ABr Wilson Dias/ABr Rafael Ribeiro/CBF Marcos Fernandes Edição no 03 | 3o trimestre de 2014 • The New York Times (EUA); e O I See Brazil é produzido pela agência de comunicação Imagem Corporativa com a finalidade de mostrar como está a percepção do Brasil em outros países, reunindo e analisando referências à política, economia e assuntos socioambientais. Os resultados são ponderados e resultam em uma nota de zero a dez – o I See Brazil Index – que traduz como o país foi visto no exterior naquele trimestre. Sua metodologia leva em conta a avaliação dos principais veículos da imprensa internacional e de uma equipe de especialistas de outros países. • The Wall Street Journal (EUA). Além disso, o boletim traz os resultados de uma pesquisa feita com especialistas internacionais que opinaram sobre a imagem do país. Participaram desta edição Maria da Conceição Coelho-Ferreira, da Universidade de Lyon 2 (França); Markus Fraundorfer, do Institute of Latin American Studies - German Institute of Global and Area Studies – Giga (Alemanha); Matthew Flynn e Paloma Diaz, da Texas University (EUA); Roberto Durán, do Instituto de Ciência Política da Pontificia Universidad Católica de Chile (Chile); Stephanie Dennison, da Leeds University (Reino Unido); e Zhou Zhiwei, do Centro de Estudos Brasileiros do Instituto da América Latina, Academia Chinesa de Ciências Sociais (China). O I See Brazil analisa as reportagens sobre o Brasil, publicadas entre julho e setembro de 2014, por oito veículos internacionais de imprensa: • Clarín (Argentina); Foram considerados ainda relatórios e análises sobre o Brasil elaboradas pelos bancos Deutsche Bank e BBVA; pelo Boston Consulting Group (BCG); pelo Fundo Monetário Internacional (FMI); pelo Fórum Econômico Mundial; pelo Center of Strategic and International Studies (CSIS); e pela agência classificadora de risco Moody’s. • Der Spiegel (Alemanha); • El País (Espanha); • Financial Times (Reino Unido); • Le Monde (França); • The Economist (Reino Unido); 1 PANORAMA No terceiro trimestre de 2014, o I See Brazil Index, metodologia do I See Brazil que pondera as avaliações da imprensa e dos especialistas internacionais, e atribui uma nota à perceção do país no exterior, atingiu o maior nível do ano: 5,002 entre julho e setembro de 2014, em uma escala de zero a dez pontos (0 = extremamente negativa; 10 = extremamente positiva), na qual os resultados acima de 5 são considerados positivos. Este resultado representa uma alta de 1,366 ponto na comparação com o 2º trimestre do ano, quando o I See Brazil Index foi de 3,63. Ele indica que, ao lado do aumento no número de textos abordando o país por conta da Copa do Mundo e das eleições (houve uma expansão de 84,45% na base de reportagens entre um trimestre e outro, que saltou para 546 textos), a percepção externa apresentou considerável melhora, deslocando ligeiramente o índice para o campo positivo. A melhoria na percepção em torno do país se deve ao interesse gerado por uma série de temas no período. Em primeiro lugar, houve a conclusão da Copa do Mundo de Futebol – os temores de que poderiam acontecer sérias falhas na organização do evento e na recepção das delegações de atletas e de torcedores de outros países se mostraram infundados, e a própria dinâmica da competição garantiu forte exposição do Brasil no exterior. E a derrota do país diante da Alemanha nas semifinais motivou análises sobre o possível impacto do resultado esportivo no campo político. “ NO BRASIL, O PIB SE CONTRAIU NA PRIMEIRA METADE DO ANO, REFLETINDO FRACOS INVESTIMENTOS E MODERAÇÃO NO CONSUMO, DADAS AS CONDIÇÕES FINANCEIRAS MAIS RESTRITIVAS E A CONTÍNUA DEBILIDADE NA CONFIANÇA NOS NEGÓCIOS E DOS CONSUMIDORES. ESTES FATORES, ASSIM COMO A FRACA COMPETITIVIDADE, DEVERÃO CONTINUAR A LIMITAR O CRESCIMENTO EM 2014-2015. FMI, WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 7 DE OUTUBRO DE 2014 2 A imprensa internacional notou a maturidade do “país de futebol” – no qual um jogo da Seleção Brasileira não é mais vista como sendo a coisa mais importante. Prova disso é que, no dia seguinte à derrota, o país foi em frente, e a vida continuou – sem protestos ou manifestações exageradas em razão do resultado. O The Wall Street Journal sintetizou bem a situação: “Adivinhe o que aconteceu no Brasil na quarta-feira? O sol nasceu. As pessoas foram trabalhar. Elas dirigiram táxis, abriram mercearias, clicaram em seus computadores para lidar com questões financeiras e legais. Médicos curaram os doentes. A vida prosseguiu. Adivinhe o que não aconteceu? As cidades não queimaram. Protestos de massa não irromperam. E aparentemente nenhum torcedor de futebol se atirou do alto de algum edifício porque sua amada Seleção perdeu de 7 a 1 para a Alemanha.” Reprodução/BBC Gov. Pernambuco A campanha eleitoral para as eleições presidenciais se mostrou dramática. De um cenário relativamente previsível em julho, quando se esperava a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) sem maiores percalços, a disputa mudou completamente em 13 de agosto, quando o avião que transportava o candidato Eduardo Campos (PSB) sofreu um acidente em Santos (SP). A partir daí, os olhos do mundo acompanharam de perto a trajetória de Marina Silva (PSB), originalmente vice na chapa de Campos e, após a tragédia, alçada à condição de postulante ao Planalto. Morte de Eduardo Campos alterou cenário eleitoral A deterioração dos indicadores da economia brasileira, o interesse de empresas internacionais em torno do setor de telefonia móvel e questões ligadas ao meio ambiente também contribuíram para elevar a exposição do Brasil no exterior. Em um momento de pessimismo na economia brasileira, há muitas empresas que continuam registrando lucros, sobretudo nos setores bancário e varejista. EL PAÍS, 8 DE AGOSTO DE 2014 INDEPENDENTE DO RESULTADOS DAS ELEIÇÕES GERAIS, ACREDITAMOS QUE 2015 SERÁ UM ANO DE CORREÇÕES, MARCADO PELO REAJUSTE DOS PREÇOS CONTROLADOS E UM TOM MAIS RESTRITIVO NA POLÍTICA ECONÔMICA. BBVA, BRAZIL ECONOMIC OUTLOOK, 5 DE AGOSTO DE 2014 3 Fernando Frazão/ABr Rafael Ribeiro/CBF Fernando Frazão/ABr FIM DE FESTA Assim como já havia sido observado no final do segundo semestre deste ano, o aumento da exposição do Brasil em razão da realização da Copa do Mundo de Futebol deu projeção internacional a problemas como a violência das grandes cidades ou as desigualdades sociais. Mesmo assim, houve uma percepção melhor com relação a temas socioambientais do que no segundo trimestre – a nota final passou de 2,27 para 3,8 pontos. Em termos quantitativos, houve uma queda considerável na participação dos assuntos socioambientais na pauta dos veículos pesquisados – de 43,58% para apenas 10,99% das reportagens. Os olhos do mundo se voltaram ao Brasil durante a Copa O Brasil ganhou “sua” Copa do Mundo. A competição transcorreu sem problemas. Os estádios ficaram prontos a tempo, os transportes coletivos e a segurança funcionaram. Não houveram greves ou distúrbios, contrariamente ao que anunciavam alguns pessimistas. A hospitalidade do Brasil fez o resto. LE MONDE, 14 DE JULHO DE 2014 Nos veículos de imprensa consultados, houve a predominância de um olhar mais pessimista sobre a Copa do Mundo, com 21 reportagens positivas e 39 negativas. Questões como o racismo no futebol, a queda de um viaduto em Belo Horizonte (uma das “obras da Copa”), o turismo sexual e a violência em Fortaleza (CE) pontuaram essa visão mais crítica. Já a opinião dos especialistas se mostrou mais equilibrada, com 4 e 3 avaliações positivas e negativas, respectivamente. Ao lembrar que as emissões de gás carbônico durante a Copa equivaleriam ao dobro do que foi registrado na África do Sul em 2010 (totalizando 2,72 milhões de toneladas de CO2), o jornal espanhol El País ressaltou o desenho ecológico dos novos estádios, que incluiu tecnologias para aproveitar a água das chuvas e a luz solar. 4 “Quando o árbitro apitar o final do jogo de domingo entre Alemanha e Argentina e surgir um novo campeão mundial de futebol, começa a contagem regressiva para outro grande torneio esportivo: os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. Estará o Brasil, um dos 17 países com maior biodiversidade, preparado para um novo impacto ambiental?”, indaga o texto, redigido pela produtora online do Banco Mundial Mary Stokes para o jornal espanhol. [As razões das manifestações populares] foram suprimidas por um mês pelo entusiasmo irracional em torno da Seleção Brasileira. Em um país onde a política nunca está distante do futebol, a insatisfação popular ressurgiu após o apito final. E a derrota, de alguma forma, deu um tom agourento à campanha eleitoral. LE MONDE, 9 DE JULHO DE 2014 Ao contrário da visão pessimista corrente antes da realização do evento, houve uma melhora considerável na percepção externa do país – que conseguiu realizar a Copa do Mundo sem maiores problemas para os torcedores que vieram ao Brasil assistir aos jogos. “Todos sempre esperam o pior de grandes eventos esportivos antes de seu início, e esta Copa do Mundo não foi diferente (...) A realidade raramente se iguala às preocupações”, salientou o The New York Times. “Contrariamente a algumas previsões, o evento transcorreu suavemente, sem greves nos transportes ou protestos significativos”, concordou a revista britânica The Economist. “ SE AS INTERAÇÕES ENTRE BRASILEIROS E OS TORCEDORES ESTRANGEIROS TÊM SIDO GERALMENTE CORDIAIS, AS FORÇAS DE SEGURANÇAS REPRIMIRAM VIOLENTAMENTE ALGUNS VISITANTES FESTIVOS, COM A POLÍCIA DO RIO DE JANEIRO E DE SÃO PAULO USANDO SPRAY DE PIMENTA E BOMBAS DE FUMAÇA PARA DISPERSAR MULTIDÕES DE ARGENTINOS. THE NEW YORK TIMES, 4 DE JULHO DE 2014 O Brasil precisava de tanto - melhor infraestrutura, educação, saúde, oportunidades para o avanço econômico. Como a realização de um torneio de futebol durante um mês seria uma despesa acertada? THE WALL STREET JOURNAL, 18 DE JULHO DE 2014 A persistente imagem do Brasil como um país violento pode não ter se confirmado durante a Copa do Mundo, mas foi renovada poucos dias após o evento, quando a polícia militar do Rio de Janeiro invadiu o Complexo do Alemão em retaliação a ataques de traficantes. “Imperava um virtual ‘toque de recolher’; à tarde as escolas públicas permaneceram fechadas, o que afetou 7 mil alunos. O comércio não abriu suas portas, e continuava fora de serviço o bondinho que transporta 12 mil passageiros por dia até o alto do morro”, noticiou o Clarín. A introdução de questões ambientais no debate eleitoral colaborou para colocar o tema sob um prisma positivo. “A sustentabilidade foi discutida no debate presidencial”, ponderou o professor Zhou Zhiwei, do Centro de Estudos Brasileiros do Instituto da América Latina, da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Ele também destacou o fato de a candidata Marina Silva, inicialmente bem posicionada para disputar as eleições, ser associada à defesa de causas ambientais. Outro ponto que colaborou para a imagem do país em temas socioambientais foi a notícia de que o país tinha saído mapa da fome e da miséria no mundo, elaborado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e divulgado em setembro. De acordo com o documento, em 11 anos o número de pessoas em situação subalimentar no país caiu de 19 milhões para 3,4 milhões. “Foi um fato positivo, mas a maior parte da imprensa [no Reino Unido], incluindo tablóides como o The Daily Mail, preferiram dar espaço ao fato de o Brasil ter se recusado a assinar o acordo de desflorestamento da ONU”, opina Stephanie Dennison, da Leeds University. 5 O professor Roberto Durán, da Pontificia Universidad Católica (Chile), lembra que as ações do Brasil nesse campo sempre ganham atenção no exterior. “Sempre persistiu a imagem de que o que o Brasil faça ou deixe de fazer a favor do meio ambiente repercute internacionalmente. É possível que se trate apenas de uma imagem, mas é real”. “ Ministério do Turismo De fato, em setembro o Brasil decidiu não endossar a declaração de EUA, Canadá e União Europeia, na qual se previa a redução do desmatamento pela metade até 2020, e sua eliminação até 2030. Na ocasião, a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) afirmou que o país não havia sido consultado sobre o assunto. Desta forma, ficou a percepção de que o governo brasileiro se opôs a uma iniciativa positiva. “Fala-se [na França] com certa decepção sobre a recusa de investimento do Brasil no acordo lançado pela ONU contra o desflorestamento. Outra crítica refere-se aos organismos geneticamente modificados (eucaliptos e mosquitos transgênicos)”, afirma Maria da Conceição Coelho-Ferreira, da Universidade de Lyon 2. Meio ambiente afeta percepção no exterior DESDE A INSTALAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA EM DIFERENTES FAVELAS [DO RIO DE JANEIRO], OS ÍNDICES DE CRIMINALIDADE CAÍRAM SIGNIFICATIVAMENTE. CLARÍN, 23 DE JULHO DE 2014 COM O CRESCIMENTO SE TORNANDO RECESSÃO NA PRIMEIRA METADE DO ANO, OS ECONOMISTAS ESTÃO PREOCUPADOS SOBRE O QUE PODE ACONTECER EM UM SEGUNDO MANDATO DA PRESIDENTE ROUSSEFF. FINANCIAL TIMES, 24 DE SETEMBRO DE 2014 6 O FATOR MARINA Com um perfil que combinava sua origem humilde, a atuação na preservação do meio-ambiente e a anunciada encarnação do “espírito de mudanças” dos brasileiros, demonstrado nas manifestações populares de junho de 2013, a candidata à Presidência Marina Silva chamou bastante a atenção internacional. Seu nome já começara a circular quando foi noticiado o acidente que vitimou seu companheiro de chapa, Eduardo Campos; e a publicação de reportagens especiais sobre a ex-senadora acabou se intensificando quando, a partir do final de setembro, as pesquisas de opinião começaram a indicar que a candidata tinha chances reais de vencer a eleição. Igo Estrela Coligação Unidos pelo Brasil Ichiro Guerra Disputa à Presidência foi a mais acirrada desde 1989 Esse viés mais simpático da cobertura internacional em torno de uma das candidaturas, assim como a incorporação de um tom favorável com relação à reunião de cúpula do grupo Brics (leia mais adiante), fizeram com que o I See Brazil Index apresentasse, com relação aos temas ligados à política, uma pequena melhora entre o segundo e o terceiro trimestres – passando de 5,027 para 5,88 pontos. Com isso, o tema se mantém no campo positivo. “ DESCREVER AS SEMANAS FINAIS DA CAMPANHA PRESIDENCIAL DO BRASIL COMO DRAMÁTICAS SERIA POUCO. THE ECONOMIST, 27 DE SETEMBRO DE 2014 O QUE FAZ ESTA ELEIÇÃO MAIS EXTRAORDINÁRIA NESTE PAÍS CONSERVADOR É QUE A OUTRA CANDIDATA É, ASSIM COMO A PRESIDENTE, UMA MULHER. FINANCIAL TIMES, 22 DE SETEMBRO DE 2014 Reprodução Na imprensa foram encontradas mais reportagens positivas (113) do que negativas (95); o mesmo ocorreu quanto à opinião dos especialistas, que registrou 5 e 2 avaliações positivas e negativas com relação ao tema, respectivamente. “Sempre é uma boa notícia corroborar que o Brasil está entre os países plenamente reconhecidos em sua consolidação democrática”, opinou o professor Roberto Durán, da Pontifícia Universidad Católica (Chile). Além de Marina Silva, a candidatura oposicionista de Aécio Neves (PSDB) também foi vista de forma favorável – o Financial Times chegou a publicar uma entrevista com o assessor econômico do candidato (o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga) e ponderar que ele ajudaria a “desalojar” a presidente Dilma Rousseff do Planalto. 7 Um dia antes da morte de Eduardo Campos, o francês Le Monde avaliava que “o social-democrata Aécio Neves” seria o “principal adversário de Dilma Rousseff” na disputa presidencial. “Ainda que a propaganda do PT acuse o PSDB de se aliar com a direita – exatamente como a coligação governamental de Lula e Dilma Rousseff – o sr. Neves escolheu como companheiro de chapa o senador Aloysio Neves (PSDB). Sob a ditadura militar, ele se mobilizou na organização de Carlos Marighella, antigo dirigente comunista que se tornou um teórico da guerrilha urbana”, analisou o jornal. Ainda que outros países latino-americanos tenham também registrado taxas de crescimento declinantes, a desaceleração do Brasil foi mais pronunciada e prolongada. Dada a ausência de sinais de recuperação, a Moody’s acredita que a próxima administração do Brasil irá encarar condições econômicas deprimidas. 8 Reprodução Essa visão otimista com relação às eleições no Brasil não impediu que a percepção externa diante de temas relacionados à política no Brasil incorporasse também avaliações negativas, tanto da imprensa quanto dos especialistas internacionais. Elas derivaram principalmente do jogo de vale-tudo eleitoral; do baixo nível do debate entre os candidatos; e das denúncias de corrupção na Petrobras, feitas por seu ex-diretor Paulo Roberto Costa. Ao El País, por exemplo, não passou desapercebida a persistência de clãs familiares na política brasileira, enquanto o Clarín reportou a admissão, por parte do Exército brasileiro, da prática de torturas a opositores durante a ditadura militar (1964-1985). Reprodução MOODY’S, GLOBAL CREDIT RESEARCH, 9 DE SETEMBRO DE 2014 José Cruz/ABr BRETTON WOODS DOS EMERGENTES Reunião do Brics atraiu atenção para o Brasil A realização da sexta reunião de cúpula do grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em Fortaleza (CE) ajudou a manter o país em evidência – especialmente em razão do fato de que o evento se deu logo após o encerramento da Copa do Mundo de Futebol. Chamou bastante a atenção como algo positivo o fato de a reunião não ter se limitado às habituais platitudes diplomáticas, mas ter apresentado duas propostas para alterar a estrutura de financiamento internacional: a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e do Acordo Contingente de Reserva (CRA, na sigla em inglês), para socorrem países em dificuldades. Contudo, não passou despercebido o fato de que o Brasil não conseguiu nem sediar o NBD (que ficará em Xangai, na China) e nem apontar o primeiro presidente da instituição (cargo para o qual será escolhido um representante da Índia). A percepção externa foi a de que o estabelecimento destas instituições representaria uma alternativa ao sistema de financiamento internacional, criado em 1944 em Bretton Woods (EUA), que tem no Banco Mundial (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, ou Bird) e no Fundo Monetário Internacional (FMI) seus principais expoentes. Algumas análises viram nisso um instrumento para o predomínio da China na economia mundial, enquanto outras destacaram as assimetrias entre os Brics. “A ambição dos Brics surgiu quando eles – à exceção da Rússia – vivenciaram a crise financeira de 2008 melhor que os EUA ou a Europa. Hoje, seu desempenho é menos impactante, ainda que seu potencial de crescimento ainda seja melhor que nos países no norte”, analisou o Le Monde. A revista The Economist foi além: “A questão para o Brasil, e para a América Latina de forma mais geral, é se um conjunto de amizades superficiais, no lugar de parcerias mais seletivas e profundas, irá ajudar ou deter sua ascensão”. Em outra reportagem, a publicação lembrou que levou décadas até que o sistema de Bretton Woods resolvesse seus problemas, ainda que de forma insatisfatória. 9 O Brasil evita institucionalizar suas relações [comerciais] que tenham potencial de limitar as opções de política doméstica. Em lugar de firmar acordos bilaterais de livre comércio, o país atua dentro das limitações do Mercosul e da OMC. CSIS, BRAZIL’S ECONOMIC IDENTITY: MOTIVATIONS AND EXPECTATIONS, 16 DE JULHO DE 2014 SINAL AMARELO NA ECONOMIA O terceiro trimestre assistiu à divulgação de indicadores que tornaram mais clara a situação vulnerável da economia brasileira – como a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), revista pelo governo federal para 0,7% em 2014. Além disso, a alta da inflação, a deterioração das contas governamentais e a decisão da agência classificadora Moody’s de revisar a nota do Brasil contribuíram para tornar a visão externa sobre a economia brasileira mais crítica. A nota da percepção da economia brasileira no exterior caiu 0,655 ponto entre o segundo e o terceiro trimestre, atingindo 3,996 pontos – resultado situado na área negativa do I See Brazil Index. Apesar de o noticiário ter se mostrado praticamente equilibrado, com 142 reportagens positivas e 136 negativas, apenas um dos sete especialistas consultados manifestou uma visão favorável à economia brasileira entre julho e setembro. “ UM DIA APÓS ASSINALAR QUE NÃO PRETENDIA CORTAR AS TAXAS DE JUROS NO CURTO PRAZO, O BANCO CENTRAL ANUNCIOU UMA SÉRIE DE MEDIDAS COM O OBJETIVO DE DESOBSTRUIR O CRÉDITO. DEUTSCHE BANK, BRAZIL DAILY UPDATE, 25 DE JULHO DE 2014 A tônica predominante foi a de deterioração dos indicadores econômicos. “Segundo o Observatório Francês das Conjunturas Econômicas (OFCE), ‘o risco de uma recessão na Argentina, o terceiro parceiro comercial do Brasil, pode afetar consideravelmente o crescimento brasileiro nos dois próximos anos’”, alertou a professora Maria da Conceição Coelho-Ferreira, da Universidade de Lyon 2. A proximidade das eleições presidenciais gerou análises propondo a realização de reformas para recuperar as contas do país. “A batalha [contra a inflação] deverá levar a um crescimento mais lento em 2015, mas pode valer a pena se o resultado final for menos inflação e custos menores para se emprestar dinheiro, o que economistas dizem serem os fatores por trás da desaceleração econômica atual”, ponderou o The Wall Street Journal. A estiagem que atinge a região Sudeste do país também se refletiu na cobertura sobre commodities – em especial café e cana de açúcar. O BRASIL PERDEU TERRENO EM TODOS OS CAMPOS. DEVE SE NOTAR QUE, APESAR DE SER CONSIDERADO UM GRANDE MERCADO EMERGENTE, O BRASIL NÃO ERA UM DESTINO SIGNIFICATIVAMENTE MAIS BARATO DE MANUFATURA DO QUE OS EUA NEM MESMO UMA DÉCADA ATRÁS. CONTUDO, A SITUAÇÃO PIOROU. ALTOS SALÁRIOS, COMBINADOS COM UM CRESCIMENTO MUITO FRACO DA PRODUTIVIDADE, RESPONDERAM POR MAIS DE TRÊS QUARTOS DO AUMENTO NOS CUSTOS DE MANUFATURA. BCG, THE SHIFTING ECONOMICS OF GLOBAL MANUFACTURING, AGOSTO DE 2014 Apesar disso, houve um interesse positivo sobre as potencialidades da economia brasileira – especificamente com relação ao setor de telefonia móvel. Várias reportagens acompanharam a disputa entre Telecom Italia e Telefónica da Espanha pela operadora brasileira GVT, da Vivendi. No último dia do trimestre houve outra boa notícia: após dez anos, Brasil e EUA finalmente chegaram a um acordo com relação aos subsídios que Washington vinha pagando aos produtores de algodão. 10 Mayke Toscano/Secom-MT O contencioso foi julgado na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2004 a favor do Brasil; na ocasião, ficou determinado que os EUA pagariam US$ 150 milhões por ano ao Brasil. Contudo, esses pagamentos foram interrompidos. Sob o novo acordo, Washington pagará US$ 300 milhões ao Instituto Brasileiro do Algodão e, em troca, o Brasil não mais poderá adotar medidas retaliatórias contra os EUA. Contencioso do algodão chega ao fim [O Brasil] está preparado para encarar os efeitos das recentes mudanças na economia global, como a queda nas cotações internacionais de commodities e potenciais fugas do capital que veio ao país durante o ápice da crise financeira. “ FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL, GLOBAL COMPETITIVENESS REPORT 2014-2015, 2 DE SETEMBRO DE 2014 NO BRASIL, O PIB SE CONTRAIU NA PRIMEIRA METADE DO ANO, REFLETINDO FRACOS INVESTIMENTOS E MODERAÇÃO NO CONSUMO, DADAS AS CONDIÇÕES FINANCEIRAS MAIS RESTRITIVAS E A CONTÍNUA DEBILIDADE NA CONFIANÇA NOS NEGÓCIOS E DOS CONSUMIDORES. ESTES FATORES, ASSIM COMO A FRACA COMPETITIVIDADE, DEVERÃO CONTINUAR A LIMITAR O CRESCIMENTO EM 2014-2015. FMI, WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 7 DE OUTUBRO DE 2014 O que vem por aí Alguns dos temas que poderão continuar presentes no quarto trimestre de 2014 são: • A desaceleração econômica do Brasil; • As eleições presidenciais (com a vitória da presidente Dilma Rousseff, as discussões sobre sua nova equipe de governo e suas relações com o Legislativo); e • Os efeitos do acordo entre Brasil e EUA para pôr fim ao contencioso do algodão. Outros assuntos que poderão ganhar força entre outubro e dezembro deste ano incluem: • Os reajustes dos combustíveis no Brasil; • As denúncias de corrupção na Petrobras, com a entrada de autoridades dos EUA nas investigações; e • Possíveis problemas no abastecimento de energia elétrica. 11