CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) Solange Garrido da Costa Suely Coelho Rita de Cássia Pereira de Lima Programa de Pós Graduação em Educação – Universidade Estácio de Sá/RJ Eixo Temático: Pesquisa em Pós-Graduação em Educação e Práticas Pedagógicas Comunicação RESUMO O objetivo desse trabalho teórico é fazer uma reflexão sobre o arcabouço teórico-metodológico das representações sociais e suas contribuições para a pesquisa em educação, particularmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A abordagem psicossocial das representações sociais se propõe a investigar o universo simbólico dos grupos que direta ou indiretamente intervêm nos processos educacionais. Sua contribuição para a EJA consiste em colaborar para avanços em diversas temáticas fundamentais, como construção de currículos, práticas docentes, formação de professores, relação entre saberes da prática trazidos pelos alunos e conhecimentos científicos relacionados à área educacional, proposição de novas políticas para esse campo. Investigar representações sociais dos diversos grupos envolvidos com a EJA pode subsidiar a ruptura de alguns valores e práticas já enraizados na escola e promover mudanças nas práticas docentes e pedagógicas tão necessárias à realidade do ensino no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Educação de Jovens e Adultos (EJA), Representações Sociais, Práticas Educativas. INTRODUÇÃO A Educação de Jovens e Adultos (EJA) está prevista em lei, podendo ser destacadas a Lei N° 9.394 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e a Resolução CNE/CEB nº. 1/2000 que determina as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000). Embora a legislação tenha contribuído para reflexões sobre uma política direcionada a este público, sua proposta é frequentemente confundida com a educação popular (PAIVA, 1985) dos anos 60 do século XX, desprovida de um arcabouço teórico-metodológico para construção de currículos para as diferentes fases de escolaridade do aluno. Geralmente os professores têm formação incipiente para atuar nesta modalidade de ensino e desconhecimento, segundo Arroyo (2005), das potencialidades e subjetividades dos jovens e adultos cujos saberes não são considerados no processo de co-construção de conhecimentos científicos oferecidos pela escola. Tal situação, muitas vezes, retifica a impotência dos alunos da EJA quanto a se apropriarem de conhecimentos que possam propiciar mobilidade social. A crença veiculada, sobretudo no universo escolar, de que são incapazes de aprender, é reiterada pela falta de investimento em um novo fazer pedagógico que dê conta de suas dificuldades de aprendizagem. A escola, por sua vez, parece tentar reparar, frequentemente sem sucesso, a injustiça de tê-los excluídos para reinserí-los na sociedade escolarizada a fim de conferir-lhes a cidadania plena. Neste contexto que envolve políticas e práticas educacionais, a EJA tem sido considerada como o quintal da escola pela pouca importância e investimentos a ela dispensados ao longo do tempo. Mesmo com os avanços das Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000), esta modalidade de ensino ainda sofre dos reflexos de uma situação de desprestígio e os resquícios ainda estão muito presentes nas práticas pedagógicas e no lugar social que ocupa na maioria das instituições de ensino. Pelo seu histórico de exclusão, inscreveu-se na EJA um intenso número de preconceitos, discriminações e distorções de concepções e fazeres que a colocam como campo rico para pesquisas das representações sociais (RS), abordagem que se dá tanto no plano psicológico quanto social, articulando indivíduo e sociedade. Tais representações dizem respeito a um conjunto de imagens, crenças, símbolos, mentalidades, atitudes, opiniões e modelos veiculados numa sociedade para caracterizar pessoas, situações, objetos (MOSCOVICI, 1978). Tratando- se de uma abordagem psicossocial, quando uma representação é elaborada, ela é influenciada pelo grupo e compartilhada com ele. A educação como prática sociocultural constitui-se em ambiente fértil para esta área, uma vez que sua base está nas interrelações pessoais e troca de conhecimentos construídos em espaço/tempos diferenciados. Segundo Sá (1998, p. 39), os temas sugeridos no contexto da escola “[...] são quase co-extensivos da própria vida cotidiana”, por isto favorecedores de estudos nessa linha. De acordo com Alvez-Mazzotti (2005, p. 141-142): [...] na medida em que as representações sociais orientam e justificam práticas, estas frequentemente nos ajudam a compreender, e tentar modificar, as práticas docentes que resultam em desigualdades de oportunidades educacionais, as quais estão estreitamente relacionadas aos graves problemas de desigualdade social encontrados em nossos países. Neste sentido, a teoria das representações sociais vem sendo acolhida como um caminho promissor: por suas relações com as práticas, por seu papel na formação das identidades [...]. 2 A abordagem das representações sociais pode, desta maneira, fundamentar estudos e pesquisas sobre temas relacionados à EJA privilegiando a relação entre políticas e universo simbólico dos sujeitos envolvidos, pois implica em um conjunto de significados socialmente compartilhados pelos grupos que organizam suas opiniões e práticas. Supõe-se que existem sistemas de crenças que circulam socialmente e os grupos aderem a partes dos conteúdos veiculados, dependendo de suas posições sociais. São assim formadas as representações sociais, consideradas por Jodelet (1996) como conhecimento “espontâneo”, “ingênuo”, chamado “conhecimento do senso comum”, ou “pensamento natural”, em oposição ao pensamento científico. Para a autora, ele se constitui a partir das experiências, mas também de informações, saberes, modelos de pensamento recebidos e transmitidos pela tradição, educação, comunicação social. Baseando-se em Abric (1996), Alves-Mazzotti (2003, p. 117-118) se refere a aspectos da exclusão social relevantes para se pensar nas contribuições dos estudos sobre representações sociais para a EJA: [...] Abric (1996) afirma que a exclusão social deve ser vista como o produto de uma combinação de vários fatores, não podendo ser explicada apenas pelas características dos excluídos. Entre esses fatores destaca o sistema social vigente, com suas regras, normas e instituições; a história e as reações do grupo no qual o sujeito está inserido, bem como as de outros grupos e de agentes sociais com os quais interage numa situação social dada. Entretanto, para Abric, a análise desse sistema de relações não é suficiente: para que a exclusão possa ser melhor compreendida, é necessário investigar os elementos simbólicos que estão em jogo na situação. É nesse sentido que o estudo das representações sociais se torna um instrumental precioso. Com base no panorama apresentado, o objetivo desse trabalho teórico é fazer uma reflexão sobre o arcabouço teórico-metodológico das representações sociais e suas contribuições para a pesquisa em educação, particularmente a EJA. Considera-se que pesquisas com esta articulação podem colaborar para avanços em diversas temáticas fundamentais para a EJA, tais como construção de currículos, práticas docentes, formação de professores, relação entre saberes da prática trazidos pelos alunos e conhecimentos científicos relacionados à área educacional, proposição de novas políticas para esse campo. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Após meio século de esquecimento pela Ciência Social na França, o conceito de representação coletiva, proposto por Émile Durkheim no final do século XIX, foi reativado por um grupo de historiadores que desenvolveu pesquisas sobre mentalidades (DUBY, 1961 apud MOSCOVICI, 2001). No início dos anos 60 do século XX, Moscovici (1961) retomou criticamente a noção por meio de sua obra La psychalalyse, son image et son public, publicada 3 no Brasil em 1978 como A representação social da psicanálise (MOSCOVICI, 1978). Nesta obra seminal, o autor analisou o impacto da penetração de uma teoria científica (a psicanálise) no pensamento comum e seu poder de criação da realidade social. Para ele, do mesmo modo como alguém pode pensar um conjunto de ideias que forma um conhecimento científico, pode também pensar um conjunto de ideias que forma um conhecimento do senso comum. Desde então os estudos das representações vêm enfocando os problemas de cognição e dos grupos, bem como a difusão dos saberes, a relação pensamento/comunicação e a gênese do senso comum. De acordo com Moscovici (1978), as representações coletivas seriam um objeto de estudo adequado num contexto de sociedades menos complexas, como as estudadas por Durkheim. Para o autor, seria necessária uma revisão deste conceito no âmbito da Psicologia Social para compreender sociedades modernas da metade do século XX, caracterizadas pelo pluralismo, pelo desenvolvimento científico, pela comunicação de massa e pela rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorriam. Para explicar a passagem das representações coletivas às representações sociais, Moscovici (2001, p. 62) ressalta “a necessidade de fazer da representação uma passarela entre os mundos individual e social, de associá-la, em seguida, à perspectiva de uma sociedade em transformação, estimula a modificação em questão”. É neste contexto que Moscovici (1978) afirma que as representações sociais ocupam uma posição “mista”, na encruzilhada de uma série de conceitos sociológicos e de uma série de conceitos psicológicos, circulando, cruzando-se e se cristalizando por meio de uma fala, um gesto, um encontro no universo cotidiano dos indivíduos. Para o autor, elas estão presentes na maioria das relações sociais, nos objetos produzidos ou consumidos, nas comunicações trocadas. Nesta perspectiva, Jodelet (1996, p. 361-362) se refere às representações sociais como [...] uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. De uma maneira mais ampla, ele designa uma forma de pensamento social. As representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tal, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. A marca social dos conteúdos ou dos processos se refere às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais elas circulam e às funções que elas servem na interação do sujeito com o mundo e com os outros. De acordo com Sá (1998, p. 21-22), os fenômenos de representação social estão “na cultura, nas instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de massa e nos pensamentos individuais”. Para o autor (idem, p, 24), 4 [...] uma representação social é sempre de alguém (o sujeito) e de alguma coisa (o objeto). Não podemos falar em representação de alguma coisa sem especificar o sujeito – a população ou conjunto social – que mantém tal representação. Da mesma maneira, não faz sentido falar nas representações de um dado sujeito social sem especificar os objetos representados. Há cinquenta anos essa proposta teórica com origem na Psicologia Social vem se expandindo para outras áreas das Ciências Humanas, principalmente Educação, com instrumentos conceituais e metodológicos próprios. É possível destacar novas abordagens derivadas da ideia inicial proposta por Moscovici. Neste sentido observam-se três abordagens principais deste referencial teórico-metodológico: a abordagem processual, originada dos estudos de Denise Jodelet e Serge Moscovici em Paris, a abordagem estrutural proveniente da escola de Aix-en-Provence liderada por Jean-Claude Abric e a abordagem posicional, proposta por Willem Doise em Genebra. Em relação à abordagem processual, Moscovici (1978, p.61) descreve a formação da representação de um objeto social por meio de dois processos cognitivos fundamentais: a objetivação e a ancoragem. Ancorar é transformar “algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o comparar com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada”. O processo de objetivação remete à união da ideia de nãofamiliaridade com a de realidade. A objetivação está relacionada a uma característica do pensamento social, a saber, a de tornar concreto o abstrato, de materializar a palavra. Objetivar “é descobrir a qualidade icônica de uma idéia, ou ser impreciso, é reproduzir um conceito em uma imagem” (idem, p. 71-72). De acordo com o autor, os processos de ancoragem e objetivação não ocorrem isoladamente. Eles estão vinculados à cristalização de uma representação em torno de um núcleo figurativo e a um sistema de interpretação da realidade e determinação de comportamentos. . Na abordagem estrutural, Abric (1987) afirma que a representação se constitui de três elementos fundamentais: um núcleo central, um conjunto de informações, atitudes e crenças organizadas em torno deste núcleo central, e um sistema periférico. O núcleo central tem duas funções: gerar o significado dos outros elementos constitutivos da representação e organizar a natureza dos laços que interligam os elementos da representação. Logo, o núcleo central unifica e estabiliza a representação e é comum aos membros de um mesmo grupo. Ou seja, ele é a base comum de significação que os indivíduos partilham quanto aos significados que desejam atribuir ao objeto representado. O sistema periférico, que se encontra em torno do núcleo central, tem um caráter prescritivo e condicional. Apesar de prescreverem ou descreverem as práticas, os elementos deste sistema estabelecem condições para que tais práticas se concretizem. 5 A outra abordagem ao estudo das representações sociais denomina-se abordagem sociodinâmica, ou posicional, e foi proposta por Doise (1990). Segundo o autor, o estudo das representações sociais deve compreender dois aspectos: a estrutura das relações sociais que define um conjunto de regras, de normas ou de valores (o metassistema) “que operam em seguida regulações no sistema cognitivo dos indivíduos” (DESCHAMPS&MOLINER, 2009, p.131); e o fato de que as representações “organizam os processos simbólicos que intervêm nas relações sociais”. O autor valoriza o processo de ancoragem e distingue três formas que o compõem. A ancoragem psicológica que está relacionada à superposição das representações em crenças em geral, às quais os indivíduos aderem em graus diferentes. A ancoragem sociológica se refere ao vínculo entre representações sociais e pertenças ou grupos sociais, ou seja, ela corresponde à inserção das representações nos grupos sociais. A ancoragem psicossociológica “diz respeito à imbricação das representações nas dinâmicas sociais” (DESCHAMPS&MOLINER, 2009, p.132). Desde o primeiro estudo de Moscovici é possível identificar as diversas abordagens dele derivadas e seu crescente grau de detalhamento analítico na tentativa de explicar fenômenos complexos representados por segmentos específicos de nossa sociedade em acelerada mudança. Destacam-se as três já mencionadas e outra que vem se delineando recentemente na pesquisa em representações sociais: a análise retórica. Cabe ressaltar que Moscovici (1978, p. 34), em seu estudo sobre RS da psicanálise, já propunha que a linguagem tem um papel fundamental no esclarecimento dos [...] esquemas de mensagens, isto é, construções mais ou menos coerentes representando as conexões lógicas e simbólicas atinentes à Psicanálise, assim como a organização desses esquemas. Sua construção inicia-se pela pesquisa de asserções significativas que pareçam resumir uma posição importante na visão de quem emite a asserção, ou no seu “discurso”. Porém, embora Moscovici enfatize a importância da linguagem, o tema não foi suficientemente desenvolvido nos estudos de representações sociais, o que revelou uma lacuna na teoria que outros autores vêm tentando aprofundar, entre eles Mazzotti (1998). Para este autor, os núcleos figurativos das representações sociais são constituídos por metáforas, que incluem os processos de objetivação e ancoragem. De acordo com ele, na investigação das representações sociais as metáforas têm papel organizador das práticas de um grupo social. A seguir, as palavras do autor: Parece-me que a teoria das representações sociais apresenta-se com as credenciais necessárias ao estabelecimento de uma teoria da metáfora, não o inverso, já que as representações sociais, enquanto produtos e processos, expressam significações que circulam em um dado grupo social, no qual se estabelecem as metáforas, as quais são reconhecidas pelos membros do grupo. (MAZZOTTI, 1998, p. 5-6). 6 O delineamento teórico-metodológico das representações sociais aqui apresentado, incluindo suas diferentes abordagens, não necessariamente incompatíveis, mostra que a atividade representativa constitui um processo psicossocial que permite tornar familiar e presente no universo interior do indivíduo um objeto que está distante, atribuindo-lhe significados compartilhados no grupo. Investigar este processo pode oferecer material para elaboração de propostas de ruptura de alguns valores e práticas já enraizados na realidade escolar, particularmente a da EJA. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: EDUCAÇÃO E EJA De acordo com Alves-Mazzotti (1994), para que mudanças sejam propiciadas através da Educação, é preciso compreender os processos simbólicos próprios à interação educativa, que envolvem as dimensões psicológica e social. A abordagem das representações sociais se adéqua a esta intenção, por seu caráter psicossocial e suas relações com as práticas. Nesse sentido, conhecer os significados atribuídos por diferentes atores que interagem no espaço escolar, incluindo conteúdos ensinados e outros objetos que lhes causam impacto, pode contribuir para lidar com os conflitos e amenizar a seletividade que o sistema escolar exerce. A escola é o lugar onde podem ser observados os fenômenos de representações sociais sob a perspectiva de vários sujeitos. Há as representações que os professores têm de sua prática profissional, que podem variar entre as diversas disciplinas do currículo, assim como a percepção que têm de seus alunos, de escola pública ou privada. Há as representações que os alunos têm de seus professores, que também podem ser diferentes dependendo da disciplina e da escola que frequentam, por opção ou coerção social. Some-se a esta complexa relação, a representação que diretores, coordenadores e outros membros da equipe escolar têm de seus professores, alunos, prática e seus pares. A família constitui outro elemento não menos importante da instituição escolar e suas crenças e valores podem igualmente variar. Por fim, não se pode desconsiderar o governo, representado pelo corpo político (presidente, governador, prefeito, entre outros) e técnico, responsável pelas políticas educacionais que, embora tentem cumprir as orientações previstas na Constituição Federal (BRASIL, 1988), encontram dificuldades para propor políticas que garantam o direito com equidade à formação dos jovens e adultos. Frequentemente, as diretrizes emanadas das esferas governamentais desconhecem a realidade das escolas e, apesar de suposto inovadorismo, já vêm tingidas com a cor do preconceito e da consequente exclusão. As pesquisas em representações sociais tentam abarcar as diferentes representações produzidas por esses grupos que direta ou indiretamente intervêm na escola. Gilly (2001, p. 321), um dos primeiros pesquisadores a estudar a relação entre representações sociais e o campo 7 da Educação, no contexto francês, alerta para o fato de que em alguns pesquisadores não fazem pleno uso dos princípios epistemológicos e metodológicos da teoria em seus estudos de questões educacionais. Para o autor, “O interesse essencial da noção de representação social para a compreensão dos fatos de Educação consiste no fato de que orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo”. Sendo um processo altamente complexo em que fatores sociais atuam e influenciam seus resultados, o estudo das representações sociais propicia a articulação entre Psicossociologia e Sociologia da Educação. Esta articulação inclui compreender “as relações entre a pertença a um determinado grupo social e as atitudes e comportamentos diante da escola, o modo como o professor concebe seu papel, etc” (idem, p. 322). Ela compreende ainda questões sobre a comunicação pedagógica em sala e a construção de saberes. Os aspectos mencionados acima devem ser considerados nos estudos sobre representações sociais envolvendo a EJA. Apesar das inúmeras tentativas de configurar a especificidade desta modalidade de ensino, Arroyo (2005, p. 19) destaca a indefinição, voluntarismo, campanhas emergenciais, soluções conjunturais no que diz respeito às “áreas de pesquisa, de políticas públicas e diretrizes educacionais, da formação de educadores e intervenção pedagógica”. A trajetória de insucessos da EJA quanto a garantir a jovens e adultos seu direito à educação é evidente. A criação, em julho de 2004, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), no MEC, a sociedade, por meio das ONGs, igrejas, MST, UNESCO e empresas privadas, e os fóruns de EJA dão, segundo o autor, “uma nova institucionalidade entre o Estado e a sociedade” (idem, p. 20). Todavia, falta-nos conhecer quem são os jovens e adultos para os quais as ações se dirigem. A EJA deixará de ser uma segunda oportunidade de tais alunos terem a garantia do direito à educação quando suas trajetórias sociais e escolares irregulares não significarem “sua paralisação nos tensos processos de sua formação mental, ética, identitária, cultural, social e política” (idem, p. 25). Quando a escola considerar e interagir com este saber acumulado dos jovens e adultos, vê-los com seu protagonismo positivo, a EJA desocupará o lugar da suplência, da solidariedade, da ação recuperadora, preventiva e moralizante para ser o espaço da formação inicial e continuada que restitui e consolida a cidadania plena. Embora estudos históricos e sociológicos possam produzir conhecimentos que venham ressaltar a especificidade da EJA, acreditamos que a abordagem psicossocial das representações sociais pode revelar o universo simbólico dos sujeitos envolvidos, como alunos, professores, gestores, famílias, funcionários e entorno da escola, representantes políticos. Uma questão fundamental a ser abordada é a relação entre o conhecimento do senso comum do grupo (universo consensual), particularmente de alunos e professores, e conhecimento científico 8 (universo reificado) transmitido pela instituição escolar, investigando-se o processo de aprendizagem e co-construção de conhecimento. Uma vez investigada a representação social dos diferentes grupos sobre diversas temáticas ligadas à EJA, mudanças nas práticas docentes e novas proposituras pedagógicas poderão promover a tão necessária mudança da realidade do ensino no Brasil. Os elementos aqui mencionados não pretendem esgotar a área fértil de pesquisa, mas apenas exemplificar o potencial de aplicação da abordagem teórico-metodológica das representações sociais na EJA. CONCLUSÃO Este trabalho teve a intenção de descrever uma perspectiva geral e breve da abordagem teórico-metodológica das representações sociais e seu potencial de estudos no campo da EJA. É preciso considerar que as pesquisas na área das representações sociais ainda estão em desenvolvimento, considerando-se que os primeiros trabalhos remontam há cerca de cinco décadas. Neste contexto, os estudos elaborados na área educacional atualmente podem também contribuir para o aprofundamento da teoria, principalmente por tratarem da relação entre cultura, conhecimento e ação na vida cotidiana dos grupos sociais. No mundo globalizado de hoje, quando as relações entre nações, a ordem econômica e a social encontram-se tão embaçadas, a velocidade das informações que chegam a todos é impressionantemente alta e leva-nos a perguntar como as pessoas estão efetivamente decifrando o mundo em que estão inseridas. A escola talvez seja a primeira instituição em que os conflitos se mostrem com muita intensidade. Os professores se frustram com as relações profissionais em que estão engajados. Os alunos, muitas vezes, ficam desmotivados ao constatarem o esforço redobrado que precisarão desprender para verem seus objetivos atingidos. As políticas educacionais propostas pelo governo em todas as suas esferas não parecem ter sido eficazes e, por isso, também, este parece ser um terreno fértil para a pesquisa em representações sociais nos diversos setores da educação. A importância da contribuição que o estudo das representações sociais pode dispensar à EJA é aquela própria dessa teoria: dar familiaridade aos saberes construídos no cotidiano dos estudantes e na prática pedagógica de professores dentro do espaço geossocial da escola, de modo promover mudanças na oferta dessa modalidade de ensino, que exige conhecimento e práxis específicos. 9 REFERÊNCIAS ABRIC, J.-C. De l´importance des représentations sociales dans le problème de l´exclusion sociale. In. ABRIC, J.-C. (Dir.). Exclusion sociale, insertion et prévention. Sainte Agne: Editions Erès, 1996. ABRIC, J.-C. Coopération, compétition et représentations sociales. Cousset: DelVal, 1987. ALVES-MAZZOTTI, A.J. Representações sociais e educação: a qualidade da pesquisa como meta política. In: OLIVEIRA, D.C.; CAMPOS, P.H.F. Representações sociais: uma teoria sem fronteiras. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005. (Col. Memória Social), p. 141-150. ALVES-MAZZOTTI, A.J. 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