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Relações Públicas ou Friendship Marketing?
Márcio de Matos Souza
O uso indiscriminado - e inadvertido - da palavra "Marketing" tem contribuído decisivamente
para a distorção da atividade de Relações Públicas. Ouve-se aqui e alhures que é preciso
"reforçar o marketing institucional", "investir em endomarketing" e, o pior de todos, "praticar
marketing de relacionamentos". Em torno dessa controvérsia está a banalização e o
deslumbramento de muitos profissionais com expressões e neologismos forjados no contexto da
"nova economia" (globalizada, yuppie, pretensamente moderna). Na raiz do problema, contudo,
estão equívocos conceituais largamente difundidos.
Conceito de Marketing - Embora especialistas refutem a idéia, é muito tentador não conceituar
o marketing apenas como um instrumento/estratégia para incrementar vendas (se uma empresa
vende mal, pensa-se logo em aplicar nela um conjunto de ações - composto de marketing - que
envolvem desde a planificação da produção até o momento em que a mercadoria chega ao
consumidor final). Trocando em miúdos: investe-se no monitoramento do produto. Cá pra nós,
essa não é uma versão aperfeiçoada do fordismo para otimizar a venda e fazer o negócio gerar
lucros? O que haverá de tão notável (e inédito) nas soluções de marketing, então?
"Uma maior preocupação das empresas com as interveniências do mercado", dirá algum perito.
Ou seja, além do monitoramento da produção, a opinião do cliente (mercado) passa a ter peso
fundamental, interferindo na concepção da mercadoria e nas mudanças necessárias ao
prolongamento do seu ciclo de vida.
Fala-se em adotar medidas que implicariam em direcionar a empresa para a satisfação das
necessidades e desejos dos clientes. Isso, sem sombra de dúvidas, reveste a atividade empresarial
de uma habilidade estratégica - pra não dizer astúcia - nunca vista. Entretanto, ao invés de se
adaptar aos anseios da clientela, o que se verifica, na prática, são tentativas de cooptação do
gosto popular a partir da geração de conteúdos simbólicos ilusórios. Daí surgiu a "reputação
filosófica" do marketing, uma glória quase transcendental, que escapa à esfera da
operacionalidade objetiva. Essa reputação, talvez, determine a real peculiaridade do marketing.
Não se pretende satanizar os instrumentos de criação de valores simbólicos pelo marketing.
Aliás, como afirma Santo Agostinho, "ainda que se inquiete em vão, contudo o homem caminha
na imagem". O que não se entende é a adequação do sistema à idéia de negócio gerido sob o
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ponto de vista do cliente e a designação do Relações Públicas como interlocutor dessa estratégia
(notadamente comercial, sublinhe-se). Sobre a segunda assertiva, nós trataremos adiante. A
primeira, já foi dito, não resiste à realidade prática.
Está certo que uma pesquisa de mercado pode identificar aspirações latentes do consumidor.
Porém, muitas "necessidades" (ou desejos, como preferem os marketeiros) são puramente
subjetivas e fabricadas pelas estratégias de marketing para alavancar vendas (alguém aí pode me
dizer qual a real necessidade de uma pessoa em adquirir uma calça de marca?). É óbvio que "a
gente não quer só comida". Todavia, não está se falando das representações culturais de
conotação elevada. Está se falando de produtos, prosaicas mercadorias.
Por sua natureza absolutamente perecível, o objeto de compra ou venda está sujeito às
intempéries da economia. Pergunta-se: em um ambiente de profunda retração econômica, como
as estratégias do marketing poderão ter efetividade? Se não venderem, não auferirem lucros, as
empresas conseguirão resistir no mercado? Por que, mesmo possuindo sistemas de marketing
bem azeitados, muitas empresas se preocupam tanto com o poder de compra do consumidor?
Para essas e outras perguntas os especialistas ainda não apresentaram réplicas convincentes.
Dizem, ao fim e ao cabo, que o poderoso marketing não traz respostas para todos os problemas.
Retornamos então, à estaca zero.
Vamos tirar uma lasquinha - Para embolar de vez o meio de campo, os mesmos entendidos
inventaram soluções/estratégias que "agregam valor aos produtos, à marca, tornando a venda
uma etapa absolutamente factível e espontânea do processo de marketing". Por
soluções/estratégias entenda-se o esforço de conferir prestígio à mercadoria/marca da empresa
com fins de estimulação do consumo. Assim, surgiram as competências do endomarketing, do
marketing de relacionamentos e do marketing institucional.
Conceitualmente, esses termos são tão verdadeiros quanto uma nota de três reais. Não
representam o produto da empresa em si, alvo do propalado monitoramento das táticas do
marketing. Por outro lado, inserem-se na esfera dos relacionamentos não-mercadológicos que a
empresa estabelece com o seu micro e macro ambiente. Como podem receber designações
alusivas ao marketing?
Com a imprensa, uma empresa estabelece relações objetivas e dialógicas. Com a comunidade
onde está inserida, relações de respeito e sustentabilidade recíproca. Com os empregados,
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relações de trabalho que coexistem sob regras de uma legislação estatal. Como conferir a essa
complexa rede de contatos um viés simplificado de "aproveitamento econômico"?
O intento da organização não pode ser praticado sob uma ótica permanentemente comercial. Não
se pode investir na compleição da opinião pública somente para obter vantagens negociais. Antes
de qualquer coisa, a atuação da empresa precisa ser legitimada pela sociedade. Portanto, o
Relações Públicas deve recusar o rótulo de linha auxiliar do marketing. O RP é um
intermediador de relações de poder. Visto sob a perspectiva exclusiva do marketing, ele será
apenas um coadjuvante, e, fora do ambiente intraorganizacional, será considerado um
profissional suspeito, disposto permanentemente a mascarar escândalos, dissuadir demandas
legítimas e tergiversar na difícil e instável relação empregado/empregador.
É importante deixar claro que me parece absolutamente verossímil que uma empresa consiga
destaque no mercado por sua postura social e ambientalmente responsável. Essa é uma exigência
crescente da sociedade. O que não se pode aceitar é a designação de um profissional destinado a
aliciar opiniões e "tirar uma lasquinha para a empresa" a partir de toda iniciativa, por assim dizer,
politicamente correta. Se for subvertido o princípio da responsabilidade social em favor do
marketing, certamente só veremos as instituições investindo em ações "bonitinhas", com
potencial para ilustrar as páginas edulcoradas das revistas.
Um novo posicionamento - Nesse contexto, cabem as seguintes indagações: é confortável para
um profissional atuar como agente neutralizador (quando não disseminador de uma imagem
pseudo-positiva) de companhias que recebem severas restrições por desenvolverem atividades
ambientais depredadoras? Como condição para impulsionar o sucesso comercial da organização,
é honesto para um profissional atuar somente como reforçador das noções comuns à maioria dos
consumidores, operando a partir de uma lógica impositiva, centralizadora, autoritária? A imagem
institucional só deve ser trabalhada como um produto a ser "vendido" no mercado? E, face aos
movimentos genuínos da sociedade, é possível prescindir de um agente intermediador?
Dentre outros motivos (como a falta de autonomia), é pela resposta afirmativa a essas questões
que o Relações Públicas tem se tornado um mero articulador das estratégias filosóficas do
marketing. Contudo, se se quer recuperar o papel da profissão, preservando-a de deformações
éticas, é preciso ter em conta que o ramo das ciências sociais e humanas é algo pertinente ao
dimensionamento das RRPP.
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Por outro lado, graças à democracia, e em decorrência das exigências postas pela sociedade, uma
nova cultura organizacional está se impondo. É a chance de reposicionar as Relações Públicas
como atividade gestora das políticas de relacionamento das instituições, utilizando-se, para isso,
de uma comunicação multidirecional e transparente com os diversos públicos. É urgente
recuperar essa atribuição, antes que sejamos tragados pela lógica do marketing e de suas
variantes (friendships, one-to-one...), anglicismos que, no fundo, querem dizer a mesma coisa e
só servem para vender mais livros e palestras.
Chamem um RP - A multiplicidade de definições torna o conceito de marketing impreciso,
pouco científico. Existe uma provocação bastante divertida que diz que o marketing é a
sofisticação máxima de um esforço de venda. Mas, como nem tudo é venda, para as outras
demandas - e contradições - das relações de poder da atividade empresarial, chamem um
Relações Públicas.
Para citar este trabalho copie as linhas abaixo trocando o X pela data que acessou esse
trabalho:
SOUZA, Marcio Matos. Relações Públicas ou Friendship Marketing? [online] - Disponível na
internet via WWW URL: http://www.rpbahia.com.br/trabalhos/paper/textos/relacoes_publicas_ou_friendship_marketing.pdf - Capturado
em XX/XX/200X.
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