Mielofibrose Primária – Metaplasia Mielóide Agnogênica ASPECTOS GERAIS Mielofibrose primária ou Metaplasia Mieloide Agnogênica descrita em 1870 por Heuck é uma doença hematológica maligna crônica caracterizada por esplenomegalia, um quadro leucoeritroblástico no sangue periférico, presença de hemácias em lágrima (dacriócitos), vários graus de fibrose medular e hematopoiese extramedular. A incidência estimada é de 0,5 a 1,33 casos por 100.000 habitantes/ano. A idade média ao diagnóstico é de 60 anos (50-69 anos) e a sobrevida é de 54% em 3 anos. Homens são ligeiramente mais afetados do que mulheres. Na forma infantil esta relação se inverte. No Japão esta doença era considerada rara. No entanto, a sua incidência foi 18 vezes maior na região da explosão atômica em Hiroshima, mostrando relação com radiação ionizante. Exposição crônica a derivados de benzeno também é associada ao desenvolvimento de mielofibrose Vários estudos mostram que a proliferação hematopoietica neoplásica que ocorre na Mielofibrose é de natureza clonal. No entanto, a fibrose medular representa uma reação secundária não neoplásica relacionada à proliferação hematopoietica. A representação da fibrose como epifenomeno nesta doença fica claramente demonstrada na reversibilidade da fibrose em pacientes submetidos à quimioterapia, interferon ou transplante de medula óssea. As fibras de reticulina estão aumentadas na medula óssea. A fibrose pode progredir para faixas grossas de colágeno. A extensão da fibrose relaciona-se com o número de megacariocitos displásicos e liberação de fatores de crescimento de fibroblastos e de plaquetas (PDGF). A hematopoiese extramedular está sempre presente no fígado e baço, contribuindo para a hepatoesplenomegalia descrita nestes pacientes. No entanto, a hematopoiese estramedular é raramente efetiva. Focos de produção podem ser encontrados na suprarenal, rins, gânglios, bexiga, mamas, pulmões e outros locais. Quando existe presença de hematopoiese extramedular em sistema nervoso, pode-se observar hemorragia subdural, delírios, aumento da pressão liquórica, coma, alterações motoras e sensoriais diversas. Derrames pleural e pericardico podem ocorrer por produção extramedular em serosas. Após esplenectomia, a hematopoiese hepática pode piorar levando à insuficiência deste órgão. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO A média de idade ao diagnóstico é de 60 anos, havendo ligeiro predomínio no sexo masculino. Em alguns casos encontra-se uma tendência familiar e a exposição a radiação ionizante e benzeno podem anteceder o aparecimento da doença. Em 25% dos casos,o diasgnóstico é feito em pacientes totalmente assintomáticos. Outros pacientes apresentam fraqueza, fadiga, dificuldade para respirar, palpitações, perda de peso, sudorese noturna e dores ósseas. Alguns pacientes apresentam dores no hipocôndrio esquerdo, dores no quadril e membro inferior esquerdo em função do aumento ou infarto esplênico. A esplenomegalia ocorre em 100% dos casos, e hepatomegalia em 70% dos casos. Serosites com derrame e edema podem ocorrer. Alguns pacientes se apresentam com hipertensão portal, trombose de veia hepática ou porta e varizes esofágicas. Decrevem-se alterações imunológicas com anticorpos anti- glóbulos vermelhos, FAN positivo, anticorpos antifosfolípides. Osteoesclerose e periostite podem ocorrer, esta última pode ser responsável por dores ósseas. Devido à má função granulocítica, os pacientes desenvolvem infecções freqüentes . CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS SEGUNDO A WHO 2016 A) Pré fibrotica ou Mielofibrose precoce (preencher 3 critérios maiores e pelo menos 1 critério menor) Critério morfológico Proliferação megacariocítica e atipia sem fibrose reticulínica > grau 1, acompanhada por aumento de celularidade da medula óssea ajustada para idade, proliferaçãoo granulocítica e gerealmente eritropoiese diminuída Critério Clínico Não preencher critério clínico para Leucemia Mieloide Crônica bcr-abl positiva, PV, TE, MDS ou qualquer outra neoplasia mieloide Critério Genético Mutações do Jak 2, CALR ou MPL ou marcador clonal com ausência de fibrose reticulínica reativa Critérios minor: anemia, leucócitos > ou= a 11000/mm , ba’co palpável ou aumento de DHL B. Critérios para Mielofibrose Clássica (o diagnóstico requer todos os 3 crit´rios major e pelo menos 1 critério minor) Critérios Major • Critério morfológico: presença de proliferaçãoo megacariotcitica e atipia acompanhada por fibrose reticulinica ou de colágeno grau 2 ou 3. Não preencher critério para Leucemia Mieloide Crônica bcr-abl positiva, PV, TE, MDS ou qualquer outra neoplasia mieloide • Critério genético: Mutações do Jak 2, CALR ou MPL ou marcador clonal com ausência de fibrose reticulínica reativa • Critérios minor: anemia, leucócitos > ou= a 11000/mm , baçoo palpável , aumento de DHL e presença de leucoeritroblastose. No sangue periférico as seguintes alterações podem ser encontradas: Setor vermelho: anemia normocromica e normocítica, aniso e poiquilocitose com presença de hemácias em lágrima (dácriocitos) e eritroblastos. Sinais de hemólise com teste positivo de Coombs podem ser evidentes. Ocasionalmente os testes de HAM e sacarose para hemoglobinúria paroxística noturna são positivos assim como descreve-se doença adquirida da hemoglobina H . Setor branco: A contagem de leucócitos geralmente não ultrapassa 50.000/mm mas apresenta-se com distribuição característica de resposta neutrofílica com granulocitose. Mielocitos e metamielocitos estão presentes no sangue periférico assim como uma pequena quantidade de blastos (3 a 5 %). Neutropenia pode ocorrer raramente. A fosfatase alcalina leucocitária não é característica. Os basófilos podem estar aumentados e os neutrófilos apresentam defeitos de função, entre elas de fagocitose. Setor plaquetário: Os pacientes podem apresentar plaquetose ou plaquetopenia. Plaquetas gigantes são comuns assim como o encontro de megacariocitos circulantes. A função plaquetária está alterada o que pode ser comprovado em estudos de agregação com adrenalina. 10% dos pacientes podem apresentar pancitopenia por hematopoiese ineficaz associada a hiperesplenismo. Do ponto de vista bioquímico encontram-se aumentados o ácido úrico, DHL, fosfatase alcalina e bilirrubinas. Enquanto que a albumina, colesterol e lipoproteínas estão geralmente com seus níveis séricos rebaixados. O estudo da medula óssea é geralmente possível através da biopsia da medula, uma vez que a fibrose dificulta a coleta de material para mielograma. A biopsia é geralmente hipercelular com hiperplasia nas séries eritroide, granulocítica e megacariocítica. Colágeno e fibrose são geralmente demonstrados e fibras de reticulina são abundantes. Os megacariócitos são proeminentes apresentando alterações estruturais importantes. Os granulócitos podem se apresentar hiper ou hipo lobulados com presença de anormalidade de Pelger-Hüet, assincronia núcleo-citoplasmática e outras alterações dismórficas. Os sinusoides medulares encontram-se dilatados podendo mostrar células hematopoieticas imaturas em seu interior. Anormalidades citogenéticas estão presentes em mais de 50% dos casos. Aneuploidias ou pseudodiploidias são comuns. Raramente encontra-se o cromossoma Philadelfia e quando isso ocorre suspeita-se de Leucemia Mieloide Cronica evolutiva para mielofibrose. Importante notar que as anormalidades citogenéticas não ocorrem em fibroblastos, contribuindo mais uma vez para demonstrar a natureza secundária da fibrose medular. As mutações JAK-2 V617F , MPL e CALR podem ser encontradas. Este fato tem hoje implicações nos critérios diagnósticos, prognósticos e terapêuticos uma vez que pequenas moléculas anti Jak 2 são usadas na terapêutica em pacientes com esplenomegalia volumosa e sintomas exuberantes TRATAMENTO Nos pacientes assintomáticos a conduta deve ser observacional. O transplante de medula óssea é a única medida curativa porém não está estabelecido o melhor momento para sua realização durante o curso da doença. Antigamente, limitado a pacientes mais jovens, pode ser indicado hoje para pacientes em idade mais avançada em condições não mieloablativas ou em regimes com doses reduzidas. A anemia pode ser manipulada com o uso de eritropoetina ou andrógenos. Neste último, é fundamental o acompanhamento da função hepática e de imagem do fígado para se monitorar alterações importantes ou mesmo o aparecimento de tumores hepáticos. Nos casos com anemia hemolítica, os corticoesteroides são úteis. Em crianças, altas doses de cortisona auxiliam também no controle da mielofibrose. Agentes alquilantes, hidroxiureia e interferon alfa são empregados no controle de sintomas como febre, dor óssea, perda de peso e sudorese, diminuição do tamanho do fígado, baço e das contagens leucocitárias e plaquetárias. Radioterapia é descrita em aumentos expressivos de baço ou para controle da dor, tumores extramedulares, serosites e áreas focais de dor óssea( periostites ou osteólises), porém não se indica mais a sua utilização a não ser em casos muito específicos A esplenectomia, com altos índices de morbi-mortalidade deve ser reservada para condições especiais como aumento expressivo de baço e dor local, excessiva necessidade transfusional, trombocitopenia importante ou hipertensão portal. No caso de não responder a terapêuticas medicamentosas. A talidomida isolada em baixas doses ou em associação com corticoesteroides tem demonstrado resultados estimulantes. Da mesma forma há estudos promissores com o uso da lenalidomida. Etanercept e interferon peguilado também vem sendo indicados em casos específicos. Nas grandes esplenomegalias demonstram-se resultados interessantes com doxorrubicina semanal e com a droga 2 CDA (Cladribine) Uma abordagem interessante é a terapêutica baseada em fatores com impacto direto na sobrevida: .Extratificação de Risco em Mielofibrose Sobrevida baseada no risco Baixo > 10 anos Intermediário 5-10 anos Alto < 5 anos Verificar risco segundo a tabela abaixo: Risco Hemoglobina <10g/dl Leucócitos Sintomas Blastos > constitucionais (circulantes) >30x 10º / L ou < 4 x 10º / L Baixo Não Não Não Intermediário Presença de apenas 1 dos fatores de risco Alto Presença de 2 ou mais fatores de risco Não Decisão de transplantar Baixo Risco: Não transplantar Risco Intermediário: Transplantar em condições ideais. Pacientes com menos de 50 anos com doador aparentado ou não aparentado 10x10. Pacientes acima de 50 anos decisão compartilhada TMO não ablativo Alto risco: Transplantar até 50 anos com ablativo e acima de 50 anos não ablativo desde que identificados doadores Tratamento clínico: Leucocitoses e plaquetoses: Hydrea Anemia: Eritropoetina 40.000U/semana, Danazol 400 mg/dia ou Talidomida 50 mg/dia + Prednisona 0,5 mg/kg/dia decrescendo dose após resposta. Esplenomegalia: Hydrea 500 mg 3x/dia + eritropoetina 40.000UI/semana Na falha da Hydrea considerar: • Busulfan (2-6 mg/dia) • Melfalan oral (2.5 mg 3x/semana) • 2-CdA (0.14 mg/kg/dia em infusão de 2 horas x 5 dias) • Daunorubicina semanal (50 mg/m2 x 4 a 8 doses) • Talidomida 50 mg/dia + Prednisona • RUXOLITINIBE : Utilizado em esplenomegalias volumosas propiciando melhoras acima de 50% do tamanho do baço. Também indicado no alivio de sintomas como sudorese, fadigam, emagrecimento e caquexia demonstrando aumento significativo da qualidade de vida BIBLIOGRAFIA 1) Spivak JL, Barosi G, Tognoni G, Tiziano B, Finazzi G, Marchioli R, Marchetti M. Chronic Myeloproliferative Disorders. Hematology 2003. Educational Program ASH pp200, 2003. 2) Murphy S: Therapeutic dilemmas: Balancing the risks of bleeding, thrombosis and leukemic transformation in myeloproliferative disorders (MPD). Thromb Haemost , 3) Dupriez B, Morel P, Demory JL, Laí JL, Simon M, Plantier I. prognostic factors in agnogenic myeloid metaplasia. A report on 195 cases with a new scoring system. Blood 88: 1013- , 4) Hertenstein B, Guardiola P, Finke J, Kröger N, Bosi A, Brand R, Niederwieser TW. Non-Myeloablative(NMA) Stem Cell Transplantation (SCT) for Myeloid Metaplasia with Myelofibrosis (MMM)- A Survay from Chronic Leukemia Working Party of the EBMT. 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