ISOLAMENTO, SELEÇÃO E IDENTIFICAÇÃO BIOQUÍMICA DE BACTÉRIAS LÁCTEAS DA CARNE DE SOL PRODUZIDA ARTESANALMENTE. Thamires Santos Melo¹; Fátima Albinati²; Elisa Teshima3; Daise Santos Souza4 1. Bolsista FAPESB, Graduanda de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] 2. Orientadora, Departamento Tecnologia, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] 3. Professora, Departamento de Tecnologia, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected] 4. Graduanda em Engenharia de Alimentos, Universidade estadual de Feira de Santana, email: [email protected] PALAVRAS-CHAVE: produto artesanal, carne salgada INTRODUÇÃO A carne de sol é um produto elaborado pela ação combinada de salga e desidratação parcial da carne bovina. Antes da conservação de alimentos pelo frio tornar-se popular, altas concentrações de sal e secagem ao sol produziam carne salgada e seca com uma vida-deprateleira relativamente longa, mesmo quando armazenada em temperatura ambiente (Costa & Silva, 1999). Embora essa técnica de conservação dos alimentos seja tão antiga, o processamento da carne de sol é baseado em uma tecnologia artesanal, o que pode comprometer a qualidade microbiológica e dificultar a padronização do produto final (Bíscola, 2011). Muitas vezes, esses produtos são elaborados em condições sanitárias inadequadas, resultando em alimentos com presença tanto de microrganismos patogênicos, capazes de colocar em risco a saúde do consumidor, como de microrganismos deterioradores, capazes de alterar o produto em períodos de tempo muito curtos. Sua conservação depende diretamente das condições gerais de processamento e dos cuidados com embalagem, armazenamento e transporte (Costa & Silva, 1999). O Staphylococcus aureus é considerado o segundo maior patógeno causador de intoxicação alimentar no Brasil, estando atrás apenas da Salmonella spp e a presença desse microrganismo tem sido detectada em amostras de produtos cárneos salgados (Alves, 2008). A fermentação é o método mais antigo empregado na conservação de alimentos. Produtos cárneos como carne de sol, salame, presunto entre outros, são alguns dos exemplos de produtos fermentados no qual se empregam bactérias láticas como culturas iniciadoras (Bíscola, 2011). As bactérias láticas são responsáveis, nos processos fermentativos, pela produção de ácido lático, contribuem para o sabor característico da carne e podem exercer atividade inibitória frente a outras bactérias devido à competição direta por nutrientes ou pela capacidade de produção de substâncias antimicrobianas e, devido a isso, podem ser utilizadas no biocontrole de alimentos (Martines et al, 2003). O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de isolar, selecionar e caracterizar as bactérias láticas presentes na carne de sol. METODOLOGIA Foram coletadas 11 amostras de carne de sol na cidade de Ruy Barbosa, na Bahia, no período de novembro de 2013 a julho de 2014, sendo estas processadas de forma convencional ou em esteira. Os cortes foram acondicionados em recipientes adequados, sob refrigeração, e transportados até o Laboratório de Microbiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana. Para realização do experimento, pesou-se assepticamente 25g das amostras, que foram homogeneizadas por agitação manual em 225mL de água peptonada estéril, correspondendo a primeira diluição (10:1). A partir dessa foram preparadas as demais diluições seriadas até a concentração de 10-6. Em seguida, uma alíquota de 0,1mL das diluições 10-3 a 10-6 foram semeadas em placas contendo meio Ágar MRS (Man Rogosa Sharpe) e em placas contendo meio Ágar APT (All Purpose Tween), ambos acrescidos de púrpura de bromocresol e carbonato de cálcio, incubadas a 35°C por 48 a 72 horas (Freitas, 2011). Das placas que apresentavam melhor desenvolvimento foram selecionadas colônias que apresentavam formato arredondado, bordas bem delimitadas, cor amarelada, aspecto cremoso, com diâmetros de 1 a 3 milímetros e com formação de halo (Prado, 2000). Estas foram inoculadas em caldo MRS, incubadas por 48 horas a 35°C. Após esse período, as culturas foram estriadas em Ágar MRS e novamente incubadas pelo mesmo período e temperatura mencionados anteriormente, para verificar a pureza. Com as colônias isoladas procederam-se os testes de identificação que foram realizados em duplicata. Para a identificação das colônias isoladas foram realizados os testes de catalase, coloração de Gram, testes de desenvolvimento em diferentes temperaturas (15, 30 e 45°C), de tolerância a diferentes concentrações NaCl (4, 6,5, 8 e 12%), de produção de gás a partir da glicose e testes de fermentação de açúcares (Dextrose, Rhamnose, Manitol e Maltose). ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Das 11 amostras avaliadas foram selecionadas 78 colônias, dentre as quais, apenas 8 foram isoladas e identificadas como Gram positiva e catalase negativa. Destas, uma teve características de cocobacilos, 3 de bacilos e 4 de cocos. Nas demais amostras (1, 2, 3, 4 e 5) não foram observadas colônias com estas características. As colônias isoladas foram codificadas de acordo com a amostra de onde foram coletadas e com o meio onde foram isoladas. Os resultados dos testes de identificação são mostrados na Tabela 1. Tabela 1: Resultados dos testes realizados para identificação das bactérias láticas da carne de sol AMOSTRAS ANÁLISES M6 M7 M7* M8 A8 M9 A10 M10 Cocobacilo Bacilo Coco Bacilo Coco Coco Coco Bacilo Forma + + + + + + + + Gram Catalase + +/+/+ + +/+ + 15°C + +/+/+ + +/+ + 30°C +/+/+/45°C + +/+/+ + +/+ + 4% de NaCl + +/+/+ + +/+ + 6,5% de NaCl + +/+/+/+ +/+ 8% de NaCl + +/+/+/+ +/+ 12 %de NaCl + +* + +* + + Maltose + +* + + +* + + Manitol + + + + + + + Rhamnose + + +* +* + + Dextrose Legenda: M = meio MRS; A= meio APT; + positivo; - negativo; +/- crescimento reduzido; +* fracamente positivo As bactérias láticas são um grupo que tem como principais características serem Gram positivas, catalase negativas e homofermentativas, podendo-se apresentar como Cocos, Bacilos ou Cocobacilos (Silva et al, 2007). Santa (2008) ao analisar amostras de salame, verificou que das 50 cepas isoladas de bactérias láticas todas apresentaram resultado negativo para a produção de catalase e 49 apresentaram-se positivas para a coloração de Gram. E, em relação à morfologia, 49 cepas apresentavam a forma de bacilo e uma apresentava a forma de coco. Todas as culturas se desenvolveram nas temperaturas de 15 e 30°C, porém, as culturas M7, M7* e M9 tiveram um crescimento reduzido. Já na temperatura de 45°C o crescimento foi observado apenas para as culturas M7, M7* e A10, que apresentaram pouco crescimento. Os resultados obtidos neste trabalho, para crescimento em diferentes temperaturas, apontam para uma classificação dos isolados M6, M8 e M10 como sendo do gênero Carnobacterium, pelo fato de não terem se desenvolvido na temperatura de 45°C, e se desenvolvido a 15 e 30°C. Porém, a amostra M6 apresentou uma morfologia de cocobacilo, o que pode causar certa dúvida em relação a essa classificação. Dessa forma este isolado também poderia se encaixar no gênero Weissella. A amostra M7 apresentou características do gênero Lactobacillus devido ao fato de ter apresentado um crescimento reduzido nas temperaturas avaliadas. Além disso, apresentou morfologia de bastonetes. Os isolados M7*, M9, A8 e A10, morfologicamente classificados como cocos, apresentaram resultados mais próximos aos do gênero Leuconostoc. Apesar das duas últimas não terem apresentado desenvolvimento na temperatura de 45°C, os resultados a essa temperatura, para este gênero, podem variar entre as espécies. Essa classificação foi baseada na metodologia citada por Silva et al (2007). Todos os isolados desenvolveram-se nas diferentes concentrações salinas, com exceção da colônia A10 que não cresceu nas concentrações de 8 e 12%. Os isolados M7, M7* e M9 apresentaram um crescimento menor que as demais colônias em todas as concentrações de NaCl enquanto que a colônia A8 apresentou essa redução com o aumento da concentração do sal (8 e 12%). Assim, observou-se que houve uma redução no crescimento com o aumento da concentração, fato esse observado por Silva (2011) que ao analisar o desenvolvimento de bactérias láticas de amostras de queijo, obteve resultados positivos para as diferentes concentrações salinas (4, 8, 12 e 16%), sendo que, com o aumento da concentração o tempo de desenvolvimento era reduzido. Estes resultados não são suficientes para confirmar a classificação exposta anteriormente para as amostras isoladas neste trabalho, baseando-se na metodologia empregada por Silva et al (2007). Todavia, de acordo com Cogan et al (1997), que analisou bactérias láticas de produtos lácteos artesanais, os resultados do crescimento em diferentes concentrações de sal podem confirmar a classificação das amostras M7*, A8, M9 e A9 como sendo do gênero Leuconostoc, já que os dados obtidos foram semelhantes aos encontrados nesta metodologia. As bactérias láticas são geralmente homofermentativas, ou seja, não tem a capacidade de produzir gás carbônico a partir de glicose (Silva, 2011), resultando apenas em ácido lático, porém os resultados obtidos neste trabalho foram positivos para todas as colônias isoladas, o que reduz a possibilidade de gêneros em que esses isolados podem ser classificados. De acordo com Silva et al (2007), os gêneros que tem a capacidade de produzir gás a partir de glicose são Carnobacterium, Lactobacillus, Leuconostoc e Weissella. No teste de fermentação de açúcares, o resultado positivo foi observado pela mudança na coloração do caldo Púrpura Base, que passou de roxo para amarelo. A fermentação da Dextrose foi negativa para as amostras M7*, M8 e M9, enquanto que para a M7 foi fracamente positiva, ou seja, a coloração apresentava-se intermediária entre o roxo e o amarelo. A Maltose só não foi fermentada pela colônia M7* e apresentou resultados fracamente positivos para as colônias M7 e M9. Para o manitol o resultado foi negativo apenas para a amostra A8. A Rhamnose não foi fermentada pelas amostras A8 e M8 e obteve resultados fracamente positivos para as amostras M7* e M9. Na maioria dos trabalhos realizados com bactérias láticas, a caracterização bioquímica a partir da fermentação de carboidratos é realizada com o kit API 50CHL (BioMérieux, Marcy l'Etoile, France), como descrito por Freitas (2011), que estudou a microbiota lática de leite cru, queijo coalho e soro de leite. No presente trabalho, os dados obtidos para a fermentação de diferentes carboidratos foram inconclusivos na identificação das espécies. As técnicas de identificação devem ser feitas com o auxílio de testes moleculares e genéticos para obtenção de melhores resultados (Freitas, 2011). CONCLUSÃO Dentre as culturas isoladas das amostras de carne de sol, o gênero predominante de bactérias láticas foi o Leuconostoc, seguido por Carnobacterium e Lactobacillus. Sendo que, uma das colônias também poderia pertencer ao gênero Weissella. Essa identificação de baseou principalmente na morfologia da colônia, no crescimento em diferentes temperaturas e na produção de gás a partir de glicose. Os demais testes não foram conclusivos para a confirmação desta classificação. Outras análises devem ser encaminhadas para uma classificação mais correta com o uso do kit API 50CHL (BioMérieux, Marcy l'Etoile, France) ou por identificação molecular. REFERÊNCIAS ALVES, L.L. 2008. Avaliação físico-química e microbiológica da carne soleada do Pantanal. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dissertação. BÍSCOLA, V. 2011. Interações entre bactérias láticas produtoras de bacteriocinas e a microbiota autóctone da charque. Universidade de São Paulo. São Paulo, Tese. COGAN, T.M. et al. 1997. Characterization of the lactic acid bacteria in artisanal dairy products. Journal of Dairy Research, 64 (3): 409-421. COSTA, E.L.; SILVA, J. A. 1999. Qualidade sanitária da carne de sol comercializada em açougues e supermercados de João Pessoa – PB. B.CEPPA, 17 (2): 137-144. FREITAS, W.C. 2011. Aspectos higiênico-sanitários, físico-químicos e microbiota lática de leite cru, queijo de coalho e soro de leite produzidos do estado da Paraíba. Universidade Federal da Paraíba, Tese. MARTINES, E.C.P. et al. 2003. Caracterização preliminar de bacteriocinas produzidas por seis cepas de bactérias láticas isoladas de produtos cárneos embalados a vácuo. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 23 (2): 195-199. PRADO, C.S. 2000. Atividade antimicrobiana de bactérias lácticas de embutidos curados frente a Listeria monocytogenes. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., 52 (4): 417- 423. SANTA, O.R.D. 2008. Avaliação da qualidade de salames artesanais e seleção de culturas starter para a produção de salame tipo italiano. Universidade Federal do Paraná, Tese. SILVA, L.J.M. 2011. Isolamento e caracterização bioquímica das bactérias do ácido láctico do queijo São Jorge DOP. Universidade de Açores, Dissertação. SILVA, N. et al. 2010. Manual de Métodos de Análise Microbiológica de Alimentos e água. São Paulo, Varela, 614p.