimidos
Sena
Comprimidos
Drágeas
Cosméticos
Docusato sódico
Drágeas
Adjuvantes analgésicos
Amitriptilina
Dexametasona
Comprimidos
Comprimidos
Ampolas
Hidrocortisona
Ampolas
Prednisona
Comprimidos
Carbamazepina
Comprimidos
Fenitoína
Gabapentina
Comprimidos
Ampolas
Comprimidos
Controladores de secreção
Comprimidos
Hioscina
Gotas
Ampolas
Octreotide
Ampolas
Antidepressivos
Nortriptilina
Comprimidos
Suspensão oral
Comprimidos
Fluoxetina
Suspensão oral
Metilfenidato
Comprimidos
Citalopram
Comprimidos
Venlafaxina
Comprimidos
Antiinfecciosos
Nistatina
Suspensão oral
Fluconazol (opção para monília)
Comprimidos
Comprimidos
Metronidazol
Solução oral
Gel tópico
Outros
Acetato de megestrol
Comprimidos
Solução oral
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
Anexo 1
Cuidados ao fim da vida
Introdução
Até a metade do século XX, as pessoas morriam jovens e rapidamente
em decorrência de traumas, acidentes ou infecções. Com as ações governamentais na saúde pública (campanhas de vacinação, implementação de
redes de saneamento básico) e com a alta tecnologia que se desenvolveu
nessa área, permitindo diagnósticos mais precisos e precoces, doenças de
repercussão tipicamente aguda e fatal tornaram-se controláveis e crônicas.
Com isso a sobrevida das pessoas aumentou muito, porém com múltiplos
problemas médicos.
A velhice é fator de risco para o desenvolvimento de doenças. Atualmente temos uma população idosa cada vez maior e que apresenta pluripatologias, limitações funcionais e, com freqüência, declínio da capacidade
cognitiva. O prolongamento da sobrevida tornou o processo de morrer mais
lento.
Faz parte da boa prática médica perceber quando a doença instalada
é incurável e está em evolução, pois, nesse caso, a modalidade de assistência deverá ser voltada para a qualidade de vida, e não para o aumento
da sobrevida. O profissional deve ter sensibilidade para não querer curar o
incurável nem tratar o intratável, mas deve perceber que, se há um limite
para a cura e o tratamento, não o há para os cuidados.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a medicina paliativa é uma especialidade médica que estuda o controle de pacientes
com doença ativa, progressiva e avançada, para quem o prognóstico
é limitado e a assistência, voltada para a qualidade de vida. A OMS
considera paliativos os cuidados totais ativos prestados a pacientes
com doença incurável, progressiva e irreversível que não respondem
a qualquer tratamento curativo, sendo fundamental o controle da dor,
de outros sintomas e de problemas psicológicos, sociais e espirituais. O
enfoque terapêutico é o alívio dos sintomas que comprometem a qualidade de vida, integrando ações médicas, de enfermagem, psicológicas,
nutricionais, sociais, espirituais e de reabilitação, incluindo a assistência
aos familiares.
O principal objetivo da paliação é o controle adequado dos sintomas
que surgem com o avanço de uma doença incurável que está evoluindo
para a morte. Os sintomas que causam qualquer tipo de sofrimento influenciarão a qualidade de vida e o tipo de morte que a pessoa terá.
Epidemiologia
Os cuidados paliativos iniciaram-se na área da oncologia, em que o prognóstico pode ser determinado pelo conhecimento da fisiopatologia da doença de base. Porém as doenças crônico-degenerativas, como a miocardiopatia
dilatada, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), a insuficiência renal
crônica com necessidade de terapia renal substitutiva, a insuficiência hepática
em fase avançada, as demências, as seqüelas de doenças neurológicas, como
a doença cerebrovascular e a esclerose lateral amiotrófica, e a SIDA são bons
exemplos de enfermidades em que podemos exercer a paliação na fase final.
A utilização de recursos terapêuticos altamente sofisticados em doenças cujo
tratamento é limitado pode gerar situações de extremo desconforto e prolongamento de uma vida já não mais compatível com a qualidade e o conforto.
Para tais situações o cuidar prepondera sobre o curar.
Fisiopatologia
A evolução de uma doença crônica, degenerativa e progressiva é caracterizada por declínio funcional dos órgãos acometidos, culminado com a
falência orgânica. Esse estado de falência é decorrente da evolução declinante da função e faz com que o organismo, em pleno estado catabólico,
não consiga mais responder a qualquer estímulo externo, o que muito dificulta a abordagem medicamentosa.
Exame do paciente
Para avaliar os sintomas é necessário perceber o que está incomodando
o paciente e intervir diretamente, visando o alívio.
Reconhecer sintomas como dor, dispnéia, fadiga, anorexia, náusea e
vômito, constipação, confusão mental e agitação é essencial para um bom
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
controle e acompanhamento do paciente na fase final da vida. Para tanto
devemos nos valer da nossa capacidade de observar, perceber e, acima de
tudo, escutar o paciente nas suas queixas.
No final da vida o reconhecimento precoce e a avaliação sistemática
dos sintomas são os sinais vitais do paciente terminal.
Diagnóstico clínico e sindrômico
• Dispnéia:
– é um dos sintomas mais presentes no fim da vida e dos que causam mais
estresse tanto para o paciente como para a família e a equipe;
– etiologia: infecção, compressão, distúrbio metabólico, insuficiência
cardíaca, DPOC, neoplasia, ansiedade, obstrução, hipoxemia.
• Fadiga:
– o cansaço extremo é o sintoma mais prevalente no fim da vida;
– não deve ser confundida com depressão em termos de diagnóstico, muito
embora haja semelhanças no seu tratamento;
– a maioria dos pacientes apresenta um quadro de tristeza, e pode haver
preocupação com algumas pendências emocionais, legais, sociais e financeiras.
• Anorexia:
– a falta de apetite ou recusa alimentar é um sintoma muito comum no fim
da vida, causando mais transtornos à família do que ao paciente;
– respeitar o desejo do paciente, especialmente se ele estiver lúcido;
– saber que a pessoa deixa de comer devido à doença e que não ficará mais
doente pela falta de alimento. O paciente simplesmente não tem fome ou
desejo de comer e não deve ser forçado a fazê-lo. Na fase final esse é um
conceito básico.
• Náusea e vômitos:
– muitos pacientes apresentam náusea até o momento final, sem ter vômito;
– a causa mais freqüente de náusea é a constipação crônica, que costuma
ser um sintoma negligenciado. Mesmo na fase final, o alívio da constipação
traz muito conforto para o paciente;
– etiologia: alentecimento do esvaziamento gástrico (que é fisiológico na
velhice), síndromes obstrutivas do tubo digestório (esôfago, estômago e
intestino), aumento da pressão intracraniana, distúrbios gástricos, hipercalcemia, uremia, uso de opiáceo.
• Constipação:
– é fundamental e mais fácil prevenir a impacção fecal do que tratá-la;
– fazer o toque retal quando o paciente ficar constipado por mais de três
dias, pois há o risco de impacção fecal (fecaloma);
– etiologia: restrição ao leito, inatividade, ingesta precária de alimentos,
desidratação, uso de opióides e anticolinérgicos.
• Confusão mental:
– muito freqüente na fase final da doença, provoca um profundo impacto
na família, que levará consigo a lembrança do seu ente querido num estado
de transtorno mental;
– a intervenção é necessária se o paciente estiver incomodado e a família
apresentar alto grau de ansiedade. Se o paciente, apesar do problema, estiver confortável, deve-se conscientizar e orientar a família;
– etiologia: iatrogenia, hipóxia, distúrbio metabólico, doença primária do
sistema nervoso central (SNC), mudança de ambiente e morte iminente.
• Ansiedade e a agitação:
– etiologia: dor, retenção urinária, impacção fecal, ferida cutânea, transtorno do sono, mudança de ambiente, hospitalização, internação em unidade
de terapia intensiva (UTI), afastamento dos familiares;
– em pacientes dementados, pela incapacidade de comunicar problemas
que estejam causando desconforto, é freqüente a presença de agitação.
Prognóstico
Receber cuidados paliativos eficientes é um direito de cada indivíduo
e dever de cada profissional. Essa assistência deve estar disponível a todos
os pacientes que dela necessitem. Diagnosticar com o máximo de precisão
as causas dos problemas (geralmente são muitas e de natureza diversa)
é essencial para um bom controle dos sintomas, assim como a avaliação
constante dos sintomas apresentados pelo paciente. É importante ter em
mente que os sintomas são dinâmicos.
Não se deve retardar o início dos cuidados paliativos. Os sintomas devem ser tratados imediatamente, pois, quanto maior o número de sintomas
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
e quanto mais intensos forem, mais difícil é para o paciente lidar com eles,
além de a terapêutica ficar mais complexa. O tratamento deve ser iniciado
tão logo o diagnóstico seja feito.
Tratamento
• Dispnéia:
– afastar a possibilidade de obstrução das vias aéreas superiores, insuficiência
cardíaca e compressão da veia cava;
– o ambiente deve ser tranqüilo e confortável, podendo-se sentar o paciente ou manter a cabeceira da cama elevada. Posicionar um ventilador na direção da face pode estimular o quinto nervo craniano e aliviar a dispnéia;
– oxigênio com cateter nasal ou máscara (cuidado em pacientes retentores
de CO2);
– controle da ansiedade: lorazepam 0,5-2mg por via oral (VO) ou sublingual;
– opiáceos para reduzir a freqüência respiratória: morfina 2,5-5mg por via
subcutânea (SC) a cada duas horas ou de 4/4h;
– reduzir a secreção das vias respiratórias com o uso de anticolinérgicos: hioscina 20mg SC de 8/8h ou infusão contínua de 60-240mg
ao dia e manter estado de hipo-hidratação para evitar acúmulo de
secreção;
– a fisioterapia respiratória é essencial, mesmo na fase final.
• Soluço:
– clorpromazina, 25mg, VO, de 4/4h; ou 12,5mg, IV, de 4/4h ou de 6/6h;
metoclopramida, 10mg de 8/8h; midazolam 2mg sublingual ou SC até
10mg/dia.
• Tosse:
– avaliar a causa e sedar com codeína 30-60mg ao dia por via oral; manter
hidratação adequada. Uma alternativa para tosse persistente é a nebulização com lidocaína a 1%-2%, 3 a 5ml, fazendo broncodilatador inalatório
30 minutos antes.
• Fadiga:
– metilfenidato 2,5-10mg VO em duas tomadas diárias (nunca após as 14h
pelo alto risco de agitação e comprometimento do sono) no café da manhã
e no almoço.
• Anorexia:
– tranqüilizar a família. Oferecer alimentos olorosos, saborosos, em pequenas quantidades, fracionando-os de 2/2h;
– a utilização de alimentação artificial deve ser criteriosamente avaliada,
discutindo-a com o paciente e os familiares, pois as sondas causam muito
desconforto, além do custo envolvido;
– a sensação de sede deve sempre ser corrigida. A hidratação básica (nos
idosos, 20ml/kg/dia) pode ser atingida por uma reposição hídrica no
período noturno ou aliviada colocando-se gelo picado embaixo da língua
e umedecendo-se a boca ao longo do dia. Não há necessidade de se atingirem os níveis ideais de hidratação, e sim o conforto. A manutenção da
higiene bucal é fundamental para o conforto;
– dexametasona, 4mg VO ao dia; ou prednisona, 5-15mg ao dia;
– megestrol, 80-800mg ao dia (risco de tromboembolismo);
– metoclopramida ou domperidona 10mg VO antes das refeições como
gastrocinético;
– gastrostomia percutânea (casos graves e em enfermidades obstrutivas).
• Náusea e vômitos:
– aliviar a constipação pode trazer conforto para o paciente;
– haloperidol 0,5mg VO até três vezes ao dia;
– metoclopramida (risco de discinesia, mas útil quando existe estase gástrica) 10mg VO ou SC antes da alimentação; alternativa: domperidona (mais
tolerado pelos idosos) 10mg VO a cada 8 horas;
– dexametasona 1-4mg VO ou sc a cada 6 horas (hipertensão intracraniana);
– ondansetrona (indicada em caso de quimioterapia e radioterapia induzindo êmese) 8mg IV de 8/8h ou 20-24mg em infusão SC nas 24 horas; iniciar
com 32mg IV e manter com 8mg VO de 12/12 horas;
– a higiene bucal com colutórios freqüentes, escovação dos dentes e da
língua, higiene da prótese e manutenção da umidade bucal são essenciais.
• Constipação:
– uso regular de laxativos e emolientes de fezes. Os laxativos osmóticos são
úteis para aumentar o conteúdo de líquido nas fezes e melhorar o processo
de eliminação;
– usar supositório de glicerina antes de enteróclise (para evitar trauma
do ânus), devendo-se fazer analgesia (não necessária em paraplégicos)
em caso de desimpacção manual. É importante realizar toque retal
quando o paciente permanecer constipado por mais de três dias pelo
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
risco de impacção fecal. Quando a desimpacção manual for necessária,
deve-se fazer analgesia prévia ou sedação leve para evitar a piora do
desconforto;
– sena VO para aumentar o bolo fecal: uma a três medidas por dia;
– bisacodil 5-10mg VO ou retal uma vez ao dia ou de 12/12 horas;
– óleo mineral como emoliente: uma colher de sopa uma a três vezes ao dia;
– laxativos osmóticos (lactulose) são úteis para aumentar o conteúdo de
líquido nas fezes e melhorar a eliminação;
– clister de glicerina: age em até 1 hora (pode ser usado em obstrução de
colostomia).
• Confusão mental:
– A intervenção é necessária se o paciente estiver incomodado e a família
apresentar alto grau de ansiedade. Se o paciente, apesar do problema, estiver confortável, deve-se conscientizar e orientar a família;
– haloperidol 0,5-2mg ao dia VO ou SC em dose única ou fracionada. Optar
por uma dose noturna quando o paciente tiver um sono agitado ou alucinação noturna;
– os neurolépticos atípicos (risperidona, quetiapina e olanzapina) são bem
tolerados e apresentam perfil de efeitos colaterais menos intensos nos idosos; porém, até o momento, são ainda de uso limitado na fase final.
• Ansiedade e agitação:
– tentar corrigir a causa (quando possível);
– uma música ambiente suave pode ajudar a tranqüilizar o paciente;
– sempre iniciar os psicofármacos com dose baixa e ir aumentando progressivamente;
– ansiolíticos: lorazepam 0,5-2mg VO ou sublingual; clonazepam 0,2-4mg
VO ou sublingual;
– sedação terminal: haloperidol 1,5-5mg VO ou SC fracionado ou em infusão
contínua SC com 5-20mg nas 24 horas e/ou midazolam 10-60mg/24h;
– não utilizar diazepam pelo alto risco de reação paradoxal.
Considerações finais
A qualidade de vida é uma sensação de satisfação subjetiva ligada a
todos os aspectos inerentes ao ser humano, sejam físicos, psicológicos, sociais e espirituais. A qualidade de vida é boa quando as aspirações individuais são atendidas ou correspondidas pela vivência daquele momento. A
melhoria da qualidade de vida, no âmbito dos cuidados paliativos, consiste
em reduzir ao máximo o hiato entre o ideal e o possível.
O processo de morte é uma experiência muito marcante para o paciente, seus familiares e para a equipe clínica. Os profissionais não foram
treinados para lidar com o sofrimento e a morte, já que essa representa o
fracasso da atuação médica. Se o paciente sofreu, se sentiu dor, se os seus
sintomas foram mal controlados, o trauma dessa experiência acompanhará
os familiares pelo resto de suas vidas, possivelmente com repercussões negativas no futuro caso algum deles venha a passar pela mesma experiência.
Ao contrário, se o processo de finitude ocorrer de maneira digna, sem sofrimento para o paciente, certamente a família ficará confortada e enfrentará
com mais tranqüilidade situação semelhante que algum de seus membros
venha a experimentar no futuro.
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
Anexo 2
Categorizacão por níveis segundo
o risco do paciente
Nos cuidados paliativos, o ingresso dos pacientes nos distintos níveis de atenção se realizará em função das necessidades de unidade de
tratamento. Isso não significa passar obrigatoriamente por níveis de
menor desenvolvimento para ser assistido nos níveis superiores.
O nível de risco nos cuidados paliativos está baseado no grau de sofrimento ou na deterioração da qualidade de vida em relação à doença
padecida, e não na probabilidade de morrer. Considera-se a morte um
evento natural da vida e esperável dada a evolução da doença.
A complexidade clínica ou o nível de risco de um paciente e sua
família, ou, ainda, o contorno afetivo podem mudar notavelmente nas
diferentes evoluções da doença, determinando a necessidade de atender em distintos níveis de risco. A flexibilidade do sistema deve favorecer a resolução dos problemas e das necessidades e a provisão dos
cuidados adaptados a esses diferentes níveis de risco.
O maior risco de um paciente ou de sua família, em qualquer das
áreas (física, psicológica, social ou espiritual), faz com que fique recomendado um determinado nível, mesmo que nas outras áreas o risco
seja menor. Exemplo: um paciente com sintomas físicos controláveis
no nível I, mas com sinais de claudicação familiar ou com depressão,
com idéias de suicídio, deve ser atendido nos níveis 2 ou 3.
Cada nível tem limites máximos de atenção. Os níveis superiores incluem sempre o que se pode resolver no nível imediatamente inferior.
Deve-se promover a continuidade dos cuidados com fácil transferência
de um nível ao outro e disponibilidade de mecanismos de referência e contra-referência explícitos. O objetivo é que os diferentes níveis de atenção
funcionem como uma rede, com boa comunicação entre si.
Nível I
Trata-se de pacientes com diagnóstico de doença avançada, progressiva e potencialmente mortal em curto ou médio prazo, com um
ou mais sintomas físicos, psicológicos, sociais ou espirituais, diferentes
graus de sofrimento, em alguns casos severos, mas controláveis com
os recursos disponíveis nesse nível.
Objetivos específicos
– Promoção do bem-estar e da qualidade de vida do paciente e de sua
família ou do entorno significativo dentro das condições que a evolução da doença permita;
– detecção das necessidades atuais e potenciais da unidade de tratamento.
– controle de sintomas físicos que alteram a qualidade de vida e prevenção do aparecimento de complicações e/ou efeitos secundários dos
tratamentos instituídos;
– implementação de intervenções educacionais e terapêuticas nas
áreas psicológica e social;
– disponibilidade de âmbitos e sistemas de acompanhamento e apoio
espiritual;
– prevenção do luto complicado.
Funções comuns das distintas áreas
– Avaliar o grau de sofrimento físico, psicológico, social e espiritual;
– identificar necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais do
paciente e da família ou do entorno significativo;
– implementar medidas ou estratégias de tratamento nas diferentes
áreas destinadas a aliviar o sofrimento;
– capacitar a unidade de tratamento para otimizar sua capacidade de
cuidado;
– prevenir a claudicação familiar;
– valorar resultados dos tratamentos instituídos;
– detectar indicadores de risco do luto patológico;
– coordenar os cuidados entre a equipe interdisciplinar;
– conceder acompanhamento e educação à comunidade sobre os aspectos gerais da repercussão da doença, da morte ou do luto.
Atividades comuns de distintas áreas
– Avaliação clínica e instrumental do grau de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual;
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
– registro da necessidade e da prioridade da unidade de tratamento
nas áreas de necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais;
– intervenções terapêuticas farmacológicas e não-farmacológicas destinadas a aliviar o sofrimento;
– coordenação dos cuidados entre a equipe interdisciplinar;
– realização de reuniões e entrevistas com a unidade de tratamento
para seu treinamento nos cuidados respectivos;
– detecção dos fatores do luto patológico durante entrevistas diagnósticas ou de seguimento;
– utilização de parâmetros clínicos e instrumentos da avaliação para
monitorar os resultados das terapêuticas instituídas.
Funções da área médica
– Estabelecer estratégias de intercâmbio de informação com o paciente
e a família que favoreçam a comunicação fluida, aberta e veraz em temas relacionados a diagnóstico, prognóstico e opções terapêuticas;
– aliviar a dor de acordo com o método da escada analgésica da OMS;
– prover o controle dos sintomas (p. ex., sintomas digestivos, respiratórios, etc.);
– indicar o tratamento adequado a cada sintoma segundo as melhores
evidências médicas;
– avaliar de forma permanente a eficácia dos tratamentos indicados.
Atividades da área médica
– Entrevista diagnóstica com o paciente, sua família e/ou o entorno
significativo. Realização do exame físico do paciente e registro dos
dados em sua história clínica;
– avaliação de causas, mecanismos e intensidade dos sintomas;
– indicação do tratamento de acordo com o anterior;
– controle dos resultados dos tratamentos indicados;
– implementação de medidas de prevenção de efeitos adversos ou indesejados do tratamento;
– informação e capacitação do paciente para preservar e estimular seu
autocuidado (higiene, cuidados com a pele e a boca, controle das sondas, medicação, etc.);
– capacitação da família em todas as áreas de atenção ao paciente (higiene,
cuidados com a pele e a boca, controle das sondas, medicação, etc.);
– interconsulta ou encaminhamento a outro nível ante sintomas controlados;
– interconsulta com outras especialidades perante sintomas físicos,
psicológicos ou sociais não-abordáveis nesse nível.
Funções da área de enfermagem
– Realizar um diagnóstico de enfermagem das necessidades;
– planejar ações de enfermagem segundo a prioridade do paciente;
– executar técnicas de cuidados básicos de higiene e conforto, alimentação, eliminação, locomoção e reabilitação;
– administrar medidas de tratamento farmacológico e não-farmacológico;
– alertar sobre a participação do paciente no processo de atenção estimulando o autocuidado e favorecendo sua auto-estima;
– criar um ambiente que favoreça a comunicação;
– educar e supervisionar a família e seu entorno afetivo sobre o aspecto dos cuidados gerais do paciente e a administração do tratamento
farmacológico;
– prevenir complicações e situações de risco;
– avaliar os resultados implementados.
Atividades da área de enfermagem
– Entrevista diagnóstica com o paciente, sua família e seu entorno
com a finalidade de identificar necessidades das áreas física, psíquica
e social;
– registro dos dados na sua história clínica;
– avaliação da dor e de outros sintomas utilizados nas diferentes escalas, detecção de problemas sociais, emocionais, psicológicos e elaboração do diagnóstico de enfermagem;
– planejamento de ações dos pacientes, da família ou da equipe, segundo ordem de prioridade das necessidades observadas e detectadas;
– execução de técnicas de cuidados básicos de higiene e conforto, alimentação, eliminação, locomoção e reabilitação;
– provisão de medidas indicadas para o alívio da dor e do sofrimento, preservando a dignidade da pessoa doente e favorecendo sua auto-estima;
– aplicação de medicamentos indicados por vias de administração oral,
retal, subcutânea intermitente, segundo técnicas e procedimentos específicos; observação de efeitos terapêuticos e de eventos adversos;
– colocação de agulhas e cateteres parentais SC e/ou IV (segundo indicação médica) para administração de medicação ou hidratação e
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
o controle dos mesmos; prevenção e detecção precoce de eventuais
complicações;
– administração de tratamentos não-farmacológicos: enemas, cateteres, etc.;
– informação e treinamento do paciente para preservar e estimular seu
autocuidado;
– treinamento da família ou do entorno nos cuidados gerais;
– suporte emocional e acompanhamento adequado ao paciente e à família
na etapa de agonia;
– solicitação e administração de recursos materiais necessários para a implantação dos cuidados;
– avaliação dos resultados dos tratamentos implementados mediante a utilização de escalas numéricas, visuais, análogas ou categóricas;
– registro de todas as intervenções ou atividades realizadas;
– prevenção de complicações e situações de risco na área física;
– detecção da situação de crise na área psicossocial, orientando à consulta
ou a outros profissionais.
Funções da área psicológica
– Detectar necessidades, condutas e recursos emocionais adaptados ou não
ao paciente, à família e ou ao entorno significativo, considerando as diferentes etapas evolutivas;
– preservar e estimular as funções de autonomia e autocuidado do paciente
e da família, mantendo-lhes a auto-estima;
– detectar fatores de risco e vulnerabilidade psicológica da unidade de tratamento;
– favorecer o esclarecimento dos processos emocionais normais e esperados nessas circunstâncias, desejos e temores da morte e lutos normais em
cada etapa da doença;
– detectar dificuldades atuais ou potenciais de comunicação entre paciente, família e equipe profissional;
– realizar diagnóstico diferencial e de níveis de ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos que dificultem a adaptação ativa da unidade de
tratamento à situação da doença;
– propiciar o alívio dos aspectos psicológicos da dor;
– conter, prevenir e tratar os familiares durante o processo do luto;
– contribuir para o diagnóstico diferencial entre sintomas psíquicos reativos e/ou derivados da doença física ou do seu tratamento (quarta revisão
do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais [DSM-IV]);
– diagnosticar transtornos psicológicos que requerem interconsulta ou
desvio para outro nível.
Atividades da área psicológica
– Realização de entrevistas de diagnósticos psicológicos do paciente, da família e/ou do entorno significativo; registro de dados na sua história clínica;
– programação de entrevistas familiares para favorecer a expressão de
emoções e/ou mecanismos defensivos normais, como, por exemplo, medo,
ira, negação, etc.;
– realização de entrevistas individuais ante a constatação do familiar em
risco;
– avaliar a necessidade de interconsulta e/ou derivação psiquiátrica de pacientes ou familiares com transtornos que assim o requerem;
– realização de diagnóstico diferencial entre sintomas devidos ao efeito
fisiológico direto da doença médica (DSM-IV/F06) e transtornos mentais
que afetam o estado físico (DSM-IV/F54);
– realização de entrevistas de seguimento psicológico e/ou psicoterapia do
paciente e da família e/ou do entorno significativo;
– realização de ações de psicoprofilaxia por procedimentos e/ou tratamento;
– diagramação e implantação de intervenções psicoterapêuticas para o
tratamento dos aspectos emocionais que acompanham a dor e os outros
sintomas;
– realização de entrevistas de esclarecimento sobre os aspectos de informação ao paciente e à sua família e prevenção da claudicação familiar;
– implementação de planos de seguimento do luto através de entrevistas
familiares e/ou individuais e/ou psicoterapêuticas (crianças, adultos, adolescentes);
– realização de tarefas informativas nas áreas educacionais e outras relacionadas com o paciente e/ou a família;
– detecção das mudanças e dificuldades nos papéis dos membros da família.
Funções da área do trabalho social
– Avaliar o grau de impacto produzido pela doença no paciente, na família e
no entorno significativo, com o fim de melhorar o diagnóstico social;
– propiciar uma adequada comunicação com o paciente e sua família para
unificar critérios e otimizar os objetivos;
– incrementar a comunicação entre o paciente e a família e deles com a
equipe;
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
– promover a adaptação individual e coletiva da nova situação, a fim de
propiciar o cuidado do paciente e o autocuidado da família;
– orientar para a resolução de temas práticos e complicações pelas quais
se possa prantear, trazendo informação, assessoramentos e contatos com
recursos idôneos;
– conter a família durante o processo do luto e facilitar a resolução dos
problemas sociais.
Atividades da área do trabalho social
– Realização da entrevista diagnóstica com o paciente e família; registro da história clínica;
– planificação de estratégias de abordagem para o tratamento social;
– realização de entrevistas de seguimento individual e familiar;
– realização de entrevistas complementares em domicílio com fins de
diagnóstico social;
– interconsultas e/ou derivação ante disfunções sociais não-controláveis no nível atual;
– conexão com os recursos sociais necessários para a resolução dos
problemas detectados (obtenção de medicação, transporte, etc.);
– utilização de ferramentas de registro e valoração de resultados;
– realização de entrevistas individuais ou grupais acerca do suporte
social no luto.
Recursos
humanos
O nível I inclui aos profissionais de diferentes disciplinas de atenção
primária ou de especialidades, certificados por suas respectivas entidades,
com formação básica em cuidados paliativos segundo currículo que permita adquirir conhecimento, atitudes e habilidades em cuidados paliativos
para diagnóstico, tratamento, prevenção e derivação.
A formação de pós-graduação teórica e prática dos profissionais
deve ser certificada ou recertificada pela autoridade ou sociedade
competente.
Os profissionais deverão ser capazes de atender o paciente crônico
evolutivo e seu entorno e estabelecer as primeiras medidas-padrão da
área onde trabalha.
Esses profissionais podem ser:
• médico geral ou especialista, enfermeiro, psicólogo e/ou assistente
social;
• voluntários, com prévia seleção e treinamento adequado, representam um recurso opcional recomendado.
A dinâmica de trabalho considera a conformação de uma equipe
funcional.
Definição de equipe funcional
É aquela cujos integrantes, que reconhecem e promovem os benefícios do cuidado multiprofissional e interdisciplinar, não trabalham exclusivamente em cuidados paliativos nem formam um grupo interdisciplinar permanente, mas, quando assistem um paciente, estabelecem
os objetivos e planejam as estratégias em forma conjunta.
A equipe se configura e organiza em função das necessidades de
cada paciente e sua família e inicia suas tarefas com a atividade assistencial de dois ou mais de seus integrantes.
O resultado da sua atividade é maior que a soma dos trabalhos
individuais de cada profissional envolvido.
A equipe funcional conta com instituições de apoio, que são aquelas que provêm recursos de assistência da unidade de tratamento. Esses serviços de apoio são: laboratório, diagnóstico por imagem, farmácia, etc.
Marco normativo de funcionamento
• Oferecer assistência aos pacientes com critérios de cuidados paliativos;
• favorecer reuniões regulares interdisciplinares;
• realizar interconsultas e/ou encaminhamentos com notas de referência e solicitar notas de contra-referência.
Não é possível oferecer uma assistência apropriada ao paciente e
à sua família diante de dados de complexidade da situação por falta
de recursos (humanos, materiais, etc.). Nesse caso realizam-se interconsulta e/ou derivação para outras especialidades da equipe de nível
II ou III.
Motivos de interconsulta e/ou derivação
• ÁREAS MÉDICA E DE ENFERMAGEM:
– o paciente tem sintomas de intensidade moderada ou severa (ex:
valores da escala visual analógica [EVA] ou da escala numérica [EN]
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
de dor, vômitos, náuseas, etc. O maior é de 5, de maneira persistente,
apesar dos tratamentos instituídos);
– intervenções ou atividades de enfermagem de maior complexidade,
de acordo com a necessidade, o grau de dependência do paciente, os
níveis de risco reais e/ou potenciais e as características próprias de
cada condição clinica (ex. : cuidado de enfermagem contínuo, utilização de dispositivo para a administração de fármacos);
– o paciente encontra-se em emergência médica não-tratável com os
recursos do nível I, como, por exemplo, compressão medular; síndrome
convulsiva recorrente; dispnéia severa; crise aguda de dor (fratura patológica, abdômen agudo, etc.); hemorragia massiva; delírios (síndrome
confusional aguda); síndrome de hipertensão endocraniana; síndrome
da veia cava superior; urgências metabólicas (hipercalcemia, p. ex.).
• ÁREA PSICOSSOCIAL:
– não-resolução de situações de sofrimento psicológico severo (ansiedade, depressão, etc.);
– indicadores de transtornos psicológicos severos não-tratáveis com
recursos do nível I em algum membro da unidade de tratamento;
– antecedentes psiquiátricos prévios de grau moderado ou severo (segundo DSM-IV) associados a depressão, ansiedade e outros sintomas
psicológicos ou físicos de difícil controle;
– situações de emergência ou de urgência social em cuidados paliativos: ideação suicida com ou sem depressão ou transtorno bipolar;
ataques de pânico; claudicação familiar instalada (membros da família incapacitados de oferecer apoio às necessidades do paciente); abandono do
paciente por parte da família ou do entorno significativo; demanda persistente de eutanásia e/ou suicídio assistido;
– situações de disfunção familiar: ausência de cuidadores por limitações físicas e psíquicas; presença de mais de um doente no núcleo de convivência;
risco de claudicação familiar; violência familiar, alcoolismo; etc.;
– falta de recursos socioeconômicos;
– sinais de luto patológico;
– obstáculos relevantes na comunicação entre o paciente, a família e a equipe.
Documentação específica
• História clínica:
– nome e sobrenome;
– dados demográficos e sociais: nacionalidade; idade; sexo; estado civil; domicilio; religião; cobertura social; genograma; dados de cuidadores; dados
de moradia; aspectos econômicos (recursos e redes internas e externas);
problemas familiares (dinâmica e mudanças, tipo de comunicação familiar); relação social; conhecimento da prognóstico da doença por parte do
paciente e sua família;
– espiritualidade: suporte existente e desejado;
– dados de outros profissionais que assistem o paciente;
– diagnóstico, estado da doença;
– tratamento específico recebido, tolerância ao mesmo e resposta;
– avaliação global do sofrimento;
– valoração do estado da pele e da boca, ritmos intestinal e urinário;
– valoração de sintomas físicos;
– valoração de alívio de dor e outros sintomas (opcional recomendado);
– registro de tratamento;
– registro do seguimento do luto.
• Instrumentos de registro recomendados:
– termômetro de sofrimento (Memorial Sloan-Kettering Cancer Center – J.
Holland et al.);
– EN e EVA para a intensidade de sintomas e alívio;
– escalas para crianças: de carinhas, colorimétrica de Eland, Francia para
dor em lactentes.
Planta física
• Os pacientes podem ser atendidos pela equipe funcional em diferentes marcos assistenciais, sendo que todos devem assegurar-lhes a privacidade:
– institucional com internação, consultórios externos, hospital-dia;
– institucional sem internação, consultórios externos, hospital-dia;
– não-institucional: consultório de qualquer profissional da equipe funcional;
– domicílio do paciente.
• EQUIPAMENTO:
– requerem-se os seguintes recursos materiais: cama, maca, cadeira adaptada para necessidades físicas. Em caso de se utilizar instituição de apoio para
interconsulta ou internação, dever-se-ão usar os elementos lá disponíveis;
– equipamento opcional recomendado para atenção domiciliar: cama orto-
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pédica, cadeira de rodas (podem ser de obras sociais ou de convênio).
O currículo, que será definido por comissão integrada por instituições que
representem as diferentes disciplinas básicas e especializadas, deve incluir:
– atividade demonstrada na disciplina ou especialidade;
– trabalho interdisciplinar em cuidados paliativos por um período de tempo;
– participação direta na assistência de um número determinado de pacientes;
– exame sobre: tratamento da dor; tratamento de outros sintomas; conceitos acerca de cuidados paliativos; aspecto psicossocial; decisões éticas
e legais.
Nível II
É composto por pacientes na etapa paliativa com problemas médicos,
psicológicos, sociais ou espirituais de maior risco que não podem ser controlados no nível I.
Objetivos específicos
• Aos de nível I se agregam:
– resolução de urgências e emergências mencionadas como critérios de
interconsulta ou derivação para esse nível desde o nível I;
– implementação de estratégias de intervenção nas diferentes áreas para
situações não-resolvidas no nível;
– criação de espaços de comunicação entre a família, o paciente e a equipe quanto a aspectos relacionados à etapa final da vida (últimos dias ou
horas);
– facilitação de recursos para favorecer a adaptação a situações de conflito
psicossocial de maior complexidade;
– prevenção de síndrome de desgaste profissional;
– seguimento do luto e assistência ao luto patológico;
– promoção de cuidados domiciliares;
– promoção de condições adequadas destinadas a possibilitar o falecimento em domicílio quando a unidade de tratamento assim requerer.
Funções comuns a toda equipe
• Às de nível I se agregam:
– elaboração e/ou utilização de material de capacitação (escrito ou
audiovisual) para a unidade de tratamento;
– implementação de estratégias para resolver as urgências/emergências
mencionadas como critérios de interconsulta e/ou derivação para esse nível desde o nível I;
– reuniões familiares para esclarecimento e apoio emocional;
– atividades preventivas de síndrome de desgaste profissional;
– trabalho de forma interdisciplinar na tomada de decisões em situações
clínicas conflitantes;
– avaliação de resultados e custos;
– valoração da qualidade de atenção.
• ATIVIDADES DE TODA A EQUIPE:
– elaboração de material, tanto escrito como audiovisual, de capacitação
profissional e para a unidade terapêutica (paciente e família);
– implementação de estratégias para resolver as urgências/emergências
mencionadas como critérios de interconsulta e/ou derivação para esse nível
desde o nível I ou de outras especialidades que assim requererem;
– utilização de escalas de avaliação de forma regular para detectar e prevenir a síndrome de desgaste profissional;
– reuniões interdisciplinares na tomada de decisões de situações clínicas
conflitantes;
– reuniões familiares de esclarecimento e apoio emocional;
– provisão de informação;
– capacitação e docência ao nível I de outros profissionais e/ou da unidade
terapêutica.
Funções da área médica
• Às do nível I se agregam:
– prescrição de tratamentos farmacológicos de segunda ou terceira linha
(uso de fármacos com diferentes mecanismos de ação) ante a falta dos
anteriores para realizar o controle da dor e de outros sintomas;
– indicação de interconsultas para tratamentos evasivos quando esses estiverem justificados (gastronomias, bloqueios antálgicos, etc.);
– utilização de dispositivos de infusão nos casos em que a administração
de medicamentos não pode se realizar de forma mais simples (p. ex.: vias
oral e retal);
– indicação de interconsultas com os profissionais das distintas áreas de
apoio radioterapêutico, oncológico, etc.
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Atividades da área médica
• Às do nível I se agregam:
– provisão de informação sobre objetivos terapêuticos desse nível de atenção;
– informação e capacitação na unidade de atenção sobre a utilização dos
distintos dispositivos de infusão;
– reuniões com a família para lograr informação, capacitação, apoio da
unidade terapêutica para favorecer a prevenção e a resolução de crises e
prevenção ao luto;
– indicação de tratamento para o controle de sintomas que não tenham
sido avaliados com outros tratamentos já implementados.
Funções da área de enfermagem
• Às do nível I se agregam:
– administração de medidas indicadas para o tratamento farmacológico e
não-farmacológico na medida da complexidade;
– promoção de atenção domiciliar através de provisão de recursos humanos e materiais e da capacitação da família para cuidar;
– supervisão da implementação terapêutica em domicílio através de seguimento direto e indireto;
– detecção de situações de crise relacionadas ao processo de luto.
Atividades da área de enfermagem
• Às do nível I se agregam:
– colaboração na realização de procedimentos invasivos com finalidade
terapêutica, como, por exemplo, colocação de sondas de alimentação e
drenagem;
– aplicação de medicamentos indicados pela via de administração parenteral contínua (SC, EV) segundo técnicas e procedimentos específicos,
controle de doses e freqüência, observação de efeitos terapêuticos e prevenção de eventos adversos;
– colocação e controle de bombas infusoras utilizadas para a administração
de medicamentos ou hidratação;
– administração de tratamentos não-farmacológicos: feridas de grande
tamanho ou complicadas com infecção, reabilitação locomotora, etc.;
– orientações de cuidados específicos nos pacientes com tratamento oncológico com finalidade paliativa;
– planejamento de alta e seguimento domiciliar: informação e treinamento
da família e do entorno para a administração de cuidados gerais em domicílio, supervisão de visitas programadas através de contato telefônico.
Funções da área psicológica
• Às de nível I se agregam:
– diagnóstico de situações de sofrimento psicológico severo persistente por
causas psíquicas ou a elas vinculadas;
– entrevistas familiares focadas na resolução de conflitos preexistentes e
na doença para a prevenção de situações de abandono e claudicação familiar;
– entrevistas psicoterapêuticas com inclusão de um ou mais membros da
equipe;
– terapia de luto para crianças, adolescentes e adultos.
Funções da área social
• Às de nível I se agregam:
– identificação de fatores que favoreçam a claudicação familiar;
– planificação de estratégias para reduzir os episódios de claudicação;
– detecção de condutas disfuncionais da unidade de tratamento;
– assessoramento de todos os aspectos considerados necessários para se
conseguir uma adequada evolução do processo de luto;
– articulação de recursos sociais, tanto públicos como particulares, que sejam disponíveis na comunidade e dos quais se possam beneficiar tanto a
família como o paciente;
– intervenção nos obstáculos comunicativos que dificultam o adequado
desenvolvimento do processo da doença;
– capacitação e coordenação para voluntários com o fim de colaborar nas
tarefas inerentes ao cuidado específico do paciente e aliviar a família nas
tarefas práticas.
Atividades na área de trabalho social
• Às de nível I se agregam:
– entrevistas com o objetivo de detectar o que pode determinar claudicação
familiar;
– intervenções familiares destinadas a diminuir ou neutralizar os sintomas
de claudicação instalados;
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
– entrevistas familiares destinadas a reduzir os efeitos negativos da dificuldade de comunicação (conspiração de silêncio, etc.) e as expressões
emocionais e de preocupação próprias do processo de luto logo após o
falecimento do paciente;
– atenção para os problemas práticos após o falecimento do paciente (velório, enterro, documentação específica);
– conexão com os recursos sociais necessários para a resolução de problemas encontrados;
– capacitação e coordenação para atividades do voluntariado;
– coordenação de atividades da rede de suporte social necessária para otimizar o tratamento indicado (escola, lugar de trabalho, etc.).
Recursos humanos
No nível II requerem a presença de uma equipe básica e consolidada
composta por médicos e outros profissionais de enfermagem, psicologia,
trabalhadores sociais com formação básica em cuidados paliativos e dedicação exclusiva ou semi-exclusiva. A especialização e a formação básica
se realizarão segundo um currículo que permita adquirir conhecimento,
atitudes, habilidades em cuidados paliativos para diagnóstico, tratamento,
prevenção e derivação.
A formação de pós-graduação teórico-prática dos profissionais deve
ser certificada por autoridade competente.
Deve-se contar com assessores espirituais disponíveis, uma equipe de
voluntários (com prévia seleção e treinamento adequado) e uma secretaria
(opcional recomendado).
Os profissionais da equipe consolidada contam com os mesmos serviços e instituições do nível I, assim como consultórios estáveis: clínicos,
cirurgiões, etc.
Marco normativo de funcionamento
As equipes desse nível assistem o paciente com maior risco e oferecem
uma assistência integral permanente.
Os membros da equipe têm como consenso interno um projeto de serviço e compartilham a mesma filosofia assistencial.
Eles realizam as seguintes atividades:
– reuniões interdisciplinares regulares e obrigatórias com distintos objetivos:
organização; planejamento das tomadas de decisão e reuniões clínicas;
– docência interna;
– utilização de notas de contra-referência.
Opcionalmente, recomendam-se as seguintes atividades:
– participação inter-hospitalar e em comitês de ética;
– investigação epidemiológica e clínica.
– supervisão dos aspectos psicológicos da equipe profissional formada com
esses temas, com o objetivo de evitar a síndrome de desgaste profissional.
Interconsultas ou encaminhamentos entre níveis
Quando, pela complexidade da situação ou por falta de recursos (humanos, materiais, etc.), não for possível oferecer uma assistência apropriada ao
paciente, realiza-se uma interconsulta ou um encaminhamento para outras
especialidades da equipe do nível III.
Notas de contra-referência
• Resume a história clínica;
• dicas terapêuticas e seus fundamentos;
• dados do serviço da unidade de cuidados paliativos para novas consultas
em que constem telefone, endereço e horário de consultas.
Documentação específica
História clínica
• À de nível I se agregam:
– valoração de performance e status;
– avaliação de funções cognitivas;
– ficha de dor que inclua um diagrama do corpo humano com dermátomos
para localização, irradiação e mecanismo;
– registro de tratamento: vias, tipo e doses utilizadas;
– avaliação do controle do paciente (se colabora ou não);
– avaliação do alívio;
– valoração do tipo e do grau da claudicação familiar;
– registro do potencial assistencial da família;
– registro de condutas da unidade de tratamento;
– registro de disfunções na comunicação;
– registro e coordenação dos voluntários;
– registro da síndrome do desgaste profissional;
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
– registro do tratamento psicossocial;
– registro das entrevistas em domicílio;
– condições habitacionais;
– acessibilidade e barreiras arquitetônicas;
– opcional recomendado: medidas do controle de qualidade.
• Instrumentos de avaliação e registro recomendados:
– ECOG, Karnofsky e outros para performance e status;
– minimental test de Folstein para funções cognitivas;
– sistema de estratificação de Edmonton para fatores de prognóstico de
alívio e controle da dor;
– escala de avaliação de conforto de Edmonton em pacientes não-conscientes e não-colaboradores;
– escala hospitalar de depressão e ansiedade;
– DSM-IV ou décima revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10);
– escala de Maslach para a síndrome de desgaste profissional.
Planta física
• À de nível I se agregam:
– na internação, uma área específica identificável para cuidados paliativos e
com um espaço privado para reuniões da equipe e com familiares;
– camas disponíveis na sua instituição ou na de apoio;
– consultórios externos, hospitais-dia, serviços de internação. O espaço
em qualquer deles deve assegurar a privacidade necessária para o tratamento.
Equipamentos
• Aos de nível I se agregam:
– telefax;
– um computador, uma impressora e uma base de dados;
– dispositivos de infusão intermitente ou contínua de fármacos;
– um oxímetro de pulso (opcional altamente recomendado).
O currículo, que será definido por comissão integrada por instituições que
representem as diferentes disciplinas básicas e especializadas, deve incluir:
– atividade demonstrada na disciplina ou na especialidade;
– trabalho interdisciplinar em cuidados paliativos por um período de tempo;
– participação direta na assistência de um número determinado de pacientes;
– exame sobre: tratamento da dor; tratamento de outros sintomas; conceitos de cuidados paliativos; aspectos psicossociais; tomada de decisões éticas e legais.
Nível III
Trata-se de pacientes na etapa paliativa com problemas médicos, psicológicos, sociais ou espirituais de maior risco que não podem ser controlados
nos níveis I e II.
Objetivos específicos
• Aos de níveis I e II se agregam:
– disponibilidade de uma equipe interdisciplinar que garanta a atenção ao
paciente, à família e ao entorno com sofrimento máximo;
– implementação de programas assistenciais de máxima complexidade em
cuidados paliativos adaptados às necessidades;
– promoção de internações de paciente para a recuperação familiar nos
casos em que a claudicação familiar esteja instalada;
– realização de atividades de capacitação interna e externa;
– realização de trabalhos de investigação nas diferentes áreas;
– disponibilidade da equipe de interconsulta e de outros níveis e especialidades.
Funções comuns a todas as áreas
• Às de níveis I e II se agregam:
– oferecimento de serviços de interconsulta a outros níveis de cuidados
paliativos e de outras especialidades;
– respostas a consultas, capacitação e recomendações sobre aspectos éticos no final da vida;
– oferecimento de consultoria em cuidados paliativos a organizações sociossanitárias governamentais ou não-governamentais;
– capacitação e docência incidental e sistematizada interna e externa em
cuidados paliativos;
– desenvolvimento de protocolos de investigação científica nas distintas áreas;
– avaliação da qualidade de atenção.
Atividades comuns a todas as áreas
• Às de níveis I e II se agregam:
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Critérios de qualidade para os cuidados paliativos no Brasil
– realização de interconsultas com outros níveis de cuidados paliativos e
especialidades;
– recomendações sobre o aspecto ético no final da vida;
– realização de cursos e seminários para o aperfeiçoamento de profissionais
da equipe de saúde, voluntários e pessoas da comunidade;
– implementação de protocolos de investigação científica nas distintas áreas;
– avaliação da qualidade de atenção.
Funções da área médica
• Às de níveis I e II se agregam:
– tratamentos que não estejam disponíveis nos níveis 1 e 2;
– realização de monitoramento intenso de opióides ou drogas utilizadas em
dispositivos de infusão em sintomas de difícil controle;
– interconsultas para a realização de procedimentos evasivos anestésicos;
– interconsultas para a colocação de stents ou endoprótese;
– indicação de internação para assegurar o acesso ao tratamento;
– oferecimento, ao paciente, da possibilidade de ingressar num protocolo
de investigação de cuidados paliativos.
Atividades da área médica
• Às de níveis I e II se agregam:
– implementação de tratamentos não-disponíveis nos níveis I e II;
– implementação de um plano terapêutico adaptado às necessidades do final da vida para paciente e família com problemas físicos e/ou psicológicos
de maior complexidade;
– monitoramento de drogas de mais difícil controle ou administração através de dispositivos de infusão contínua ou intermitente;
– interconsulta para a realização de procedimentos anestésicos de alta
complexidade;
– internação para o controle de sintomas e para possibilitar a recuperação
familiar;
– realização de estudos de investigação em cuidados paliativos;
– execução de ações de docência e capacitação.
Funções na área de enfermagem
• Às de níveis I e II se agregam:
– administração de tratamentos farmacológico e não-farmacológico de
alta complexidade;
– implementação de programas de capacitação em cuidados paliativos em
pós-graduação da carreira de enfermagem;
Atividades da área de enfermagem
• Aos objetivos de níveis I e II se agregam:
– colaboração com outros profissionais na realização de procedimentos invasivos anestésicos com finalidade terapêutica;
– controle de cateteres e aplicação de medicamentos indicados por via raquidiana, segundo técnicas e procedimentos específicos;
– colocação e controle de bombas infusoras utilizadas para a administração
da medicação por via raquidiana.
– colaboração com outros profissionais na colocação de dispositivos de
finalidade terapêutica, como stents, se assim requererem.
Funções da área psicológica
• Às de níveis I e II se agregam:
– estratégias psicoterapêuticas específicas para pacientes com descompensação psicológica aguda, ideação suicida (DSM-IV grupos A, B e C);
– assistência à família em crises de complexidade que não podem ser resolvidas em outros níveis, como, por exemplo, conduta violenta;
– elaboração interdisciplinar de diferentes estratégias para pacientes que
apresentam alto grau de conflito dentro da equipe;
– detecção e diferenciação, no paciente, do desejo de morrer de um pedido
de eutanásia.
Atividades da área psicológica
• Às de níveis I e II se agregam:
– aumento de freqüência de entrevistas psicoterapêuticas individuais e familiares;
– facilitação, coordenação e supervisão da inclusão de outros assistentes e
de dinâmica de grupo;
– elaboração de expectativas, medos e lutos relacionados ao desejo de morrer e pedido de eutanásia;
– atenção psicoterapêutica à família com claudicação instalada;
– assessoramento em prevenção e tratamento de síndrome de desgaste
profissional em outras equipes de cuidados paliativos.
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Funções na área de trabalho social
• Às de níveis I e II se agregam:
– avaliação da necessidade de internação do paciente ante crises de claudicação familiar;
– intervenções de tratamento social em domicilio com o objetivo de reorganizar a dinâmica familiar;
– coordenação de atividades de suporte social para a eficácia do tratamento;
– avaliação do tipo de problema socioeconômico que dificulta a continuação do tratamento indicado;
– coordenação e supervisão de ações de voluntários adequados à complexidade desse nível;
– detecção e derivação de pacientes e famílias com transtornos psicológicos de risco.
Atividades da área de serviço social
• Às de níveis I e II se agregam:
– realização de entrevistas com o objetivo de diagnosticar a necessidade
social que determina a internação do paciente e dar suporte social a famílias de pacientes que apresentem transtornos psicológicos;
– implementação de estratégias de intervenção em caso de claudicação
familiar instalada com o objetivo de neutralizar a crise e realizar tratamento
social domiciliar.
Recursos humanos
Estão formados por uma equipe completa especializada em cuidados
paliativos segundo o currículo que permita adquirir conhecimento, atitude
e habilidades em cuidados paliativos para diagnóstico, tratamento, prevenção e derivação e que deve incluir no mínimo quatro disciplinas (medicina,
enfermagem, psicologia e trabalho social).
A formação de pós-graduação teórico-prática dos profissionais deve
ser certificada por autoridade competente.
Ademais da secretaria e de serviços e instituições de apoio e consultores que possuem o nível II, deve-se incluir um consultor de estatísticas.
Os voluntários (com prévia seleção e treinamento adequado) são um
recurso humano opcional altamente recomendado.
Marco normativo de funcionamento
As equipes desse nível realizam atenção de pacientes e famílias de maneira permanente.
Além do marco de funcionamento do nível II, a equipe realiza as seguintes atividades:
– ações de docência e capacitação interna e externa, universitárias ou nãouniversitárias;
– participação em inter-hospitais;
– investigação epidemiológica e clínica.
Documentação específica
• À de níveis I e II se agregam:
– valoração de resultados;
– avaliação da satisfação da família com a assistência;
– valoração da qualidade de vida;
– controle da qualidade de atenção;
– registro de consumo de opióides e psicofármacos.
Instrumento de registro: POS ou STASS como escalas de valoração de
resultados.
Planta física
Pode corresponder ao domicílio do paciente ou a áreas de uma instituição de internação que conta com consultórios externos, hospital-dia e
serviços de internação.
A planta física pode incluir dois subníveis:
• subnível 1:
– área específica identificável para cuidados paliativos;
– camas com capacidade de internar pacientes em quartos individuais e
seguimento em conjunto com a equipe ambulatorial;
• subnível 2:
– estrutura específica com a unidade de internação própria;
– espaço para permanência da família, banheiro e cozinha;
– sala de reunião;
– consultório próprio.
As características da planta física são de enorme importância para o bem-
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estar da unidade de tratamento, pois se busca um ambiente calmo, mais semelhante a um lar do que a uma unidade de hospitalização clássica.
Equipamento
O mesmo do nível II.
Os elementos incluem todos os que fazem parte de um estabelecimento
de apoio. Pelas necessidades desse tipo de paciente, para a sua atenção em
instituição e domiciliar se necessita de cama ortopédica, cadeira de rodas,
aspirador, oxigênio, etc.
O equipamento do subnível 2 deve ter conforto semelhante ao do domicílio.
Para as atividades de docência e investigação se devem ter computador
com uma base de dados, impressora, elementos de suporte audiovisual,
entre outros.
O currículo, que será definido por comissão integrada por instituições
que representem as diferentes disciplinas básicas e especializadas, deve incluir:
– atividade demonstrada na disciplina ou especialidade;
– trabalho interdisciplinar em cuidados paliativos por um período de tempo;
– participação direta na assistência de um número determinado de pacientes;
– exame sobre tratamento de dor; tratamento de outros sintomas; conceitos de cuidados paliativos; aspectos psicossociais; tomada de decisões
éticas e legais.
Referência
Resolução no 643/2000 do Ministério da Saúde Argentino.
3ª capa
ISBN 978-85-89718-26-4
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